Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA / SP
5338873-61.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal MARIA LUCIA LENCASTRE URSAIA
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
17/12/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 08/01/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. REEXAME NECESSÁRIO. NÃO CABIMENTO.
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ART. 42, CAPUT E § 2º DA LEI 8.213/91. QUALIDADE DE
SEGURADO. CARÊNCIA. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE REVELADA PELO
CONJUNTO PROBATÓRIO E CONDIÇÕES PESSOAIS DA PARTE AUTORA. REQUISITOS
PRESENTES. BENEFÍCIO DEVIDO. TERMO INICIAL. TERMO FINAL. CUMULAÇÃO COM
SALÁRIO. CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS.
- Com fundamento no inciso I do § 3º do artigo 496 do atual Código de Processo Civil, já vigente à
época da prolação da r. sentença, a remessa necessária não se aplica quando a condenação ou
o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários
mínimos.
- Verifico que a sentença se apresentou ilíquida, uma vez que julgou procedente o pedido inicial
para condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício e pagar diferenças, sem fixar o
valor efetivamente devido. Esta determinação, na decisão de mérito, todavia, não impõe que se
conheça da remessa necessária, uma vez que o proveito econômico daquela condenação não
atingirá o valor de mil salários mínimos ou mais. Precedentes desta Corte.
- Incapacidade para o exercício de trabalho que garanta a subsistência atestada pelo laudo
médico.
- De acordo com a perícia, a parte autora, em virtude das patologias diagnosticadas, está
incapacitada para o trabalho de forma total e temporária para a atividade habitual. Entretanto,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
considerando as condições pessoais da parte autora nesta data, especialmente a natureza da
doença e do trabalho que lhe garantia a sobrevivência e o tratamento indicado (cirúrgico), não há
falar em possibilidade de reabilitação, razão pela qual a incapacidade revela-se total e definitiva.
- Comprovada a incapacidade total e permanente para o trabalho, diante do conjunto probatório e
das condições pessoais da parte autora, bem como presentes os demais requisitos previstos nos
artigos 42, caput e §2º da Lei n.º 8.213/91, é devida a concessão do benefício de aposentadoria
por invalidez.
- A parte autora faz jus à concessão do auxílio-doença, desde 01/08/2019, conforme pedido
inicial, bem como à sua conversão em aposentadoria por invalidez, a partir da data do acórdão,
momento em que reconhecida a incapacidade total e permanente da parte autora para o trabalho,
descontando-se eventuais parcelas pagas administrativamente, por ocasião da liquidação da
sentença.
- Compete ao Tribunal reduzir a sentença aos limites do pedido, nos casos de decisão "ultra
petita", ou seja, aquela que encerra julgamento em desobediência ao disposto nos artigos 141 e
492, caput, ambos do novo Código de Processo Civil.
-O Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sessão de julgamento realizada em 24/06/2020, em
sede de recurso representativo da controvérsia (Tema 1.013 - Recurso Especial repetitivo
1786590/SP e 1788700/SP, Ministro HERMAN BENJAMIN), firmou posicionamento no sentido de
que “No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou
de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao
recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente”.
- Assim, são devidas as prestações do benefício no período de exercício de atividade
remunerada, uma vez que o fato de o autor ter continuado a trabalhar, mesmo após o surgimento
da doença, apenas demonstra que se submeteu a maior sofrimento físico para poder sobreviver.
- Nos termos do artigo 43, § 4º, da Lei n. 8.213/1991, na redação dada pela Lei 13.457/2017, o
segurado poderá ser convocado a qualquer momento para a avaliação das condições que
ensejaram o afastamento da aposentadoria por invalidez, concedida judicial ou
administrativamente, ressalvado o disposto no artigo 101 do referido diploma legal. Assim, diante
do caráter do benefício ora concedido, não há falar fixação de prazo para a sua duração.
- Sem custas ou despesas processuais, por ser a autora beneficiária da assistência judiciária
gratuita.
- Reexame necessário não conhecido. Apelações do INSS e da parte autora parcialmente
providas.
Acórdao
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5338873-61.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: MARIA DO SOCORRO TORRES DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: WENDELL HELIODORO DOS SANTOS - SP225922-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARIA DO SOCORRO
TORRES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: WENDELL HELIODORO DOS SANTOS - SP225922-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5338873-61.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: MARIA DO SOCORRO TORRES DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: WENDELL HELIODORO DOS SANTOS - SP225922-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARIA DO SOCORRO
TORRES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: WENDELL HELIODORO DOS SANTOS - SP225922-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Proposta ação de conhecimento
de natureza previdenciária, objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-
doença, sobreveio sentença de parcial procedência do pedido, condenando-se a autarquia
previdenciária a conceder o auxílio-doença, devendo “mantê-lo por 18 (dezoito) meses, sendo o
início da incapacidade em Março de 2015 e o laudo pericial realizado em 15/02/2020, devendo
submeter-se novo tratamento cirúrgico, para posterior reavaliação”, com correção monetária e
juros de mora, além do pagamento das custas judiciais, despesas processuais e dos honorários
advocatícios, estes fixados em R$ 1.000,00 (mil reais).
A r. sentença foi submetida ao reexame necessário.
Inconformada, a autarquia previdenciária interpôs recurso de apelação, pugnando pela reforma
da sentença, para que seja julgado improcedente o pedido, sustentando a não comprovação dos
requisitos para a concessão do benefício. Subsidiariamente, requer a fixação do termo inicial e
prazo final do benefício, desvinculando a sua cessação da realização de cirurgia, bem assim a
isenção de custas e despesas processuais.
Por sua vez, a parte autora também apelou, postulando a concessão do benefício de
aposentadoria por invalidez.
Com contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal.
É o relatório.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5338873-61.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: MARIA DO SOCORRO TORRES DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: WENDELL HELIODORO DOS SANTOS - SP225922-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARIA DO SOCORRO
TORRES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: WENDELL HELIODORO DOS SANTOS - SP225922-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Inicialmente, recebo os recursos
de apelação do INSS e da parte autora, nos termos do artigo 1.010 do novo Código de Processo
Civil, haja vista que tempestivos.
Com fundamento no inciso I do § 3º do artigo 496 do atual Código de Processo Civil, já vigente à
época da prolação da r. sentença, a remessa necessária não se aplica quando a condenação ou
o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários
mínimos.
Verifico que a sentença se apresentou ilíquida, uma vez que julgou procedente o pedido inicial
para condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício e pagar diferenças, sem fixar o
valor efetivamente devido. Esta determinação, na decisão de mérito, todavia, não impõe que se
conheça da remessa necessária, uma vez que o proveito econômico daquela condenação não
atingirá o valor de mil salários mínimos ou mais.
Observo que esta Corte vem firmando posicionamento no sentido de que, mesmo não sendo de
valor certo, quando evidente que o proveito econômico da sentença não atingirá o limite de mil
salários mínimos resta dispensada a remessa necessária, com recorrente não conhecimento de
tal recurso de ofício (Apelação/Reexame Necessário nº 0003371-69.2014.4.03.6140 – Relator
Des. Fed. Paulo Domingues; Apelação/Remessa Necessária nº 0003377-59.2015.4.03.6102/SP –
Relator Des. Fed. Luiz Stefanini; Apelação/Reexame Necessário nº 5882226-31.2019.4.03.9999 –
Relator Des. Fed. Newton de Lucca).
Assim, de rigor a não submissão do julgado ao reexame necessário.
Os requisitos para a concessão da aposentadoria por invalidez, de acordo com o artigo 42, caput
e § 2.º, da Lei n.º 8.213/91, são os que seguem: 1) qualidade de segurado; 2) cumprimento da
carência, quando for o caso; 3) incapacidade insuscetível de reabilitação para o exercício de
atividade que garanta a subsistência; 4) não serem a doença ou a lesão existentes antes da
filiação à Previdência Social, salvo se a incapacidade sobrevier por motivo de agravamento
daquelas. Enquanto que, de acordo com os artigos 59 e 62 da Lei n.º 8.213/91, o benefício de
auxílio-doença é devido ao segurado que fica incapacitado temporariamente para o exercício de
suas atividades profissionais habituais, bem como àquele cuja incapacidade, embora
permanente, não seja total, isto é, haja a possibilidade de reabilitação para outra atividade que
garanta o seu sustento.
A qualidade de segurado da parte autora e o cumprimento da carência prevista no inciso I do
artigo 25 da Lei nº 8.213/91 restaram comprovadas, uma vez que recebeu o benefício de auxílio-
doença, cessado administrativamente em 24/04/2019, conforme se verifica da documentação
juntada aos autos (id 144118223). Dessa forma, estes requisitos foram reconhecidos por ocasião
da concessão do benefício de auxílio-doença. Proposta a ação em 28/11/2019, não há falar em
perda da qualidade de segurado, uma vez que da data da cessação do auxílio-doença até a data
da propositura da presente demanda não se ultrapassou o período de graça previsto no artigo 15,
inciso II, da Lei n.º 8.213/91, considerando que não perde a qualidade de segurado aquele que se
encontra em gozo de benefício.
Por outro lado, para a solução da lide, ainda, é de substancial importância a prova técnica
produzida. Neste passo, a incapacidade para o exercício de trabalho que garanta a subsistência
foi atestada pelo laudo pericial elaborado em juízo (id 144118205). Segundo referido laudo, a
parte autora está incapacitada de forma total e temporária para o trabalho habitual, “aguardando
novo tratamento cirúrgico”, após o qual deverá ser reavaliada (pág. 4).
Entretanto, considerando as condições pessoais da parte autora, seu grau de instrução, a
natureza da doença, do trabalho que lhe garantia a sobrevivência e o tratamento proposto
(cirúrgico), não há falar em possibilidade de reabilitação, razão pela qual a incapacidade revela-se
total e definitiva.
Assim já decidiu esta Corte Regional, conforme a seguinte ementa de acórdão:
"AGRAVO LEGAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE
PARCIAL CONSIDERADA TOTAL. POSSIBILIDADE. INVALIDEZ. FENÔMENO QUE DEVE SER
ANALISADO TAMBÉM À LUZ DAS CONDIÇÕES PESSOAIS E SÓCIO-CULTURAIS DO
SEGURADO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO. I - Em sede de agravo, a
controvérsia limita-se ao exame da ocorrência, ou não, de flagrante ilegalidade ou abuso de
poder, a gerar dano irreparável ou de difícil reparação para a parte, vícios inexistentes na decisão
que deu parcial provimento ao recurso adesivo do autor para determinar o pagamento do
benefício (auxílio-doença NB 514.624.575-0) a contar da data imediatamente posterior à indevida
cessação, com a conversão em aposentadoria por invalidez a contar da data do laudo pericial
(24/10/2006). II - A invalidez é fenômeno que deve ser analisado também à luz das condições
pessoais e sócio-culturais do segurado. III - Pelo nível social e cultural da parte autora não seria
possível acreditar-se na sua recuperação para outra atividade que fosse compatível com as
limitações estampadas no laudo pericial. IV - Restou demonstrado que o segurado está total e
definitivamente incapacitado para toda e qualquer atividade laborativa. V - O réu, ora agravante,
não apresentou nenhum argumento questionando a higidez da decisão agravada, nada
mencionou sobre uma eventual omissão no julgado, ou a ocorrência de ilegalidade ou abuso de
poder, restringiu-se somente em reproduzir os mesmos argumentos já enfrentados na decisão
proferida por este relator. VI - Agravo improvido."(APELREE nº 1410235, Relatora
Desembargadora Federal Marisa Santos, j. 28/09/2009, DJF3 CJ1 DATA:28/10/2009, p. 1725).
Ressalte-se que o julgador não está adstrito às conclusões do laudo pericial, podendo formar sua
convicção pela análise do conjunto probatório trazido aos autos.
Assim, uma vez preenchidos os requisitos legais, é devida a concessão da aposentadoria por
invalidez pleiteada.
Observa-se, ainda, que a sentença recorrida não foi clara com relação ao termo inicial do
benefício de auxílio-doença, sendo que o pedido formulado na petição inicial limitou-se a postular
a concessão do benefício desde 01/08/2019 (id 144118184 - Pág. 6). Ressalte-se que a
jurisprudência consolidou-se no sentido de que ao Tribunal compete reduzir a sentença aos
limites do pedido, nos casos de decisão "ultra petita", ou seja, aquela que encerra julgamento em
desobediência ao disposto nos artigos 141 e 492, caput, ambos do Código de Processo Civil.
Dessa maneira, reduzo a sentença aos estreitos limites do pedido formulado na petição inicial,
fixando o termo inicial do auxílio-doença em 01/08/2019 e determino a sua conversão em
aposentadoria por invalidez, a partir da data do acórdão, momento em que reconhecida a
incapacidade total e permanente da parte autora para o trabalho, descontando-se eventuais
parcelas pagas administrativamente, por ocasião da liquidação da sentença.
Outrossim, alega a autarquia que o benefício não é devido nos períodos em que a parte autora
continuou a exercer atividade remunerada, efetuando o recolhimento de contribuições
previdenciárias, como contribuinte individual, após a cessação do benefício.
O Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sessão de julgamento realizada em 24/06/2020, em
sede de recurso representativo da controvérsia (Tema 1.013 - Recurso Especial repetitivo
1786590/SP e 1788700/SP, Ministro HERMAN BENJAMIN), firmou posicionamento no sentido de
que “No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou
de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao
recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente”, conforme
ementa a seguir transcrita:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ARTS.
1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015. TEMA REPETITIVO 1.013/STJ. BENEFÍCIO POR
INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E AUXÍLIO-DOENÇA. DEMORA NA
IMPLEMENTAÇÃO DO BENEFÍCIO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE REMUNERADA PELO
SEGURADO. NECESSIDADE DE SUBSISTÊNCIA DO SEGURADO. FUNÇÃO SUBSTITUTIVA
DA RENDA NÃO CONSUBSTANCIADA. POSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO CONJUNTO DA
RENDA DO TRABALHO E DAS PARCELAS RETROATIVAS DO BENEFÍCIO ATÉ A EFETIVA
IMPLANTAÇÃO. TESE REPETITIVA FIXADA. IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DA
CONTROVÉRSIA
1. O tema repetitivo ora controvertido consiste em definir a "possibilidade de recebimento de
benefício, por incapacidade, do Regime Geral de Previdência Social, de caráter substitutivo da
renda (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez), concedido judicialmente em período de
abrangência concomitante àquele em que o segurado estava trabalhando e aguardava o
deferimento do benefício."
2. Os fatos constatados no presente Recurso Especial consistem cronologicamente em: a) o
segurado teve indeferido benefício por incapacidade (auxílio-doença ou aposentadoria por
invalidez) na via administrativa; b) para prover seu sustento, trabalhou após o indeferimento e
entrou com ação judicial para a concessão de benefício por incapacidade; c) a ação foi julgada
procedente para conceder o benefício desde o requerimento administrativo, o que acabou por
abranger o período de tempo em que o segurado trabalhou; e d) o debate, travado ainda na fase
ordinária, consiste no entendimento do INSS de que o benefício por incapacidade concedido
judicialmente não pode ser pago no período em que o segurado estava trabalhando, ante seu
caráter substitutivo da renda e à luz dos arts. 42, 46 e 59 da Lei 8.213/1991.
3. A presente controvérsia e, consequentemente, a tese repetitiva que for fixada não abrangem as
seguintes hipóteses:
3.1. O segurado está recebendo regularmente benefício por incapacidade e passa a exercer
atividade remunerada incompatível com sua incapacidade, em que não há o caráter da
necessidade de sobrevivência como elemento que justifique a cumulação, e a função substitutiva
da renda do segurado é implementada de forma eficaz. Outro aspecto que pode ser analisado
sob perspectiva diferente é o relativo à boa-fé do segurado. Há jurisprudência das duas Turmas
da Primeira Seção que analisa essa hipótese, tendo prevalecido a compreensão de que há
incompatibilidade no recebimento conjunto das verbas. A exemplo: AgInt no REsp 1.597.369/SC,
Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 13.4.2018; REsp 1.454.163/RJ, Rel.
Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18.12.2015; e REsp 1.554.318/SP, Rel.
Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 2.9.2016.
3.2. O INSS alega o fato impeditivo do direito (o exercício de trabalho pelo segurado) somente na
fase de cumprimento da sentença, pois há elementos de natureza processual prejudiciais à
presente tese a serem considerados, notadamente a aplicabilidade da tese repetitiva fixada no
REsp 1.253.513/AL (Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJe de 20.8.2012).
RESOLUÇÃO DA TESE CONTROVERTIDA
4. Alguns benefícios previdenciários possuem a função substitutiva da renda auferida pelo
segurado em decorrência do seu trabalho, como mencionado nos arts. 2º, VI, e 33 da Lei
8.213/1991. Em algumas hipóteses, a substitutividade é abrandada, como no caso de ser
possível a volta ao trabalho após a aposentadoria por tempo de contribuição (art. 18, § 2º, da Lei
8.213/1991). Em outras, a substitutividade resulta na incompatibilidade entre as duas situações
(benefício e atividade remunerada), como ocorre com os benefícios auxílio-doença por
incapacidade e aposentadoria por invalidez.
5. Desses casos de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, é pressuposto que a
incapacidade total para o trabalho seja temporária ou definitiva, respectivamente.
6. Como consequência, o Regime Geral de Previdência Social arca com os citados benefícios por
incapacidade para consubstanciar a função substitutiva da renda, de forma que o segurado que
não pode trabalhar proveja seu sustento.
7. A cobertura previdenciária, suportada pelo regime contributivo solidário, é o provimento do
sustento do segurado enquanto estiver incapaz para o trabalho.
8. É decorrência lógica da natureza dos benefícios por incapacidade, substitutivos da renda, que
a volta ao trabalho seja, em regra, causa automática de cessação desses benefícios, como se
infere do requisito da incapacidade total previsto nos arts. 42 e 59 da Lei 8.213/1991, com
ressalva ao auxílio-doença.
9. No caso de aposentadoria por invalidez, o art. 42 da Lei de Benefícios da Previdência Social
(LBPS) estabelece como requisito a incapacidade "para o exercício de atividade que lhe garanta
a subsistência", e, assim, a volta a qualquer atividade resulta no automático cancelamento do
benefício (art. 46).
10. Já o auxílio-doença estabelece como requisito (art. 59) que o segurado esteja "incapacitado
para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual". Desse modo, a função substitutiva do
auxílio-doença é restrita às duas hipóteses, fora das quais o segurado poderá trabalhar em
atividade não limitada por sua incapacidade.
11. Alinhada a essa compreensão, já implícita desde a redação original da Lei 8.213/1991, a Lei
13.135/2015 incluiu os §§ 6º e 7º no art. 60 daquela, com a seguinte redação (grifos
acrescentados): "§ 6º O segurado que durante o gozo do auxílio-doença vier a exercer atividade
que lhe garanta subsistência poderá ter o benefício cancelado a partir do retorno à atividade. § 7º
Na hipótese do § 6º, caso o segurado, durante o gozo do auxílio-doença, venha a exercer
atividade diversa daquela que gerou o benefício, deverá ser verificada a incapacidade para cada
uma das atividades exercidas." 12. Apresentado esse panorama legal sobre o tema, importa
estabelecer o ponto diferencial entre a hipótese fática dos autos e aquela tratada na lei: aqui o
segurado requereu o benefício, que lhe foi indeferido, e acabou trabalhando enquanto não obteve
seu direito na via judicial; já a lei trata da situação em que o benefício é concedido, e o segurado
volta a trabalhar.
13. A presente controvérsia cuida de caso, portanto, em que falhou a função substitutiva da
renda, base da cobertura previdenciária dos benefícios auxílio-doença e aposentadoria por
invalidez.
14. O provimento do sustento do segurado não se materializou, no exato momento da
incapacidade, por falha administrativa do INSS, que indeferiu incorretamente o benefício, sendo
inexigível do segurado que aguarde a efetivação da tutela jurisdicional sem que busque, pelo
trabalho, o suprimento da sua subsistência.
15. Por culpa do INSS, resultado do equivocado indeferimento do benefício, o segurado teve de
trabalhar, incapacitado, para o provimento de suas necessidades básicas, o que doutrinária e
jurisprudencialmente convencionou-se chamar de sobre-esforço. Assim, a remuneração por esse
trabalho tem resultado inafastável da justa contraprestação pecuniária.
16. Na hipótese, o princípio da vedação do enriquecimento sem causa atua contra a autarquia
previdenciária, pois, por culpa sua - indeferimento equivocado do benefício por incapacidade -, o
segurado foi privado da efetivação da função substitutiva da renda laboral, objeto da cobertura
previdenciária, inerente aos mencionados benefícios.
17. Como tempero do elemento volitivo do segurado, constata-se objetivamente que, ao trabalhar
enquanto espera a concessão de benefício por incapacidade, está ele atuando de boa-fé,
cláusula geral hodiernamente fortalecida na regência das relações de direito.
18. Assim, enquanto a função substitutiva da renda do trabalho não for materializada pelo efetivo
pagamento do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, é legítimo que o segurado
exerça atividade remunerada para sua subsistência, independentemente do exame da
compatibilidade dessa atividade com a incapacidade laboral.
19. No mesmo sentido do entendimento aqui defendido: AgInt no AREsp 1.415.347/SP, Rel.
Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, Je de 28.10.2019; REsp 1.745.633/PR, Rel. Ministro
Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 18.3.2019; AgInt no REsp 1.669.033/SP, Rel. Ministro
Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 30.8.2018; REsp 1.573.146/SP, Rel.
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 13.11.2017; AgInt no AgInt no
AREsp 1.170.040/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 10.10.2018; AgInt no
REsp 1.620.697/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 2.8.2018; AgInt
no AREsp 1.393.909/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 6.6.2019; e REsp
1.724.369/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 25.5.2018.
FIXAÇÃO DA TESE REPETITIVA
20. O Tema Repetitivo 1.013/STJ é assim resolvido: "No período entre o indeferimento
administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez,
mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas
do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo
benefício previdenciário pago retroativamente."
RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO
21. Ao Recurso Especial deve-se negar provimento, pois o Tribunal de origem julgou o presente
caso no mesmo sentido do entendimento aqui proposto (fl. 142-143/e-STJ): "A permanência do
segurado no exercício das atividades laborativas decorre da necessidade de prover sua
subsistência enquanto a administração ou o Judiciário não reconheça sua incapacidade, não
obstando a concessão do benefício vindicado durante a incapacidade."
22. Consubstanciado o que previsto no Enunciado Administrativo 7/STJ, o recorrente é
condenado ao pagamento de honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor total
da verba sucumbencial fixada nas instâncias ordinárias, com base no § 11 do art. 85 do
CPC/2015.
CONCLUSÃO
23. Recurso Especial não provido, sob o rito dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015.”
Assim, são devidas as prestações do benefício no período de exercício de atividade remunerada,
uma vez que o fato de o segurado ter continuado a trabalhar, mesmo após o surgimento da
doença, apenas demonstra que se submeteu a maior sofrimento físico para poder sobreviver.
Nos termos do artigo 43, § 4º, da Lei n. 8.213/1991, na redação dada pela Lei 13.457/2017, o
segurado poderá ser convocado a qualquer momento para a avaliação das condições que
ensejaram o afastamento da aposentadoria por invalidez, concedida judicial ou
administrativamente, ressalvado o disposto no artigo 101 do referido diploma legal. Assim, diante
do caráter do benefício ora concedido, não há falar fixação de prazo para a sua duração.
Por fim, a autarquia previdenciária está isenta do pagamento de custas e emolumentos, nos
termos do art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96, do art. 24-A da Lei nº 9.028/95 (dispositivo
acrescentado pela Medida Provisória nº 2.180-35/01) e do art. 8º, § 1º, da Lei nº 8.620/93, o que
não inclui as despesas processuais. Todavia, a isenção de que goza a autarquia não obsta a
obrigação de reembolsar as custas suportadas pela parte autora, quando esta é vencedora na
lide. Entretanto, no presente caso, não há falar em custas ou despesas processuais, por ser a
autora beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS para reduzir a
sentença aos limites do pedido e isentar a autarquia do pagamento das custas e despesas
processuais E DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃODA PARTE AUTORA para
determinar a conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, na data do acórdão,
conforme a fundamentação.
Independentemente do trânsito em julgado, comunique-se ao INSS, a fim de que se adotem as
providências cabíveis à imediata implantação do benefício de aposentadoria por invalidez, em
nome de MARIA DO SOCORRO TORRES DA SILVA, com data de início - DIB na data do
acórdão e renda mensal inicial - RMI a ser calculada pelo INSS, nos termos do art. 497 do CPC.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. REEXAME NECESSÁRIO. NÃO CABIMENTO.
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ART. 42, CAPUT E § 2º DA LEI 8.213/91. QUALIDADE DE
SEGURADO. CARÊNCIA. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE REVELADA PELO
CONJUNTO PROBATÓRIO E CONDIÇÕES PESSOAIS DA PARTE AUTORA. REQUISITOS
PRESENTES. BENEFÍCIO DEVIDO. TERMO INICIAL. TERMO FINAL. CUMULAÇÃO COM
SALÁRIO. CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS.
- Com fundamento no inciso I do § 3º do artigo 496 do atual Código de Processo Civil, já vigente à
época da prolação da r. sentença, a remessa necessária não se aplica quando a condenação ou
o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários
mínimos.
- Verifico que a sentença se apresentou ilíquida, uma vez que julgou procedente o pedido inicial
para condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício e pagar diferenças, sem fixar o
valor efetivamente devido. Esta determinação, na decisão de mérito, todavia, não impõe que se
conheça da remessa necessária, uma vez que o proveito econômico daquela condenação não
atingirá o valor de mil salários mínimos ou mais. Precedentes desta Corte.
- Incapacidade para o exercício de trabalho que garanta a subsistência atestada pelo laudo
médico.
- De acordo com a perícia, a parte autora, em virtude das patologias diagnosticadas, está
incapacitada para o trabalho de forma total e temporária para a atividade habitual. Entretanto,
considerando as condições pessoais da parte autora nesta data, especialmente a natureza da
doença e do trabalho que lhe garantia a sobrevivência e o tratamento indicado (cirúrgico), não há
falar em possibilidade de reabilitação, razão pela qual a incapacidade revela-se total e definitiva.
- Comprovada a incapacidade total e permanente para o trabalho, diante do conjunto probatório e
das condições pessoais da parte autora, bem como presentes os demais requisitos previstos nos
artigos 42, caput e §2º da Lei n.º 8.213/91, é devida a concessão do benefício de aposentadoria
por invalidez.
- A parte autora faz jus à concessão do auxílio-doença, desde 01/08/2019, conforme pedido
inicial, bem como à sua conversão em aposentadoria por invalidez, a partir da data do acórdão,
momento em que reconhecida a incapacidade total e permanente da parte autora para o trabalho,
descontando-se eventuais parcelas pagas administrativamente, por ocasião da liquidação da
sentença.
- Compete ao Tribunal reduzir a sentença aos limites do pedido, nos casos de decisão "ultra
petita", ou seja, aquela que encerra julgamento em desobediência ao disposto nos artigos 141 e
492, caput, ambos do novo Código de Processo Civil.
-O Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sessão de julgamento realizada em 24/06/2020, em
sede de recurso representativo da controvérsia (Tema 1.013 - Recurso Especial repetitivo
1786590/SP e 1788700/SP, Ministro HERMAN BENJAMIN), firmou posicionamento no sentido de
que “No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou
de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao
recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente”.
- Assim, são devidas as prestações do benefício no período de exercício de atividade
remunerada, uma vez que o fato de o autor ter continuado a trabalhar, mesmo após o surgimento
da doença, apenas demonstra que se submeteu a maior sofrimento físico para poder sobreviver.
- Nos termos do artigo 43, § 4º, da Lei n. 8.213/1991, na redação dada pela Lei 13.457/2017, o
segurado poderá ser convocado a qualquer momento para a avaliação das condições que
ensejaram o afastamento da aposentadoria por invalidez, concedida judicial ou
administrativamente, ressalvado o disposto no artigo 101 do referido diploma legal. Assim, diante
do caráter do benefício ora concedido, não há falar fixação de prazo para a sua duração.
- Sem custas ou despesas processuais, por ser a autora beneficiária da assistência judiciária
gratuita.
- Reexame necessário não conhecido. Apelações do INSS e da parte autora parcialmente
providas. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Decima Turma, por
unanimidade, decidiu nao conhecer do reexame necessario e dar parcial provimento as
apelacoes do INSS e da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
