
| D.E. Publicado em 10/04/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conhecer da apelação do INSS, rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, dar-lhe provimento, restando prejudicada a apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | RODRIGO ZACHARIAS:10173 |
| Nº de Série do Certificado: | 11A21709124EAE41 |
| Data e Hora: | 22/03/2018 19:50:29 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010327-35.2015.4.03.6183/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Cuida-se de apelações interpostas em face da r. sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o INSS a conceder aposentadoria por invalidez à parte autora, desde a cessação do auxílio-doença (22/11/1999), observada a prescrição quinquenal, discriminados os consectários legais, antecipados os efeitos da tutela. Ademais, julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais.
Nas razões de apelo, a autarquia requer, preliminarmente, seja a sentença submetida ao reexame necessário. Alega, ainda, a ocorrência de coisa julgada e exora a extinção do processo. No mérito, sustenta a perda da qualidade de segurado e requer a reforma integral do julgado, com a revogação da tutela e a devolução dos valores pagos. Subsidiariamente, impugna os critérios de incidência da correção monetária e os honorários de advogado. Por fim, prequestiona a matéria.
Por sua vez, a parte autora requer a condenação do INSS ao pagamento de indenização pelos danos morais que alega ter sofrido.
Contrarrazões apresentadas.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço dos recursos, porquanto presentes os requisitos de admissibilidade.
Inadmissível a remessa oficial, por ter sido proferida a sentença na vigência do Novo CPC, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos. No caso, a toda evidência não se excede esse montante, devendo a certeza matemática prevalecer sobre o teor da súmula nº 490 do Superior Tribunal de Justiça.
No mais, afasto a alegação de coisa julgada material.
Em se tratando de ação na qual pleiteia aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, em princípio, é possível a propositura de nova ação com pleito do mesmo benefício, desde que fundada em causa de pedir diversa, decorrente de possível agravamento do estado de saúde da parte ou do surgimento de novas enfermidades.
Acerca do tema, transcrevo julgado desta Corte:
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. COISA JULGADA . INOCORRÊNCIA. I - Tratando-se de ação de aposentadoria por invalidez, ou auxílio-doença, não ocorre a coisa julgada material, podendo configurar-se causa de pedir diversa, decorrente de eventual agravamento do estado de saúde do autor. II - Necessária a realização de prova pericial a fim de se concluir quanto à existência de eventual agravamento do estado de saúde do autor, bem como a configuração de sua incapacidade laboral, somente possível na fase instrutória do feito. III - preliminar arguida pelo autor acolhida, determinando-se o retorno dos autos à Vara de origem para processamento do feito e novo julgamento. Mérito da apelação prejudicado."
(AC 200661130035390, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1254160, Rel. Des. Fed. SERGIO NASCIMENTO, 10ª TURMA, DJF3 DATA:21/5/2008)
Esse raciocínio, entretanto, não permite à parte autora a propositura de várias ações discutindo a mesma moléstia, à busca de decisões judiciais diversas, a partir de uma conclusão médica.
Neste caso, contudo, a parte autora aponta o agravamento de seu estado de saúde, e apresentou novo indeferimento administrativo do benefício. Por consequência, pode ter havido modificação do estado de fato, o que legitima a propositura desta ação, observados os limites da coisa julgada da ação anterior.
Afasto, portanto, a preliminar e passo a análise do mérito recursal.
Discute-se nos autos o preenchimento dos requisitos para a concessão de benefício por incapacidade à parte autora.
A aposentadoria por invalidez, segundo a dicção do art. 42 da Lei n. 8.213/91, é devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz para o trabalho e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência.
O auxílio-doença, benefício pago se a incapacidade for temporária, é disciplinado pelo art. 59 da Lei n. 8.213/91, e a aposentadoria por invalidez tem seus requisitos previstos no art. 42 da Lei 8.213/91.
Assim, o evento determinante para a concessão desses benefícios é a incapacidade para o trabalho.
São exigidos à concessão desses benefícios: a qualidade de segurado, a carência de doze contribuições mensais - quando exigida, a incapacidade para o trabalho de forma permanente e insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (aposentadoria por invalidez) e a incapacidade temporária (auxílio-doença), bem como a demonstração de que o segurado não era portador da alegada enfermidade ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.
No caso dos autos, o autor, nascido em 1952, porteiro, submeteu-se a duas perícias médicas.
A perícia na especialidade cardiologia/clínica médica, realizada em 1º/12/2016, concluiu pela "não caracterização de situação de incapacidade laborativa atual pelo quadro clínico e dados referidos".
Já a perícia da médica psiquiatra, ocorrida em 7/12/2017, atestou que o autor está total e permanentemente incapacitado para o trabalho, por ser "portador de um quadro de depressão endógena crônica que vem se arrastando desde 1989 e que se complicou depois que o autor sofreu acidente vascular cerebral em 1998".
Afirmou a perita: "Não conseguiu mais desenvolver atividade remunerada, seja pelo quadro psiquiátrico, seja pelas sequelas do AVC, da doença de Chagas e da hipertensão arterial (...)".
E esclareceu: "No caso em tela, o autor vem apresentando sintomas depressivos desde 1989 e conseguiu trabalhar até 1998, quando teve complicações clínicas de hipertensão arterial e mal de chagas, ficando com sequelas. Piorou ainda mais da depressão e nunca mais se recuperou. Atualmente já apresenta sequelas cognitivas importantes pelo longo tempo e evolução da doença".
A médica então concluiu: "Incapacitado de forma total e permanente para o trabalho. Data de início de incapacidade do autor fixada em 17/04/1998 quando a autarquia reconheceu a incapacidade laborativa do autor".
Lembro, por oportuno, que o magistrado não está adstrito ao laudo pericial.
Resta verificar, entretanto, os demais requisitos para a concessão do benefício - qualidade de segurado e carência.
De acordo com os dados do CNIS, a parte autora manteve vínculos trabalhistas de 4/1976 a 4/1998.
Nesse passo, ainda que fosse possível a aplicação da prorrogação máxima do período de graça previsto no artigo 15 da Lei 8.213/1991, o autor manteria sua a qualidade de segurado somente a até 15/6/2000, quando decorrido o prazo legal previsto no referido dispositivo legal.
Ocorre que, muito embora o laudo do perito judicial tenha apontado o início da incapacidade ocorreu em 1998, tal afirmação encontra óbice na coisa julgada material decorrente do trânsito em julgado da ação n. 0075364-29.2004.4.03.6301, que tramitou no Juizado Especial Federal de São Paulo.
Naquela ação anterior, ajuizada em 4/5/2004, a parte autora visava à concessão de benefício por incapacidade, alegando estar incapacitada desde 1998, quando deixou de trabalhar. Ocorre que sua pretensão foi julgada improcedente em 10/2/2005 em razão da perícia judicial naqueles autos ter sido conclusiva pela ausência de incapacidade laboral total (f. 354/372), sobrevindo o trânsito em julgado em 16/12/2005.
Logo, a constatação de ausência de incapacidade laboral no período objeto da ação anterior (de 1998 a 2005) adquiriu o atributo de coisa julgada e, por esse motivo, é imutável e, assim, infirma a conclusão pericial no sentido de que o autor está incapacitado para o trabalho desde 1998.
Portanto, a coisa julgada material impede apontar o início da incapacidade laboral do autor em data anterior a do trânsito em julgado daquela ação, ocorrido em 16/12/2005.
Em decorrência, não há que se falar em manutenção da qualidade de segurado da parte, pois deixou de trabalhar em 1998 e não mais voltou a se vincular à Previdência Social.
Cabe acrescentar que as decisões administrativas proferidas no procedimento de revisão efetuado pela parte autora junto à autarquia não vinculam a conclusão judicial nestes autos.
Destaco, ainda, que, diferentemente do alegado pela parte autora, o indeferimento administrativo do novo pedido de concessão de benefício apresentado em 12/8/2014 (f. 378) se deu em razão do "não comparecimento para realização de exame médico pericial", o que não significa que os requisitos da qualidade de segurado e carência foram analisados pela autarquia.
Seja como for, na data do requerimento administrativo do benefício (12/8/2014), ou na data do ajuizamento desta ação (4/11/2015), a parte autora não detinha mais a qualidade de segurado há muitos anos, o que impede a concessão do benefício pretendido.
Operou-se, portanto, a caducidade dos direitos inerentes à qualidade de segurado da parte autora, nos termos do disposto no art. 102 da Lei n. 8.213/91.
Aplica-se à espécie o § 1º do mencionado artigo, pois a decisão judicial anterior transitada em julgado que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício por incapacidade em razão da ausência de incapacidade laboral infirma a alegação de que a parte autora deixou de trabalhar em virtude de suas doenças.
Nesse passo, muito embora a parte autora alegue não ter perdido a qualidade de segurado por ter deixado de trabalhar em razão das doenças apontadas, os demais elementos de prova apresentados não permitem convicção nesse sentido, mormente considerada a ação pretérita que julgou improcedentes os pedidos de concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez em razão justamente da ausência de incapacidade laboral.
Como dito, na ação anterior, o pedido de concessão de auxílio-doença foi julgado improcedente em 10/2/2005, frise-se, por ausência de incapacidade laboral, sobrevindo o trânsito em julgado em 16/12/2005. Assim, a ausência de incapacidade laboral no período alegado naquela ação está acorbertada pelo manto da coisa julgada, não merecendo prosperar, portanto, a conclusão do perito de que a parte autora se mantivera incapacitada desde aquela época.
Ressalto, por oportuno, haver significativa diferença entre a data de início da doença e a de início da incapacidade, sendo esta última adotada como critério para a concessão do benefício ora pleiteado.
Dessa forma, embora incapacitado para o trabalho habitual, é inviável é a concessão dos benefícios pleiteados, em razão da perda da qualidade de segurado da parte autora.
Nesse sentido, cito o seguinte julgado:
Nessas circunstâncias, os requisitos para a concessão dos benefícios requeridos não foram preenchidos, o que impõe a reforma integral da r. sentença.
Os valores recebidos por força da tutela provisória deverão ser devolvidos.
Quando patenteado o pagamento a maior de benefício, o direito de a Administração obter a devolução dos valores é inexorável, ainda que tivessem sido recebidos de boa-fé, à luz do disposto no artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.
Trata-se de norma cogente, que obriga o administrador a agir, sob pena de responsabilidade.
A lei normatizou a hipótese fática controvertida nestes autos e já trouxe as consequências para tanto, de modo que não cabe ao juiz fazer tabula rasa do direito positivo.
Trata-se de caso de enriquecimento ilícito (ou enriquecimento sem causa ou locupletamento).
O Código Civil estabelece, em seu artigo 876, que, tratando-se de pagamento indevido, "Todo aquele que recebeu o que não era devido fica obrigado a restituir".
Além disso, deve ser levado em conta o princípio geral do direito, positivado como regra no atual Código Civil, consistente na proibição do enriquecimento ilícito.
Assim reza o artigo 884 do Código Civil:
Segundo César Fiuza, em texto intitulado "O princípio do enriquecimento sem causa e seu regramento dogmático", publicado no site arcos.gov.br, esses são os requisitos para a sua configuração:
Como se vê do item quarto do parágrafo anterior, dispensa-se o elemento subjetivo (ou seja, a presença de má-fé) para a caracterização do enriquecimento ilícito e do surgimento do dever de restituir a quantia recebida.
Noutro passo, não há previsão de norma (regra ou princípio) no direito positivo brasileiro determinando que, por se tratar de verba alimentar, o benefício é irrepetível.
A construção jurisprudencial, que resultou no entendimento da irrepetibilidade das rendas recebidas a título de benefício previdenciário, por constituírem verba alimentar, pode incorrer em negativa de vigência à norma do artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.
E as regras acima citadas, previstas na lei e regulamentadas no Decreto nº 3.048/99, não afrontam a Constituição Federal. Logo, são válidas e eficazes.
A alegada hipossuficiência da parte autora não constitui razão plausível para a não repetição do indébito, mesmo porque o INSS representa, em última instância, a coletividade de hipossuficientes.
Há inúmeros precedentes no sentido da necessidade de devolução dos valores indevidamente recebidos da seguridade social, inclusive oriundos do Superior Tribunal de Justiça.
Trata-se do REsp 1.384.418/SC, de relatoria do ministro Herman Benjamin. "Não é suficiente, pois, que a verba seja alimentar, mas que o titular do direito o tenha recebido com boa-fé objetiva, que consiste na presunção da definitividade do pagamento", ponderou o relator.
Em outro precedente do Superior Tribunal de Justiça (REsp 988.171), o ministro Napoleão Nunes Maia Filho elucidou a questão da seguinte forma: "embora possibilite a fruição imediata do direito material, a tutela não perde a sua característica de provimento provisório e precário, daí porque a sua futura revogação acarreta a restituição dos valores recebidos em decorrência dela".
A Justiça, a propósito, avançou na análise das questões relativas à repetibilidade de prestações previdenciárias.
Com efeito, quanto aos casos de revogação da tutela antecipada, há inúmeros precedentes na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que abordaram a questão.
Posteriormente, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, uniformizou o entendimento quanto à necessidade de devolução, consoante se observa da análise da seguinte ementa:
Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento submetido ao regime de recurso repetitivo, consolidou o entendimento de que, em casos de cassação de tutela antecipada, a lei determina a devolução dos valores recebidos, ainda que se trate de verba alimentar e ainda que o beneficiário aja de boa-fé:
Assim, conquanto não condenada a parte autora a devolver as prestações recebidas em tutela antecipada, forçoso é reconhecer que o CPC/73 e o NCPC assim o determinam ope legis.
Registre-se que cabe ao Superior Tribunal de Justiça - não ao Supremo Tribunal Federal - a uniformização da interpretação de lei federal.
Assim, os valores concedidos a título de tutela provisória de urgência são indevidos, consoante jurisprudência já consolidada no STJ, responsável pela uniformização da legislação federal, à luz das regras há tempos contidas na legislação processual atual e pretérita.
Por fim, não há qualquer norma especial, particular ou específica em relação às causas assistenciais ou previdenciárias, devendo ser aplicada a inteligência do Resp 1.401.560/MT.
Não se pode simplesmente atribuir à sociedade (contribuintes - segurados e empresas) a responsabilidade pelo custeio das prestações recebidas precariamente, em tutela de urgência, em nada contrariando, tal conclusão, o princípio da dignidade da pessoa humana, tão evocado em situações impróprias hoje em dia.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do Novo CPC.
Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do referido código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
Ante o exposto, conheço da apelação, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, dou-lhe provimento para julgar improcedentes os pedidos. Prejudicada, por consequência, a apelação da parte autora.
Comunique-se, via e-mail, para fins de revogação da tutela provisória de urgência concedida.
É o voto.
Juiz Federal Convocado
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | RODRIGO ZACHARIAS:10173 |
| Nº de Série do Certificado: | 11A21709124EAE41 |
| Data e Hora: | 22/03/2018 19:50:26 |
