Processo
ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO / MS
5001839-62.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal TORU YAMAMOTO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
13/02/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 17/02/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO/PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA.
APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. TRABALHO
RURAL PELO PERÍODO DE CARÊNCIA NÃO COMPROVADO. APELAÇÃO DO INSS
PROVIDA. TUTELA REVOGADA.
1. Observo, inicialmente, que a condenação é obviamente inferior a mil salários mínimos, não
estando sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório, nos termos do disposto no inciso I do § 3º
do artigo 496 do novo Código de Processo Civil, motivo pelo qual não conheço da remessa
necessária.
2. A aposentadoria por idade de rurícola reclama idade mínima de 60 anos, se homem, e 55
anos, se mulher (§ 1º do art. 48 da Lei nº 8.213/91), além da demonstração do exercício de
atividade rural, bem como o cumprimento da carência mínima exigida no art. 142 da referida lei.
De acordo com a jurisprudência, é suficiente a tal demonstração o início de prova material
corroborado por prova testemunhal.
3. Permite-se a extensão dessa qualidade do marido à esposa, ou até mesmo dos pais aos filhos,
ou seja, são extensíveis os documentos em que os genitores, os cônjuges, ou conviventes,
aparecem qualificados como lavradores, ainda que o desempenho da atividade campesina não
tenha se dado sob o regime de economia familiar.
4. Em face do caráter protetivo social de que se reveste a Previdência Social, não se pode exigir
dos trabalhadores campesinos o recolhimento de contribuições previdenciárias, quando é de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
notório conhecimento a informalidade em que suas atividades são desenvolvidas, cumprindo aqui
dizer que, sob tal informalidade, verifica-se a existência de uma subordinação, haja vista que a
contratação acontece diretamente pelo produtor rural ou pelos chamados "gatos". Semelhante
exigência equivaleria a retirar dessa classe de trabalhadores qualquer possibilidade de auferir o
benefício conferido, em razão de sua atividade.
5. O Superior Tribunal de Justiça considera prescindível a abrangência de todo o período de
carência previsto no art. 142 da Lei de Benefícios pela prova material, desde que a prova
testemunhal demonstre sua solidez, permitindo sua vinculação ao tempo de carência. Tal
solução, conhecida como "pro misero", se dá em virtude da precariedade dos registros de
vínculos trabalhistas nas áreas rurais, prática ainda comum em tempos recentes e bastante
disseminada em outras épocas.
6. Segundo o recente entendimento adotado pelo STJ no julgamento do REsp 1354908, em sede
de recurso repetitivo, o segurado especial deve estar trabalhando no campo no momento em que
completar a idade mínima para a obtenção da aposentadoria rural por idade, a fim de atender ao
segundo requisito exigido pela Lei de Benefícios: "período imediatamente anterior ao
requerimento do benefício", ressalvada a hipótese de direito adquirido, na qual o segurado
especial, embora não tenha ainda requerido sua aposentadoria por idade rural, já tenha
preenchido concomitantemente, no passado, ambos os requisitos - carência e idade.
7. Cumpre salientar, por derradeiro, que o trabalho campesino exercido em regime de economia
familiar pressupõe a exploração de atividade primária pelo indivíduo, como principal forma de
sustento, acompanhado ou não pelo grupo familiar, mas sem o auxílio de empregados (art. 11,
VII, "a" e § 1º, da Lei 8.213/91). Assim, nos termos do art. 11, VII, da Lei 8.213/91, consideram-se
segurados especiais, em regime de economia familiar, os produtores, parceiros, meeiros,
arrendatários rurais, pescadores artesanais e assemelhados, que exerçam atividades
individualmente ou com auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou
companheiros e filhos, ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o
grupo familiar respectivo, residindo na área rural ou em imóvel próximo ao local onde a atividade
rural é exercida e com participação significativa nas atividades rurais do grupo familiar.
8. Feitas tais considerações, entendo que a r. sentença deve ser integralmente reformada,
porquanto não restou comprovado nos autos o exercício de atividade campesina pelo autor pelo
período de carência necessário, possuindo o conjunto probatório inconsistências relevantes que
não podem ignoradas, afastando a credibilidade das alegações trazidas na peça inaugural.
9. De início, consigno que as Declarações de Exercício de Atividade Rural firmadas por
Sindicatos de Trabalhadores Rurais não podem ser aceitas como início de prova material,
porquanto não homologadas pelo INSS, nos termos do artigo 106, inciso III, da Lei nº 8.213/91.
No mesmo sentido as declarações escritas, apresentadas por supostas testemunhas e/ou
empregadores, pois tais documentos equiparam-se à prova oral, com o agravante de não terem
sido produzidas sob o crivo do contraditório. No entanto, observo que tais documentos trazem
elementos importantes para o deslinde da controvérsia. Na exordial, a parte autora afirmou que,
em 1985, juntamente com sua companheira, foi morar e trabalhar no Sítio Santa Izabel, de
propriedade do Sr. Venceslau, localizado em Iguaçu, zona rural de Fátima do Sul, onde
permaneceram aproximadamente 03 (três) anos e, depois, foram para diversos acampamentos
da reforma agrária. Essa hipótese conflita diretamente com a declaração firmada pelo Sr.
Wenceslau e também com a Declaração apresentada pelo Sindicato de Dourados/MS, onde há a
afirmação de que, no interregno de 1985 a 2001, o autor teria residido naquele sítio. A
esposa/companheira do autor, aparentemente, já teria sido casada ou mantinha relação de união
estável com outra pessoa, pois passou a receber, a partir de 1986, pensão por morte instituída
por outro trabalhador rural. Assim, também não encontra respaldo a tese de que o autor, desde
1976, viveria em união estável com ela. Em entrevista rural efetuada em 2016, o autor alegou ter
trabalhado na área rural somente a partir de 2007 em terras do INCRA, e não antes disso.
Certidão do INCRA corrobora no mesmo sentido. Assim, no momento do requerimento
administrativo, não teria o autor carência necessária à benesse pretendida. Além disso, disse que
a renda do núcleo familiar seria composta pelo LOAS (do qual seria titular), além de pensão do
cunhado incapaz, mas nada mencionada acerca da pensão que sua esposa recebia regulamente.
10. Frise-se, ainda, que existem afirmações do autor no processo concessório de Amparo Social
que, aparentemente, não refletem a verdade dos fatos (já consignadas no corpo deste arrazoado)
e que, se efetivamente verdadeiras, também desconfiguram o trabalho rural alegado pelo
demandante pelo período de carência. Demonstra o conjunto probatório que, na realidade, o
autor exerceu, prioritariamente, durante sua vida laboral, atividades como Coordenador de
Movimento Social de Trabalhadores Sem Terra, em acampamentos e, talvez, em invasões, o que
teria ocorrido por longo interregno e em diversas localidades no Estado do Mato Grosso do Sul,
situação essa que não pressupõe o trabalho campesino por ele realizado durante tais atribuições.
Além disso, em algumas ocasiões, e por curto lapso temporal, o autor exerceu atividades
urbanas. O conjunto probatório não possui documentação apta e suficiente para indicar o
eventual trabalho campesino dele antes de 2005 ou 2007, até porque, em petição por ele firmada
na qualidade de Coordenador do “ACAMPAMENTO 1º DE MAIO”, ele esclarece que está, desde
1998, na esperança de ser assentado, o que só restou alcançado, efetivamente, no final de 2007.
A reforma integral da r. sentença é medida que se impõe, pois inequívoca a ausência de carência
necessária. Por fim, destaco não ser possível determinar o restabelecimento do Amparo Social
que antes recebia o postulante, pois necessário averiguar, mediante nova postulação
administrativa, se ele ainda possui os requisitos necessários para o percebimento daquele
benefício.
11. Revogo a antecipação dos efeitos da tutela anteriormente concedida, determinando a
imediata cessação do benefício concedido pela r. sentença. Expeça-se ofício ao INSS, com os
documentos necessários, para as providências cabíveis, independentemente do trânsito em
julgado. A questão relativa à obrigatoriedade ou não de devolução dos valores recebidos pela
parte autora deverá ser dirimida pelo Juízo da Execução, após a eventual revisão do
entendimento firmado no Tema Repetitivo 692 pela C. Primeira Seção do Superior Tribunal de
Justiça.
12. Remessa oficial não conhecida. Apelação do INSS provida. Tutela revogada.
Acórdao
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº5001839-62.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO BELARMINO DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: KENNEDI MITRIONI FORGIARINI - MS12655-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº5001839-62.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO BELARMINO DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: KENNEDI MITRIONI FORGIARINI - MS12655-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra a r. sentença de primeiro grau que julgou
procedente o pedido inaugural para condenar o INSS a pagar ao autor, desde o pedido
administrativo (05/07/2016), a aposentadoria por idade na condição de trabalhador rural,
equivalente a 01 (um) salário mínimo mensal, declarando extinto o processo, com resolução do
mérito, ex vi do artigo 487, I, do CPC. Consignando haver isenção do pagamento das custas
processuais, condenou a Autarquia Previdenciária ao pagamento de honorários advocatícios,
fixados, nos termos do artigo 85, § 2º, do CPC, em 10% sobre o valor das prestações vencidas
até a data da r. sentença, a serem calculados na fórmula da Súmula 111 do C. STJ. Consignou
os consectários legais aplicáveis na espécie e admitiu a compensação de valores eventualmente
pagos administrativamente relativos ao período acima relatado. Por fim, concedeu a tutela
específica, determinando a implantação do benefício.
Sentença submetida ao reexame necessário.
Sustenta o INSS, em suas razões recursais e em apertada síntese, que não se encontram
presentes os requisitos necessários à aposentação vindicada, motivando as razões de sua
insurgência, em especial em razão de o autor ter percebido benefício assistencial, benesse essa
que não seria condizente com a alegada atividade rural em regime de economia familiar. Requer,
nesses termos, a reforma integral da r. sentença.
Com as contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Convertido o feito em diligência para que fossem prestados esclarecimentos pela parte autora,
esta quedou-se inerte. O Ministério Público Federal, por sua vez, instado a se manifestar, pugnou
pelo improvimento do recurso autárquico.
É o sucinto relatório.
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº5001839-62.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO BELARMINO DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: KENNEDI MITRIONI FORGIARINI - MS12655-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Verifico, em juízo de admissibilidade, que o recurso ora analisado mostra-se formalmente regular,
motivado (artigo 1.010 CPC) e com partes legítimas, preenchendo os requisitos de adequação
(art. 1009 CPC) e tempestividade (art. 1.003 CPC). Assim, presente o interesse recursal e
inexistindo fato impeditivo ou extintivo, recebo-o e passo a apreciá-lo nos termos do artigo 1.011
do Código de Processo Civil.
Observo, inicialmente, que a condenação é obviamente inferior a mil salários mínimos, não
estando sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório, nos termos do disposto no inciso I do § 3º
do artigo 496 do novo Código de Processo Civil, motivo pelo qual não conheço da remessa
necessária.
Passo, agora, a examinar o mérito.
A aposentadoria por idade de rurícola reclama idade mínima de 60 anos, se homem, e 55 anos,
se mulher (§ 1º do art. 48 da Lei nº 8.213/91), além da demonstração do exercício de atividade
rural, bem como o cumprimento da carência mínima exigida no art. 142 da referida lei.
De acordo com a jurisprudência, é suficiente a tal demonstração o início de prova material
corroborado por prova testemunhal. Ademais, para a concessão de benefícios rurais, houve um
abrandamento no rigorismo da lei quanto à comprovação da condição de rurícola dos
trabalhadores do campo, permitindo-se a extensão dessa qualidade do marido à esposa, ou até
mesmo dos pais aos filhos, ou seja, são extensíveis os documentos em que os genitores, os
cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores, ainda que o desempenho da
atividade campesina não tenha se dado sob o regime de economia familiar.
Cumpre ressaltar que, em face do caráter protetivo social de que se reveste a Previdência Social,
não se pode exigir dos trabalhadores campesinos o recolhimento de contribuições
previdenciárias, quando é de notório conhecimento a informalidade em que suas atividades são
desenvolvidas, cumprindo aqui dizer que, sob tal informalidade, verifica-se a existência de uma
subordinação, haja vista que a contratação acontece diretamente pelo produtor rural ou pelos
chamados "gatos". Semelhante exigência equivaleria a retirar dessa classe de trabalhadores
qualquer possibilidade de auferir o benefício conferido, em razão de sua atividade.
O art. 143 da Lei n.º 8.213/1991, com a redação dada pela Lei n.º 9.063, de 28.04.1995, dispõe
que: "O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de
Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei,
pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos,
contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade
rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício,
em número de meses idêntico à carência do referido benefício".
Quanto a se provar o efetivo exercício de atividade rural, o Superior Tribunal de Justiça considera
prescindível a abrangência de todo o período de carência previsto no art. 142 da Lei de
Benefícios pela prova material, desde que a prova testemunhal demonstre sua solidez, permitindo
sua vinculação ao tempo de carência. Tal solução, conhecida como "pro misero", se dá em
virtude da precariedade dos registros de vínculos trabalhistas nas áreas rurais, prática ainda
comum em tempos recentes e bastante disseminada em outras épocas.
Saliento, ainda, que, segundo o recente entendimento adotado pelo STJ no julgamento do REsp
1354908, em sede de recurso repetitivo, o segurado especial deve estar trabalhando no campo
no momento em que completar a idade mínima para a obtenção da aposentadoria rural por idade,
a fim de atender ao segundo requisito exigido pela Lei de Benefícios: "período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício", ressalvada a hipótese de direito adquirido, na qual o
segurado especial, embora não tenha ainda requerido sua aposentadoria por idade rural, já tenha
preenchido concomitantemente, no passado, ambos os requisitos - carência e idade.
No caso dos autos, a parte autora, nascida em 1944, comprovou o cumprimento do requisito
etário no ano de 2004. Assim, considerando que o implemento desse requisito se deu quando
ainda não estava encerrada a prorrogação prevista no art. 143 da Lei de Benefícios, para
reconhecimento de atividade campesina, deve ser apresentado início razoável de prova material,
corroborado por prova testemunhal, consistente, idônea e robusta.
Cumpre salientar, por derradeiro, que o trabalho campesino exercido em regime de economia
familiar pressupõe a exploração de atividade primária pelo indivíduo, como principal forma de
sustento, acompanhado ou não pelo grupo familiar, mas sem o auxílio de empregados (art. 11,
VII, "a" e § 1º, da Lei 8.213/91). Assim, nos termos do art. 11, VII, da Lei 8.213/91, consideram-se
segurados especiais, em regime de economia familiar, os produtores, parceiros, meeiros,
arrendatários rurais, pescadores artesanais e assemelhados, que exerçam atividades
individualmente ou com auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou
companheiros e filhos, ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o
grupo familiar respectivo, residindo na área rural ou em imóvel próximo ao local onde a atividade
rural é exercida e com participação significativa nas atividades rurais do grupo familiar.
Na peça inaugural, a parte autora alega, in litteris:
“(...)
O Requerente é trabalhador rural, tem 71 (setenta e um) anos, nasceu em Fátima do Sul/MS,
onde morava com seus pais (trabalhadores rurais) em fazenda da região de Dourados.
No ano de 1976 o autor conheceu e passou a conviver com a Sra. Lurdes Fátima Ferreira Farias,
e desta união tiveram 01 filho que foi criado na área rural, sendo que o autor laborou um curto
período na área urbana (CNIS anexo) para manter o sustento da família.
Em 1985 juntamente com sua companheira foi morar e trabalhar no Sítio Santa Izabel, de
propriedade do Sr. Venceslau, localizado em Iguaçu, zona rural de Fátima do Sul, onde
permaneceram aproximadamente 03 (três) anos.
Depois foram para acampamentos da reforma agrária, sendo que dentre os acampamentos em
que permaneceu podemos citar: acampamento Che Guevara, localizado em Itaquiraí;
acampamento Itamarati em Ponta Porã e acampamento 1º de Maio, localizado entre Dourados e
Ponta Porã (Posto Guaíba), onde ficou durante 04 (quatro) anos.
No ano de 2001 se casou na igreja (certidão de casamento anexa) e foi para um acampamento
da FETAGRI em Dourados, e depois foi para o acampamento Limoeiro, onde permaneceu por 01
ano, sendo que foi contemplado com uma parcela de lotes no Assentamento Eldorado, lote n. 33,
onde reside até o presente momento em regime de economia familiar, sendo que nesta
propriedade planta mandioca, milho, tem horta, pomar, cria galinhas, porcos entre outras
atividades rurais.
Como já citado o Requerente trabalha sob o regime de economia familiar, e não pode mais viver
das atividades rurais porque a idade não mais permite que ele se esforce tanto quanto esse labor
exige.
Posto isto, apresenta-se documentos que comprovam a atividade rural familiar, de modo que
sempre trabalhou nesta atividade por ser filho de agricultores e ter nascido e se criado no meio
rural.
Pelo demonstrado, até a presente data, o Requerente sempre exerceu atividade rural familiar.
Diante do exposto, constata-se que o autor nasceu e se criou no meio rural, nunca teve outra
fonte de renda que não fosse essa, sempre trabalhando em regime familiar, ora em uma
propriedade rural, ora em outra, conforme documentação anexa.
Hoje, com mais de 71 (setenta e um) anos, o Requerente pleiteia o benefício da aposentadoria
rural por idade tendo em vista o preenchimento dos requisitos legais.
(...)”
Como início de prova material da suposta atividade campesina, o autor apresentou:
- 2ª Via de Certidão de Casamento Religioso, emitida pela Paróquia São José Operário da
Diocese de Dourados/MS, onde consta que o autor contraiu matrimônio com a Sr.ª Lurdes de
Fátima Ferreira Farias em 03/08/2001;
- Certidão do INCRA, onde consta que o autor é assentado no Projeto de Assentamento PA
ELDORADO PARTE, localizado no município de Sidrolândia/MS, em área que lhe foi destinada
desde 29/12/2007, medindo cerca de 7 hectares, onde exerceria atividade rural em regime de
economia familiar;
- Contrato de Concessão de Uso, sob condição resolutiva, firmado pelo INCRA (outorgante) e
pelo autor e sua esposa Lurdes (na qualidade de beneficiários), relacionado ao imóvel rural acima
mencionado, firmado em 26/09/2008;
- Cartão de Produtor Rural (CPR), emitido em 13/09/2010 pelo Estado de Mato Grosso do Sul em
nome do autor e de sua esposa, constando o PA ELDORADO PARTE LOTE 33 como respectivo
estabelecimento agropecuário. Tal cartão possuía validade até 31/03/2011;
- Certidão de Nascimento do autor, onde não consta a qualificação profissional dos genitores;
- Certidão de Nascimento de uma pessoa chamada João Batista Farias, onde consta averbação
de que tal indivíduo teria sido interditado por sentença prolatada na 2ª Vara Cível de Dourados
aos 24/11/1989, tendo sido nomeada a esposa do autor como curadora;
- CNIS do autor, onde consta que ele teria laborado como empregado urbano de 01/03/1976 a
31/08/1979 para a empresa UNIGRAN EDUCACIONAL e de 01/04/1996 a 30/05/1996 para a
empresa ASSOCIAÇÃO DE PAIS E AMIGOS DOS EXCEPCIONAIS DOURADOS, além de
perceber o benefício de AMPARO SOCIAL AO IDOSO a partir de 14/12/2011;
- Declaração de Exercício de Atividade Rural efetuada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Sidrolândia/MS, onde consta que a esposa do autor trabalharia em regime de economia
familiar em um lote de assentamento que lhe foi destinado, localizado no PA ELDORADO PARTE
LOTE 33, de 29/12/2007 (ou 2005) até a data de emissão do referido documento (27/11/2014);
- Declaração firmada em 03/05/2006 por uma pessoa de nome JOSÉ DE OLIVEIRA
(aparentemente pertencente ao Movimento dos Trabalhadores sem Terra do Mato Grosso do
Sul), que afirma que o autor e sua esposa estariam acampados na região há vários anos, não
apresentando qualquer desabono em suas condutas;
- Declaração firmada em 22/02/2001 por uma pessoa de nome WENCESLAU DE PAULA DEUS,
na qual afirma que o autor, juntamente com sua esposa e filhos, teria trabalhado como agricultor
para o declarante em uma propriedade denominada SÍTIO SANTA ISABEL, localizada em
Dourados/MS, desde 1985 e até 2001;
- Petição datada de 11/04/2003 de uma entidade denominada “ACAMPAMENTO 1º DE MAIO”,
possivelmente localizada no município de Ponta Porã/MS, e endereçada à 1ª Vara Federal de
Dourados/MS, não protocolizada, firmada pelo autor e por uma outra pessoa, na qualidade de
Coordenadores do referido movimento. Em tal documento, os peticionários informam que
pertenciam ao Grupo Dorcelina Folador, onde várias famílias já teriam sido assentadas,
pleiteando o assentamento das famílias excedentes em outro imóvel campesino. Esclarecem na
petição que, desde 1998, estão “nessa batalha”, na esperança de serem assentados e que o
acampamento em questão foi montado às margens da rodovia, fato esse que impediria a
realização de trabalho rural deles;
- algumas fotos;
- Três notas fiscais de doação de alimentos para o “ACAMPAMENTO 1º DE MAIO”, do ano de
2004, realizadas em razão do Programa Fome Zero;
- Autorização de serviços ou compras do Gabinete do Prefeito do Município de Ponta Porã,
datada de 25/03/2004, onde se verifica o fornecimento de 1 rolo de lona encaminhado à esposa
do autor (Sr.ª Lurdes);
- Declaração de Exercício de Atividade Rural efetuada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Dourados/MS, onde consta que o autor trabalharia em regime de economia familiar no Sítio
Santa Izabel, em Dourados/MS (de propriedade de Wenceslau de Paula Deus), no período de
1985 a 2001. No entanto, verifico que só foi apresentado nos autos a primeira lauda do
documento, sendo as demais omitidas;
- Declaração da esposa do autor, datada de 1º/10/2008, onde consta que ela recebeu doação de
mantimentos diversos, pagos com recursos oriundos do crédito de apoio inicial à instalação do PA
ELDORADO PARTE FETAGRI – MS;
- Nota fiscal de compra de equipamento para carroça, datada de 02/03/2009, em nome da esposa
do autor;
- Termo de Recebimento e Responsabilidade de 180 quilos de sementes de milho pela esposa do
autor, doadas pelo Governo do Estado de Mato Grosso do Sul à esposa do autor em 15/04/2010,
para fins de plantio e posterior consumo e comercialização do excedente;
- Recibo de compra de “postes” pela esposa do autor, datado de 29/11/2012, indicando como
endereço o PA ELDORADO LOTE 33, cujo pagamento estaria relacionado ao PRONAF;
- Outros dois recibos, parcialmente ilegíveis;
- Nota fiscal de aquisição de Brachiaria Brizantha pela esposa do autor em 2012, vinculando-a ao
PA ELDORADO LOTE 33;
- Nota fiscal de aquisição de herbicida pela esposa do autor em 2012, vinculando-a ao PA
ELDORADO LOTE 33;
- Nota fiscal de aquisição de materiais diverso e de construção pela esposa do autor em 2013,
vinculando-a ao PA ELDORADO LOTE 33;
- Planilha de pagamento de materiais de construção relacionados à construção de um curral
(bovinocultura de leite), pagos com recursos do PRONAF à esposa do autor em 2013;
- Nota fiscal de aquisição de telhas pela esposa do autor em 2013, vinculando-a ao PA
ELDORADO LOTE 33;
- Recibo de pagamento de mensalidades junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Sidrolândia/MS, cujo pagamento foi efetuado pelo autor em 19/06/2015, referente ao período de
01/2007 a 06/2015, no valor total de R$ 1.485,00;
- Nota promissória no valor de R$ 3,00, emitida em 24/10/2015 em favor de Associação de
Moradores da Agrovila “Cidade Viva”, indicando o endereço do autor na quadra 14, lote 04;
Em primeiro grau de jurisdição, considerando que o pedido administrativo anterior seria do ano de
2009, foi determinada a realização de novo pedido administrativo, o que restou atendido pelo
demandante.
Citada a Autarquia Previdenciária, em sede de contestação, foram apresentados:
- CNIS do autor e de sua esposa. Com relação à esposa, verifica-se que ela percebe, desde
31/08/1986, pensão por morte instituída por trabalhador rural, bem como que ela recebeu, em
2015, auxílio-doença previdenciário, por pouco mais de 3 meses;
- Cópia do processo administrativo efetuado pelo autor para concessão de aposentadoria por
idade em 2016, no qual ele postulou aposentadoria por idade, onde constam, além dos
documentos que já foram apresentados, um Termo de Homologação (Crédito Instalação
Modalidade Juros de Apoio Inicial) para aquisição de 65 cestas básicas de gêneros alimentícios,
higiene e limpeza para atender as famílias assentadas no PA ELDORADO PARTE, datado de
14/05/2009, onde o autor seria uma das testemunhas; uma nota fiscal de compra feita pelo autor
em 2014, relacionada à aquisição de peças automotivas diversas para um automóvel de passeio,
vinculando-o ao lote 33 do PA ELDORADO; conta de luz de 2016, em nome do autor; entrevista
rural feita pelo autor em 28/10/2016, onde ele afirma exercer atividade campesina de 2007 até os
dias atuais, em regime de economia familiar, e que ele recebe LOAS e mais uma renda oriunda
de pensão de um cunhado incapaz;
- Cópia do processo administrativo efetuado pelo autor em 2011 para concessão de BPC/
Benefício Assistencial à Pessoa Idosa efetuado, onde se verifica que ele declarou residir sozinho,
em zona urbana (Rua da Aviação, 6 - Centro - Sidrolândia/MS), além de ter declarado
EXPRESSAMENTE (em declaração apartada, com reconhecimento de firma) que desistiu do lote
de assentamento que lhe fora concedido em favor da Sr.ª LURDES DE FÁTIMA FARIAS. Tal
benefício restou concedido pela Autarquia Previdenciária em sede administrativa a partir de
14/12/2011;
Quanto à prova testemunhal, pacificado no C. Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que
apenas esta não basta, isoladamente, para a comprovação da atividade rural, requerendo a
existência de início razoável de prova material, conforme entendimento cristalizado na Súmula
149, que assim dispõe: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da
atividade rurícola, para efeito da obtenção do benefício previdenciário".
A testemunha MARCO AURÉLIO SARAVI FERRO disse conhecer o autor desde 1988, de
Itaquiraí, afirmando que ele sempre desenvolveu atividade rural e que seria coordenador de
movimento de trabalhadores sem terra desde aquela época. Em 2002, a testemunha mudou-se
para Sidrolândia e, em 2005, encontrou o autor no Sindicato dos Trabalhadores Rurais do
município, estando assentado junto com o autor no PA ELDORADO PARTE. Indagado pelo
Magistrado se o autor estaria morando sozinho, a testemunha disse que ele residiria junto com
um sobrinho. O magistrado perguntou, por fim, se o autor teria ficado viúvo recentemente, o que
foi confirmado pela testemunha. Por sua vez, a testemunha SEBASTIÃO BEZERRA disse
conhecer o autor há mais de 40 anos, de Fátima do Sul/MS, na área rural. Depois, reencontrou-o
no acampamento, entre 2003/2004, estando a testemunha assentada em um lote vizinho ao do
autor, aduzindo que ele ainda exerce a atividade rural. Disse, por derradeiro, que o autor ficou
viúvo, e mora no lote que lhe foi destinado junto com um sobrinho.
Em sede recursal, o feito foi convertido em diligência para que a parte autora pudesse esclarecer,
querendo, considerando os termos do recurso de apelação apresentado e a documentação
colacionada aos autos, por qual motivo alegou no requerimento de amparo social que lhe foi
concedido ser solteiro, morador da área urbana de Sidrolândia/MS e também quanto à declaração
firmada naquele requerimento, em que afirmou ter desistido do lote de assentamento do que lhe
foi destinado em favor de terceira pessoa que, em realidade, seria sua esposa. No entanto, ele
quedou-se inerte. Manifestação Ministerial também foi determinada, onde restou requerido a
mantença da r. decisão guerreada.
Pois bem.
Feitas tais considerações, entendo que a r. sentença deve ser integralmente reformada,
porquanto não restou comprovado nos autos o exercício de atividade campesina pelo autor pelo
período de carência necessário, possuindo o conjunto probatório inconsistências relevantes que
não podem ignoradas, afastando a credibilidade das alegações trazidas na peça inaugural.
De início, consigno que as Declarações de Exercício de Atividade Rural firmadas por Sindicatos
de Trabalhadores Rurais não podem ser aceitas como início de prova material, porquanto não
homologadas pelo INSS, nos termos do artigo 106, inciso III, da Lei nº 8.213/91. No mesmo
sentido as declarações escritas, apresentadas por supostas testemunhas e/ou empregadores,
pois tais documentos equiparam-se à prova oral, com o agravante de não terem sido produzidas
sob o crivo do contraditório. No entanto, observo que tais documentos trazem elementos
importantes para o deslinde da controvérsia.
Na exordial, a parte autora afirmou que, em 1985, juntamente com sua companheira, foi morar e
trabalhar no Sítio Santa Izabel, de propriedade do Sr. Venceslau, localizado em Iguaçu, zona rural
de Fátima do Sul, onde permaneceram aproximadamente 03 (três) anos e, depois, foram para
diversos acampamentos da reforma agrária. Essa hipótese conflita diretamente com a declaração
firmada pelo Sr. Wenceslau e também com a Declaração apresentada pelo Sindicato de
Dourados/MS, onde há a afirmação de que, no interregno de 1985 a 2001, o autor teria residido
naquele sítio.
A esposa/companheira do autor, aparentemente, já teria sido casada ou mantinha relação de
união estável com outra pessoa, pois passou a receber, a partir de 1986, pensão por morte
instituída por outro trabalhador rural. Assim, também não encontra respaldo a tese de que o autor,
desde 1976, viveria em união estável com ela.
Em entrevista rural efetuada em 2016, o autor alegou ter trabalhado na área rural somente a partir
de 2007 em terras do INCRA, e não antes disso. Certidão do INCRA corrobora no mesmo
sentido. Assim, no momento do requerimento administrativo, não teria o autor carência
necessária à benesse pretendida. Além disso, disse que a renda do núcleo familiar seria
composta pelo LOAS (do qual seria titular), além de pensão do cunhado incapaz, mas nada
mencionada acerca da pensão que sua esposa recebia regulamente.
Frise-se, ainda, que existem afirmações do autor no processo concessório de Amparo Social que,
aparentemente, não refletem a verdade dos fatos (já consignadas no corpo deste arrazoado) e
que, se efetivamente verdadeiras, também desconfiguram o trabalho rural alegado pelo
demandante pelo período de carência.
Demonstra o conjunto probatório que, na realidade, o autor exerceu, prioritariamente, durante sua
vida laboral, atividades como Coordenador de Movimento Social de Trabalhadores Sem Terra,
em acampamentos e, talvez, em invasões, o que teria ocorrido por longo interregno e em diversas
localidades no Estado do Mato Grosso do Sul, situação essa que não pressupõe o trabalho
campesino por ele realizado durante tais atribuições. Além disso, em algumas ocasiões, e por
curto lapso temporal, o autor exerceu atividades urbanas.
O conjunto probatório não possui documentação apta e suficiente para indicar o eventual trabalho
campesino dele antes de 2005 ou 2007, até porque, em petição por ele firmada na qualidade de
Coordenador do “ACAMPAMENTO 1º DE MAIO”, ele esclarece que está, desde 1998, na
esperança de ser assentado, o que só restou alcançado, efetivamente, no final de 2007.
A reforma integral da r. sentença é medida que se impõe, pois inequívoca a ausência de carência
necessária. Por fim, destaco não ser possível determinar o restabelecimento do Amparo Social
que antes recebia o postulante, pois necessário averiguar, mediante nova postulação
administrativa, se ele ainda possui os requisitos necessários para o percebimento daquele
benefício.
Sucumbente, condeno a parte autora ao pagamento de custas e despesas processuais, bem
como em honorários advocatícios, fixados no valor de R$ 1000,00 (mil reais), cuja exigibilidade
observará o disposto no artigo 12 da Lei nº 1.060/1950 (artigo 98, § 3º, do Código de Processo
Civil/2015), por ser beneficiária da justiça gratuita.
Revogo a antecipação dos efeitos da tutela anteriormente concedida, determinando a imediata
cessação do benefício concedido pela r. sentença. Expeça-se ofício ao INSS, com os
documentos necessários, para as providências cabíveis, independentemente do trânsito em
julgado.
A questão relativa à obrigatoriedade ou não de devolução dos valores recebidos pela parte autora
deverá ser dirimida pelo Juízo da Execução, após a eventual revisão do entendimento firmado no
Tema Repetitivo 692 pela C. Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça.
Por esses fundamentos, não conheço da remessa oficial e dou provimento à apelação do INSS,
nos termos ora consignados, revogando a tutela concedida.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO/PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA.
APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. TRABALHO
RURAL PELO PERÍODO DE CARÊNCIA NÃO COMPROVADO. APELAÇÃO DO INSS
PROVIDA. TUTELA REVOGADA.
1. Observo, inicialmente, que a condenação é obviamente inferior a mil salários mínimos, não
estando sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório, nos termos do disposto no inciso I do § 3º
do artigo 496 do novo Código de Processo Civil, motivo pelo qual não conheço da remessa
necessária.
2. A aposentadoria por idade de rurícola reclama idade mínima de 60 anos, se homem, e 55
anos, se mulher (§ 1º do art. 48 da Lei nº 8.213/91), além da demonstração do exercício de
atividade rural, bem como o cumprimento da carência mínima exigida no art. 142 da referida lei.
De acordo com a jurisprudência, é suficiente a tal demonstração o início de prova material
corroborado por prova testemunhal.
3. Permite-se a extensão dessa qualidade do marido à esposa, ou até mesmo dos pais aos filhos,
ou seja, são extensíveis os documentos em que os genitores, os cônjuges, ou conviventes,
aparecem qualificados como lavradores, ainda que o desempenho da atividade campesina não
tenha se dado sob o regime de economia familiar.
4. Em face do caráter protetivo social de que se reveste a Previdência Social, não se pode exigir
dos trabalhadores campesinos o recolhimento de contribuições previdenciárias, quando é de
notório conhecimento a informalidade em que suas atividades são desenvolvidas, cumprindo aqui
dizer que, sob tal informalidade, verifica-se a existência de uma subordinação, haja vista que a
contratação acontece diretamente pelo produtor rural ou pelos chamados "gatos". Semelhante
exigência equivaleria a retirar dessa classe de trabalhadores qualquer possibilidade de auferir o
benefício conferido, em razão de sua atividade.
5. O Superior Tribunal de Justiça considera prescindível a abrangência de todo o período de
carência previsto no art. 142 da Lei de Benefícios pela prova material, desde que a prova
testemunhal demonstre sua solidez, permitindo sua vinculação ao tempo de carência. Tal
solução, conhecida como "pro misero", se dá em virtude da precariedade dos registros de
vínculos trabalhistas nas áreas rurais, prática ainda comum em tempos recentes e bastante
disseminada em outras épocas.
6. Segundo o recente entendimento adotado pelo STJ no julgamento do REsp 1354908, em sede
de recurso repetitivo, o segurado especial deve estar trabalhando no campo no momento em que
completar a idade mínima para a obtenção da aposentadoria rural por idade, a fim de atender ao
segundo requisito exigido pela Lei de Benefícios: "período imediatamente anterior ao
requerimento do benefício", ressalvada a hipótese de direito adquirido, na qual o segurado
especial, embora não tenha ainda requerido sua aposentadoria por idade rural, já tenha
preenchido concomitantemente, no passado, ambos os requisitos - carência e idade.
7. Cumpre salientar, por derradeiro, que o trabalho campesino exercido em regime de economia
familiar pressupõe a exploração de atividade primária pelo indivíduo, como principal forma de
sustento, acompanhado ou não pelo grupo familiar, mas sem o auxílio de empregados (art. 11,
VII, "a" e § 1º, da Lei 8.213/91). Assim, nos termos do art. 11, VII, da Lei 8.213/91, consideram-se
segurados especiais, em regime de economia familiar, os produtores, parceiros, meeiros,
arrendatários rurais, pescadores artesanais e assemelhados, que exerçam atividades
individualmente ou com auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou
companheiros e filhos, ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o
grupo familiar respectivo, residindo na área rural ou em imóvel próximo ao local onde a atividade
rural é exercida e com participação significativa nas atividades rurais do grupo familiar.
8. Feitas tais considerações, entendo que a r. sentença deve ser integralmente reformada,
porquanto não restou comprovado nos autos o exercício de atividade campesina pelo autor pelo
período de carência necessário, possuindo o conjunto probatório inconsistências relevantes que
não podem ignoradas, afastando a credibilidade das alegações trazidas na peça inaugural.
9. De início, consigno que as Declarações de Exercício de Atividade Rural firmadas por
Sindicatos de Trabalhadores Rurais não podem ser aceitas como início de prova material,
porquanto não homologadas pelo INSS, nos termos do artigo 106, inciso III, da Lei nº 8.213/91.
No mesmo sentido as declarações escritas, apresentadas por supostas testemunhas e/ou
empregadores, pois tais documentos equiparam-se à prova oral, com o agravante de não terem
sido produzidas sob o crivo do contraditório. No entanto, observo que tais documentos trazem
elementos importantes para o deslinde da controvérsia. Na exordial, a parte autora afirmou que,
em 1985, juntamente com sua companheira, foi morar e trabalhar no Sítio Santa Izabel, de
propriedade do Sr. Venceslau, localizado em Iguaçu, zona rural de Fátima do Sul, onde
permaneceram aproximadamente 03 (três) anos e, depois, foram para diversos acampamentos
da reforma agrária. Essa hipótese conflita diretamente com a declaração firmada pelo Sr.
Wenceslau e também com a Declaração apresentada pelo Sindicato de Dourados/MS, onde há a
afirmação de que, no interregno de 1985 a 2001, o autor teria residido naquele sítio. A
esposa/companheira do autor, aparentemente, já teria sido casada ou mantinha relação de união
estável com outra pessoa, pois passou a receber, a partir de 1986, pensão por morte instituída
por outro trabalhador rural. Assim, também não encontra respaldo a tese de que o autor, desde
1976, viveria em união estável com ela. Em entrevista rural efetuada em 2016, o autor alegou ter
trabalhado na área rural somente a partir de 2007 em terras do INCRA, e não antes disso.
Certidão do INCRA corrobora no mesmo sentido. Assim, no momento do requerimento
administrativo, não teria o autor carência necessária à benesse pretendida. Além disso, disse que
a renda do núcleo familiar seria composta pelo LOAS (do qual seria titular), além de pensão do
cunhado incapaz, mas nada mencionada acerca da pensão que sua esposa recebia regulamente.
10. Frise-se, ainda, que existem afirmações do autor no processo concessório de Amparo Social
que, aparentemente, não refletem a verdade dos fatos (já consignadas no corpo deste arrazoado)
e que, se efetivamente verdadeiras, também desconfiguram o trabalho rural alegado pelo
demandante pelo período de carência. Demonstra o conjunto probatório que, na realidade, o
autor exerceu, prioritariamente, durante sua vida laboral, atividades como Coordenador de
Movimento Social de Trabalhadores Sem Terra, em acampamentos e, talvez, em invasões, o que
teria ocorrido por longo interregno e em diversas localidades no Estado do Mato Grosso do Sul,
situação essa que não pressupõe o trabalho campesino por ele realizado durante tais atribuições.
Além disso, em algumas ocasiões, e por curto lapso temporal, o autor exerceu atividades
urbanas. O conjunto probatório não possui documentação apta e suficiente para indicar o
eventual trabalho campesino dele antes de 2005 ou 2007, até porque, em petição por ele firmada
na qualidade de Coordenador do “ACAMPAMENTO 1º DE MAIO”, ele esclarece que está, desde
1998, na esperança de ser assentado, o que só restou alcançado, efetivamente, no final de 2007.
A reforma integral da r. sentença é medida que se impõe, pois inequívoca a ausência de carência
necessária. Por fim, destaco não ser possível determinar o restabelecimento do Amparo Social
que antes recebia o postulante, pois necessário averiguar, mediante nova postulação
administrativa, se ele ainda possui os requisitos necessários para o percebimento daquele
benefício.
11. Revogo a antecipação dos efeitos da tutela anteriormente concedida, determinando a
imediata cessação do benefício concedido pela r. sentença. Expeça-se ofício ao INSS, com os
documentos necessários, para as providências cabíveis, independentemente do trânsito em
julgado. A questão relativa à obrigatoriedade ou não de devolução dos valores recebidos pela
parte autora deverá ser dirimida pelo Juízo da Execução, após a eventual revisão do
entendimento firmado no Tema Repetitivo 692 pela C. Primeira Seção do Superior Tribunal de
Justiça.
12. Remessa oficial não conhecida. Apelação do INSS provida. Tutela revogada. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer da remessa oficial e dar provimento à apelação do INSS,
revogando a tutela concedida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
