D.E. Publicado em 22/08/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares suscitadas e, em juízo rescindendo, julgar improcedente a presente ação rescisória, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 17/08/2017 13:16:03 |
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0095140-95.2007.4.03.0000/SP
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de ação rescisória proposta por NILCE PRIETO FEBOLI em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, com fundamento nos artigos 485, VII e IX, do CPC/1973, objetivando rescindir decisão monocrática terminativa de mérito, a fim de que lhe seja concedida aposentadoria por idade rural.
Aduziu que o julgado incorreu em erro de fato pois teria restado comprovada sua condição de trabalhadora rural na ação subjacente.
Ademais, juntou, como supostos documentos novos, certidões de casamento e óbito, declaração cadastral de produtor, notas de venda e escritura da propriedade rural.
À fl. 415, consta despacho que reconheceu a observância do prazo decadencial para ajuizamento da ação rescisória e deferiu à autora os benefícios da assistência judiciária gratuita, dispensando-a do depósito prévio.
Citado (fls. 421-422), o réu apresentou contestação, às fls. 424-432, alegando, em preliminar, a carência da ação e o óbice da Súmula STF n.º 343 e, no mérito, a inocorrência de erro de fato decorrente de valoração da prova e a não conformidade dos alegados documentos novos.
A autora ofereceu réplica (fls. 436-445).
Instadas à especificação de provas (fl. 447), o réu informou não ter provas a produzir (fl. 463) e autora se quedou inerte (fl. 453).
O Ministério Público Federal opinou pela improcedência da ação rescisória (fls. 454-461).
A autora requereu a tramitação prioritária do feito e a antecipação dos efeitos da tutela (fls. 465-470). À fl. 472, foi deferida a tramitação prioritária do feito, nos termos dos artigos 71 da Lei n.º 10.741/03 e 1048, I, do CPC.
É o relatório.
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Rejeito a preliminar de carência da ação, relativa à viabilidade da rescisão do julgado pelos fundamentos pugnados pela parte autora, por se confundir com o mérito da demanda rescisória.
Rejeito a preliminar relativa à incidência do enunciado de Súmula n.º 343 do e. Supremo tribunal Federal, pois se refere à hipótese de alegação de ofensa à literal disposição de lei, questão não deduzida nesta demanda. Ademais, ainda que tal fundamento pudesse ser extraído da narrativa da inicial, o que não é o caso, a aplicação da tese sumulada é matéria que se confunde com o mérito.
A autora fundamenta a ação rescisória no artigo 485, VII e IX, do CPC/1973, sob a alegação de teria restado comprovada sua condição de trabalhadora rural tanto na ação subjacente como nesta rescisória, com a juntada de supostos documentos novos.
Nascida em 25.04.1945 (fl. 29), a autora postulou na ação subjacente a concessão de aposentadoria por idade rural, mediante o reconhecimento de sua condição de trabalhadora rural, pois "teve dedicação exclusiva ao labor agrícola, trabalhando em regime de economia familiar ao lado do companheiro como pequenos proprietários rurais", tendo afirmado, contudo, o exercício da atividade de costureira por um curto período nos anos de 1985 a 1987 (fl. 44).
Foram ouvidas testemunhas e tomado o depoimento pessoal da autora, em 13.08.2002 (fls. 344-349).
Em 1ª Instância, o pedido foi julgado procedente, fls. 351-357, sentença modificada em 2º grau de jurisdição, dando-se provimento à apelação autárquica, nos termos da decisão monocrática proferida pela Desembargadora Federal Marianina Galante, da qual destaco o seguinte (fls. 401-408):
Sem interposição de recursos, foi certificado o trânsito em julgado ocorrido em 17.05.207 (fl. 410).
Para que seja reconhecido erro de fato, hábil à rescisão da coisa julgada na forma do artigo 485, IX, §§ 1º e 2º, do CPC/1973, exige-se que, sem que tenha havido controvérsia ou pronunciamento judicial sobre o fato, o julgado tenha admitido um fato inexistente ou considerado inexistente um fato efetivamente ocorrido, que tenha influído de forma definitiva para a conclusão do decidido.
Ainda, o erro de fato, necessariamente decorrente de atos ou documentos da causa, deve ser aferível pelo exame do quanto constante dos autos da ação subjacente, sendo inadmissível a produção de provas na demanda rescisória a fim de demonstrá-lo.
Nesse sentido, encontra-se sedimentada a jurisprudência dos Tribunais superiores e desta Corte:
No caso concreto, a qualidade de segurada especial, em regime de economia familiar, foi ponto de manifesta controvérsia entre as partes, sendo que o INSS, além de ter indeferido o requerimento administrativo do benefício por qualificar a requerente como esposa de equiparado a autônomo (fl. 327), contestou o feito aduzindo que seu marido era grande produtor rural e que a requerente se dedicava às atividades domésticas, tendo exercido atividade de costureira.
Ainda, houve pronunciamento judicial sobre a questão controvertida, tendo o julgado reconhecido que, diante do conjunte probatório, não se estava diante de segurada especial em regime de economia familiar, mas de produtora rural.
Ressalto que, segundo fundamentado no julgado rescindendo, o regime de economia familiar pressupõe que os membros da família trabalhem no imóvel rural, sem o auxilio de empregados, para sua própria subsistência, sendo que não se entendeu crível que apenas a autora e sua família pudessem, sozinhos, cuidar de três sítios.
Assim, é patente a inexistência de erro de fato no julgado, seja em decorrência da controvérsia entre as partes sobre o exercício de atividade rural em regime de economia familiar, seja porque houve pronunciamento judicial sobre o fato.
Tem-se que o Juízo originário apreciou as provas segundo seu livre convencimento, de forma motivada e razoável, tendo adotado uma solução jurídica, dentre outras, admissível.
A excepcional via rescisória não é cabível para mera reanálise das provas.
Em relação à possibilidade de rescisão da coisa julgada em decorrência de documento novo, tem-se que a prova material nova deve ser, por si só, suficiente para modificar o julgado rescindendo, ainda que de forma parcial.
Não se objetiva reabrir a dilação probatória para, simplesmente, suprir deficiência do conjunto probatório produzido na ação originária, decorrente da não observância pela parte, por desídia ou negligência, de seu ônus processual probatório, mas, sim, viabilizar a apresentação de prova material nova, cuja existência a parte ignorava ou de que não podia fazer uso, bem como, em casos excepcionais, documento cujo valor probatório era desconhecido pela parte em razão de circunstâncias vulnerabilizantes, como aquelas vivenciadas por trabalhadores rurais.
Nesse sentido, cito os seguintes precedentes:
Como "documentos novos", a autora juntou:
a) certidão de casamento, ocorrido em 20.10.1982, em que a autora consta qualificada como "doméstica", sendo que seu genitor, seu marido e seu sogro foram qualificados como "lavrador" (fl. 30);
b) certidão de óbito de seu marido, em 02.06.2000, o qual foi qualificado como "pecuarista" (fl. 31);
c) ficha de inscrição cadastral da autora como produtora rural (n.º P.0605.0094.1/000), no Sítio Santa Helena (fl. 32) e declaração cadastral de produtor, datada de 24.01.2001, com informação da área de 43,5 ha, dedicada à criação de bovinos para corte e ao cultivo de milho (fl. 33);
d) notas fiscais de produtor, emitidas em 23.04.2004 (7 cabeças), 14.07.2004 (5 cabeças), 16.02.2005 (7 cabeças), 09.03.2005 (8 cabeças), 22.08.2007 (15 cabeças), às fls. 34-39;
e) certidão de matrícula n.º 4.624, do Cartório do Registro de Imóveis da Comarca de Jales, referente ao sítio Santo Antonio, localizado no bairro Córrego do Cavalo, no Município de Santa Albertina, com 43,56 ha, adquirido pelo marido da autora, qualificado como "lavrador", em 29.12.1982, posteriormente transmitido à autora em sua integralidade, por força de partilha em inventário (fls. 40-42);
Os documentos indicados nos itens "a", "b", "c" e "e" supra já constavam dos autos da ação subjacente, conforme se verifica, respectivamente, às fls. 61/231, 62, 99/93 e 64-66.
Em relação às notas fiscais de que trata o item "d", relativas a vendas nos anos de 2004 a 2007, verifica-se que se reportam a fatos ocorridos após o ajuizamento da demanda subjacente, em 29.07.2001, o que, de pronto, invalida a sua utilização na estrita via rescisória.
O documento novo, que viabiliza a rescisão do julgado, deve se reportar à situação fática pretérita, isto é, aquela já existente à época da decisão rescindenda. Nesse sentido:
Ademais, as referidas notas fiscais não apresentam qualquer novidade no contexto fático-probatório formado na ação subjacente, em que já constavam várias notas fiscais, em nome da autora, seu marido e filho (fls. 94, 128-222, 253-268 e 280-290).
Tais "documentos novos" não infirmam ou contradizem a conclusão a que chegou a Relatora no julgado rescindendo, aliás, reafirmam a veracidade da tese adotada, razão pela qual a suposta "prova material nova" não seria capaz de, por si só, assegurar à autora pronunciamento favorável.
Registro que, embora os sítios Santa Helena (43,5 ha), São Pedro (8,4 ha) e São Bento (11,5 ha) tenham, somados, dimensão inferior a quatro módulos fiscais, considerando-se que em Santa Albertina o módulo fiscal equivale a 30 ha (informação disponível em: http://www.incra.gov.br/tabela-modulo-fiscal), a vasta documentação carreada aos autos, com vultosas vendas de cabeças de gado e de produção agropecuária, e a própria fragilidade da prova oral levaram ao entendimento, no julgado rescindendo, de que a atividade rural empreendida pelo grupo familiar já não mais se destinava à subsistência, em regime de economia familiar, mas, sim, visava ostensivamente ao comércio, sendo presumível que a exploração de várias propriedades se desse com o auxílio de empregados ou por intermédio de prepostos.
Quanto ao ponto, destaca-se que a família possui ou possuiu diversos imóveis rurais (Sítio 2 Irmãos, Sítio 3 Poderes, Sítio Santo Antonio, Sítio Anta Helena, Sítio São Pedro e Sítio São Bento), sendo que nas declarações de ITR relativas aos Sítio 2 Irmãos, Sítio 3 Poderes, consta a residência no Sítio São Pedro, enquanto que naquela relativa ao Sítio Santa Helena, consta já a residência da autora no centro da cidade. Os depoimentos da autora e das testemunhas, embora indiquem que a autora costuma ir ao Sítio Santa Helena, isto se dá apenas pelas manhãs e por alguns dias na semana, de sorte que, mormente em face da criação de gado, há forte presunção de que conta com auxílio constante de terceiros para cuidar da alimentação e demais cuidados dos animais nesse sítio, no mínimo nos períodos da tarde e nos dias em que não faz sua visita, bem como em tempo integral nos outros dois sítios (São Bento e São Pedro), sobre os quais a autora e as testemunhas nada informam, embora exista produção agropecuária nos mesmos.
No caso concreto, conforme a vasta documentação acostada aos autos, tenho que a autora e seu marido, embora se dediquem à atividade rural, não o fazem na forma de agricultura de subsistência, indispensável à sobrevivência, sustento próprio e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, mas, sim, de forma lucrativa e organizada como verdadeiro empreendimento rural.
Não se está a dizer que o pequeno produtor rural, qualificado como segurado especial, não possa comercializar, inclusive de forma lucrativa, o excedente da produção agropecuária ou extrativista realizada para subsistência do grupo, em regime de economia familiar. O que se pretende diferenciar é o segurado especial daquele produtor rural cuja produção, agropecuária ou extrativista, é organizada e voltada quase que exclusivamente ao comércio e/ou indústria, desvinculando-se daquele regime direcionado à sobrevivência do grupo familiar.
Por fim, além dos alegados "documentos novos" não trazerem alteração ao contexto fático firmado na demanda subjacente, verifica-se que o julgado rescindendo se encontra consonante com o posicionamento do c. Superior Tribunal de Justiça:
Dada a riqueza de fundamentação, destaco trecho do voto proferido pelo Ministro Og Fernandes no julgamento da Ação Rescisória n.º 1411, cuja ementa consta acima transcrita:
A necessidade de comprovação da atividade agrícola, extrativista e/ou pecuária indispensável e voltada à subsistência do grupo familiar, para caraterização do pequeno produtor rural como segurado especial, se encontra entalhada em diversos precedentes desta Corte, dentre os quais colaciono:
Desse modo, também não reconheço a existência de documento novo para fins de rescisão da coisa julgada.
Ante o exposto, rejeito as preliminares suscitadas e, em iudicium rescindens, julgo improcedente a presente ação rescisória, nos termos dos artigos 269, I, do CPC/1973 e 487, I, do CPC/2015.
Custas na forma da lei.
Condeno a autora no pagamento de honorários advocatícios que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), devidamente atualizado e acrescido de juros de mora, conforme estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal para as dívidas civis, conforme prescrevem os §§ 2º, 4º, III, e 8º, do artigo 85 do CPC. A exigibilidade ficará suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto no artigo 98, § 3º, do CPC.
É como voto.
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 17/08/2017 13:15:59 |