
| D.E. Publicado em 24/10/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar suscitada; em juízo rescindendo, julgar parcialmente procedente a presente ação rescisória para desconstituir parcialmente o julgado na ação subjacente no que tange à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição; em juízo rescisório, julgar parcialmente procedente o pleito formulado na ação subjacente tão somente para, considerando o tempo de atividade rural reconhecido no julgado rescindendo (01.01.1978 a 23.07.1991), condenar a autarquia na expedição da respectiva certidão de contagem recíproca, com o registro da ausência do recolhimento de contribuições previdenciárias no respectivo período; e, julgar improcedente o pedido para restituição dos valores recebidos por força da execução do julgado ora rescindido, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0030884-36.2013.4.03.0000/SP
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de ação rescisória, com aditamento às fls. 185-187, proposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em face de JOVINA DE JESUS RODRIGUES, com fundamento no artigo 485, V e IX, do CPC/1973, objetivando rescindir decisão monocrática terminativa de mérito, a fim de que seja julgado improcedente o pedido formulado na demanda subjacente de reconhecimento de exercício de atividade rural e de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, com a condenação da ré na devolução dos valores recebidos. Subsidiariamente, pleiteou que eventual condenação na expedição de certidão de contagem recíproca de tempo de contribuição seja condicionada à previa indenização das contribuições relativas à atividade rural.
Aduziu que o julgado rescindendo incorreu em violação literal á disposição dos artigos 11, 12, 15, 24, 25, 52, 55,§ 3º, 99, 108 e 142 da Lei n.º 8.213/91 e artigo 460 do CPC/1973, bem como em erro de fato, ao determinar a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição à ré, filiada desde 1994 a regime próprio de Previdência, vinculado ao Município de Dirce Reis/SP. Sustentou, ainda, que o período de atividade rural foi reconhecido, segundo alega, sem que houvesse prova material indiciária, haja vista que se encontrava separada do marido antes de 1993, bem como que as notas fiscais de produtor rural estão em nome de terceiro e nada revelam sobre o labor rurícola da autora. Alegou, por fim, a impossibilidade de expedição de certidão de tempo de contribuição para fins de contagem recíproca relativa a tempo de atividade rural exercida sem as respectivas contribuições ou prévia indenização.
Às fls. 181-182, consta decisão monocrática que indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela. O autor interpôs agravo regimental (fls. 188-195). À fl. 225 foi mantida a decisão recorrida, determinando-se o regular processamento do agravo.
O autor requereu, em 30.01.2014, o aditamento da inicial (fls. 185-187), para o fim de acrescer ao pedido a alegação de violação à literal disposição da lei em relação ao reconhecimento em si da atividade rural, bem como para indicação de outros dispositivos legais que também entendeu violados (artigos 11, 12, 15, 24, 25, 52, 55,§ 3º, 108 e 142 da Lei n.º 8.213/91). A ré foi intimada a se manifestar (fl. 225), tendo se mantido silente (fl. 226).
Citada (fls. 213-223), a ré apresentou contestação, às fls. 199-212, sustentando, em preliminar, a "imutabilidade da decisão judicial transitada em julgado" e, no mérito, a possibilidade de cômputo do tempo de exercício de atividade rural anterior á vigência da Lei n.º 8.213/91 independentemente do recolhimento de contribuições para fins de aposentação por tempo de serviço, cabendo à autarquia "arcar com os valores que seriam necessários para as compensações entre os Institutos de Previdência". Requereu a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, os quais foram deferidos, à fl. 225.
O autor ofereceu réplica (fls. 230-231).
Instadas as partes à especificação de provas (fl. 233), o autor requereu a expedição de ofício à Prefeitura de Dirce Reis (fls. 234-235) e a ré se manteve inerte (fl. 236).
O autor reiterou o pleito de antecipação dos efeitos da tutela (fls. 237-246).
Às fls. 248-251, consta decisão de minha lavra que reconheceu a observância do prazo decadencial para ajuizamento da ação rescisória; recebeu o aditamento à inicial, deferindo prazo para respectiva contestação; reconsiderou a decisão agravada, dando por prejudicado o recurso, e deferiu a antecipação dos efeitos da tutela para suspender a execução do julgado, inclusive quanto ao pagamento da renda mensal do benefício implantado e de ofício requisitório eventualmente expedido; e, deferiu a expedição de ofício para requisição de informações à Prefeitura Municipal de Dirce Reis.
Devidamente intimada, a ré se quedou silente (fl. 259).
A Prefeitura Municipal de Dirce Reis encaminhou certidão informando "que o Regime de Previdência é municipal (IPREM) e foi instituído nesse Município no exercício de 1994, sendo que JOVINA DE JESUS RODRIGUES foi vinculada ao Instituto em 01 de janeiro de 1994. CERTIFICO também que a mesma é aposentada, sendo tal aposentadoria vinculada ao IPREM de Dirce Reis. CERTIFICO ainda que não houve expedição ou recebimento de certidão de tempo de contribuição para fins de contagem recíproca em nome da referida aposentada" (fls. 256-258).
À fl. 260, foram as partes intimadas sobre a juntada da referida certidão, oportunizando-se a apresentação de razões finais. O autor reiterou os termos de sua inicial e aditamento (fl. 260v); a ré se manteve inerte (fl. 261).
O Ministério Público Federal opinou pela procedência da ação, com o julgamento de improcedência do pedido na demanda subjacente (fls. 262-274).
É o relatório.
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Rejeito a preliminar de "imutabilidade da decisão judicial transitada em julgado", haja vista que a desconstituição da coisa julgada material é o próprio objeto da ação rescisória, na forma como expressamente prevista nos artigos 485 do CPC/1973 e 966 do CPC/2015.
O autor fundamenta a ação rescisória no artigo 485, V e IX, do CPC/1973, alegando violação à disposição literal dos artigos 11, 12, 15, 24, 25, 52, 55,§ 3º, 99, 108 e 142 da Lei n.º 8.213/91 e artigo 460 do CPC/1973, bem como a ocorrência de erro de fato, ao determinar a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição à ré, filiada desde 1994 a regime próprio de Previdência, vinculado ao Município de Dirce Reis/SP. Sustentou, ainda, que o período de atividade rural foi reconhecido, segundo alega, sem que houvesse prova material indiciária, haja vista que se encontrava separada do marido antes de 1993, bem como que as notas fiscais de produtor rural estão em nome de terceiro e nada revelam sobre o labor rurícola da autora. Alegou, por fim, a impossibilidade de expedição de certidão de tempo de contribuição para fins de contagem recíproca relativa a tempo de atividade rural exercida sem as respectivas contribuições ou prévia indenização.
Na ação subjacente, ajuizada em 24.03.2008, Jovina de Jesus Rodrigues (nascida em 20.08.1951), informando ser "funcionária pública municipal" (fl. 17), postulou o reconhecimento da procedência de seu pedido "para o fim de DECLARAR, através de CERTIDÃO, que a Autora efetivamente trabalhou como RURÍCOLA, NO PERÍODO INDICADO, ao FINAL condenando o Réu na averbação do período requerido pelo Requerente, para efeitos de Concessão da Aposentadoria por Tempo de Contribuição Integral, retroagindo seus efeitos à época da concessão da aposentadoria proporcional que lhe foi deferida, vez que, apesar de requerida, o INSS deixou de reconhecer administrativamente seus direitos" (fls. 17-23).
Narrou ter exercido atividade rural entre 01.01.1964 e 01.12.1993, em regime de economia familiar, conjuntamente com os pais e irmãos e, posteriormente, com seu companheiro, na lavoura de café, dentre outras, tendo se mudado para Dirce Reis aos 15 anos de idade. Aduziu que "somando-se o período rural ao tempo de serviço urbano atinge tempo suficiente à aposentação por tempo de serviço, antes do advento da Emenda Constitucional n. 20, de 15-12-1998", bem como que "caso não lhe assista direito a (sic) aposentação, postula a averbação do tempo de serviço rural", pois "é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei".
Para comprovação do alegado, juntou àqueles autos:
1) certidão de seu nascimento, emitida em 23.0.1990, não constando qualquer averbação sobre casamento (fl. 29);
2) sua CTPS, com anotação de vínculo empregatício com a Prefeitura Municipal de Dirce Reis entre 04.01.1993 e 31.12.1993 (fl. 31-32);
3) registros de matrícula na Escola Estadual de 1º Grau de Dirce Reis, em nome de terceiras pessoas não relacionadas ao grupo familiar da autora, dentre eles o filho de José Alves Abrantes, qualificado como lavrador em 1978, e a filha de Manoel Alcebiades Silva e Jovina Maria de Jesus, ele qualificado como lavrador e ela como doméstica, entre 1978 e 1981 (fls. 34-41);
3) escritura de divisão amigável de imóvel rural (Sítio Ouro Verde) em nome de terceiras pessoas não relacionadas ao grupo familiar da autora, dentre eles "Valdivino José de Souza" (fls. 42-46);
4) notas fiscais de produtor relativas ao Sítio Ouro Verde, em nome de terceira pessoa ("Valdevino Jose de Souza") não relacionada ao grupo familiar da autora (fls. 47-78);
5) Portaria n.º 17/94 e termo de posse, datados de 03.01.1994, da Prefeitura Municipal de Dirce Reis, nomeando e dando posse à autora para ocupação de cargo de seu quadro de pessoal (fls. 79-80).
Em contestação, a autarquia controverteu o efetivo exercício de atividade rural, inclusive porque os documentos, segundo alegou, "nada comprovam a respeito do efetivo labor rurícola da requerente, estando em sua grande parte em nome de terceiros estranhos ao processo", bem como pugnou pela sua prévia indenização para eventual expedição de certidão de contagem recíproca. Juntou extrato do CNIS (fl. 26), constando a informação "ESTA" no campo vínculo, relativo à Prefeitura Municipal de Dirce Reis, bem como extrato do Sistema Único de Benefício (fl. 28), em que não constou qualquer registro de existência de requerimentos administrativos.
Foram tomados depoimentos da autora e de suas testemunhas, em 16.04.2009 (fls. 114-116):
Em 1ª Instância, o pedido foi julgado improcedente (fls. 130-135), tendo se pontuado o quanto segue:
À apelação da autora foi dado provimento, conforme decisão monocrática terminativa proferida pelo Desembargador Federal Nelson Bernardes de Souza (fls. 156-165), que silenciou sobre o fato da autora ser funcionária pública municipal ou sobre sua vinculação a regime próprio de Previdência e reconheceu o "exercício da atividade rural, sem anotação em CTPS, nos períodos compreendidos entre 01 de janeiro de 1978 (ano do documento mais remoto) e 23 de julho de 1991, data anterior a entrada em vigor da Lei nº 8.213/91, que passou a exigir indenização", concedendo, ainda, aposentadoria por tempo de contribuição proporcional, somando o tempo de atividade rural com o tempo de atividade prestada ao Município de Dirce Reis, segundo os fundamentos que seguem:
Sem interposição de recurso pelas partes, foi certificado o trânsito em julgado ocorrido em 14.06.2013 (fl. 174).
Da vinculação a Regime Próprio de Previdência
A viabilidade da ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei pressupõe violação frontal e direta da literalidade da norma jurídica, não se admitindo a mera ofensa reflexa ou indireta (confira-se: STJ, S1, AR 4264, relator Ministro Humberto Martins, DJe 02.05.2016).
Ressalto que, em 13.12.1963, o e. Supremo Tribunal Federal fixou entendimento, objeto do enunciado de Súmula n.º 343, no sentido de que "não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais".
Para que seja possível a rescisão do julgado por violação literal de lei decorrente de valoração da prova, esta deve ter sido de tal modo desconexa que resulte em pungente ofensa à norma vigente ou em absoluto descompasso com os princípios do contraditório ou da ampla defesa.
De outro lado, no reconhecimento de erro de fato, hábil à rescisão da coisa julgada na forma do artigo 485, IX, §§ 1º e 2º, do CPC/1973, exige-se que, sem que tenha havido controvérsia ou pronunciamento judicial sobre o fato, o julgado tenha admitido um fato inexistente ou considerado inexistente um fato efetivamente ocorrido, que tenha influído de forma definitiva para a conclusão do decidido.
Ainda, o erro de fato, necessariamente decorrente de atos ou documentos da causa, deve ser aferível pelo exame do quanto constante dos autos da ação subjacente, sendo inadmissível a produção de provas na demanda rescisória a fim de demonstrá-lo.
Nesse sentido, encontra-se sedimentada a jurisprudência dos Tribunais superiores e desta Corte:
Primeiramente, rejeito a alegação de violação direta ao artigo 460 do CPC/1973. Embora a autarquia alegue que não houve pleito para concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, mas tão somente para expedição de certidão de contagem recíproca, fato é que a autora da demanda subjacente formulou expressamente pedido para concessão do benefício e, apenas de forma subsidiária, a expedição da certidão.
Reconheço a existência de erro de fato no julgado rescindendo em relação ao cômputo do período de atividade vinculada a regime próprio de Previdência para o fim de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição vinculada ao regime geral. Ressalto que não houve controvérsia entre as partes quanto à vinculação da autora ao RPPS, tampouco houve manifestação judicial sobre tal ponto.
Além de ambas as partes terem deixado claro que a autora era servidora pública, tanto o extrato do CNIS juntado aos autos da demanda subjacente pelo INSS (fl. 26), como aquele colhido pelo próprio julgador originário (fls. 169), traziam informação sobre a natureza estatutária do vínculo com a Prefeitura Municipal de Dirce Reis.
Outrossim, considerando que além do período de atividade rural reconhecido no próprio julgado, a autora somente conta com o referido vínculo no seu histórico profissional, é evidente que, descontado o tempo de atividade vinculada ao RPPS, a autora não possui tempo de contribuição ou tempo de carência suficientes para sua aposentação pelo RGPS.
A Constituição assegura a aposentação mediante a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, observando-se que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei (artigo 201, § 9º).
Por seu turno, o artigo 99 da Lei n.º 8.213/91 estabelece que o benefício resultante de contagem de tempo de serviço na forma recíproca será concedido e pago pelo sistema a que o interessado estiver vinculado ao requerê-lo, e calculado na forma da respectiva legislação.
Assim, ao se encontrar vinculada a Regime Próprio de Previdência Social a autora deveria requerer sua aposentação junto à Prefeitura Municipal de Dirce Reis e segundo as regras daquele regime. Ainda que se pudesse admitir a sua aposentação pelo Regime Geral de Previdência Social, não seria possível a utilização do tempo de contribuição vertida ao RPPS sem a devida compensação entre os regimes.
Nessa sentido, cito precedentes desta e. Corte:
Em iudicium rescindens, reconheço, portanto, a ocorrência de erro de fato, do qual resultou violação direta aos artigos 201, § 9º, da Constituição e 99 da Lei n.º 8.213/91, no que tange à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, cabendo a desconstituição parcial do julgado quanto ao ponto.
Do exercício de atividade rural
Cabe, ainda, avaliar a eventual ocorrência de violação literal à disposição de lei no que tange ao reconhecimento do exercício de atividade rural entre 01.01.1978 e 23.07.1991. Destaco que este foi o único argumento deduzido na inicial quanto ao ponto.
Segundo alegado pela autarquia, a violação direta à lei decorreria do reconhecimento do mourejo rurícola sem prova material indiciária, na forma exigida pelo artigo 55, §3º, da Lei n.º 8.213/91, pois os documentos juntados estariam em nome de terceiros que não integravam o grupo familiar da autora.
A questão é espinhosa, pois, de fato, nenhum dos documentos juntados aos autos da demanda subjacente se encontra em nome da autora.
Destaco que os documentos relativos a Valdivino José de Souza, suposto empregador da autora, além de não se referirem a ela, tampouco foram acolhidos pelo julgado rescindendo como prova material indiciária da atividade rurícola alegada.
Os documentos tomados em consideração pelo julgado rescindendo, como início de prova material do labor campesino, quais sejam, os registros escolares, foram assim reconhecidos por se referirem ao "marido" da autora, sr. Manoel Alcebiades da Silva.
Entretanto, embora a autora tenha informada ter sido casada com Manoel Alcebiades da Silva e dele estar divorciada desde antes do vínculo com a Prefeitura Municipal de Dirce Reis, não há qualquer documento nos autos que comprove tal fato.
O documento de identidade da autora no Registro Geral junto ao Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt (IIRGD) foi emitido, em 13.03.1990, com base em sua certidão de nascimento (fl. 27). Em sua CTPS, emitida em 23.02.1990, a autora está qualificada como solteira, também indicando os dados de sua certidão de nascimento (fl. 31). Sua certidão de nascimento, emitida em 23.01.1990, não tem qualquer averbação sobre a ocorrência de casamento (artigo 107 da Lei n.º 6.015/73).
De outro lado, os registros escolares de fls. 34-41 não servem como prova material do alegado mourejo rurícola, haja vista que a criança matriculada não é filha da autora, tampouco há prova de seu suposto enlace matrimonial com o pai.
Por fim, ainda que se tratasse do suposto marido, não constando dos autos qualquer documento, ou sequer informação, sobre o período em que foi mantida a alegada relação conjugal, não haveria como correlacionar o período indicado nos documentos com aquele em que mantida a relação conjugal para o fim de extensão de sua eficácia probatória.
Dessa forma, a meu ver, tais documentos não poderiam, sem maiores esclarecimentos e provas da existência da relação conjugal, ser considerados como início de prova material de atividade rural supostamente exercida pela autora.
Contudo, em razão do princípio constitucional da intangibilidade da coisa julgada (artigo 5º, XXXVI, da CF), a sua relativização é medida excepcional, que depende de previsão legal para seu reconhecimento (confira-se: STF, 1ª Turma, AgR/RE 603188, relator Ministro Luiz Fux, DJe 12.05.2011), de sorte que a desconstituição de coisa julgada material deve observar estritamente às hipóteses rescindendas elencadas nos artigos 485 do CPC/1973 e 966 do CPC/2015.
Conforme supra exposado, a ocorrência de violação à literal disposição de lei deve se dar de forma direta, situação não verificada no caso dos autos, haja vista que somente se atingiria um cenário de violação legal por meio de completa revaloração da prova produzida na demanda subjacente.
Ainda que este Relator não compartilhe do mesmo entendimento do julgador originário, tem-se que, certo ou errado, o julgado rescindendo analisou e valorou a prova. Contrapôs os documentos dos autos com os depoimentos das testemunhas e, segundo seu livre convencimento, de forma motivada e razoável, adotou uma solução jurídica, dentre outras, admissível.
A excepcional via rescisória não é cabível para mera reanálise das provas. Nesse sentido, confira-se precedentes desta 3ª Seção:
Assim, incabível a desconstituição do julgado proferido na demanda subjacente em relação ao período de atividade rural, o qual se mantém hígido.
Do juízo rescisório
Em iudicium rescisorium, a demanda subjacente deve ser julgada parcialmente procedente tão somente para, considerando o tempo de atividade rural reconhecido no julgado rescindendo (01.01.1978 a 23.07.1991), condenar a autarquia na expedição da respectiva certidão de contagem recíproca, com o registro da ausência do recolhimento de contribuições previdenciárias no respectivo período.
A respeito do tema da contagem recíproca, o artigo 96, IV, da Lei nº 8.213/1991, exige o recolhimento das contribuições previdenciárias no período que pretende comprovar, "com acréscimo de juros moratórios de zero vírgula cinco por cento ao mês, capitalizados anualmente, e multa de dez por cento". Cumpre notar que, para o trabalho rural, não foram vertidas contribuições no caso presente.
A ausência do pagamento da contribuição correspondente, no entanto, não inviabiliza a emissão da certidão de tempo de serviço pela entidade autárquica, desde que o INSS registre no documento aludida situação, observado, desta forma, o comando inserto no art. 96, IV, da Lei nº 8.213/1991.
Nesse sentido é o entendimento da E. Terceira Seção deste Tribunal. Confira-se:
Consigne-se que a Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXIV, assevera ser direito fundamental individual a obtenção de certidões perante o Poder Público, de modo que a expedição de Certidão de Tempo de Serviço é manifestação de tal preceito, configurando declaração do Poder Público acerca da existência (ou inexistência) de relação jurídica pré-existente. Importante ser dito que o conteúdo de tal certidão não comporta qualquer tipo de ressalva no tocante à extensão de sua utilidade no sentido de que ela não poderá ser utilizada para fins de contagem recíproca.
Dessa forma, diante de legítimo interesse (qual seja, declaração judicial a respeito de tempo de serviço exercido), somente é possível ao julgador, após reconhecer e asseverar a existência de tal direito, impor que se expeça a certidão (sob o pálio do direito fundamental individual anteriormente descrito), o que não significa que, de posse dela, automaticamente seu detentor obtenha direito à percepção de benefício previdenciário, sendo necessário, ainda, o adimplemento dos requisitos legais a serem perquiridos no momento em que pugnada a benesse (inclusive se a adição de tempos de filiação em regimes diversos restou suficiente).
Conforme já acenado, cabe ao Instituto Nacional do Seguro Social emitir a certidão de tempo de serviço - mencionando os lapsos reconhecidos ao segurado - e, ao órgão a que estiver vinculado o servidor, a averbação do conteúdo certificado e a soma do tempo de labor para fins de concessão da aposentadoria.
Ressalte-se, inclusive, que o entendimento ora adotado alinha-se com a tese firmada quanto ao Tema 609 do STJ: "O segurado que tenha provado o desempenho de serviço rurícola em período anterior à vigência da Lei n. 8.213/1991, embora faça jus à expedição de certidão nesse sentido para mera averbação nos seus assentamentos, somente tem direito ao cômputo do aludido tempo rural, no respectivo órgão público empregador, para contagem recíproca no regime estatutário se, com a certidão de tempo de serviço rural, acostar o comprovante de pagamento das respectivas contribuições previdenciárias, na forma da indenização calculada conforme o dispositivo do art. 96, IV, da Lei n. 8.213/1991" (REsp nº 1.682.678/SP, Relator Min. Og Fernandes, submetido ao procedimento dos recursos repetitivos. Data de afetação 07/11/2017. Julgado em 25/04/2018. Acórdão publicado em 30/04/2018.).
Por fim, em que pese entendimento pessoal deste Relator, curvo-me à orientação firmada nesta 3ª Seção no sentido de que é indevida a devolução dos valores recebidos a maior pelo segurado em decorrência do cumprimento de provimento judicial transitado em julgado, ora rescindido, desde que não caracterizada má-fé:
Dada a sucumbência recíproca, condeno a autarquia autora no pagamento de honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), devidamente atualizado e acrescido de juros de mora, conforme estabelecido do Manual de Cálculos e Procedimentos para as dívidas civis, até sua efetiva requisição (juros) e pagamento (correção), conforme prescrevem os §§ 2º, 4º, III, e 8º, do artigo 85 do CPC.
Vedada a compensação na forma do artigo 85, § 14 do CPC, condeno a ora ré no pagamento de honorários advocatícios, que também fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), devidamente atualizado e acrescido de juros de mora, conforme estabelecido do Manual de Cálculos e Procedimentos para as dívidas civis, até sua efetiva requisição (juros) e pagamento (correção), conforme prescrevem os §§ 2º, 4º, III, e 8º, do artigo 85 do CPC. A exigibilidade das verbas honorárias devidas ficará suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto no artigo 98, § 3º, do CPC.
Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar suscitada; em iudicium rescindens, com fundamento nos artigos 485, V e IX, do CPC/1973 e 966, V e IX, do CPC/2015, julgo parcialmente procedente a presente ação rescisória para desconstituir parcialmente o julgado na ação subjacente no que tange à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição; e, em iudicium rescisorium, nos termos dos artigos 269, I, do CPC/1973 e 487, I, do CPC/2015, julgo parcialmente procedente o pleito formulado na ação subjacente tão somente para, considerando o tempo de atividade rural reconhecido no julgado rescindendo (01.01.1978 a 23.07.1991), condenar a autarquia na expedição da respectiva certidão de contagem recíproca, com o registro da ausência do recolhimento de contribuições previdenciárias no respectivo período. Julgo improcedente o pedido para restituição dos valores recebidos por força da execução do julgado ora rescindido.
Comunique-se o juízo da execução. Oficie-se o INSS.
Custas na forma da lei.
É como voto.
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