
| D.E. Publicado em 28/11/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares e julgar improcedente o pedido formulado na ação rescisória, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0014147-55.2013.4.03.0000/SP
RELATÓRIO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Trata-se de ação rescisória ajuizada por REGIANE APARECIDA MAIMONI em face de Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com fundamento no artigo 485, incisos V (violação de lei) e IX (erro de fato) do Código de Processo Civil/1973, visando à desconstituição de acórdão (fls. 236/238) que manteve o provimento do recurso de apelação do INSS, para reformar sentença e julgar improcedente pedido de restabelecimento de benefício assistencial.
Alega a parte autora que preenche todos os requisitos para a concessão do benefício assistencial conforme demonstra o relatório social, que atesta a miserabilidade exigida em lei. Aduz violação de lei e erro de fato porque não se poderia incluir o irmão no cômputo da renda per capita, uma vez que este deixou de residir junto com a família. Sustenta dolo do INSS no tocante à juntada do CNIS do irmão da autora, em momento inoportuno e sem oportunidade de realização de novo estudo social para comprovação de tal fato. Por fim, fornece cópias do processo que ajuizou posteriormente e tramitou perante o Juizado Especial Federal de Sorocaba, em que lhe foi concedido o benefício a partir de 05/10/2012, afirmando que se trata de documentos probatórios de sua situação de vulnerabilidade social. Assim, postula a rescisão do julgado e o reconhecimento do seu direito ao recebimento do benefício assistencial indevidamente cessado, desde 19/08/2002.
Regularmente citada (fls. 84/85), a autarquia-ré apresentou contestação (fls. 87/104), alegando, preliminarmente, inépcia da inicial por ausência da causa de pedir, bem como carência de ação, uma vez que pretende a parte autora utilizar-se da ação rescisória como sucedâneo de recurso. Refuta a ocorrência de erro de fato e violação de lei e ressalta que a autora quer uma nova leitura do conjunto fático debatido na ação originária. Assim, pugna pela improcedência do pedido rescisório.
A parte autora manifestou-se sobre a contestação (fls. 266/268).
Intimadas as partes, apenas o INSS apresentou razões finais, reiterando as teses até então sustentadas (fls. 272/273).
O Ministério Público Federal ofertou parecer às fls. 275/278, opinando pela improcedência da ação rescisória.
É o relatório.
VOTO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Registro que a presente ação rescisória foi ajuizada sob a égide do Código de Processo Civil de 1973.
Impõe-se observar que, publicada a r. decisão rescindenda e interposta a presente ação rescisória em data anterior a 18.03.2016, a partir de quando se torna eficaz o Novo Código de Processo Civil, as regras de interposição da presente ação a serem observadas em sua apreciação são aquelas próprias ao CPC/1973. Inteligência do art. 14 do NCPC.
Verifico que foi obedecido o prazo de dois anos estabelecido pelo artigo 495 do CPC/1973, considerando a certidão de trânsito em julgado (fl. 241).
Quanto à alegação de inépcia da exordial, observo que os documentos trazidos pela autora com a petição inicial são suficientes para a compreensão e deslinde da demanda, bem como preenche todos os requisitos dos artigos 282 e 283 do Código de Processo Civil de 1973, não se podendo falar em inépcia da petição inicial.
A alegação de carência de ação confunde-se com o mérito da demanda e com ele será examinada.
A parte autora objetiva rescindir julgado que negou a concessão de benefício assistencial por entender ausente o requisito da miserabilidade.
Dado o caráter excepcional de que se reveste a ação rescisória, para a configuração da hipótese de rescisão em questão, é certo que o julgado impugnado deve violar preceito legal de sentido unívoco e incontroverso.
Sobre o tema, anota Theotonio Negrão:
O benefício assistencial está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, bem como na Lei nº 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435/2011, e prevê "a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei".
Por sua vez, a Lei 8.742/93 dispõe, em seu art. 20, caput, que "O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família".
Assim, extrai-se das normas citadas a imprescindibilidade de se satisfazer a dois requisitos para o deferimento do beneficio assistencial em tela, quais sejam: primeiro, a caracterização da incapacidade do requerente, em decorrência de sua deficiência (incapacidade) e/ou o caráter de idoso; e, segundo, a situação de penúria em que ele se encontra (miserabilidade), de sorte que, da conjugação desses dois pressupostos, transpareça a sua impossibilidade de prover o seu sustento ou de tê-lo provido por sua família.
Considera-se pessoa com deficiência, para fins de concessão do benefício de prestação continuada, aquela que, segundo o disposto no artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela lei nº 13.146/2015, "tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas".
No caso dos autos, o laudo pericial concluiu pela incapacidade parcial e permanente da parte autora por ser portadora de epilepsia e psicose epilética (fls. 153/155), não sendo capaz de prover seu próprio sustento (fl. 167 - laudo complementar).
A respeito do critério da comprovação da incapacidade da família para prover a manutenção do deficiente ou idoso, dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93: considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo (redação dada pela Lei 13.146/2015).
Referido critério foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, conforme ementa a seguir reproduzida:
Em que pese o reconhecimento da constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, o requisito financeiro estabelecido pela lei começou a ter sua constitucionalidade contestada, pois, na prática, permitia que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Assim, a jurisprudência passou a admitir a possibilidade do exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Interpretação consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado pela sistemática do artigo 543-C do CPC (REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28/10/2009; DJ 20/11/2009).
Em decorrência, a questão voltou à análise do Supremo Tribunal Federal, que após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 - PE, julgada em 18/04/2013, prevaleceu o entendimento segundo o qual as significativas mudanças econômicas, bem como as legislações em matéria de benefícios previdenciários e assistenciais trouxeram outros critérios econômicos que aumentaram o valor padrão da renda familiar per capita, de sorte que ao longo de vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização, conforme ementa a seguir transcrita:
Desta forma, como o objetivo da assistência social é prover o mínimo para a sobrevivência do idoso ou incapaz, de modo a assegurar uma sobrevivência digna, para sua concessão não há que se exigir uma situação de miserabilidade absoluta, bastando à caracterização de que o beneficiário não tem condições de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família. Por isso, nada impede que o juiz, diante de situações particularizadas, em face das provas produzidas, reconheça a condição de pobreza do requerente do benefício assistencial, ainda que o núcleo familiar tenha renda per capita superior ao valor correspondente a 1/4 do salário-mínimo.
Assim sendo, a utilização exclusiva do critério da renda per capita para fins de aferição do requisito da miserabilidade fere o espírito do benefício assistencial, que é de amparar os necessitados. Anoto que, à época da decisão rescindenda, a jurisprudência se direcionava no sentido de aferir a miserabilidade por outros meios além do critério aritmético, verificando-se no caso concreto situações de real necessidade econômica.
Tal posicionamento restou pacificado no REsp nº 1.112.557/MG, submetido ao procedimento dos recursos repetitivos, e restou consagrada no julgamento da Reclamação 4374 - PE, julgada em 18/04/2013, pelo STF, no sentido de que o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização.
No caso dos autos, a improcedência do pedido, mantida em sede de agravo legal, foi fundamentada na decisão monocrática nos seguintes termos:
No caso dos autos, o Laudo Pericial acostado às fls. 104/106 e118, comprova que a autora é portadora de epilepsia e psicose epilética desde os 11 anos, que a incapacita parcialmente e não há dependência de terceiros para as atividades da vida diária. A patologia, por si só, é passível de controle através de medicamentos. O Relatório Social, datado de 2006, relata que o núcleo familiar é composto pela autora, seus pais e um irmão. No aspecto econômico, a renda familiar era de R$ 610,00, auferidas pelo pai e pelo irmão que residem em um Conjunto Habitacional do CDHU.
Outrossim, dos CNIS acostados aos autos, constatou-se que o irmão da autora aufere um salário de mais de R$1.500,00 (fls. 146/147). Assim sendo, nos termos do art. 16 da Lei 8213/91, alterado pela Lei 12.435/2011, considerando que o irmão compõe o núcleo familiar e vive sob o mesmo teto, a renda per capita é bem superior ao limite legal estabelecido que é de 1/4 do salário mínimo.
Destarte, verifica-se que a autora não faz jus ao restabelecimento do benefício pretendido, porquanto não preencheu os requisitos necessários previstos nas legislações pertinentes.
Cumpre ressaltar, que o benefício em questão possui caráter nitidamente assistencial, devendo ser destinado somente àquele que dele necessita e comprova a necessidade, o que não é o caso dos autos.
Outrossim, a cassação da tutela antecipada é medida que se impõe, entretanto, ressalto que não há que se falar em restituição de eventuais valores pagos por força de medida liminar, tendo em vista a natureza alimentar da benesse e a boa-fé da requerente, além do que enquanto a decisão antecipatória produziu efeitos eram devidos os valores dela decorrentes.
A parte autora recebeu benefício assistencial concedido na via administrativa de 01/08/1997 a 19/08/2002. Ajuizou a ação em 27/03/2006, requerendo o restabelecimento do referido benefício, alegando ser portadora de incapacidade total e permanente e que o grupo familiar era composto pelo pai, mãe, a irmã e duas sobrinhas, estando todos desempregados. O genitor da autora trabalhava como lavrador, sendo a única renda a auferida como diarista, a qual não alcançaria um salário mínimo vigente.
Em relatório social elabora por profissional do setor social da Prefeitura Municipal de Piedade, verificou-se que a autora residia com seus pais, e o irmão, Rogério Aparecido Maimoni, e que a renda familiar totalizava em R$ 610,00 (seiscentos e dez reais). Restou atestado que a casa era financiada (conjunto habitacional do CDHU), com pagamento mensal de R$ 55,00 (cinquenta e cinco reais), de alvenaria, com esgoto, iluminação elétrica, bom estado de conservação e higiene e, guarnecido dos eletrodomésticos necessários. Os gastos mensais totalizavam em R$ 361,00 (trezentos e sessenta e um reais).
Cientificada às partes quanto ao estudo social, a parte autora não se manifestou, conforme certificado à fl. 117v.
Alega a requerente que o irmão foi considerado como membro do núcleo familiar quando não mais residia com a família, mas no momento oportuno não se insurgiu quanto ao relatado no estudo social. Aduz, ainda, dolo por parte do INSS, que teria apresentado o CNIS do irmão, indicando vários registros de trabalho em CTPS com o histórico de remunerações bem superiores a um salário mínimo. Todavia, verifica-se que referido documento foi juntado pelo representante ministerial (fls. 191/195), motivo pelo qual afasto tal argumento.
O documento que a parte autora traz para comprovar que o irmão não mais residia na mesma casa no momento do estudo social (comprovante de atualização de dados cadastrais do CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais - fl. 24), em que o endereço principal do mesmo consta diverso da residência da autora, foi extraído em 04/06/2012, posterior ao laudo social e ao julgamento da apelação.
Da mesma forma a cópia dos documentos referentes ao processo ajuizado perante o Juizado Federal retratam situação fática posterior (laudo social em 01/04/2013) àquela existente no momento do estudo social realizado na ação anterior, em 20/11/2006, não interferindo no resultado do seu julgamento. Tratando o benefício assistencial de relação jurídica continuativa e sobrevindo modificação no estado de fato ou de direito, tornou-se possível a concessão posterior do benefício, sem que isso interfira em julgamento que se deu em momento anterior.
Desta forma, a decisão rescindenda concluiu pela ausência do requisito de miserabilidade sopesando todos os elementos de prova produzidos no feito subjacente, não restando configurada a hipótese legal do inciso V do art. 485 do CPC/73 (art. 966, inciso V, do CPC/15).
Tampouco resta configurada a hipótese prevista no artigo 485, inciso IX e §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil/1973, pois para a verificação do erro de fato, a ensejar a rescisão do julgado, é necessário que este tenha admitido fato inexistente ou considerado inexistente fato efetivamente ocorrido, bem como não tenha ocorrido controvérsia e nem pronunciamento judicial sobre o fato.
Não se presta a rescisória ao rejulgamento do feito, como ocorre na apreciação dos recursos. Para se desconstituir a coisa julgada com fundamento em erro de fato é necessária a verificação de sua efetiva ocorrência, no conceito estabelecido pelo próprio legislador.
Nas palavras do eminente processualista Cassio Scarpinella Bueno: "O erro de fato não autoriza a rescisão da sentença e o proferimento de nova decisão por má avaliação da prova ou da matéria controvertida em julgamento. Não se trata de uma "nova chance" para rejulgamento da causa. Muito diferentemente, o erro de fato que autoriza a ação rescisória é o que se verifica quando a decisão leva em consideração fato inexistente nos autos ou desconsidera fato inconteste nos autos. Erro de fato se dá, por outras palavras, quando existe nos autos elemento capaz, por si só, de modificar o resultado do julgamento, embora ele não tenha sido considerado quando do seu proferimento ou, inversamente, quando leva-se em consideração elemento bastante para julgamento que não consta dos autos do processo" (in Código de Processo Civil Interpretado. Coordenador Antonio Carlos Marcato. São Paulo: Atlas, 2004, p. 1480).
Sobre o tema, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça nos seguintes termos:
Assim, em que pese a irresignação da parte autora, não restou configurado erro de fato no julgado rescindendo. Não houve a admissão de fato inexistente, tampouco a ignorância de fato existente. O julgado foi claro em esclarecer que a situação econômica apresentada pela parte requerente, à época, caracterizava um padrão de vida simples, humilde, todavia insuficiente para encaixá-la no requisito de miserabilidade exigido pelo benefício assistencial.
Diante do exposto, REJEITO A MATÉRIA PRELIMINAR E JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO formulado na presente ação rescisória, nos termos da fundamentação acima.
Condeno a parte autora no pagamento de honorários advocatícios que fixo em R$1.000,00 (mil reais), cuja exigibilidade fica suspensa, nos termos do art. 98, §3º, do CPC/2015, por ser beneficiária da assistência judiciária gratuita, conforme entendimento majoritário da 3ª Seção desta Corte, levando em conta o valor irrisório atribuído à causa.
É o voto.
LUCIA URSAIA
Desembargadora Federal
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