
| D.E. Publicado em 21/03/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar suscitada e, em juízo rescindendo, julgar improcedente a presente ação rescisória, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | CARLOS EDUARDO DELGADO:10083 |
| Nº de Série do Certificado: | 11A217031744F093 |
| Data e Hora: | 09/03/2018 13:45:05 |
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0036097-91.2011.4.03.0000/SP
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de ação rescisória proposta por JERÔNIMA MARIA GOMES em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, com fundamento no artigo 485, V, do CPC/1973, objetivando rescindir decisão monocrática terminativa de mérito, a fim de que lhe seja concedida aposentadoria por invalidez rural.
Aduziu que o julgado rescindendo violou disposição literal do artigo 102 da Lei n.º 8.213/91, eis que, no seu entender, o conjunto probatório formado nos autos da demanda subjacente seria suficiente à comprovação da atividade rural exercida por mais de trinta anos, sendo que a perda da qualidade de segurado não obstaria o seu direito ao benefício, mormente porque já se encontrava acometida de doença.
À fl. 188, consta decisão que reconheceu a observância do prazo decadencial para ajuizamento da ação rescisória e deferiu à autora os benefícios da assistência judiciária gratuita, dispensando-a do depósito prévio.
Citado (fls. 192-193), o réu apresentou contestação e documentos, às fls. 195-206, alegando, em preliminar, a ausência de interesse de agir e, no mérito, a inexistência de violação à lei.
À fl. 175, consta decisão que indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela.
A autora ofereceu réplica (fls. 210-213).
Instadas à especificação de provas (fl. 215, a autora se quedou silente (fl. 217) e o réu informou não ter provas a produzir (fl. 218).
O Ministério Público Federal opinou pela improcedência da ação rescisória (fls. 220-225).
É o relatório.
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Rejeito a preliminar de ausência de interesse de agir, relativa à inadequação da via eleita para rediscussão do quadro fático da lide subjacente, por se confundir com o mérito da demanda rescisória.
A autora fundamenta a ação rescisória no artigo 485, V, do CPC/1973, sob a alegação de violação ao disposto no artigo 102 da Lei n.º 8.213/91, eis que, no seu entender, o conjunto probatório formado nos autos da demanda subjacente seria suficiente à comprovação da atividade rural exercida por mais de trinta anos, sendo que a perda da qualidade de segurado não obstaria o seu direito à aposentação por invalidez, mormente porque já se encontrava acometida de doença.
A autora postulou na ação subjacente, ajuizada em 12.04.2002 (fl. 20), a concessão de aposentadoria por invalidez rural, mediante o reconhecimento de sua condição de trabalhadora rural boia-fria (fl. 21).
Para comprovação do alegado exercício de atividade rural, juntou àqueles autos:
1) sua certidão de casamento, ocorrido em 29.05.1954, na qual constou qualificada como "doméstica" e se marido como "lavrador" (fl. 30);
2) carteira do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Guaíra/Sp, com data de matrícula em 08.04.2002 (fl. 31);
3) cópia de parte da carteira de trabalho de seu marido, emitida em 18.08.1972, constando vínculos: no cargo de serviços gerais em estabelecimento agropecuário, de 16.07.1969 a 27.01.1982; de serviços gerais prestados a Florentino Marcelino da Silva, de 16.07.1982 a 31.12.1983 (fls. 32-33);
4) título eleitora de seu marido, emitido em 25.11.1975, em que constou qualificado como "lavrador" (fl. 34)
5) cópia incompleta do Certificado de Dispensa de Incorporação de seu marido, faltando as informações de data de emissão e qualificação profisional (fl. 35);
6) carteira do Funrural, em nome de seu marido, datada de 22.10.1979 (fl. 36);
7) escritura pública, datada de 228.04.1978, relativa à aquisição de imóvel urbano por seu marido, qualificado como "trabalhador rural" (fls. 47-48).
Consta laudo pericial (fls. 92-94), datado de 11.12.2002, em que o perito judicial concluiu que a autora é portadora, "há aproximadamente 30 anos" de "doença de Chagas, cardiomiopatia, arritmias, hipertetnsão arterial, câncer de pele". Questionado se houve progressão ou agravamento da doença, respondeu afirmativamente, "há aproximadamente 5 anos, houve piora bem significativa". Afirmou a existência de incapacidade total e "definitiva", tendo fixado seu início "há aproximadamente 2 anos".
Foram ouvidas testemunhas, em 02.10.2003 (fls. 108-111).
Em 1ª Instância, o pedido foi julgado procedente (fls. 104-105), sentença reformada em 2º grau de jurisdição, dando-se provimento à apelação autárquica para julgar improcedente o pedido, conforme decisão monocrática terminativa proferida pela Desembargadora Federal Eva Regina (fls. 179-180), da qual destaco o seguinte:
Sem interposição de recurso pelas partes, foi certificado o trânsito em julgado ocorrido em 09.03.2011 (fl. 183).
A viabilidade da ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei pressupõe violação frontal e direta da literalidade da norma jurídica, não se admitindo a mera ofensa reflexa ou indireta (confira-se: STJ, S1, AR 4264, relator Ministro Humberto Martins, DJe 02.05.2016).
Ressalto que, em 13.12.1963, o e. Supremo Tribunal Federal fixou entendimento, objeto do enunciado de Súmula n.º 343, no sentido de que "não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais".
Verifica-se que as provas material e testemunhal produzidas nos autos da ação subjacente foram apreciadas e valoradas pelo Juízo originário, que entendeu pela insuficiência de ambas para comprovação do exercício de atividade rural no período imediatamente anterior ao início da incapacidade laborativa.
A prova testemunhal não foi considerada "suficientemente circunstanciados para se aquilatar a continuidade do exercício da atividade rural", após seu marido ter passado a se dedicar a atividades de natureza urbana.
Quanto ao ponto, o entendimento adotado no julgado rescindendo se alinha com a tese posteriormente firmada pela 1ª Seção do c. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial autuado sob n.º 1.348.633/SP, sob a sistemática dos recursos repetitivos representativos de controvérsia, no sentido de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior ou posterior àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material, mas desde que tal período venha delineado em prova testemunhal idônea e robusta, inclusive, objeto de edição do enunciado de Súmula n.º 577 ("É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.").
No que tange à prova material, a única prova apresentada em seu próprio nome foi a carteira de inscrição em sindicato rural, contudo, em razão da recente data de filiação (08.04.2002) em comparação com a data de ajuizamento da demanda subjacente (12.04.2002), demonstrando que fora expedida às vésperas do seu ajuizamento, não foi considerada como início de prova material.
Os demais documentos comprobatórios do suposto exercício da atividade rural se encontravam em nome de seu marido, contudo, o julgador originário constatou que "a partir de 1984 o cônjuge da parte autora passou a desenvolver atividade urbana (vigia), cuja cessação ocorreu em 28.08.1999, ante o deferimento de aposentadoria por invalidez", razão pela qual não seria possível estender à autora sua eficácia probatória.
Ressalto que o entendimento adotado no julgado rescindendo se alinha com a tese firmada pela 1ª Seção do c. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial autuado sob n.º 1.304.479/SP, sob a sistemática dos recursos repetitivos representativos de controvérsia, no sentido de que o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracterize, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, sendo que, em exceção a essa regra geral, tem-se que a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.
Fazia-se imprescindível que a autora tivesse apresentado início de prova material em nome próprio, que demonstrasse sua qualidade de segurada no período imediatamente anterior à data do início da incapacidade, considerando que há isenção de carência para o quadro de moléstias apresentado (artigo 26, II, da Lei n.º 8.213/91).
Destaco, que, embora a perda da qualidade de segurado não seja óbice à aposentação por idade, tal como expresso no artigo 3º, § 1º, da Lei n.º 10.666/03, bem como no artigo 102 da Lei n.º 8.213/91, desde sua redação original e de acordo com a atual redação dada pela Lei n.º 9.528/97, no caso de aposentação por invalidez faz-se imprescindível a demonstração do efetivo exercício da atividade campesina, quando do acometimento ou agravamento do mal incapacitante. Além disso, no caso dos trabalhadores rurais, cujo tempo de serviço é contado independentemente de efetiva contribuição, sempre se exigiu o exercício da atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, ou implementação do requisito etário, e pelo tempo equivalente à carência (artigo 48 da Lei n.º 8.213/91, desde sua redação original até sua atual redação dada pela Lei n.º 11.718/08).
Nesse sentido, a 1ª Seção do c. Superior Tribunal de Justiça fixou tese no julgamento do Recurso Especial autuado sob nº 1.354.908/SP, sob a sistemática dos recursos repetitivos representativos de controvérsia, quanto à necessária a demonstração do exercício da atividade campesina em período imediatamente anterior ao implemento dos requisitos necessários à concessão do benefício.
Registre-se que, no caso concreto, embora a autora tenha adquirido as moléstias por volta de 1972 (há aproximadamente trinta anos da realização da perícia médica), o perito expressamente informou que houve situação de agravamento a partir de 1997 (há aproximadamente cinco anos da realização do exame pericial), com início da incapacidade laborativa apenas em 2000 (há aproximadamente dois anos).
Destaca-se, como é cediço na literatura médica, que a Doença de Chagas evolui em duas fases, sendo que é na sua fase crônica, em torno de 20 a 30 depois da infecção pelo protozoário, que se apresentam sintomas graves, como a insuficiência cardíaca.
O tipo de doença que aflige a autora, de longa evolução, coaduna-se com as conclusões periciais, de sorte que não se poderia simplesmente presumir que à época da aquisição da doença, quando a autora detinha qualidade de segurada, também se iniciou a incapacidade laborativa total e permanente.
Para que seja possível a rescisão do julgado por violação literal de lei decorrente de valoração da prova, esta deve ter sido de tal modo desconexa que resulte em pungente ofensa à norma vigente ou em absoluto descompasso com os princípios do contraditório ou da ampla defesa.
O julgado não se afastou dos parâmetros legais e jurisprudenciais que existiam à época. Tem-se que o Juízo originário apreciou as provas segundo seu livre convencimento, de forma motivada e razoável, tendo adotado uma solução jurídica, dentre outras, admissível.
A excepcional via rescisória não é cabível para mera reanálise das provas. Nesse sentido, confira-se precedentes desta 3ª Seção:
Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar suscitada e, em iudicium rescindens, julgo improcedente a presente ação rescisória, nos termos dos artigos 269, I, do CPC/1973 e 487, I, do CPC/2015.
Custas na forma da lei.
Condeno a autora no pagamento de honorários advocatícios que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), devidamente atualizado e acrescido de juros de mora, conforme estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal para as dívidas civis, conforme prescrevem os §§ 2º, 4º, III, e 8º, do artigo 85 do CPC. A exigibilidade ficará suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto no artigo 98, § 3º, do CPC.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | CARLOS EDUARDO DELGADO:10083 |
| Nº de Série do Certificado: | 11A217031744F093 |
| Data e Hora: | 09/03/2018 13:45:02 |
