Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0003412-88.2016.4.03.6100
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
05/08/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 10/08/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. PRESCRIÇÃO.
PREVISÃO DO ART. 37, § 5º, DA CF LIMITADA ÀS AÇÕES PARA APURAÇÃO DE ATOS DE
IMPROBIDADE. PRAZO PRESCRICIONAL DE CINCO ANOS POR ANALOGIA COM DECRETO
Nº 20.910/32.
- Inaplicável, in casu, a aplicação da regra do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, tendo em
vista que o seu campo de aplicação se limita às ações decorrentes de atos de improbidade.
- Tendo em vista o disposto no Decreto nº 20.910/32, que preceitua o prazo prescricional de cinco
anos para as pretensões ressarcitórias exercidas contra a Fazenda Pública, e, à míngua de
previsão legal e em respeito aos princípios da isonomia e da simetria, deve o mesmo prazo ser
aplicado nas hipóteses em que a Fazenda Pública é a autora da ação.
- No caso, havendo indícios de irregularidade, o INSS instaurou procedimento de revisão para
apurar o preenchimento dos requisitos legais para concessão e manutenção do benefício.
- - É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- No caso, o requerido jamais questionou a ocorrência da irregularidade na concessão do
benefício por ele recebido no bojo do processo administrativo, sendo revel na presente ação.
- A ocorrência de irregularidade, consubstanciada na ocultação da composição real do núcleo
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
familiar, para fins de obtenção de benefício assistencial, portanto, é fato incontroverso.
-Sendo assim, constatado o nexo de causalidade entre o dano aos cofres públicos e o ato ilícito
praticado, a restituição dos valores recebidos pelo réu indevidamente, a título de benefício
assistencial, a partir de 21/11/2008 até a cessação do benefício, é medida que se impõe, nos
termos do artigo 927 do Código Civil.
- Apelação parcialmente provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0003412-88.2016.4.03.6100
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: RUBEM LOURENCO DE SOUZA
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0003412-88.2016.4.03.6100
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: RUBEM LOURENCO DE SOUZA
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de ressarcimento ao erário ajuizada pelo INSS em 19/02/2016, objetivando a
restituição de valores pagos ao apelante a título do benefício assistencial, no período de
14/03/2003 a 31/12/2014, equivalentes a R$86.755,71 para 10/2015 (id Num. 102969810 - Pág.
136/138), resultante de omissão de informação relevante quanto aos integrantes do grupo
familiar.
O réu foi citado (id Num. 102969810 - Pág. 157), e não apresentou contestação, sendo
decretada a sua revelia (id Num. 102969810 - Pág. 162).
A r. sentença julgou extinto o feito, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inciso II, do
Código de Processo Civil, pela ocorrência da prescrição em relação ao período que antecede
os cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação (14/03/2003 a 19/02/2011); e julgou
procedente a presente ação, com fundamento no art. 487, inciso I, do Novo Código de Processo
Civil, para condenar o réu a ressarcir o erário com relação aos pagamentos recebidos
indevidamente a título de benefício previdenciário (LOAS), a partir de 20/02/2011 até a data da
suspensão do benefício, acrescido dos consectários legais que especifica. Condenou o réu ao
pagamento de honorários advocatícios, ao autor, que serão arbitrados por ocasião da
liquidação da sentença (artigo 85, 4°, II do CPC). Ainda, sendo revel o réu, determinou que não
tem direito a honorários.
Inconformada, apela a autarquia, em que alega a imprescritibilidade das prestações
indevidamente pagas. Aduz que, considerando que não decorreram cinco anos entre o fim do
processo administrativo (03/2015) e o ajuizamento da ação de ressarcimento ao erário
(19/02/2016), não há que se falar em prescrição.
Foi determinada a suspensão do feito, nos termos do Ofício 36/16 da E. Vice-Presidência desta
Corte.
Diante do julgamento do Tema 979 (REsp 1.381.734/RN) pelo e. Superior Tribunal de Justiça,
houve o levantamento do feito e os autos vieram conclusos.
Parecer do MPF pelo provimento do recurso de apelação.
É o sucinto relato.
ab
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0003412-88.2016.4.03.6100
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: RUBEM LOURENCO DE SOUZA
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade
recursais, passo ao exame da matéria objeto de devolução.
DO CASO DOS AUTOS
Trata-se de ação de ressarcimento ao erário proposta pelo INSS, visando a devolução das
parcelas pagas a título de benefício assistencial, tendo sido verificada irregularidades na
ocasião da concessão.
Nos termos dos documentos acostados à inicial, se verifica que o réu obteve a concessão do
benefício de Amparo Social ao Idoso NB 88/128.380.864-9, em 14/03/2003.
Na declaração sobre a composição do grupo familiar e renda, o réu declarou apenas o mesmo
como integrante do grupo familiar (id Num. 102969810 - Pág. 28).
Tal benefício passou por revisão administrativa, em 20/11/2013, tendo sido verificado que o
autor possuía veículo automotor (id Num. 102969810 - Pág. 75). Ele foi notificado a comparecer
à agência do INSS e apresentou documentos, assinados por ele, informando que o veículo
vinculado ao seu GPF não era mais de sua propriedade (id Num. 102969810 - Pág. 100).
Apresentou, ainda, declaração informandoser casado com Nercina Araújo de Souza, bem como
a certidão de casamento lavrado em 08/03/2002 (id Num. 102969810 - Pág. 81, Num.
102969810 - Pág. 90).
Assim, foi constatado que, no período de 14/03/03 a 31/12/14, o réu não preenchia os requisitos
previstos na legislação pertinente, uma vez que declarou, na ocasião do requerimento do
benefício, ser viúvo e não possuir renda, porém, em sede de revisão administrativa, o recorrido
entregou declaração de composição do grupo familiar de que faziam parte o titular e sua
esposa, que também recebia benefício previdenciário, titular do NB 41/081.295.765-2.
O benefício foi cessado em 12/2014, e pretende o INSS a devolução dos valores recebidos no
período de 14/03/2003 a 31/12/2014, no valor de R$86.755,71 para 03/2015 (id Num.
102969810 - Pág. 134/138).
A MM. Juíza a quo reconheceu ser devida a devolução dos valores recebidos, tendo em vista
que o réu não recebeu o benefício de boa-fé, porém, reconheceu a prescrição das parcelas
pagas no período de 14/03/2003 a 19/02/2011, tendo em vista que a presente ação foi ajuizada
tão somente em 19/02/2016.
Apenas o INSS interpôs recurso de apelo, tendo ocorrido a revelia do réu.
Passo à análise acerca da incidência da prescrição quinquenal.
Com efeito, inaplicável in casu a regra do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, tendo em vista
que o seu campo de aplicação se limita às ações decorrentes de atos de improbidade.
No caso dos autos, tendo sido a ação manejada contra o segurado, ou seja, não se tratando de
demanda indenizatória ajuizada contra agentes públicos e pessoas equiparadas, no exercício
da função pública, com a devida comprovação do ato de improbidade administrativa, entendo
não se tratar de hipótese de imprescritibilidade, afastando-se assim a incidência do art. 37, § 5º,
da CF (Apelação Cível nº 0002497-65.2010.4.03.6127/SP, Rel. Des. Fausto De Sanctis, J. em
26/06/2017).
Assentada a existência de prazo prescricional para as ações de reparação de danos da
Fazenda Pública, remanesce a análise de qual o prazo prescricional para o INSS exercer sua
pretensão.
Tendo em vista o disposto no Decreto nº 20.910/32, que preceitua o prazo prescricional de
cinco anos para as pretensões ressarcitórias exercidas contra a Fazenda Pública, e, à míngua
de previsão legal e em respeito aos princípios da isonomia e da simetria, deve o mesmo prazo
ser aplicado nas hipóteses em que a Fazenda Pública é a autora da ação (STJ, REsp
1.519.386/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 26/05/2015).
O artigo 1º do Decreto n. 20.910, de 08 de janeiro de 1932, recepcionado pela CF de 1988,
dispõe que as ações contra a Fazenda Pública prescrevem, de regra, em 05 (cinco) anos,
contados da data do ato ou do fato do qual se originaram os danos.
A prescrição, que, em suma, é a perda da ação atribuída a um direito, inicia-se no momento em
que há violação do direito, na forma do art. 189, do CC/02.
Cabe aqui estabelecer os marcos iniciais para a cobrança dos débitos, decorrentes de
pagamento indevidos efetuados pela autarquia previdenciária aos segurados.
O marco que inicia a prescrição do direito ao ressarcimento ao INSS é o pagamento indevido,
todavia, instaurado o procedimento administrativo de revisão e cobrança, com a devida
intimação do segurado no prazo legal, haverá a interrupção da prescrição, bem como a
suspensão de sua fluência até o encerramento deste procedimento.
Anote-se que em se tratando de obrigação de trato sucessivo o direito ao ressarcimento
somente alcança as parcelas pagas dentro do quinquênio que antecedeu a instauração do
procedimento administrativo.
Somente com o término do processo administrativo instaurado para a apuração dos fatos e do
montante devido, com observância da ampla defesa e o contraditório, ao INSS viabiliza-se a
cobrança da totalidade dos valores pagos indevidamente ao segurado, não atingidos pela
prescrição.
A partir de então, reinicia-se, depois da decisão final na esfera administrativa, o prazo
prescricional de 5 anos (Súmula/STF n. 150) para a cobrança do valor apurado pela
Administração, excluída da cobrança o que já prescrevera, antes da intimação do segurado do
procedimento que levou a exigência da repetição do indébito.
No caso dos autos, foi iniciado o processo de revisão administrativa do benefício de amparo
social 20/11/2013 (id Num. 102969810 - Pág. 69), assim, estão prescritas as parcelas anteriores
ao quinquênio do início da instauração do processo administrativo, ou seja, as parcelas
anteriores a 20/11/2008 estão prescritas.
DO ATO ILÍCITO
Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta
ou omissão.
Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927 do Código Civil de 2002:
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação
que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a
repará-lo.”
No que concerne à Previdência Social, é prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91 a autorização
do INSS para descontar de benefícios os valores outrora pagos indevidamente:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II – pagamento de benefício além do
devido; [...] § 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser
o regulamento, salvo má-fé”.
Também, no Decreto n. 3.048/99:
“Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
[...] II – pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º; [...] §
2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência so-cial,
nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art.
175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244,
independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto n. 5.699/06).”
No caso, o requerido jamais questionou a ocorrência da irregularidade na concessão do
benefício por ele recebido no bojo do processo administrativo, sendo revel na presente ação.
A ocorrência de irregularidade, consubstanciada na ocultação da composição real do núcleo
familiar, para fins de obtenção de benefício assistencial, portanto, é fato incontroverso.
Sendo assim, constatado o nexo de causalidade entre o dano aos cofres públicos e o ato ilícito
praticado, a restituição dos valores recebidos pelo réu indevidamente, a título de benefício
assistencial, a partir de 20/11/2008 até a cessação do benefício, é medida que se impõe, nos
termos do artigo 927 do Código Civil.
Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso de apelação, nos termos da
fundamentação.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE.
PRESCRIÇÃO. PREVISÃO DO ART. 37, § 5º, DA CF LIMITADA ÀS AÇÕES PARA
APURAÇÃO DE ATOS DE IMPROBIDADE. PRAZO PRESCRICIONAL DE CINCO ANOS POR
ANALOGIA COM DECRETO Nº 20.910/32.
- Inaplicável, in casu, a aplicação da regra do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, tendo em
vista que o seu campo de aplicação se limita às ações decorrentes de atos de improbidade.
- Tendo em vista o disposto no Decreto nº 20.910/32, que preceitua o prazo prescricional de
cinco anos para as pretensões ressarcitórias exercidas contra a Fazenda Pública, e, à míngua
de previsão legal e em respeito aos princípios da isonomia e da simetria, deve o mesmo prazo
ser aplicado nas hipóteses em que a Fazenda Pública é a autora da ação.
- No caso, havendo indícios de irregularidade, o INSS instaurou procedimento de revisão para
apurar o preenchimento dos requisitos legais para concessão e manutenção do benefício.
- - É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- No caso, o requerido jamais questionou a ocorrência da irregularidade na concessão do
benefício por ele recebido no bojo do processo administrativo, sendo revel na presente ação.
- A ocorrência de irregularidade, consubstanciada na ocultação da composição real do núcleo
familiar, para fins de obtenção de benefício assistencial, portanto, é fato incontroverso.
-Sendo assim, constatado o nexo de causalidade entre o dano aos cofres públicos e o ato ilícito
praticado, a restituição dos valores recebidos pelo réu indevidamente, a título de benefício
assistencial, a partir de 21/11/2008 até a cessação do benefício, é medida que se impõe, nos
termos do artigo 927 do Código Civil.
- Apelação parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento ao recurso de apelação, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
