Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0002440-53.2015.4.03.6133
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
16/12/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 20/12/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BENEFÍCIO DE
PENSÃO POR MORTE. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE.
PRESCRIÇÃO. PREVISÃO DO ART. 37, § 5º, DA CF LIMITADA ÀS AÇÕES PARA APURAÇÃO
DE ATOS DE IMPROBIDADE. PRAZO PRESCRICIONAL DE CINCO ANOS POR ANALOGIA
COM DECRETO Nº 20.910/32. BOA FÉ OBJETIVA. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. INSS.
ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INVIABILIDADE. SÚMULA Nº 421 DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
- Inaplicável, in casu, a aplicação da regra do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, tendo em
vista que o seu campo de aplicação se limita às ações decorrentes de atos de improbidade.
- Tendo em vista o disposto no Decreto nº 20.910/32, que preceitua o prazo prescricional de cinco
anos para as pretensões ressarcitórias exercidas contra a Fazenda Pública, e, à míngua de
previsão legal e em respeito aos princípios da isonomia e da simetria, deve o mesmo prazo ser
aplicado nas hipóteses em que a Fazenda Pública é a autora da ação (STJ, REsp 1.519.386/SC,
Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 26/05/2015).
- O artigo 1º do Decreto n. 20.910, de 08 de janeiro de 1932, recepcionado pela CF de 1988,
dispõe que as ações contra a Fazenda Pública prescrevem, de regra, em 05 (cinco) anos,
contados da data do ato ou do fato do qual se originaram os danos.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- O marco que inicia a prescrição do direito ao ressarcimento ao INSS é o pagamento indevido,
todavia, instaurado o procedimento administrativo de revisão e cobrança, com a devida intimação
do segurado no prazo legal, haverá a interrupção da prescrição, bem como a suspensão de sua
fluência até o encerramento deste procedimento.
- Anote-se que em se tratando de obrigação de trato sucessivo o direito ao ressarcimento
somente alcança as parcelas pagas dentro do quinquênio que antecedeu a instauração do
procedimento administrativo.
- Somente com o término do processo administrativo instaurado para a apuração dos fatos e do
montante devido, com observância da ampla defesa e o contraditório, ao INSS viabiliza-se a
cobrança da totalidade dos valores pagos indevidamente ao segurado, não atingidos pela
prescrição.
- A partir de então, reinicia-se, depois da decisão final na esfera administrativa, o prazo
prescricional de 5 anos (Súmula/STF n. 150) para a cobrança do valor apurado pela
Administração, excluída da cobrança o que já prescrevera, antes da intimação do segurado do
procedimento que levou a exigência da repetição do indébito.
- Os documentos constantes dos autos revelam que o procedimento administrativo instaurado
para a apuração das irregularidades do benefício de pensão por morte tramitou em 07/2007 (id
Num. 148321693 - Pág. 13), e se findou em 05/2012 (id Num. 148321694 - Pág. 18). Assim,
ajuizada a ação em 06/07/2015, não há que se falar da incidência de prescrição.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- No caso, fato é que a pensão por morte fora concedida de forma irregular, porém, o benefício foi
requerido por intermediário contratado pela demandante, pessoa simples e de baixa instrução,
que não sabe ler nem escrever, com exceção do próprio nome.
- Consta dos autos a procuração outorgada a Alidaci Maria dos Santos Silva (id Num. 148321692
- Pág. 17), a qual possivelmente efetuou o recolhimento da contribuição previdenciária pos
mortem (conforme relato da ré), bem como a participação de servidora do INSS, conforme
conclusão do INSS de que “O benefício, face as irregularidades apontadas, não pode ser
mantido. A servidora Lígia Maria Baptistela deixou de observar as Normas Previdenciárias em
vigência, conforme acima citado” (id Num. 148321694).
- Ainda, conforme reconhecido pela autarquia, houve o envolvimento da servidora pública Lígia
Maria Baptistella, na concessão do benefício (Num. 148321694 - Pág. 7/8, Num. 148321694 -
Pág. 12/13).
- Assim, trata-se, in casu, de concessão indevida de benefício diante de fraude praticada por
terceiro, em concorrência com servidora que pertencia aos quadros do INSS.
- Não há evidências ou comprovação, portando, da participação da recorrente na referida fraude,
motivo pelo qual vislumbro a presença de boa-fé objetiva.
- Sendo assim, inexigível a cobrança do débito pelo INSS.
- O Colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.199.715/RJ, precedente
representativo da controvérsia, decidiu não serem devidos honorários advocatícios à Defensoria
Pública quando atua contra pessoa jurídica de direito público integrante da mesma Fazenda
Pública.
- Na hipótese dos autos, incabível a condenação do INSS ao pagamento de honorários
advocatícios, por se tratar de pessoa jurídica de direito público integrante da mesma fazenda que
a Defensoria Pública da União, a teor da Súmula nº 421 do Superior Tribunal de Justiça.
- Tendo em vista que as partes envolvidas integram o âmbito do mesmo ente federativo e, de
acordo com o entendimento jurisprudencial consolidado, torna-se inviável a condenação da
autarquia às verbas de sucumbência.
- Apelação parcialmente provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002440-53.2015.4.03.6133
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: LUZIA MARGARIDA GOMES BOIA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002440-53.2015.4.03.6133
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: LUZIA MARGARIDA GOMES BOIA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de ressarcimento ao erário movida pelo INSS, em face de Luzia Margarida
Gomes Boia, objetivando a restituição de valores pagos à parte ré a título de benefício de
pensão por morte (NB 21/140.921.658-3), resultantes de recolhimento de contribuição post
mortem.
A r. sentença julgou procedente o pedido formulado pela Autarquia previdenciária para
condenar a ré a ressarcir ao erário os valores recebidos indevidamente a título de pensão por
morte (NB 21/140.921.658-3), correspondentes ao montante de R$52.864,86 (cinquenta e dois
mil, oitocentos e sessenta e quatro reais e oitenta e seis centavos), atualizado em 07/2015, com
os consectários que especifica. Custas na forma da lei. Condenou a ré ao pagamento de
honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos
termos do artigo 85, § 2º, do CPC, cuja cobrança deverá atender ao disposto no § 3º do artigo
98 do CPC.
Inconformada, recorre a parte ré, em que alega a ocorrência da prescrição, pois o benefício
previdenciário pensão por morte foi instituído em 05 de setembro de 2002 (DIB), e a presente
ação foi proposta em 06 de julho de 2015. No mérito, aduz que não há que se concluir pela má-
fé da recorrente, posto que não existem elementos indicativos no processo administrativo de
suposto dolo na percepção do benefício, tendo a apuração apontado apenas interferência
fraudulenta da servidora da autarquia recorrida. Alega, ainda, que o benefício fora recebido de
boa-fé pela apelante, pois acreditava que o recebeu dentro dos parâmetros legais, razão pela
qual não está sujeito à repetição do indébito, dada a sua natureza eminentemente alimentar.
Requer a reforma da r. sentença, com a condenação do recorrido nas verbas sucumbenciais, a
serem revertidas em favor da Defensoria Pública da União.
Subiram os autos a esta instância para decisão.
É o relatório.
ab
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002440-53.2015.4.03.6133
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: LUZIA MARGARIDA GOMES BOIA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade
recursais, passo ao exame da matéria objeto de devolução.
Trata-se de Ação de Ressarcimento ao Erário proposta em face da Sra. Luzia Margarida
Gomes Boia, ora recorrente, visando a cobrança de débitos relativos ao recebimento indevido
do benefício previdenciário de pensão por morte (NB 21/140.921.658-3), em virtude de
recolhimento de contribuição post mortem.
A Sra. Luzia Margarida Gomes Boia requereu e obteve o benefício previdenciário de pensão por
morte em 02/06/2007, alusivo ao período de 05 de setembro de 2002 a 30 de abril de 2007,
havendo interrupção do pagamento em setembro de 2007.
Afirma a autarquia que o referido benefício foi alcançado por meio fraudulento, uma vez que o
instituidor, marido da recorrente, não contava com a qualidade de segurado na ocasião de seu
falecimento.
Após instauração do processo administrativo restou constatado que, para obtenção do referido
benefício, houve recolhimento previdenciário em nome do cônjuge da recorrente anos depois de
seu falecimento, para competência agosto de 2002, na modalidade de contribuinte individual (id
Num. 148321692 - Pág. 16).
Diante disso, a autarquia interrompeu o pagamento do benefício e, posteriormente, ingressou
com a presente demanda judicial pleiteando a restituição do montante de R$52.864,86
(cinquenta de dois mil oitocentos e sessenta e quatro reais e oitenta e seis centavos),
atualizado em 07/2015.
DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO RESSARCITÓRIA.
Inaplicável in casu a regra do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, tendo em vista que o seu
campo de aplicação se limita às ações decorrentes de atos de improbidade.
No caso dos autos, tendo sido a ação manejada contra o segurado, ou seja, não se tratando de
demanda indenizatória ajuizada contra agentes públicos e pessoas equiparadas, no exercício
da função pública, com a devida comprovação do ato de improbidade administrativa, entendo
não se tratar de hipótese de imprescritibilidade, afastando-se assim a incidência do art. 37, § 5º,
da CF (Apelação Cível nº 0002497-65.2010.4.03.6127/SP, Rel. Des. Fausto De Sanctis, J. em
26/06/2017).
Assentada a existência de prazo prescricional para as ações de reparação de danos da
Fazenda Pública, remanesce a análise de qual o prazo prescricional para o INSS exercer sua
pretensão.
Tendo em vista o disposto no Decreto nº 20.910/32, que preceitua o prazo prescricional de
cinco anos para as pretensões ressarcitórias exercidas contra a Fazenda Pública, e, à míngua
de previsão legal e em respeito aos princípios da isonomia e da simetria, deve o mesmo prazo
ser aplicado nas hipóteses em que a Fazenda Pública é a autora da ação (STJ, REsp
1.519.386/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 26/05/2015).
O artigo 1º do Decreto n. 20.910, de 08 de janeiro de 1932, recepcionado pela CF de 1988,
dispõe que as ações contra a Fazenda Pública prescrevem, de regra, em 05 (cinco) anos,
contados da data do ato ou do fato do qual se originaram os danos.
A prescrição, que, em suma, é a perda da ação atribuída a um direito, inicia-se no momento em
que há violação do direito, na forma do art. 189, do CC/02.
Cabe aqui estabelecer os marcos iniciais para a cobrança dos débitos, decorrentes de
pagamento indevidos efetuados pela autarquia previdenciária aos segurados.
O marco que inicia a prescrição do direito ao ressarcimento ao INSS é o pagamento indevido,
todavia, instaurado o procedimento administrativo de revisão e cobrança, com a devida
intimação do segurado no prazo legal, haverá a interrupção da prescrição, bem como a
suspensão de sua fluência até o encerramento deste procedimento.
Anote-se que em se tratando de obrigação de trato sucessivo o direito ao ressarcimento
somente alcança as parcelas pagas dentro do quinquênio que antecedeu a instauração do
procedimento administrativo.
Somente com o término do processo administrativo instaurado para a apuração dos fatos e do
montante devido, com observância da ampla defesa e o contraditório, ao INSS viabiliza-se a
cobrança da totalidade dos valores pagos indevidamente ao segurado, não atingidos pela
prescrição.
A partir de então, reinicia-se, depois da decisão final na esfera administrativa, o prazo
prescricional de 5 anos (Súmula/STF n. 150) para a cobrança do valor apurado pela
Administração, excluída da cobrança o que já prescrevera, antes da intimação do segurado do
procedimento que levou a exigência da repetição do indébito.
Os documentos constantes dos autos revelam que o procedimento administrativo instaurado
para a apuração das irregularidades do benefício de pensão por morte tramitou em 07/2007 (id
Num. 148321693 - Pág. 13), e se findou em 05/2012 (id Num. 148321694 - Pág. 18). Assim,
ajuizada a ação em 06/07/2015, não há que se falar da incidência de prescrição.
PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO.
É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos".
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial".
Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular
procedimento administrativo, não implica na suspensão ou cancelamento unilateral do
benefício, por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da
Constituição Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do
contraditório e da ampla defesa, in verbis:
"Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
DA OBRIGAÇÃO DE SE REPETIR O INDEVIDO DECORRENTE DE FRAUDE
Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta
ou omissão.
Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927, ambos do Código Civil
de 2002:
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação
que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a
repará-lo.”
Na hipótese de ser constatada irregularidade na concessão do benefício, consubstanciada em
erro da administração ou na prática de fraude de servidor do INSS, a Autarquia Federal deve
instaurar procedimento administrativo antes de cancelar o benefício ou de cobrar eventual
indevido.
Nesse contexto, eventual irregularidade na concessão do benefício da qual não reste
comprovada a participação do segurado na concessão do benefício, ou não reste comprovado o
fato de que ele se beneficiou da fraude, não pode gerar ao segurado responsabilidade objetiva
pelo ressarcimento.
Somente quando se comprovar a participação do segurado na fraude ou que o mesmo tenha
sido diretamente beneficiado em razão dela é que não se poderá deixar de obrigar o segurado a
devolver o indevido sob pena de se validar o enriquecimento ilícito, vedado pelo ordenamento
jurídico.
A fraude na obtenção do benefício não afasta a obrigação de restituição ao sistema das verbas
indevidamente recebidas. Entendimento diverso levaria ao enriquecimento sem causa, em
detrimento dos demais segurados do regime previdenciário.
O art. 115 da Lei n. 8.213/91 enumera os descontos que podem ser feitos no valor dos
benefícios previdenciários e, embora não tenha disposição específica, prevê o desconto de
valores pagos além do devido.
A matéria está regulada pelo art. 154, § 2º, do Decreto n. 3.048/99, na redação que lhe deu o
Decreto n. 5.699/2006:
Art.154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
§2º.A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social,
nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art.
175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244,
independentemente de outras penalidades legais.
Esse tem sido também o entendimento do STJ:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO IRREGULARMENTE CONCEDIDO.
RESTITUIÇÃO. DECRETO 5.699/2006. POSSIBILIDADE DE PARCELAMENTO. NORMA DE
ORDEM PÚBLICA MAIS BENÉFICA. APLICAÇÃO IMEDIATA. DESCONTO DA
INTEGRALIDADE. IMPOSSIBILIDADE. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO CARÁTER SOCIAL DAS NORMAS
PREVIDENCIÁRIAS.
1. De acordo com o art. 115 da Lei 8.213/91, havendo pagamento além do devido (hipótese que
mais se aproxima da concessão irregular de benefício), o ressarcimento será efetuado por meio
de parcelas, nos termos determinados em regulamento, ressalvada a ocorrência de má-fé.
2. A redação original do Decreto 3.048/99 determinava que a restituição de valores recebidos a
título de benefício previdenciário concedido indevidamente em virtude de dolo, fraude ou má-fé
deveria ser paga de uma só vez. Entretanto, a questão sofreu recente alteração pelo Decreto
5.699/2006, que passou a admitir a possibilidade de parcelamento da restituição também
nestes casos, pelo que, sendo norma de ordem pública mais benéfica para o segurado,
entende-se que tem aplicação imediata indistintamente a todos os beneficiários que estiverem
na mesma situação.
3. Além disso, em vista da natureza alimentar do benefício previdenciário e a condição de
hipossuficiência do segurado, torna-se inviável impor ao beneficiário o desconto integral de sua
aposentadoria, uma vez que, ficando anos sem nada receber, estaria comprometida a sua
própria sobrevivência, já que não teria como prover suas necessidades vitais básicas, em total
afronta ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, bem como ao caráter social
das normas previdenciárias, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência
Social.
4. A fim de evitar o enriquecimento ilícito, reputo razoável o desconto de 30% sobre o valor do
benefício, conforme requerido pelo segurado.
5. Recurso Especial improvido.
(REsp 959209/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 03/09/2007, p. 219).
Desse modo, os valores recebidos indevidamente em razão da fraude devem ser devolvidos
aos cofres do INSS, na forma acima fundamentada.
DO CASO DOS AUTOS
Da análise dos autos do processo administrativo de apuração de irregularidade na concessão
do benefício em tela, se verifica que o cônjuge da autora, Eduardo Ferreira Lima Boia, faleceu
em 05/09/2002 (Num. 148321693), tendo efetuado a sua última contribuição aos cofres da
previdência em 1996 (id Num. 148321693 - Pág. 11).
Por outro lado, a autora efetuou recolhimento previdenciário em nome do cônjuge, em
08/05/2007 – para a competência 08/2002, na modalidade contribuinte individual, ou seja,
competência referente a um mês antes do óbito do cônjuge – id Num. 148321692 - Pág. 16.
Após o recolhimento em nome do falecido, a ré requereu a concessão do benefício perante a
Agência da Previdência Social em Campos do Jordão/SP (id Num. 148321692 - Pág. 14). O
benefício foi concedido, contudo, após, foi apurado, através de procedimento instaurado pelo
INSS, possível envolvimento fraudulento da servidora pública da Autarquia que foi responsável
pela análise do pedido (Num. 148321694 - Pág. 7/8, Num. 148321694 - Pág. 12/13). O
benefício, então, foi pago até 30/09/2007, quando foi cessado em razão da constatação da
irregularidade (id Num. 148321693 - Pág. 27).
Assim, a Autarquia postulaa restituição dos valores pagosreferente ao período de 05/09/2002 a
30/04/2007, no valor de R$52.864,86 (cinquenta de dois mil oitocentos e sessenta e quatro
reais e oitenta e seis centavos), atualizado em 07/2015.
Para tanto, o relatório final de apuração concluiu que:
“Conforme apuração realizada nos autos, o instituidor, na ocasião do óbito, não possuía
qualidade de segurado, uma vez que a contribuição que lhe asseguraria tal condição foi
recolhida em 08/05/2007, ou seja, quase cinco anos após seu óbito, caracterizando, assim,
inscrição pos morten, em desacordo ao contido no artigo 282 da Instrução Normativa
INSS/PRES n.º 11 de 20/09/2006 e Memorando-Circular n.º 60 INSS/DIRBEN de 11/10/2006,
vigentes à época dos fatos”. (id Num. 148321694 - Pág. 13).
Ainda, realizada audiência de instrução no presente feito, foram ouvidas a ré e duas
testemunhas por ela arroladas. Reproduzo em parte o depoimento da parte ré, conforme trecho
constante da r. sentença:
“Em seu depoimento, a ré afirmou que o seu marido não recolhia contribuição previdenciária;
que é empregada doméstica e efetua os recolhimentos ao INSS; declarou que sabe que para
receber um benefício previdenciário é necessário que se façam recolhimentos previdenciários;
que, por indicação de sua vizinha, contratou uma advogada, tendo esta informado que faria o
recolhimento da contribuição e que, após, seria concedido o benefício; que compareceu junto
com a referida advogada à Agência da Previdência Social em Campos do Jordão/SP para
receber o valor do benefício, tendo a patrona ficado com a maior parte do montante.” (id Num.
148321726).
Ainda, a depoente afirma que a procuradora Ailda (Alidaci) deu entrada no pedido, e resolveu
tudo. Afirma que ela iria efetuar o recolhimento para a ré ter direito ao benefício. No dia de
receber, a procuradora levou a carta e avisou a ré que teriam de ir receber o valor em Campos
do Jordão. Afirma que a quantia total recebida foi de R$22.800,00, sendo que a advogada ficou
com R$15.000,00 e o restante com a depoente.
A douta magistradaentendeu querestou demonstrado que a ré tinha conhecimento de que seu
marido não vertia recolhimentos, e que tais contribuições eram necessárias para a concessão
de benefícios previdenciários.
Em que pese o entendimento da Juíza a quo, embora se reconheça que ninguém pode invocar
a própria ignorância como justificativa para o descumprimento da lei, não se verifica má-fé na
conduta praticada pela autora.
Consta dos autos a procuração outorgada a Alidaci Maria dos Santos Silva (id Num. 148321692
- Pág. 17), a qual possivelmente efetuou o recolhimento da contribuição previdenciária pos
mortem (conforme relato da ré), bem como a participação de servidora do INSS, conforme
conclusão do INSS de que “O benefício, face as irregularidades apontadas, não pode ser
mantido. A servidora Lígia Maria Baptistela deixou de observar as Normas Previdenciárias em
vigência, conforme acima citado (id Num. 148321694).
Fato é que a pensão por morte fora concedida de forma irregular, porém, o benefício foi
requerido por intermediário contratado pela demandante, sendo esta pessoa simples e de baixa
instrução, que não sabe ler nem escrever, com exceção do próprio nome.
Ainda, conforme reconhecido pela autarquia, houve o envolvimento da servidora pública Lígia
Maria Baptistella, na concessão do benefício (Num. 148321694 - Pág. 7/8, Num. 148321694 -
Pág. 12/13).
Assim, trata-se, in casu, de concessão indevida de benefício diante de fraude praticada por
terceiro, em concorrência com servidora que pertencia aos quadros do INSS.
Não há evidências ou comprovação, portando, da participação da recorrente na referida fraude,
motivo pelo qual vislumbro a presença de boa-fé objetiva, razão pela qual inexigível a cobrança
do débito efetuada pelo INSS.
DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com relação aos honorários advocatícios, os órgãos em questão integram a mesma pessoa
jurídica de direito público (União), o que atrai o fenômeno da confusão - qual seja, quando uma
mesma pessoa reúne as qualidades de credor e devedor, sendo este fato extintivo da
obrigação.
Aliás, a questão é objeto da Súmula/STJ 421, na qual se cristalizou o seguinte entendimento:
“Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a
pessoa jurídica de direito público à qual pertença”.
Nesse sentido, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.199.715/RJ,
precedente representativo da controvérsia, decidiu não serem devidos honorários advocatícios
à Defensoria Pública quando atua contra pessoa jurídica de direito público integrante da mesma
Fazenda Pública. Confira-se:
"ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA REPETITIVA. PREVIDÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
PAGAMENTO EM FAVOR DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
NÃO CABIMENTO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. "Os honorários advocatícios não são devidos à defensoria Pública quando ela atua contra a
pessoa jurídica de direito público à qual pertença" (Súmula 421/STJ).
2. Também não são devidos honorários advocatícios à defensoria Pública quando ela atua
contra pessoa jurídica de direito público que integra a mesma Fazenda Pública.
3. Recurso especial conhecido e provido, para excluir da condenação imposta ao recorrente o
pagamento de honorários advocatícios."
(Corte Especial, RESP 1199715/RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 16/02/2011, DJE
12/04/2011).
Sendo assim, tendo em vista que as partes envolvidas integram o âmbito do mesmo ente
federativo e, de acordo com o entendimento jurisprudencial consolidado, torna-se inviável a
condenação da autarquia às verbas de sucumbência.
Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso de apelação, nos termos da
fundamentação.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BENEFÍCIO DE
PENSÃO POR MORTE. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE.
PRESCRIÇÃO. PREVISÃO DO ART. 37, § 5º, DA CF LIMITADA ÀS AÇÕES PARA
APURAÇÃO DE ATOS DE IMPROBIDADE. PRAZO PRESCRICIONAL DE CINCO ANOS POR
ANALOGIA COM DECRETO Nº 20.910/32. BOA FÉ OBJETIVA. DEFENSORIA PÚBLICA DA
UNIÃO. INSS. ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INVIABILIDADE.
SÚMULA Nº 421 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
- Inaplicável, in casu, a aplicação da regra do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, tendo em
vista que o seu campo de aplicação se limita às ações decorrentes de atos de improbidade.
- Tendo em vista o disposto no Decreto nº 20.910/32, que preceitua o prazo prescricional de
cinco anos para as pretensões ressarcitórias exercidas contra a Fazenda Pública, e, à míngua
de previsão legal e em respeito aos princípios da isonomia e da simetria, deve o mesmo prazo
ser aplicado nas hipóteses em que a Fazenda Pública é a autora da ação (STJ, REsp
1.519.386/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 26/05/2015).
- O artigo 1º do Decreto n. 20.910, de 08 de janeiro de 1932, recepcionado pela CF de 1988,
dispõe que as ações contra a Fazenda Pública prescrevem, de regra, em 05 (cinco) anos,
contados da data do ato ou do fato do qual se originaram os danos.
- O marco que inicia a prescrição do direito ao ressarcimento ao INSS é o pagamento indevido,
todavia, instaurado o procedimento administrativo de revisão e cobrança, com a devida
intimação do segurado no prazo legal, haverá a interrupção da prescrição, bem como a
suspensão de sua fluência até o encerramento deste procedimento.
- Anote-se que em se tratando de obrigação de trato sucessivo o direito ao ressarcimento
somente alcança as parcelas pagas dentro do quinquênio que antecedeu a instauração do
procedimento administrativo.
- Somente com o término do processo administrativo instaurado para a apuração dos fatos e do
montante devido, com observância da ampla defesa e o contraditório, ao INSS viabiliza-se a
cobrança da totalidade dos valores pagos indevidamente ao segurado, não atingidos pela
prescrição.
- A partir de então, reinicia-se, depois da decisão final na esfera administrativa, o prazo
prescricional de 5 anos (Súmula/STF n. 150) para a cobrança do valor apurado pela
Administração, excluída da cobrança o que já prescrevera, antes da intimação do segurado do
procedimento que levou a exigência da repetição do indébito.
- Os documentos constantes dos autos revelam que o procedimento administrativo instaurado
para a apuração das irregularidades do benefício de pensão por morte tramitou em 07/2007 (id
Num. 148321693 - Pág. 13), e se findou em 05/2012 (id Num. 148321694 - Pág. 18). Assim,
ajuizada a ação em 06/07/2015, não há que se falar da incidência de prescrição.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- No caso, fato é que a pensão por morte fora concedida de forma irregular, porém, o benefício
foi requerido por intermediário contratado pela demandante, pessoa simples e de baixa
instrução, que não sabe ler nem escrever, com exceção do próprio nome.
- Consta dos autos a procuração outorgada a Alidaci Maria dos Santos Silva (id Num.
148321692 - Pág. 17), a qual possivelmente efetuou o recolhimento da contribuição
previdenciária pos mortem (conforme relato da ré), bem como a participação de servidora do
INSS, conforme conclusão do INSS de que “O benefício, face as irregularidades apontadas, não
pode ser mantido. A servidora Lígia Maria Baptistela deixou de observar as Normas
Previdenciárias em vigência, conforme acima citado” (id Num. 148321694).
- Ainda, conforme reconhecido pela autarquia, houve o envolvimento da servidora pública Lígia
Maria Baptistella, na concessão do benefício (Num. 148321694 - Pág. 7/8, Num. 148321694 -
Pág. 12/13).
- Assim, trata-se, in casu, de concessão indevida de benefício diante de fraude praticada por
terceiro, em concorrência com servidora que pertencia aos quadros do INSS.
- Não há evidências ou comprovação, portando, da participação da recorrente na referida
fraude, motivo pelo qual vislumbro a presença de boa-fé objetiva.
- Sendo assim, inexigível a cobrança do débito pelo INSS.
- O Colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.199.715/RJ, precedente
representativo da controvérsia, decidiu não serem devidos honorários advocatícios à Defensoria
Pública quando atua contra pessoa jurídica de direito público integrante da mesma Fazenda
Pública.
- Na hipótese dos autos, incabível a condenação do INSS ao pagamento de honorários
advocatícios, por se tratar de pessoa jurídica de direito público integrante da mesma fazenda
que a Defensoria Pública da União, a teor da Súmula nº 421 do Superior Tribunal de Justiça.
- Tendo em vista que as partes envolvidas integram o âmbito do mesmo ente federativo e, de
acordo com o entendimento jurisprudencial consolidado, torna-se inviável a condenação da
autarquia às verbas de sucumbência.
- Apelação parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento ao recurso de apelação, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
