Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5006699-43.2018.4.03.6119
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
12/11/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 17/11/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO. APOSENTADORIA
ESPECIAL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. CONCESSÃO ADMINISTRATIVA. UTILIZAÇÃO
DE DOCUMENTO FALSO. BOA-FÉ DA PARTE AUTORA NÃO CONFIGURADA. NEXO DE
CAUSALIDADE ENTRE O DANO AO ERÁRIO E O ATO ILÍCITO PRATICADO. NECESSIDADE
DE REPARAÇÃO. COBRANÇA DEVIDA. ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO. COMPROVAÇÃO.
APOSENTADORIA ESPECIAL CONCEDIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA.
1 - Em que pese não ser possível aferir, de plano, o valor exato da condenação, levando em
conta o termo inicial do benefício (01/03/2016) e a data da prolação da r. sentença (24/04/2018),
por se tratar de restabelecimento de benefício, a diferença a ser apurada, mesmo que acrescida
de correção monetária, juros de mora e verba honorária, será inferior a 1.000 (mil) salários-
mínimos, conforme previsto no inciso I do §3º do artigo 496 do Código de Processo Civil. Dessa
forma, incabível a remessa necessária no presente caso.
2 - Verifica-se que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal, especificamente
na Lei de Benefícios.
3 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial (STJ, AgRg no REsp
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
493.458/RS e REsp 491.338/RS; Súmula nº 13 TR-JEF-3ªR; artigo 70, § 1º, Decreto nº
3.048/1999).
4 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a conversão
do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da categoria
profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março de
1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo art. 292
do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou, inicialmente, a Lei de
Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva exposição aos agentes
agressivos, exceto para ruído e calor.
5 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição do
segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e permanente,
sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A partir de então,
retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da atividade do
segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a possibilidade de
conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
6 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a agentes
nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes
físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria
especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos
enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais.
7 - Com o advento da Lei nº 6.887/1980, ficou claramente explicitado na legislação a hipótese da
conversão do tempo laborado em condições especiais em tempo comum, de forma a harmonizar
a adoção de dois sistemas de aposentadoria díspares, um comum e outro especial, o que não
significa que a atividade especial, antes disso, deva ser desconsiderada para fins de conversão,
eis que tal circunstância decorreria da própria lógica do sistema.
8 - Posteriormente, a Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996, sucessivamente reeditada até a
Medida Provisória nº 1.523-13, de 25/10/1997, convalidada e revogada pela Medida Provisória nº
1.596-14, de 10/11/1997, e ao final convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/1997, modificou o artigo
58 e lhe acrescentou quatro parágrafos. A regulamentação dessas regras veio com a edição do
Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, em vigor a partir de sua publicação, em 06/03/1997, que passou
a exigir laudo técnico das condições ambientais de trabalho, expedido por médico do trabalho ou
engenheiro de segurança do trabalho.
9 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico previdenciário
(PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação dos profissionais
responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que constitui instrumento
hábil para a avaliação das condições laborais.
10 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui,
para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em
condições especiais.
11 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
12 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização
do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não
infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF
excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente
neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
13 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível de
ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso concluir
que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
14 - Acresça-se, ainda, ser possível a conversão do tempo especial em comum,
independentemente da data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação
das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
15 - Observa-se que o fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do
Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
16 - Os períodos a ser analisados em razão do recurso voluntário são: 06/08/1979 a 24/03/1984 e
02/04/1984 a 28/03/2010.
17 - Quanto aos períodos de 06/08/1979 a 24/03/1984 e de 02/04/1984 a 28/03/2010, laborados
para “Indústria de Meias Scalina Ltda.”, nas funções de “ajudante de almoxarifado”, “maquinista”,
“aux. mec. máquina” e de “mecânico de meia sr.”, de acordo com o PPP apresentado no
momento do requerimento administrativo (fls. 43/44), o autor esteve exposto a ruído de 89,9 dB e,
a partir de 15/05/1992, também a querosene e a óleos minerais sem o uso de EPI.
18 - Com base nesse documento, o benefício de aposentadoria especial foi concedido em
11/08/2010 (fl. 70). Em 31/10/2014, o INSS requereu a confirmação da emissão do PPP à
empregadora (fls. 107/108) que não reconheceu a sua autenticidade (fl. 381).
19 - O demandante, por sua vez, solicitou novos PPPs à empregadora (que confirmou a sua
autenticidade – fl. 405) e apresentou-os aos INSS (fls. 398/402-verso). De acordo com esses
documentos, o autor esteve exposto a ruído de 90,3 dB entre 06/08/1979 a 24/03/1984 e
02/04/1984 a 31/12/2003, de 89,2 dB entre 01/01/2004 a 31/12/2007, de 97 dB entre 01/01/2008
a 31/12/2008 e de 93 dB entre 01/01/2009 a 28/03/2010, permitindo o reconhecimento da
especialidade do labor.
20 - Por fim, no que diz com o argumento recursal, no sentido da possibilidade de enquadramento
da especialidade somente quando oNível de Exposição Normalizado – NENse encontrar acima
do limite legal, o mesmo não prospera.Pretende o INSS que a comprovação do ruído se dê por
complexa metodologia de apuração, na qual o denominado “NEN” corresponda ao nível de
exposição, convertido para uma jornada padrão de 8 horas diárias, para fins de comparação com
o limite de exposição.No ponto, observe-seque, para a mensuração do agente agressivo “nível de
pressão sonora”, a utilização de metodologia distinta da ora apontada em nada descaracteriza a
especialidade do período, devendo ser reconhecida, caso a intensidade seja considerada nociva
pela legislação previdenciária, como ocorre no caso dos autos. Para além disso, verifica-se ter a
Autarquia Previdenciária extrapolado seu poder regulamentar, ao indicar uma metodologia
específica para aferição do ruído, que a própria legislação previdenciária não cuidou de
contemplar. Precedente desta Corte.
21 - Assim, em referidos lapsos temporais, verifica-se a exposição do empregadoa ruído acima do
limite de tolerânciaprevisto na legislação contemporânea, razão pela qual se mostra, mesmo, de
rigor a conversão pretendida.
22 - No entanto, o reconhecimento da especialidade dos períodos pleiteados é devido em razão
da análise dos PPPs autênticos, o que inviabiliza o restabelecimento do benefício desde a data
de sua cessação (01/03/2016 - fl. 437).
23 - Sendo assim, a parte autora faz jus, não ao restabelecimento, mas à concessão do benefício
desde a data de apresentação dos PPPs autênticos à autarquia (23/09/2015 – fl. 398).
24 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
25 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
26 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na equidade, constitui
alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente
disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial
obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve
possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores
serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o
ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados
ações in rem verso, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação
de repetição de indébito.
27 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
28 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos
valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo
115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
29 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
30 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o
enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício
ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro
e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e
em risco à continuidade dessa rede de proteção.
31 - A ocorrência de irregularidade, consubstanciada na utilização de documento falso, para fins
de obtenção de benefício previdenciário, portanto, é fato incontroverso.
32 - A celeuma refere-se à responsabilização civil da parte autora pelo ato ilícito praticado perante
o INSS e que resultou em inegável prejuízo aos cofres públicos.
33 - Ainda que tenha restado comprovado na seara administrativa que o servidor teve
participação na concessão irregular do benefício, quem usufruiu da vantagem decorrente do ato
ilícito foi o autor, razão pela qual não há como dissociar o desfalque ao erário público do
recebimento de aposentadoria indevida.
34 - Em decorrência, constatado o nexo de causalidade entre o dano aos cofres públicos e o ato
ilícito praticado, a restituição dos valores recebidos pelo autor indevidamente, a título de
aposentadoria especial, no período de 11/08/2010 (DER) a 01/03/2016 (data da cessação), é
medida que se impõe, nos termos do artigo 927 do Código Civil. Precedentes.
35 - Honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas
devidas até a sentença (Súmula 111, STJ) e distribuídos proporcionalmente entre as partes
sucumbentes, nos termos dos artigos 85, §§2º e 3º, e 86, ambos do Código de Processo Civil.
36 - Apelação do INSS parcialmente provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5006699-43.2018.4.03.6119
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: FRANCISCO DE ASSIS RODRIGUES DE ALENCAR
Advogado do(a) APELADO: FABIO BARROS DOS SANTOS - SP296151-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5006699-43.2018.4.03.6119
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: FRANCISCO DE ASSIS RODRIGUES DE ALENCAR
Advogado do(a) APELADO: FABIO BARROS DOS SANTOS - SP296151-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em
ação previdenciária ajuizada por FRANCISCO DE ASSIS RODRIGUES DE ALENCAR,
objetivando o restabelecimento de sua aposentadoria especial, mediante o reconhecimento de
trabalho exercido em condições especiais.
A r. sentença de fls. 471/485 julgou procedente o pedido inicial, para condenar o INSS a
restabelecer o benefício de aposentadoria especial desde a data da cessação (01/03/2016). A
autarquia foi condenada, ainda, no pagamento das parcelas em atraso acrescidas de juros de
mora e de correção monetária, bem como no pagamento do percentual mínimo previsto no §3º
do art. 85 do CPC, de acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação, a título de
honorários advocatícios. Foi concedida a tutela antecipada.
Em razões recursais de fls. 494/505, o INSS requer, preliminarmente, o conhecimento do
reexame necessário. Quanto ao mérito, pugna pela reforma da r. sentença, alegando que não
foi comprovada a especialidade do labor, pois a medição dos níveis de ruído deve ocorrer pela
metodologia do FUNDACENTRO e que o PPP apresentado na defesa administrativa, ainda
idôneo, não tem o condão de restabelecer o benefício que foi concedido com base em PPP com
suspeita de fraude. Subsidiariamente, requer que o termo inicial do restabelecimento seja a
data de apresentação do PPP autêntico e que sejam aplicados os critérios da Lei nº 11.960/09
aos juros de mora e à correção monetária. Por fim, prequestiona a matéria.
Devidamente processado o recurso, com contrarrazões (ID 7969371 – p. 254/259), foram os
autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5006699-43.2018.4.03.6119
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: FRANCISCO DE ASSIS RODRIGUES DE ALENCAR
Advogado do(a) APELADO: FABIO BARROS DOS SANTOS - SP296151-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Da remessa necessária
Inicialmente, em que pese não ser possível aferir, de plano, o valor exato da condenação,
levando em conta o termo inicial do benefício (01/03/2016) e a data da prolação da r. sentença
(24/04/2018), por se tratar de restabelecimento de benefício, a diferença a ser apurada, mesmo
que acrescida de correção monetária, juros de mora e verba honorária, será inferior a 1.000
(mil) salários-mínimos, conforme previsto no inciso I do §3º do artigo 496 do Código de
Processo Civil.
Dessa forma, incabível a remessa necessária no presente caso.
Do labor especial
Verifico que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal, especificamente na
Lei de Benefícios.
Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial (STJ, AgRg no REsp
493.458/RS e REsp 491.338/RS; Súmula nº 13 TR-JEF-3ªR; artigo 70, § 1º, Decreto nº
3.048/1999).
Cumpre salientar que em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria
especial e a conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em
virtude da categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº
53.831, de 25 de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de
1979, ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva
exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
Ou seja, a Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de
Benefícios, alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva
exposição do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial.
Sobre o tema, precedentes do Colendo Superior Tribunal de Justiça: 6ª Turma, REsp nº
440955, Rel. Min. Paulo Gallotti, j. 18/11/2004, DJ 01/02/2005, p. 624; 6ª Turma, AgRg no REsp
nº 508865, Rel. Min. Paulo Medina, j. 07/08/2003, DJ 08/09/2003, p. 374.
O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos.
Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes físicos,
químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria especial,
sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos enquanto
que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais.
Com o advento da Lei nº 6.887/1980, ficou claramente explicitado na legislação a hipótese da
conversão do tempo laborado em condições especiais em tempo comum, de forma a
harmonizar a adoção de dois sistemas de aposentadoria díspares, um comum e outro especial,
o que não significa que a atividade especial, antes disso, deva ser desconsiderada para fins de
conversão, eis que tal circunstância decorreria da própria lógica do sistema.
Posteriormente, a Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996, sucessivamente reeditada até a
Medida Provisória nº 1.523-13, de 25/10/1997, convalidada e revogada pela Medida Provisória
nº 1.596-14, de 10/11/1997, e ao final convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/1997, modificou o
artigo 58 e lhe acrescentou quatro parágrafos. A regulamentação dessas regras veio com a
edição do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, em vigor a partir de sua publicação, em 06/03/1997,
que passou a exigir laudo técnico das condições ambientais de trabalho, expedido por médico
do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
Importante ressaltar que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº
9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico
por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação
de tempo laborado em condições especiais.
Saliente-se, mais, e na esteira de entendimento deste E. TRF, "a desnecessidade de que o
laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre, em face
de inexistência de previsão legal para tanto, e desde que não haja mudanças significativas no
cenário laboral" (TRF-3, APELREEX 0004079-86.2012.4.03.6109, OITAVA TURMA, Rel. Des.
Fed. TANIA MARANGONI, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 15/05/2015). No mesmo sentido: TRF 3ª
Região, SÉTIMA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1423903 - 0002587-92.2008.4.03.6111,
Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em 24/10/2016, e-DJF3
Judicial 1 DATA:04/11/2016).
Por derradeiro, no que se refere ao uso de equipamento de proteção individual, verifica-se que
o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335/SC, em sede de
repercussão geral, fixou duas teses:
"(...) a primeira tese objetiva que se firma é: o direito à aposentadoria especial pressupõe a
efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for
realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à
aposentadoria especial. A Administração poderá, no exercício da fiscalização, aferir as
informações prestadas pela empresa, sem prejuízo do inafastável judicial review. Em caso de
divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa
a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da
aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar
suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se
submete";
(...)
a segunda tese fixada neste Recurso Extraordinário é a seguinte: na hipótese de exposição do
trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no
âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento
de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para
aposentadoria" (STF, ARE 664.335, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 04/12/2014, DJe n. 29,
de 11.02.2015, public. 12.02.2015)" (grifos nossos).
Destarte, a desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
Saliente-se que, conforme declinado alhures, a apresentação de laudos técnicos de forma
extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o
passar do tempo, a evolução da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas.
Portanto, se constatado nível de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado
pela parte autora, forçoso concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
Acresça-se, ainda, ser possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente
da data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação das regras dos
arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
Observa-se que o fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto
nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. CONVERSÃO DO
TEMPO DE SERVIÇO EXERCIDO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS PARA COMUM. FATOR DE
CONVERSÃO. INCIDÊNCIA DO DECRETO N. 4.827/2003, QUE ALTEROU O ART. 70 DO
DECRETO N. 3.048/1999. MATÉRIA DECIDIDA SOB O RITO DO ART. 543-C DO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. "A Terceira Seção desta Corte, no julgamento do REsp.1.151.363/MG, representativo da
controvérsia, realizado em 23.3.2011 e de relatoria do douto Ministro JORGE MUSSI, firmou o
entendimento de que, de acordo com a alteração dada pelo Decreto 4.827/2003 ao Decreto
3.048/99, a conversão dos períodos de tempo especial desenvolvidos em qualquer época será
realizada de acordo com as novas regras da tabela definida no artigo 70 que, para o tempo de
serviço especial correspondente a 25 anos, utiliza como fator de conversão, para homens, o
multiplicador 1,40". (AgRg no REsp n. 1.080.255/MG, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA
FILHO, DJe 15.04.2011) 2. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1172563/MG, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/RS), SEXTA TURMA, julgado em 16/06/2011, DJe 01/07/2011) (grifos
nossos).
Do caso concreto.
Os períodos a ser analisados em razão do recurso voluntário são: 06/08/1979 a 24/03/1984 e
02/04/1984 a 28/03/2010.
Quanto aos períodos de 06/08/1979 a 24/03/1984 e de 02/04/1984 a 28/03/2010, laborados
para “Indústria de Meias Scalina Ltda.”, nas funções de “ajudante de almoxarifado”,
“maquinista”, “aux. mec. máquina” e de “mecânico de meia sr.”, de acordo com o PPP
apresentado no momento do requerimento administrativo (fls. 43/44), o autor esteve exposto a
ruído de 89,9 dB e, a partir de 15/05/1992, também a querosene e a óleos minerais sem o uso
de EPI.
Com base nesse documento, o benefício de aposentadoria especial foi concedido em
11/08/2010 (fl. 70).
Em 31/10/2014, o INSS requereu a confirmação da emissão do PPP à empregadora (fls.
107/108) que não reconheceu a sua autenticidade (fl. 381).
O demandante, por sua vez, solicitou novos PPPs à empregadora (que confirmou a sua
autenticidade – fl. 405) e apresentou-os aoINSS (fls. 398/402-verso). De acordo com esses
documentos, o autor esteve exposto a ruído de 90,3 dB entre 06/08/1979 a 24/03/1984 e
02/04/1984 a 31/12/2003, de 89,2 dB entre 01/01/2004 a 31/12/2007, de 97 dB entre
01/01/2008 a 31/12/2008 e de 93 dB entre 01/01/2009 a 28/03/2010, permitindo o
reconhecimento da especialidade do labor.
Por fim, no que diz com o argumento recursal, no sentido da possibilidade de enquadramento
da especialidade somente quando oNível de Exposição Normalizado – NENse encontrar acima
do limite legal, o mesmo não prospera.
Pretende o INSS que a comprovação do ruído se dê por complexa metodologia de apuração, na
qual o denominado “NEN” corresponda ao nível de exposição, convertido para uma jornada
padrão de 8 horas diárias, para fins de comparação com o limite de exposição.
No ponto, observo que, para a mensuração do agente agressivo “nível de pressão sonora”, a
utilização de metodologia distinta da ora apontada em nada descaracteriza a especialidade do
período, devendo ser reconhecida, caso a intensidade seja considerada nociva pela legislação
previdenciária, como ocorre no caso dos autos. Para além disso, verifica-se ter a Autarquia
Previdenciária extrapolado seu poder regulamentar, ao indicar uma metodologia específica para
aferição do ruído, que a própria legislação previdenciária não cuidou de contemplar.
Confira-se, a esse respeito, o seguinte precedente:
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO.EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO E OMISSÃO NÃO CARACTERIZADAS. EFEITO
INFRINGENTE.
- Inexistência de obscuridade, contradição ou omissão na decisão embargada.
- A legislação de regência não exige que a nocividade do ambiente de trabalho seja aferida a
partir de uma determinada metodologia. Assim, não se pode deixar de reconhecer o labor
especial pelo fato de o empregador ter utilizado uma técnica diversa daquela indicada na
Instrução Normativa do INSS (NEN), pois isso representaria uma extrapolação do poder
regulamentar da autarquia.
- Assim, quanto à ausência de histograma ou memória de cálculo - metodologia e procedimento
da NHOL da FUNDACENTRO, deve ser expendido raciocínio similar em relação à idoneidade
dos PPP's. Afinal, o empregado não pode ser prejudicado pela incúria do empregador, uma vez
que, verificado o labor em condições insalubres e periculosas, compete à empregadora a
emissão do PPP, nos termos do disposto no artigo 58, §4º, da Lei 8.213/91 e artigo 68, §6º, do
Decreto 3.048/99.
- Inadmissibilidade de reexame da causa por meio de embargos de declaração para conformar
o julgado ao entendimento da parte embargante. Caráter nitidamente infringente.
- Embargos de declaração rejeitados”.
(ED em AC nº 5245018-28.2020.4.03.9999, Rel. Des. Federal Gilberto Jordan, 9ª Turma, e-
DJF3 11/11/2020).
Assim, em referidos lapsos temporais, verifica-se a exposição do empregadoa ruído acima do
limite de tolerânciaprevisto na legislação contemporânea, razão pela qual se mostra, mesmo, de
rigor a conversão pretendida.
No entanto, o reconhecimento da especialidade dos períodos pleiteados é devido em razão da
análise dos PPPs autênticos, o que inviabiliza o restabelecimento do benefício desde a data de
sua cessação (01/03/2016 - fl. 437).
Sendo assim, a parte autora faz jus, não ao restabelecimento, mas à concessão do benefício
desde a data de apresentação dos PPPs autênticos à autarquia (23/09/2015 – fl. 398).
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir
as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Da devolução dos valores indevidamente recebidos
O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na equidade, constitui alicerce
do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo
artigo 884 do Código Civil de 2002, in verbis:
"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários."
Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete
necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo,
sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário.
Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à
parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim de assegurar
o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.
A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores
pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II,
da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99, in verbis:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)
II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou
além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão
judicial, nos termos do disposto no Regulamento. (Redação dada pela Medida Provisória nº
871, de 2019)"
Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
Neste sentido, deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e
o enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de
benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o
equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os
demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.
A ocorrência de irregularidade, consubstanciada na utilização de documento falso, para fins de
obtenção de benefício previdenciário, portanto, é fato incontroverso.
A celeuma refere-se à responsabilização civil da parte autora pelo ato ilícito praticado perante o
INSS e que resultou em inegável prejuízo aos cofres públicos.
Ainda que tenha restado comprovado na seara administrativa que o servidor teve participação
na concessão irregular do benefício, quem usufruiu da vantagem decorrente do ato ilícito foi a
parte autora, razão pela qual não há como dissociar o desfalque ao erário público do
recebimento de aposentadoria indevida.
Em decorrência, constatado o nexo de causalidade entre o dano aos cofres públicos e o ato
ilícito praticado, a restituição dos valores recebidos pelo autor indevidamente, a título de
aposentadoria especial, no período de 11/08/2010 (DER) a 01/03/2016 (data da cessação), é
medida que se impõe, nos termos do artigo 927 do Código Civil.
Neste sentido, reporto-me aos seguintes precedentes desta Corte Regional:
"PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BENEFÍCIO DE AUXÍLIO-
DOENÇA. PAGAMENTO INDEVIDO. PREVISÃO DO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL LIMITADA ÀS AÇÕES PARA APURAÇÃO DE ATOS DE IMPROBIDADE. PRAZO
PRESCRICIONAL DO DECRETO Nº 20.910/32. INOCORRÊNCIA. AFASTADA A BOA-FÉ.
DANO AO ERÁRIO. RESSARCIMENTO DEVIDO.
- Inaplicável, in casu, a aplicação da regra do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, tendo em
vista que o seu campo de aplicação se limita às ações decorrentes de atos de improbidade.
- Tendo em vista o disposto no Decreto nº 20.910/32, que preceitua o prazo prescricional de
cinco anos para as pretensões ressarcitórias exercidas contra a Fazenda Pública, e, à míngua
de previsão legal e em respeito aos princípios da isonomia e da simetria, deve o mesmo prazo
ser aplicado nas hipóteses em que a Fazenda Pública é a autora da ação. Ajuizada a ação em
23.11.2015 e findo o processo administrativo em 2011, não há que se falar em prescrição.
- Consta dos autos do processo administrativo que, em auditoria, o Instituto Nacional do Seguro
Social-INSS identificou indício de irregularidade na concessão e manutenção do benefício de
auxílio-doença que consistiu na inserção de vínculo falso no CNIS que possibilitou o
reconhecimento da qualidade de segurado para a concessão indevida.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- Oportunizada administrativamente a demonstração dos vínculos excedentes, quedou-se a
requerida inerte.
- O Relatório Conclusivo Individual contido no processo administrativo de cobrança é claro ao
apontar que a concessão do benefício somente foi possível considerando-se os vínculos de
trabalho inexistentes, que foram irregularmente inseridos no sistema somente para concessão
do benefício.
- Conquanto a boa-fé se presuma, esta presunção é juris tantum e, por meio do cotejo das
provas coligidas aos autos, restou amplamente comprovada a má-fé do requerido.
- Presentes os pressupostos à condenação da requerida ao ressarcimento do dano advindo do
recebimento indevido de benefício em razão de fraude, porquanto comprovados o dano e o
nexo causal, a conduta ilícita e dolosa e elidida a presunção juris tantum de boa-fé.
- Honorários advocatícios majorados ante a sucumbência recursal, observando-se o limite legal,
nos termos do §§ 2º e 11 do art. 85 do CPC/2015, observada a gratuidade da justiça.
- Apelação da ré desprovida.”
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5009330-02.2018.4.03.6105, Rel.
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 05/09/2019, e - DJF3
Judicial 1 DATA: 09/09/2019)
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. RENDA MENSAL VITALÍCIA.
PAGAMENTO INDEVIDO. DECLARAÇÃO FALSA. REVISÃO ADMINISTRATIVA.
NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO. ARTIGOS 884 DO CÓDIGO CIVIL E 115, II, DA LBPS.
CONTROLE ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. DESCONTO DE 30% POSSÍVEL.
PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ALTERAÇÃO DO PEDIDO EM SEDE RECURSAL.
INVIABILIDADE. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
- No caso, a parte autora percebeu renda mensal vitalícia indevidamente, desde 08/6/1995
(carta de concessão à f. 26). Isso porque já recebia pensão por morte desde 05/8/1982 (NB
21/070.260.812-2) e declarou ao INSS não possuir qualquer renda. Ela declarou que "não
possuo bens, não recebo pensão e nenhum tipo de aposentadoria" (f. 40). Trata-se de
declaração ideologicamente falsa, que gerou efeitos jurídicos assaz relevantes.
- Em revisão administrativa, o INSS considerou ilegal a percepção do benefício assistencial por
ultrapassar, muito, a renda familiar per capita prevista no § 3º, do artigo 20 da LOAS. Assim, o
INSS passou a efetuar a cobrança de R$ 113.324,18 (f. 41), a título de pagamento indevido,
passando a efetuar descontos de 30% na renda mensal ad pensão por morte.
- A Administração Pública tem o dever de fiscalização dos seus atos administrativos, pois goza
de prerrogativas, entre as quais o controle administrativo, sendo dado rever os atos de seus
próprios órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade, bem como revogando os atos cuja
conveniência e oportunidade não mais subsista.
- Quando patenteado o pagamento a maior de benefício, o direito de a Administração obter a
devolução dos valores é inexorável, ainda que tivessem sido recebidos de boa-fé, à luz do
disposto no artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91. Trata-se de norma cogente, que obriga o
administrador a agir, sob pena de responsabilidade.
- O presente caso constitui hipótese de enriquecimento ilícito (ou enriquecimento sem causa ou
locupletamento). O Código Civil estabelece, em seu artigo 876, que, tratando-se de pagamento
indevido, "Todo aquele que recebeu o que não era devido fica obrigado a restituir".
- O princípio da moralidade administrativa, conformado no artigo 37, caput, da Constituição da
República, obriga a autarquia previdenciária a efetuar a cobrança dos valores indevidamente
pagos, na forma do artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.
- A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp 1.401.560/MT,
submetido à sistemática dos recursos repetitivos, pacificou o entendimento de que é possível a
restituição de valores percebidos a título de benefício previdenciário, em virtude de decisão
judicial precária posteriormente revogada, independentemente da natureza alimentar da verba e
da boa-fé do segurado.
- No caso, a devolução é imperativa porquanto se apurou a ausência de boa-fé objetiva (artigo
422 do Código Civil).
- Por fim, não há possibilidade de reconhecimento da prescrição no presente caso. Conquanto
matéria de ordem pública, não há pedido nesse sentido, o seu reconhecimento implicando
violação da regra do artigo 264, § único, do CPC/73. Inviável, assim, a alteração do pedido
(limitado à redução dos descontos de 30% para 5%) em sede recursal.
- Quanto à regra do artigo 46, § 1º, da Lei nº 8112/91, não se pode aplicá-la nas relações
previdenciárias do Regime Geral, por ausência de lacunas, haja vista trazer a Lei nº 8.213/91
regra própria em seu artigo 115 e §§.
- Agravo legal desprovido."
(TRF 3ª Região, NONA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2142041 - 0007899-
57.2014.4.03.6105, Rel. JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, julgado em 07/03/2018,
e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/03/2018)
Nos termos dos artigos 85, §§2º e 3º, e 86, ambos do Código de Processo Civil, os honorários
advocatícios, (ora) arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas devidas até a
sentença (Súmula 111, STJ), serão distribuídos entre as partes sucumbentes, na seguinte
proporção: 5% em favor do patrono da autarquia e 5% em favor do patrono da parte autora.
Em relação à parte autora, havendo a concessão dos benefícios da assistência judiciária
gratuita, a teor do disposto no §3º do artigo 98 do CPC, ficará a exigibilidade suspensa por 5
(cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que a fundamentou.
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS, para afastar a condenação ao
restabelecimento do benefício de aposentadoria especial desde 01/03/2016 e, por
consequência, para condenar a parte autora na devolução dos valores indevidamente recebidos
no período de 11/08/2010 a 01/03/2016, para condenar o INSS à conceder o benefício de
aposentadoria especial desde 23/09/2015, sendo que sobre os valores em atraso incidirá
correção monetária de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos
na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada
pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de
acordo com o mesmo Manual, e para condenar ambas as partes no pagamento de 5% do valor
da condenação, nos termos da Súmula 111 do STJ, a título de honorários advocatícios,
restando suspensa a execução, em relação ao autor, desde que inalterada a situação de
insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária
gratuita, mantida, no mais, a r. sentença de primeiro grau de jurisdição.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO. APOSENTADORIA
ESPECIAL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. CONCESSÃO ADMINISTRATIVA. UTILIZAÇÃO
DE DOCUMENTO FALSO. BOA-FÉ DA PARTE AUTORA NÃO CONFIGURADA. NEXO DE
CAUSALIDADE ENTRE O DANO AO ERÁRIO E O ATO ILÍCITO PRATICADO. NECESSIDADE
DE REPARAÇÃO. COBRANÇA DEVIDA. ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO. COMPROVAÇÃO.
APOSENTADORIA ESPECIAL CONCEDIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA.
1 - Em que pese não ser possível aferir, de plano, o valor exato da condenação, levando em
conta o termo inicial do benefício (01/03/2016) e a data da prolação da r. sentença
(24/04/2018), por se tratar de restabelecimento de benefício, a diferença a ser apurada, mesmo
que acrescida de correção monetária, juros de mora e verba honorária, será inferior a 1.000
(mil) salários-mínimos, conforme previsto no inciso I do §3º do artigo 496 do Código de
Processo Civil. Dessa forma, incabível a remessa necessária no presente caso.
2 - Verifica-se que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal,
especificamente na Lei de Benefícios.
3 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial (STJ, AgRg no REsp
493.458/RS e REsp 491.338/RS; Súmula nº 13 TR-JEF-3ªR; artigo 70, § 1º, Decreto nº
3.048/1999).
4 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a conversão
do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da categoria
profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março
de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo
art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou, inicialmente, a Lei de
Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva exposição aos agentes
agressivos, exceto para ruído e calor.
5 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
6 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais.
7 - Com o advento da Lei nº 6.887/1980, ficou claramente explicitado na legislação a hipótese
da conversão do tempo laborado em condições especiais em tempo comum, de forma a
harmonizar a adoção de dois sistemas de aposentadoria díspares, um comum e outro especial,
o que não significa que a atividade especial, antes disso, deva ser desconsiderada para fins de
conversão, eis que tal circunstância decorreria da própria lógica do sistema.
8 - Posteriormente, a Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996, sucessivamente reeditada até
a Medida Provisória nº 1.523-13, de 25/10/1997, convalidada e revogada pela Medida
Provisória nº 1.596-14, de 10/11/1997, e ao final convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/1997,
modificou o artigo 58 e lhe acrescentou quatro parágrafos. A regulamentação dessas regras
veio com a edição do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, em vigor a partir de sua publicação, em
06/03/1997, que passou a exigir laudo técnico das condições ambientais de trabalho, expedido
por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
9 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
10 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
11 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
12 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
13 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível
de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso
concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
14 - Acresça-se, ainda, ser possível a conversão do tempo especial em comum,
independentemente da data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da
conjugação das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
15 - Observa-se que o fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do
Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
16 - Os períodos a ser analisados em razão do recurso voluntário são: 06/08/1979 a 24/03/1984
e 02/04/1984 a 28/03/2010.
17 - Quanto aos períodos de 06/08/1979 a 24/03/1984 e de 02/04/1984 a 28/03/2010, laborados
para “Indústria de Meias Scalina Ltda.”, nas funções de “ajudante de almoxarifado”,
“maquinista”, “aux. mec. máquina” e de “mecânico de meia sr.”, de acordo com o PPP
apresentado no momento do requerimento administrativo (fls. 43/44), o autor esteve exposto a
ruído de 89,9 dB e, a partir de 15/05/1992, também a querosene e a óleos minerais sem o uso
de EPI.
18 - Com base nesse documento, o benefício de aposentadoria especial foi concedido em
11/08/2010 (fl. 70). Em 31/10/2014, o INSS requereu a confirmação da emissão do PPP à
empregadora (fls. 107/108) que não reconheceu a sua autenticidade (fl. 381).
19 - O demandante, por sua vez, solicitou novos PPPs à empregadora (que confirmou a sua
autenticidade – fl. 405) e apresentou-os aos INSS (fls. 398/402-verso). De acordo com esses
documentos, o autor esteve exposto a ruído de 90,3 dB entre 06/08/1979 a 24/03/1984 e
02/04/1984 a 31/12/2003, de 89,2 dB entre 01/01/2004 a 31/12/2007, de 97 dB entre
01/01/2008 a 31/12/2008 e de 93 dB entre 01/01/2009 a 28/03/2010, permitindo o
reconhecimento da especialidade do labor.
20 - Por fim, no que diz com o argumento recursal, no sentido da possibilidade de
enquadramento da especialidade somente quando oNível de Exposição Normalizado – NENse
encontrar acima do limite legal, o mesmo não prospera.Pretende o INSS que a comprovação do
ruído se dê por complexa metodologia de apuração, na qual o denominado “NEN” corresponda
ao nível de exposição, convertido para uma jornada padrão de 8 horas diárias, para fins de
comparação com o limite de exposição.No ponto, observe-seque, para a mensuração do agente
agressivo “nível de pressão sonora”, a utilização de metodologia distinta da ora apontada em
nada descaracteriza a especialidade do período, devendo ser reconhecida, caso a intensidade
seja considerada nociva pela legislação previdenciária, como ocorre no caso dos autos. Para
além disso, verifica-se ter a Autarquia Previdenciária extrapolado seu poder regulamentar, ao
indicar uma metodologia específica para aferição do ruído, que a própria legislação
previdenciária não cuidou de contemplar. Precedente desta Corte.
21 - Assim, em referidos lapsos temporais, verifica-se a exposição do empregadoa ruído acima
do limite de tolerânciaprevisto na legislação contemporânea, razão pela qual se mostra, mesmo,
de rigor a conversão pretendida.
22 - No entanto, o reconhecimento da especialidade dos períodos pleiteados é devido em razão
da análise dos PPPs autênticos, o que inviabiliza o restabelecimento do benefício desde a data
de sua cessação (01/03/2016 - fl. 437).
23 - Sendo assim, a parte autora faz jus, não ao restabelecimento, mas à concessão do
benefício desde a data de apresentação dos PPPs autênticos à autarquia (23/09/2015 – fl. 398).
24 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
25 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
26 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na equidade, constitui
alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente
disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial
obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve
possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores
serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão,
o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados
ações in rem verso, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação
de repetição de indébito.
27 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
28 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos
valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo
115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
29 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio
Legislador reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de
verbas alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
30 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o
enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício
ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio
financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais
segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.
31 - A ocorrência de irregularidade, consubstanciada na utilização de documento falso, para fins
de obtenção de benefício previdenciário, portanto, é fato incontroverso.
32 - A celeuma refere-se à responsabilização civil da parte autora pelo ato ilícito praticado
perante o INSS e que resultou em inegável prejuízo aos cofres públicos.
33 - Ainda que tenha restado comprovado na seara administrativa que o servidor teve
participação na concessão irregular do benefício, quem usufruiu da vantagem decorrente do ato
ilícito foi o autor, razão pela qual não há como dissociar o desfalque ao erário público do
recebimento de aposentadoria indevida.
34 - Em decorrência, constatado o nexo de causalidade entre o dano aos cofres públicos e o
ato ilícito praticado, a restituição dos valores recebidos pelo autor indevidamente, a título de
aposentadoria especial, no período de 11/08/2010 (DER) a 01/03/2016 (data da cessação), é
medida que se impõe, nos termos do artigo 927 do Código Civil. Precedentes.
35 - Honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas
devidas até a sentença (Súmula 111, STJ) e distribuídos proporcionalmente entre as partes
sucumbentes, nos termos dos artigos 85, §§2º e 3º, e 86, ambos do Código de Processo Civil.
36 - Apelação do INSS parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do INSS, para afastar a condenação ao
restabelecimento do benefício de aposentadoria especial desde 01/03/2016 e, por
consequência, para condenar a parte autora na devolução dos valores indevidamente recebidos
no período de 11/08/2010 a 01/03/2016, para condenar o INSS à conceder o benefício de
aposentadoria especial desde 23/09/2015, sendo que sobre os valores em atraso incidirá
correção monetária de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos
na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada
pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de
acordo com o mesmo Manual, e para condenar ambas as partes no pagamento de 5% do valor
da condenação, nos termos da Súmula 111 do STJ, a título de honorários advocatícios,
restando suspensa a execução, em relação ao autor, desde que inalterada a situação de
insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária
gratuita, mantida, no mais, a r. sentença de primeiro grau de jurisdição, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
