Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2015751 / SP
0000507-49.2013.4.03.6122
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
09/09/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/09/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA
TESTEMUNHAL. ANO CONFIRMADO PELAS TESTEMUNHAS. ANOTAÇÕES CTPS.
AFASTADA A PRESUNÇÃO DE LABOR ININTERRUPTO NA CONDIÇÃO DE RURÍCOLA.
RECONHECIMENTO PARCIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. MOTORISTA. CONJUNTO
PROBATÓRIO INSUFICIENTE. REVISÃO DEVIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE
MORA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARCIALMENTE
PROVIDA.
1 - Pretende a parte autora a revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição,
mediante o reconhecimento de labor rural entre os anos de 1967 e 1981. Além disso, pretende
ver reconhecida a especialidade do trabalho desempenhado no período compreendido entre
01/04/1996 e a data do ajuizamento da ação.
2 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida
prova exclusivamente testemunhal. Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
3 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período
que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser
corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade
daquela. Precedentes da 7ª Turma desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais
documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
4 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP,
adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento
de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior
àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
5 - Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, o
segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII.
6 - É pacífico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições
para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se
desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91. Precedentes jurisprudenciais.
7 - As pretensas provas materiais juntadas aos autos, a respeito do labor no campo, são: 1)
Declaração emitida pelo Sindicato dos Empregados Rurais de Bastos/SP, na qual consta que o
autor teria trabalhado "juntamente com o pai durante os períodos de 01/Janeiro/1969 até
30/Janeiro/1978 e 01/Abril/1978 a 30/Dezembro/1980" e que "desenvolvia a atividade de
serviços gerais na colheita de café e plantação de amendoim, milho, arroz"; 2) Notas Fiscais do
Produtor, emitidas em nome do genitor do autor, relativas aos anos de1974 a 1980; 3) Título
Eleitoral, datado de 17/05/1974, no qual o autor é qualificado como lavrador; 4) Certificado de
Dispensa de Incorporação, no qual consta que o autor foi dispensado do Serviço Militar Inicial
em 31/12/1973, tendo sido qualificado à época como lavrador; 5) Certidão de Casamento,
realizado em 21/06/1977, na qual o autor é qualificado como lavrador.
8 - A documentação juntada é suficiente à configuração do exigido início de prova material,
devidamente corroborado por idônea prova testemunhal.
9 - A prova oral reforça o labor no campo e amplia a eficácia probatória dos documentos
carreados aos autos, sendo possível reconhecer o trabalho campesino a partir de 01/01/1973 -
ano confirmado pelas testemunhas, até 30/01/1978, data estabelecida com base nas
informações prestadas pelo próprio autor perante o Sindicato dos Empregados Rurais de
Bastos/SP e considerando ainda o primeiro vínculo registrado em sua CTPS (admissão em
08/02/1978), cabendo registrar que a existência de contratos de trabalho anotados em CTPS
afasta a presunção de que o labor tenha sido ininterrupto, tornando indefensável a tese de que,
nos intervalos de tais contratos, o demandante tenha laborado, por "extensão", na condição de
rurícola.
10 - Anote-se, ainda, que o intervalo compreendido entre 01/01/1974 e 20/06/1977 já foi
reconhecido pela Autarquia, devendo, portanto, ser considerado incontroverso.
11 - Assim, à vista do conjunto probatório, fica reconhecido o labor rural nos períodos de
01/01/1973 a 31/12/1973 e de 21/06/1977 a 30/01/1978.
12 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
13 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a
conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da
categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25
de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979,
ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva
exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
14 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
15 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
16 - Saliente-se, por oportuno, que a permanência não pressupõe a exposição contínua ao
agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, guardando relação com a atividade
desempenhada pelo trabalhador. Pacífica a jurisprudência no sentido de ser dispensável a
comprovação dos requisitos de habitualidade e permanência à exposição ao agente nocivo para
atividades enquadradas como especiais até a edição da Lei nº 9.032/95, visto que não havia tal
exigência na legislação anterior.
17 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
18 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
19 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
20 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
21 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
22 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível
de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso
concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
23 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º,
da Lei nº 8.213/91.
24 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
25 - Para comprovar que o trabalho exercido no período controvertido (01/04/1996 até o
ajuizamento da demanda em 16/04/2013) ocorreu em condições prejudiciais à saúde e à
integridade física, o autor coligiu aos autos a sua própria CTPS, na qual consta ter laborado
para "Tsunehiro Nakanishi", exercendo a função de "Motorista", e o Laudo de Insalubridade.
26 - Todavia, in casu, afigura-se inviável o reconhecimento pretendido. Isso porque do cotejo
entre a função desempenhada pelo autor, tal como descrita na CTPS ("Motorista"), e as
medições efetuadas nos setores de trabalho existentes na Granja Tsunehiro Nakanishi, não é
possível concluir pela existência da insalubridade aventada na inicial.
27 - Com efeito, consta do Laudo em questão (o qual retrata a análise dos locais de trabalho e
das funções desenvolvidas pelos funcionários em geral) que o trabalhador "Motorista do
graneleiro" estava exposto a ruído de 74 e 80dB(A); abaixo, portanto, do limite de tolerância
vigente a época. Já os operadores de tratores ("transporte de ovo - interno") estavam expostos
a ruído de 88dB(A), o que, em tese, autorizaria o enquadramento como atividade especial em
determinados lapsos temporais (até 05/03/1997 e após 19/11/2003), conforme a legislação de
regência.
28 - Contudo, à míngua de apresentação de Laudo Técnico Individual ou de informações
detalhadas acerca das tarefas efetivamente executadas pelo requerente (motorista de
graneleiro/operador de trator/outros), não há como reconhecer a especialidade do labor no
período questionado, razão pela qual resta mantida a r. sentença de improcedência, no ponto.
29 - Procedendo ao cômputo do labor rural reconhecido nesta demanda, acrescidos dos
períodos incontroversos constantes do "resumo de documentos para cálculo de tempo de
contribuição", verifica-se que, na data do requerimento administrativo (04/01/2012), o autor
contava com 40 anos e 03 meses de serviço, sendo devida, portanto, a revisão pleiteada.
30 - O termo inicial do benefício deve ser mantido na data da concessão da benesse em sede
administrativa (DIB 04/01/2012), uma vez que se trata de revisão do coeficiente de cálculo e da
renda mensal inicial, em razão do reconhecimento dos períodos laborados em atividade rural.
31 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
32 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
33 - Verba honorária compensada entre as parte, ante a sucumbência recíproca, conforme
prescrito no art. 21 do CPC/73.
34 - Apelação da parte autora parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à
apelação da parte autora, para reconhecer o labor rural nos períodos de 01/01/1973 a
31/12/1973 e de 21/06/1977 a 30/01/1978, e para condenar a Autarquia a revisar o benefício de
aposentadoria por tempo de contribuição (NB 42/155.261.737-5), a partir da data do
requerimento administrativo (04/01/2012), sendo que sobre os valores em atraso incidirá
correção monetária de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos
na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada
pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de
acordo com o mesmo Manual, e para reconhecer, por fim, a ocorrência da sucumbência
recíproca, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
