Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1991759 / SP
0023795-98.2014.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
29/07/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/08/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. DESERÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. PRELIMINARES
REJEITADAS. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL.
RECONHECIMENTO. ATIVIDADE ESPECIAL. OPERADOR DE MÁQUINA AGRÍCOLA.
ENQUADRAMENTO. RECONHECIMENTO PARCIAL. CONJUNTO PROBATÓRIO
SUFICIENTE. REVISÃO DEVIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDA. APELAÇÃO DA
PARTE AUTORA PARCIALMENTE PROVIDA.
1 - No caso, a r. sentença condenou o INSS a reconhecer e averbar, em favor da parte autora,
tempo de serviço rural. Assim, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário,
nos termos do inciso I, do artigo 475 do CPC/75 e da Súmula 490 do STJ.
2 - Afastada a alegação de deserção, suscitada pelo INSS em contrarrazões, na medida em
que a parte autora efetuou o recolhimento do preparo, relativo ao recurso por ela interposto,
dentro do prazo estipulado no despacho constante à fl. 192.
3 - Rejeitada a preliminar de cerceamento de defesa por ausência de produção de prova a qual
o autor considerava necessária, eis que a prova documental juntada aos autos mostra-se
adequada e suficiente para o julgamento da causa, sendo, portanto, desnecessária a realização
da perícia requerida.
4 - Pretende a parte autora a revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição,
mediante o reconhecimento de labor rural no período de 11/12/1975 a 09/09/1977. Além disso,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
pretende ver reconhecida a especialidade do trabalho desempenhado nos períodos de
02/12/1987 a 16/11/1989, 01/05/1991 a 31/01/1992 e 01/02/1992 a 26/05/2009.
5 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida
prova exclusivamente testemunhal. Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
6 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período
que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser
corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade
daquela. Precedentes da 7ª Turma desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais
documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
7 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP,
adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento
de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior
àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
8 - Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, o
segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII.
9 - É pacífico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições
para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se
desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91. Precedentes jurisprudenciais.
10 - A pretensa prova material juntada aos autos, a respeito do labor no campo, é a Ficha de
Alistamento Militar, datada de 23/02/1977, na qual o autor é qualificado como lavrador.
11 - A documentação juntada é suficiente à configuração do exigido início de prova material,
devidamente corroborado por idônea prova testemunhal.
12 - A prova oral reforça o labor no campo, e amplia a eficácia probatória do documento
carreado aos autos, sendo possível reconhecer o trabalho campesino no período postulado na
inicial (11/12/1975 a 09/09/1977).
13 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
14 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a
conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da
categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25
de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979,
ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva
exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
15 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
16 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
17 - Saliente-se, por oportuno, que a permanência não pressupõe a exposição contínua ao
agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, guardando relação com a atividade
desempenhada pelo trabalhador. Pacífica a jurisprudência no sentido de ser dispensável a
comprovação dos requisitos de habitualidade e permanência à exposição ao agente nocivo para
atividades enquadradas como especiais até a edição da Lei nº 9.032/95, visto que não havia tal
exigência na legislação anterior.
18 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
19 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
20 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
21 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
22 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
23 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível
de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso
concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
24 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º,
da Lei nº 8.213/91.
25 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
26 - Para comprovar que o trabalho exercido nos períodos controvertidos (02/12/1987 a
16/11/1989, 01/05/1991 a 31/01/1992 e 01/02/1992 a 26/05/2009) ocorreu em condições
prejudiciais à saúde e à integridade física, o autor coligiu aos autos o Perfil Profissiográfico
Previdenciário - PPP, o qual aponta ter trabalhado para a empresa "Açúcar Guarani", exercendo
as funções de "Fiscal de Operação Mecanizada" (02/12/1987 a 16/11/1989), "Operador de
Máquina" (01/05/1991 a 31/01/1992 e 01/02/1992 a 31/04/1999) e "Líder de Célula II"
(01/05/1999 a 26/05/2009).
27 - In casu, possível o reconhecimento pretendido nos períodos de 01/05/1991 a 31/01/1992 e
01/02/1992 a 28/04/1995 pelo enquadramento no Decreto nº 53.831/64, em seu item 2.4.4 do
Quadro Anexo, assim como no Decreto nº 83.080/79, no item 2.4.2 do Anexo II, por ser a
atividade de "operador de máquinas agrícolas" - caso do autor, conforme descrição da atividade
contida no PPP - equiparada a de "motorista". Precedentes.
28 - Quanto aos demais intervalos pleiteados, verifica-se que as atividades desempenhadas
pelo demandante e os fatores de risco apontados ("impacto e respingo", "trabalho em turno e
noturno", e "situação causadora de stress") não encontram subsunção nos Decretos que regem
a matéria, cabendo considerar, ainda, que o ruído aferido em tais lapsos temporais encontra-se
abaixo do limite de tolerância vigente à época - 74dB(A).
29 - Enquadrados como especiais os períodos de 01/05/1991 a 31/01/1992 e 01/02/1992 a
28/04/1995.
30 - A autarquia previdenciária reconheceu, por ocasião do requerimento formulado em sede
administrativa, a especialidade do labor desempenhado nos períodos de 29/05/1980 a
01/12/1987 e de 18/05/1990 a 30/04/1991 ("resumo de documentos para cálculo de tempo de
contribuição"), motivo pelo qual referidos lapsos devem ser tidos, na verdade, como
incontroversos.
31 - Procedendo ao cômputo do labor rural e especial, reconhecidos nesta demanda,
acrescidos dos períodos incontroversos constantes do "resumo de documentos para cálculo de
tempo de contribuição", verifica-se que, na data do requerimento administrativo (26/05/2009), o
autor contava com 38 anos, 08 meses e 29 dias de serviço, sendo devida, portanto, a revisão
pleiteada. Importante ser dito que a atividade especial ora reconhecida, somada aquela já assim
considerada pelo INSS, totaliza 12 anos, 05 meses e 08 dias de serviço especial, tempo
nitidamente insuficiente para a obtenção da aposentadoria especial vindicada na inicial.
32 - O termo inicial do benefício deve ser mantido na data da concessão da benesse em sede
administrativa (DIB 26/05/2009), uma vez que se trata de revisão do coeficiente de cálculo e da
renda mensal inicial, em razão do reconhecimento dos períodos laborados em atividade
especial.
33 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
34 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
35 - Ante a sucumbência recíproca, dá-se a verba honorária por compensada, conforme
prescrito no art. 21 do CPC/73.
36 - Rejeitada a preliminar suscitada pelo INSS em sede de contrarrazões. Remessa
necessária desprovida. Preliminar rejeitada e apelação da parte autora parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar
suscitada pelo INSS em sede de contrarrazões; negar provimento à remessa necessária, tida
por interposta; rejeitar a preliminar, e dar parcial provimento à apelação da parte autora, para
reconhecer a especialidade do labor nos períodos de 01/05/1991 a 31/01/1992 e 01/02/1992 a
28/04/1995, e para condenar a Autarquia a revisar o benefício de aposentadoria por tempo de
contribuição (NB 42/148.827.662-2), a partir da data do requerimento administrativo
(26/05/2009), sendo que sobre os valores em atraso incidirá correção monetária de acordo com
o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a
promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do
IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo
Manual, mantida, no mais, a r. sentença de 1º grau, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
