Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1928312 / SP
0043270-74.2013.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
29/07/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/08/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. SENTENÇA CONDICIONAL. NULIDADE. POSSIBILIDADE DE
JULGAMENTO IMEDIATO. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL. INOCUIDADE DA
PERÍCIA INDIRETA EM EMPRESA PARADIGMA. ATIVIDADE ESPECIAL. CORTE DE CANA-
DE-AÇÚCAR. RUÍDO. CONJUNTO PROBATÓRIO. RECONHECIMENTO PARCIAL.
BENEFÍCIO ESPECIAL CONCEDIDO. DIB MANTIDA. DATA DO REQUERIMENTO
ADMINISTRATIVO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. PEDIDO JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE. APELAÇÕES DA
PARTE AUTORA E DO INSS PREJUDICADAS.
1 - Fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (ultra petita),
aquém (citra petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante o art. 492 do
CPC/2015. Em sua decisão, o juiz a quo reconheceu tempo de serviço especial e determinou
ao INSS que promovesse a recontagem do período trabalhado pelo autor, a fim de verificar o
cumprimento dos requisitos para a concessão da aposentadoria, portanto, condicionando a
concessão do benefício à análise do INSS. Desta forma, está-se diante de sentença
condicional, restando violado o princípio da congruência insculpido no art. 460 do CPC/73, atual
art. 492 do CPC/2015.
2 - O caso, entretanto, não é de remessa dos autos à 1ª instância, uma vez que a legislação
autoriza expressamente o julgamento imediato do processo quando presentes as condições
para tanto. Considerando que a causa encontra-se madura para julgamento - presentes os
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
elementos necessários ao seu deslinde - e que o contraditório e a ampla defesa restaram
assegurados - com a citação válida do ente autárquico - e, ainda, amparado pela legislação
processual aplicável, passa-se ao exame do mérito da demanda.
3 - Com relação ao pedido de prova pericial por similaridade em razão da empresa estar inativa,
este não merece prosperar, eis que a prova documental juntada aos autos (cópia da CTPS de
fl. 34), que indica o exercício da profissão de servente de pedreiro pelo requerente, mostra-se
suficiente para o julgamento da causa, sendo, portanto, desnecessária a realização da perícia
requerida. Isso porque a função exercida pelo autor, por si só, não revela a exposição a agentes
agressivos à saúde do trabalhador, tanto que, se assim fosse, estaria enquadrada
profissionalmente como insalubre, o que não é o caso.
4 - Para a hipótese de desempenho de atribuições que não se relacionam diretamente com
fatores de risco, a admissão da especialidade somente poderia ser admitida em caráter
excepcional, com relato das particularidades do trabalho local que justificariam o trato da
atividade como especial. Tal situação, notoriamente peculiar, evidencia a impropriedade da
realização da prova pericial indireta em empresa paradigma neste momento, corolário da
impossibilidade de se reproduzir, com fidelidade, o ambiente laboral que não mais existe. Desta
feita, não há razão para o deferimento de prova adicional pelo requerente, seja pela sua
inocuidade ou mesmo pela sua suficiência para o desate da controvérsia.
5 - A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei n. 3.807, de 26.08.1960 (Lei
Orgânica da Previdência Social, LOPS). Sobreveio a Lei n. 5.890, de 08.06.1973, que revogou
o artigo 31 da LOPS, e cujo artigo 9º passou regrar esse benefício. A benesse era devida ao
segurado que contasse 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade
profissional, de serviços para esse efeito considerados penosos, insalubres ou perigosos, por
decreto do Poder Executivo.
6 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais.
7 - Atualmente, a aposentadoria especial encontra previsão no art. 57 da Lei nº 8.213/91.
8 - Logo, até a edição da Lei nº 9.032/95, era possível o reconhecimento da atividade especial:
(a) com base no enquadramento na categoria profissional, desde que a atividade fosse indicada
como perigosa, insalubre ou penosa nos anexos dos Decretos nº 53.831/64 ou 83.080/79
(presunção legal); ou (b) mediante comprovação da submissão do trabalhador,
independentemente da atividade ou profissão, a algum dos agentes nocivos, por qualquer meio
de prova, exceto para ruído e calor.
9 - A apresentação de laudo pericial, Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP ou outro
formulário equivalente para fins de comprovação de tempo de serviço especial, somente passou
a ser exigida a partir de 06.03.1997 (Decreto nº. 2.172/97), exceto para os casos de ruído e
calor, em que sempre houve exigência de laudo técnico para verificação do nível de exposição
do trabalhador às condições especiais.
10 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
11 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
12 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
13 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatada
exposição a tensão elétrica superior a 250 volts em períodos posteriores ao laborado pelo autor,
forçoso concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
14 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º,
da Lei nº 8.213/91.
15 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
16 - Durante as atividades realizadas na empresa "Agropecuária Monte Sereno SA" de
05/04/1973 a 15/12/1973, 16/12/1973 a 31/03/1974, 02/05/1974 a 31/10/1974, 04/11/1974 a
15/04/1975, 05/05/1975 a 31/10/1975, 03/11/1975 a 15/04/1976, 05/05/1976 a 30/11/1976,
01/12/1976 a 31/03/1977, 18/04/1977 a 30/11/1977 e 01/12/1977 a 15/04/1978, as cópias da
CTPS apresentadas às fls. 18/21, demonstram que o requerente trabalhou no corte de cana de
açúcar, sendo possível o seu enquadramento no item 2.2.1 do Quadro Anexo do Decreto
53.831/64 ("trabalhadores na agropecuária"), o que se evidencia pela própria denominação da
empregadora.
17 - Com efeito, a insalubridade do corte de cana-de-açúcar é inquestionável, eis que,
conhecidamente, a atividade envolve desgaste físico excessivo, sujeita a horas de exposição ao
sol e a produtos químicos, além do contato direto com os malefícios da fuligem, exigindo-se,
inclusive, alta produtividade dos trabalhadores e em lamentáveis condições antiergonômicas de
trabalho. Esse também é o entendimento desta Sétima Turma: APEL 0026846-
88.2012.4.03.9999/SP, 7ª Turma, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, v. u., julgado em 13/02/2017.
18 - Quanto aos períodos trabalhados nas empresas "Usina São Martinho SA" e "GBA
Caldeiraria e Montagens Industriais Ltda.", de 06/03/1997 a 05/05/1997 e 19/06/2006 a
23/11/2009, os Perfis Profissiográficos Previdenciários de fls. 42 e verso e 48/49, com indicação
dos responsáveis pelos registros ambientais, demonstram que o requerente estava exposto a
ruído de 86,6dB.
19 - Assim sendo, à vista do conjunto probatório, enquadrados como especiais os períodos de
05/04/1973 a 15/12/1973, 16/12/1973 a 31/03/1974, 02/05/1974 a 31/10/1974, 04/11/1974 a
15/04/1975, 05/05/1975 a 31/10/1975, 03/11/1975 a 15/04/1976, 05/05/1976 a 30/11/1976,
01/12/1976 a 31/03/1977, 18/04/1977 a 30/11/1977 e 01/12/1977 a 15/04/1978 e 19/06/2006 a
23/11/2009.
20 - Afastada, portanto, a especialidade no interregno de 06/03/1997 a 05/05/1997, pois o autor
estava exposto a pressão sonora inferior ao limite de tolerância legal à época da prestação dos
serviços (90dB).
21 - Consoante planilha anexa, somando-se a especialidade reconhecida nesta demanda ao
período especial incontroverso admitido às fls. 50/54, verifica-se que o autor contava com 27
anos e 5 dias de atividade desempenhada em condições especiais no momento do
requerimento administrativo (23/11/2009 - fls. 50/54), portanto, tempo suficiente para fazer jus à
aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 da Lei nº. 8.213/1991.
22 - O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo (DIB -
23/11/2009 - fls. 50/54), uma vez que se trata de revisão do coeficiente de cálculo e da renda
mensal inicial, em razão do reconhecimento de período laborado em atividade especial.
23 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
24 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
25 - Tendo o autor decaído de parte mínima do pedido, os honorários advocatícios serão
integralmente arcados pelo INSS. É inegável que as condenações pecuniárias da autarquia
previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba deve, por
imposição legal, ser fixada moderadamente - conforme, aliás, preconizava o §4º, do art. 20 do
CPC/73, vigente à época do julgado recorrido - o que restou perfeitamente atendido com o
percentual de 10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas
vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior
Tribunal de Justiça.
26 - Sentença anulada. Pedido julgado parcialmente procedente. Apelação do INSS e da parte
autora prejudicadas.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, anular a r. sentença de 1º
grau, por se tratar de provimento condicional e, com supedâneo no art. 1.013, §3º, II, do Código
de Processo Civil, julgar parcialmente procedente o pedido, para reconhecer a especialidade
nos períodos de 05/04/1973 a 15/12/1973, 16/12/1973 a 31/03/1974, 02/05/1974 a 31/10/1974,
04/11/1974 a 15/04/1975, 05/05/1975 a 31/10/1975, 03/11/1975 a 15/04/1976, 05/05/1976 a
30/11/1976, 01/12/1976 a 31/03/1977, 18/04/1977 a 30/11/1977 e 01/12/1977 a 15/04/1978 e
19/06/2006 a 23/11/2009, e condenar o INSS na implantação da aposentadoria especial, a
partir da data do requerimento administrativo (23/11/2009), sendo que sobre os valores em
atraso incidirá correção monetária de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos
para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando
será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício
requisitório, de acordo com o mesmo Manual, condenando-o, ainda, no pagamento dos
honorários advocatícios, arbitrados no montante de 10% sobre o valor das parcelas vencidas
até a data da prolação da sentença, restando prejudicadas a apelação do INSS e da parte
autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
