Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1685606 / SP
0015783-79.2010.4.03.6105
Relator(a) para Acórdão
DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
27/05/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/06/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. APOSENTADORIA POR
TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES BIOLOGICOS.
RECONHECIMENTO. AUXILIAR DE COZINHA. IMPOSSIBILIDADE DE ENQUADRAMENTO.
CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. REVISÃO DEVIDA. CÁLCULO DA RENDA
MENSAL INICIAL. OPÇÃO PELA SISTEMÁTICA MAIS VANTAJOSA. ATUALIZAÇÃO DOS
SALÁRIOS DE CONTRIBUIÇÃO. EMENDA CONSTITUCIONAL 20/98. DIREITO ADQUIRIDO.
TEMPUS REGIT ACTUM. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÕES DA PARTE AUTORA E DO INSS
PARCIALMENTE PROVIDAS.
1 - Pretende a parte autora a revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição,
mediante o reconhecimento da especialidade do labor desempenhado nos períodos de
17/12/1979 a 30/04/1987, 01/05/1987 a 06/05/1988, 21/05/1988 a 31/03/1990 e 01/04/1990 a
14/07/1997. Pretende, ainda, seja efetuado o cálculo do benefício tanto pelas regras vigentes
antes do advento da Emenda Constitucional nº 20/98 como também por aquelas estabelecidas
a partir de 29/11/1999, com a concessão da benesse mais vantajosa. Requer, por fim, que, no
cálculo da RMI sejam atualizados todos os salários de contribuição até a data anterior ao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
requerimento administrativo, independentemente do momento em que foi adquirido o direito à
aposentação.
2 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
3 - Em período anterior ao da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a
conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da
categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25
de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979,
ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva
exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
4 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial.
5 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais.
6 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
7 - A permanência não pressupõe a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a
jornada de trabalho, guardando relação com a atividade desempenhada pelo trabalhador.
Pacífica a jurisprudência no sentido de ser dispensável a comprovação dos requisitos de
habitualidade e permanência à exposição ao agente nocivo para atividades enquadradas como
especiais até a edição da Lei nº 9.032/95, visto que não havia tal exigência na legislação
anterior.
8 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
9 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
10 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
11 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação das regras dos arts. 28 da Lei
nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
12 - Quanto aos períodos controvertidos, todos laborados na "Prefeitura Municipal de Paulínia",
a autora coligiu aos autos os Perfis Profissiográficos Previdenciários - PPP's, dos quais se
extraem as seguintes informações: 1) no período de 17/12/1979 a 30/04/1987, a autora exerceu
a função de "servente", na qual executava "serviços de limpeza e higienização das diversas
áreas do hospital (...) e Pronto Socorro Municipal", com exposição a fungos e bactérias, de
modo habitual e permanente; 2) nos períodos de 01/05/1987 a 06/05/1988 e 21/05/1988 a
31/03/1990, a autora exerceu a função de "auxiliar de cozinha", na qual "auxiliava nos serviços
de cozinha em estabelecimento Hospital Municipal (...)", e elaborava o "pré-preparo, preparo e a
finalização de alimentos", com exposição a umidade, de modo habitual e permanente; 3) no
período de 01/04/1990 a 14/07/1997, a autora exerceu a função de "copeira nível III", cujas
atividades consistiam em "preparar alimentos e dietas dos pacientes (...), higienizar utensílios
usados pelos pacientes (...), fazer descarte dos utensílios utilizados por pacientes de isolamento
com doenças infectocontagiosas", com exposição ao fator de risco "contato com materiais,
equipamentos e locais contaminados e com pacientes com doenças diversas".
13 - Anote-se que os PPP's acima referidos, além de indicarem os responsáveis pela
monitoração biológica, também informam, quanto aos registros ambientais, que os mesmos
foram extraídos de "Registros da Instituição e laudo técnico elaborado e homologado pela
DRT". Nesse contexto, verifica-se que a documentação mostra-se hábil a demonstrar as
condições de trabalho a que estava submetida a autora nos períodos questionados, devendo
ser refutadas as alegações do INSS quanto à impossibilidade de utilização do referido
expediente (uma vez que estaria incompleto e inconcluso).
14 - Enquadrados como especiais os períodos de 17/12/1979 a 30/04/1987 e 01/04/1990 a
14/07/1997, uma vez que as atividades desenvolvidas encontram subsunção nos Decretos nºs
53.831/64 (código 1.3.2), 83.080/79 (código 1.3.4) e 3.048/99 (código 3.0.1).
15 - O mesmo não se verifica com relação aos interregnos de 01/05/1987 a 06/05/1988 e de
21/05/1988 a 31/03/1990. Isso porque, conforme bem salientado pelo Digno Juiz de 1º grau,
"nos referidos documentos, consta que o fator de risco era a umidade, e, de acordo com o item
1.1.3 do quadro do Decreto nº 53.831/64, apenas as atividades em contato direto e permanente
com água, como as de lavadores, tintureiros, operários de salinas, por exemplo, eram
consideradas especiais". Acertada também a conclusão no sentido de que "consta, ainda, do
referido quadro que a umidade deveria ser excessiva, capaz de ser nociva à saúde, e, pelos
documentos de fls. 45/47 e 48/50, não se pode depreender que as atividades exercidas pela
autora poderiam ser assim consideradas".
16 - Importante ser dito que, neste caso, não há que se falar em necessidade de produção de
prova técnica/cerceamento de defesa, porquanto os documentos relativos ao trabalho
desempenhado pela autora já foram trazidos aos autos e permitem concluir pela efetiva
exposição ou não aos agentes agressivos aludidos na inicial. E, conforme anteriormente
aventado, restou devidamente comprovada a atividade especial desenvolvida nos períodos de
17/12/1979 a 30/04/1987 e 01/04/1990 a 14/07/1997.
17 - Procedendo ao cômputo do labor especial reconhecido nesta demanda, acrescido dos
períodos incontroversos constantes do "resumo de documentos para cálculo de tempo de
contribuição", verifica-se que até 16/12/1998, data de publicação da Emenda Constitucional
20/98, a autora contava com 25 anos, 06 meses e 10 dias de serviço; por outro lado, na data do
requerimento administrativo (10/05/1995), alcançou 31 anos, 02 meses e 25 dias de serviço.
18 - Tem a autora, portanto, direito ao benefício de aposentadoria proporcional por tempo de
contribuição, com base na legislação pretérita à Emenda Constitucional nº 20/98 (direito
adquirido, art. 3º da citada emenda constitucional), ou aposentadoria com proventos integrais,
com base nas novas regras. Precedentes.
19 - Dessa forma, tem direito à concessão do benefício pela sistemática mais vantajosa,
cabendo ao INSS proceder às simulações, e à autora, por ocasião da execução do julgado, a
opção pela aposentadoria na modalidade que se afigurar mais benéfica, lembrando que os
valores em atraso serão devidos somente em relação ao benefício optado.
20 - A forma de exercício do direito adquirido à sistemática mais vantajosa de cálculo da renda
mensal inicial, para aqueles que, não obstante tivessem preenchido os requisitos para a
aposentadoria antes da Emenda Constitucional nº 20/98, só viessem a requerê-la
posteriormente, encontra-se disciplinada pelo artigo 187 do Decreto 3.048/99.
21 - Assim, recaindo a opção da autora pela aposentadoria nessa modalidade, o salário-de-
benefício deverá ser calculado a partir da média aritmética dos 36 (trinta e seis) últimos
salários-de-contribuição até a data da aquisição do direito (16/12/1998), reajustando o valor
assim obtido mediante a aplicação dos índices de reajustamento dos benefícios no período
entre 17/12/1998 até a data de início do benefício, no caso, a época do requerimento
administrativo (10/05/2005).
22 - A interpretação do dispositivo em comento ocorre à luz do princípio tempus regit actum,
não havendo razão para que se afaste essa temporalidade na definição dos critérios que irão
nortear a atualização dos salários de contribuição integrantes do período básico de cálculo.
23 - A pretensão da autora descrita no item "D" dos pedidos elencados na exordial (cálculo da
RMI com atualização de todos os salários de contribuição até a competência anterior à DER,
independentemente do momento em que foi adquirido o direito à aposentação) - esbarra na
vedação à conjugação de vantagens do novo sistema de cálculo dos benefícios com aquelas
aplicáveis ao sistema anterior. Precedente do C. STJ.
24 - O termo inicial dos efeitos financeiros da revisão deve ser fixado na data de início do
benefício (DIB), observada, contudo, a prescrição quinquenal.
25 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente quando da
elaboração da conta, com aplicação do IPCA-E nos moldes do julgamento proferido pelo C.
STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE) e com efeitos
prospectivos.
26 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
27 - Por fim, tendo a autora decaído de parte mínima do pedido, os honorários advocatícios
serão integralmente arcados pelo INSS. É inegável que as condenações pecuniárias da
autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba
deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente - conforme, aliás, preconizava o §4º, do
art. 20 do CPC/73, vigente à época do julgado recorrido - o que restará perfeitamente atendido
com o percentual de 10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas
vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior
Tribunal de Justiça.
28 - Remessa necessária e apelações da parte autora e do INSS parcialmente providas.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à
apelação da parte autora, dar parcial provimento à apelação do INSS, bem como à remessa
necessária, sendo que o Des. Federal Toru Yamamoto, o Des. Federal Paulo Domingues e o
Des. Federal Luiz Stefanini davam parcial provimento à apelação da parte autora em maior
extensão, a fim de fixar o termo inicial dos efeitos financeiros da revisão na data da concessão
do benefício, observada a prescrição quinquenal.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
