Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1865154 / SP
0008438-98.2011.4.03.6114
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
13/05/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/05/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. APOSENTADORIA POR
TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REVOGAÇÃO DA TUTELA. ANÁLISE COM O MÉRITO. MULTA
DIÁRIA. PRAZO DE 30 (TRINTA) DIAS. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE OBSERVADO.
ATIVIDADE ESPECIAL. FERRAMENTEIRO. RUÍDO COMUM E VARIÁVEL. FORMULÁRIO E
LAUDO TÉCNICO. POSSIBILIDADE. RECONHECIMENTO. REVISÃO DEVIDA.
APOSENTADORIA PROPORCIONAL. DIB FIXADA NA DATA DO REQUERIMENTO
ADMINISTRATIVO. ALTERAÇÃO DO COEFICIENTE DE CÁLCULO DA RENDA MENSAL
INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO DO INSS E
REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDAS.
1 - Insta salientar que, nesta fase processual, a análise dos requisitos da antecipação da tutela
será efetuada juntamente com o mérito das questões trazidas a debate pelo recurso de
apelação.
2 - No tocante à multa diária, é cediço que esta é um instrumento processual, de natureza
coercitiva, que visa assegurar a observância das ordens judiciais, bem como garantir a
efetividade do direito reconhecido em prazo razoável.
3 - Essa medida inibe o devedor de descumprir a obrigação de fazer, ou de não fazer, bem
como o desestimula de adimpli-la tardiamente, mediante a destinação da multa ao credor da
obrigação inadimplida.
4 - Todavia, o arbitramento do valor das astreintes deve se pautar pelos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade, de modo que a quantia fixada não resulte em um
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
enriquecimento indevido do credor, superando o benefício econômico que este por ventura
obteria caso a obrigação fosse adimplida voluntariamente pelo devedor.
5 - Por essa razão, o artigo 461, §6º, do Código de Processo Civil de 1973 (atual artigo 537,
§1º, do CPC/2015) confere ao magistrado a possibilidade de modificar, a qualquer tempo, de
ofício ou a requerimento das partes, o valor e a periodicidade da multa, caso ela se mostre
insuficiente ou excessiva.
6 - No caso concreto, a multa foi fixada em R$ 100,00 (cem reais), sendo concedido o prazo de
30 (trinta) dias para implantação do benefício concedido a título de tutela antecipada, restando,
portanto, atendido o princípio da razoabilidade, não sendo o prazo exíguo.
7 - Pretende a parte autora a revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição,
mediante o reconhecimento da especialidade do labor desempenhado nos períodos de
21/06/1982 a 01/12/1983, 01/08/1990 a 22/05/1991, 02/12/1991 a 11/04/1995 e 02/04/1996 a
22/11/1999.
8 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
9 - Em período anterior ao da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a
conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da
categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25
de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979,
ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva
exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
10 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial.
11 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais.
12 - Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes
físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria
especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos
enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais.
13 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
14 - A permanência não pressupõe a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a
jornada de trabalho, guardando relação com a atividade desempenhada pelo trabalhador.
15 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
16 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
17 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
18 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
19 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
20 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação das regras dos arts. 28 da Lei
nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
21 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
22 - Tendo em vista a devolutividade da matéria a este E. Tribunal (balizada pelos temas que
foram ventilados pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS em seu apelo e pela remessa
necessária), restam incontroversos os períodos de 02/12/1991 a 11/04/1995 e de 06/03/1997 a
22/11/1999, nos quais a parte autora pugnava pelo assentamento da especialidade do labor e
foram refutados pelo Digno Juiz de 1º grau, devendo, portanto, serem computados como tempo
de serviço comum.
23 - Quanto aos períodos de 21/06/1982 a 01/12/1983 e 01/08/1990 a 22/05/1991, laborados na
empresa "Fathom Equipamentos Industriais Ltda.", como ferramenteiro, o autor coligiu aos
autos formulário de fl. 14 e laudo técnico pericial de fl. 15, emitido em 29/05/1991, do qual se
extrai a exposição, de modo habitual e permanente, a ruídos de 80 a 84dB(A), sendo possível o
reconhecimento da especialidade tanto pelo enquadramento profissional, nos Anexos do
Decreto nº 53.831/64 (código 2.5.2) e do Decreto 83.080/79 (código 2.5.3), como pela
exposição a nível de pressão sonora superior ao limite de tolerância vigente à época.
24 - Ao revisitar os julgados sobre o tema, tormentoso, percebe-se nova reflexão
jurisprudencial, que se passa a adotar, para admitir a possibilidade de se considerar, como
especial, o trabalho desempenhado sob sujeição a ruído em sua maior intensidade, na medida
em que esta acaba por mascarar a de menor intensidade, militando em favor do segurado a
presunção de que uma maior pressão sonora prevalecia sobre as demais existentes no mesmo
setor.
25 - Registre-se, a esse respeito, precedente do C. Superior Tribunal de Justiça, segundo o
qual "não sendo possível aferir a média ponderada, deve ser considerado o maior nível de ruído
a que estava exposto o segurado, motivo pelo qual deve ser reconhecida a especialidade do
labor desenvolvido pelo segurado no período, merecendo reforma, portanto, a decisão
agravada que considerou equivocadamente que o labor fora exercido pelo segurado com
exposição permanente a ruído abaixo de 90dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003" (AgRg no
REsp nº 1.398.049/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, decisão monocrática, DJe
13/03/2015). Esta 7ª Turma, em caso análogo, decidiu nesse mesmo sentido.
26 - Relativamente ao interstício de 02/04/1996 a 05/03/1997, trabalhado na empresa "Mecnil
Equipamentos Industriais Ltda.", como "ferramenteiro", o formulário de fl. 38 e o laudo técnico
de fls. 35/37 dão conta da exposição a "óleo e graxa de origem mineral" e ruído, constando no
laudo o índice de 92dB(A), o que permite o reconhecimento do labor especial.
27 - A despeito de no formulário constar índice de 81dB(A), deve prevalecer a informação
lançada no documento elaborado por engenheiro do trabalho, por ser o único apto a atestar
efetivamente o nível de pressão sonora a que estava submetido o demandante, tendo aquele
profissional consignado que o local de trabalho do funcionário não sofreu alterações físicas
ambientais.
28 - Mantida a r. sentença que reconheceu a especialidade nos lapsos de 21/06/1982 a
01/12/1983, 01/08/1990 a 22/05/1991 e 02/04/1996 a 05/03/1997.
29 - Somando-se a atividade especial reconhecida nesta demanda, aos demais períodos
incontroversos constantes do "resumo de documentos para cálculo de tempo de contribuição"
de fls. 122/126, verifica-se que, na data do requerimento administrativo (12/11/2009), o autor
alcançou 33 anos, 07 meses e 30 dias de contribuição, tendo direito, portanto, ao benefício de
aposentadoria proporcional por tempo de contribuição.
30 - O termo inicial deve ser mantido na data do requerimento administrativo (12/11/2009), uma
vez que se trata de revisão da renda mensal inicial, em razão do reconhecimento de período
laborado em atividade especial, considerando, ademais, que toda a documentação fora
apresentada naquela oportunidade.
31 - No tocante ao coeficiente de cálculo, verifica-se que o autor, conforme planilha de fl. 186,
contava com 25 anos, 08 meses e 21 dias de tempo de contribuição até 16/12/1998 (EC nº
20/98), insuficientes à concessão da aposentadoria proporcional por tempo de contribuição.
32 - Destarte, não tendo cumprido os requisitos até a publicação da EC nº 20/98, deveria
observar as regras de transição: idade (53 anos) e tempo de contribuição (30 anos + pedágio
equivalente a 40% do tempo que restava para completar aquele).
33 - No caso, somando o tempo mínimo de 30 anos ao tempo que faltava acrescido do pedágio,
contabilizou-se 31 anos, 08 meses e 16 dias de contribuição.
34 - Atingidos 33 anos, 07 meses e 30 dias na data do requerimento administrativo, trabalhou
01 ano, 11 meses e 14 dias além do tempo de 31 anos, 08 meses e 16 dias de contribuição que
precisaria para se aposentar com pedágio, de modo que de rigor o acréscimo de 5% conforme
postulado pelo INSS e de acordo com o disposto nos incisos I e II do §1º do art. 9º da citada
Emenda, merecendo reparos a r. sentença.
35 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
36 - Preliminares rejeitadas. Apelação do INSS e remessa necessária parcialmente providas.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares
invocadas pelo INSS e, no mérito, dar parcial provimento à sua apelação, para fixar a renda
mensal da aposentadoria por tempo de contribuição em 75% do salário de benefício, bem como
à remessa necessária, a fim de estabelecer que a correção monetária dos valores em atraso
deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será
apurada pelos índices de variação do IPCA-E, mantendo, no mais, a r. sentença de 1º grau de
jurisdição, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
