Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1998971 / SP
0003741-69.2009.4.03.6319
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
12/08/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/08/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. ATIVIDADE ESPECIAL.
RUIDO VARIÁVEL. ADMISSÃO. VALOR DE MAIOR INTENSIDADE. CONJUNTO
PROBATÓRIO SUFICIENTE. TEMPO ESPECIAL. CONVERSÃO EM COMUM. CORREÇÃO
MONETÁRIA. JUROS DE MORA. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA.
CONSECTÁRIOS FIXADOS DE OFÍCIO.
1 - Pretende a parte autora a revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição
(NB 42/117.269.574-9, DIB 28/09/2000), mediante o reconhecimento da especialidade do labor
desempenhado nos períodos de 01/07/1973 a 08/11/1974, 05/08/1981 a 30/11/1983,
01/04/1990 a 15/04/1993 e 27/05/1994 a 28/09/2000.
2 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial (STJ, AgRg no REsp
493.458/RS e REsp 491.338/RS; Súmula nº 13 TR-JEF-3ªR; artigo 70, § 1º, Decreto nº
3.048/1999).
3 - Em período anterior ao da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a
conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da
categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25
de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva
exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
4 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
5 - A Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996, sucessivamente reeditada até a Medida
Provisória nº 1.523-13, de 25/10/1997, convalidada e revogada pela Medida Provisória nº
1.596-14, de 10/11/1997, e ao final convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/1997, modificou o
artigo 58 e lhe acrescentou quatro parágrafos. A regulamentação dessas regras veio com a
edição do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, em vigor a partir de sua publicação, em 06/03/1997,
que passou a exigir laudo técnico das condições ambientais de trabalho, expedido por médico
do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
6 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
7 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
8 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
9 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
10 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
11 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
12 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível
de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso
concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
13 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação das regras dos arts. 28 da Lei
nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
14 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
15 - Tendo em vista a devolutividade da matéria a este E. Tribunal (balizada pelos temas que
foram ventilados pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS em seu apelo), resta
incontroverso o período de 01/07/1973 a 08/11/1974, no qual a parte autora pugnava pelo
assentamento da especialidade do labor e foi refutado pelo Digno Juiz de 1º grau, devendo,
portanto, ser computado como tempo de serviço comum.
16 - No tocante ao período de 05/08/1981 a 30/11/1983, laborado junto à empresa "Constran
S/A. Construções e Comércio" (empresa no ramo da Construção Civil), o formulário DSS 8030
aponta que, no exercício da função de "Oper. Escavadeira", o autor "operava escavadeira de
braço fixo para execução de serviços de remoção de areia, pedra, terra e outros materiais" e
"executava serviços de escavações de superfícies, poços e calhas de rios", sendo possível o
reconhecimento da especialidade do labor, de acordo com o código 2.3.0 do Quadro Anexo do
Decreto nº 53.831/64.
17 - Quanto aos períodos de 01/04/1990 a 15/04/1993 e 27/05/1994 a 28/09/2000, laborados
para "Armando Viana Egreja" e "C.S.E. Leonor de Abreu Sodré Egreja e outros",
respectivamente, os formulários DSS - 8030 e os Laudos Técnicos Individuais informam que o
autor, ao desempenhar a função de "Mecânico de Implementos", esteve exposto a ruído de 88
a 97 dB(A), de forma habitual e intermitente.
18 - Nesse particular, é certo que, até então, aplicava-se o entendimento no sentido da
impossibilidade de reconhecimento da especialidade da atividade, na hipótese de submissão do
empregado a nível de pressão sonora de intensidade variável, em que aquela de menor valor
fosse inferior ao limite estabelecido pela legislação vigente.
19 - Ao revisitar os julgados sobre o tema, tormentoso, percebe-se nova reflexão
jurisprudencial, que se passa a adotar, para admitir a possibilidade de se considerar, como
especial, o trabalho desempenhado sob sujeição a ruído em sua maior intensidade, na medida
em que esta acaba por mascarar a de menor intensidade, militando em favor do segurado a
presunção de que uma maior pressão sonora prevalecia sobre as demais existentes no mesmo
setor.
20 - Registre-se, a esse respeito, precedente do C. Superior Tribunal de Justiça, segundo o
qual "não sendo possível aferir a média ponderada, deve ser considerado o maior nível de ruído
a que estava exposto o segurado, motivo pelo qual deve ser reconhecida a especialidade do
labor desenvolvido pelo segurado no período, merecendo reforma, portanto, a decisão
agravada que considerou equivocadamente que o labor fora exercido pelo segurado com
exposição permanente a ruído abaixo de 90dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003" (AgRg no
REsp nº 1.398.049/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, decisão monocrática, DJe
13/03/2015). Esta 7ª Turma, em caso análogo, decidiu nesse mesmo sentido.
21 - Dessa forma, possível enquadrar como especiais os interregnos mencionados, eis que o
maior ruído atestado é de 97 dB (A), considerando a legislação aplicável ao caso.
22 - Anote-se, ainda, que apesar do laudo técnico individual mencionar a exposição a ruído de
forma intermitente, possível o reconhecimento da especialidade, isto porque os requisitos de
"habitualidade" e "permanência" devem ser interpretados com granus salis. Exigir-se do
trabalhador a exposição ininterrupta aos agentes agressivos, por toda a sua jornada de
trabalho, ficaria restrita somente àqueles que tivessem sua saúde esmigalhada. Habitualidade
pressupõe frequência, que, por sua vez, é atingida com o exercício cotidiano de determinado
trabalho ou função. Portanto, o conceito de moderado ou, até mesmo, alternado não são auto-
excludentes da ideia de habitualidade. A questão da permanência deve ser encarada da mesma
forma. A ideia é de que a exposição seja duradoura, capaz de prejudicar a saúde do
trabalhador. Mas não se exige seja ininterrupta, pois, a seguir esse raciocínio, somente faria jus
à aposentadoria especial o trabalhador doente. Por esta razão, é que a situação de
intermitência não afasta a especialidade do labor, desde que a exposição se dê rotineiramente,
de maneira duradoura.
23 - De se ressaltar, por fim, que além da exposição ao agente agressivo ruído, restou
comprovada também a presença de "compostos de carbono (graxas e óleos), radiação não
ionizante e fumos metálicos", de forma habitual e permanente, no ambiente de trabalho do
autor, de modo que se afigura possível o reconhecimento pretendido, nos interregnos
mencionados, em razão da subsunção no Decreto nº 53.831/64, código 1.2.9 do Quadro Anexo
e no Decreto nº 3.048/99, código 1.0.10 do Anexo IV.
24 - Enquadrados como especiais os períodos de 05/08/1981 a 30/11/1983, 01/04/1990 a
15/04/1993 e 27/05/1994 a 02/02/2009 (limitado à data da elaboração do laudo técnico).
25 - Somando-se a atividade especial ora reconhecida aos períodos considerados
incontroversos (comuns e especiais), constantes do "resumo de documentos para cálculo de
tempo de contribuição", verifica-se que, na data do requerimento administrativo (28/09/2000), o
autor perfazia 36 anos e 02 dias de serviço, sendo devida, portanto, a revisão pleiteada.
26 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
27 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
28 - Apelação do INSS parcialmente provida. Consectários fixados de ofício.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à
apelação do INSS, para excluir da condenação o período de 03/02/1999 a 28/09/2000, e, de
ofício, estabelecer que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de
acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até
a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação
do IPCA-E, e que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão
fixados de acordo com o mesmo Manual, mantendo, no mais, íntegra a r. sentença de 1º grau,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
