Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2016629 / SP
0035147-53.2014.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
23/09/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/10/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. PRÉVIO
REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. CAUSA MADURA. ANÁLISE DO
MÉRITO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL.
TECELAGEM. ENQUADRAMENTO PELA ATIVIDADE PROFISSIONAL. RUÍDO. LAUDO
AMBIENTAL. RECONHECIMENTO ATÉ A DATA DA EMISSÃO DO DOCUMENTO. REVISÃO
DEVIDA. APOSENTADORIA INTEGRAL. DIB FIXADA NA DATA DA REAFIRMAÇÃO DA DER.
CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. VERBA HONORÁRIA. TERMO FINAL PARA A
SUA INCIDÊNCIA. DATA DA PROLAÇÃO DA SENTENÇA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA
PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. INTERESSE PROCESSUAL RECONHECIDO. AÇÃO
JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
1 - Pretende a parte autora a revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição
de sua titularidade, mediante o reconhecimento de períodos laborados em condições especiais.
2 - A douta magistrada de 1º grau julgou extinto o feito, sem apreciação do mérito, ao
fundamento de que "tratando-se de ação de revisão de benefício previdenciário, é necessário o
requerimento prévio, no âmbito administrativo, com resultado negativo, para o ajuizamento da
ação judicial".
3 - O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE nº 631.240/MG, resolvido
nos termos do artigo 543-B do CPC/73, assentou o entendimento de que a exigência de prévio
requerimento administrativo a ser formulado perante o INSS antes do ajuizamento de demanda
previdenciária não viola a garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição (CR/88, art.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
5º, XXXV). Ressalvou-se, contudo, a possibilidade de formulação direta do pedido perante o
Poder Judiciário quando se cuidar de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção
de benefício anteriormente concedido, ou ainda, quando notório e reiterado o entendimento do
INSS em desfavor da pretensão do segurado. Tendo em vista tratar-se de demanda revisional,
afigura-se descabida, no presente caso, a exigência de prévia postulação do direito na seara
administrativa.
4 - O caso, entretanto, não é de remessa dos autos à 1ª instância, uma vez que a legislação
autoriza expressamente o julgamento imediato do processo quando presentes as condições
para tanto. É o que se extrai do art. 1.013, § 3º, I, do Código de Processo Civil.
5 - Considerando que a causa encontra-se madura para julgamento - presentes os elementos
necessários ao seu deslinde - e que o contraditório e a ampla defesa restaram assegurados -
com a citação válida do ente autárquico - e, ainda, amparado pela legislação processual
aplicável, passa-se ao exame do mérito da demanda.
6 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
7 - Em período anterior ao da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a
conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da
categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25
de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979,
ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva
exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
8 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial.
9 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos.
10 - Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes
físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria
especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos
enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais.
11 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
12 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
13 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
14 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
15 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
16 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
17 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação das regras dos arts. 28 da Lei
nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
18 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
19 - Sustenta o autor que trabalhou em atividades especiais nos períodos de 1º/04/1987 a
16/01/1989, 15/09/1989 a 24/08/1995, 18/05/1996 a 23/10/1997 e 04/05/1998 a 17/04/2002.
20 - Referente ao lapso de 1º/04/1987 a 16/01/1989, como "caldeirista", no setor "caldeira a
lenha", para a empresa "Tecelagem Wiezel Indústraia Comércio Ltda.", anexou aos autos
formulário e laudo técnico, dando conta da atividade desempenhada - "opera caldeira a lenha,
mantém as normas de segurança de pessoal e equipamentos através de painéis de comando.
Confere as dosagens de produtos químicos usados no tratamento da água. Prepara receitas de
produtos químicos usados na água de alimentação da caldeira, faz análise da água, após a
aplicação dos produtos" - e da exposição a ruído de 80dB(A) e calor de 18,6ºC.
21 - Quanto aos períodos de 15/09/1989 a 24/08/1995 e de 18/05/1996 a 23/10/1997, como
"operador de caldeira", para "Cermatex Indústria de Tecidos Ltda.", apresentou formulários
DSS-8030, perícia realizada em 06/01/1986, laudo de insalubridade elaborado em 12/06/1984 e
homologado em 06/06/1986 e laudo de avaliação ambiental datado em 10/08/1995, do qual se
infere que o demandante, no setor "caldeira", estava exposto a ruído de 87 a 88 decibéis e a
calor de 29,4 IBUTG e 29,3 IBUTG.
22 - Por fim, relativamente ao lapso de 04/05/1998 a 17/04/2002, trabalhado na empresa
"Tinturaria e Estamparia Primor Ltda.", como "operador de caldeira", foi coligido aos autos
formulário (fl. 82) e laudo de avaliação ambiental (fls. 83/92), emitido em 05/03/2001, que dá
conta da exposição a ruído de 91,4dB(A) e calor de 29,1dB(A).
23 - As ocupações do autor são passíveis de reconhecimento como tempo especial, a despeito
da ausência de previsão expressa nos anexos dos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79. É o que
sedimentou a jurisprudência, uma vez que o Parecer nº 85/78 do Ministério da Segurança
Social e do Trabalho teria conferido caráter de atividade especial a todos os trabalhos efetuados
em tecelagens, cabendo ressaltar que tal entendimento aplica-se até 28/04/1995, data de
promulgação da Lei nº 9.032. A partir de então, tornou-se indispensável a comprovação da
efetiva submissão a agentes nocivos, para fins de reconhecimento da especialidade do labor.
24 - Possível o reconhecimento da especialidade nos interregnos de 1º/04/1987 a 16/01/1989 e
15/09/1989 a 28/04/1995, pelo enquadramento profissional, e de 29/04/1995 a 10/08/1995 (data
da emissão do laudo) e 04/05/1998 a 05/03/2001 (data da emissão do laudo), pela exposição a
níveis de pressão sonora superiores aos limites de tolerância vigentes às épocas das
prestações dos serviços.
25 - As declarações constantes às fls. 56-verso e 57-verso não tem o condão de substituir o
laudo ambiental ou PPP, vez que assinados pelo responsável do departamento pessoal da
empresa.
26 - Inviável o reconhecimento do labor especial de 11/08/1995 a 24/08/1995 e de 06/03/2001 a
17/04/2002 ante a falta de documento apto à comprovação do alegado.
27 - Procedendo ao cômputo do labor especial reconhecido nesta demanda, acrescidos dos
períodos incontroversos (resumo de documentos para cálculo de tempo de serviço de fls.
202/204), verifica-se que o autor alcançou 35 anos, 04 meses e 21 dias de tempo de
contribuição, na data da reafirmação da DER, considerada por ele na inicial como a data do
requerimento administrativo (16/12/2002 - fl. 182), o que lhe já garantia o direito à percepção do
benefício de aposentadoria integral por tempo de contribuição.
28 - O termo inicial deve ser fixado na data da reafirmação da DER (16/12/2002), uma vez que
se trata de revisão do coeficiente de cálculo e da renda mensal inicial, em razão do
reconhecimento de período laborado em atividade especial, observada a prescrição das
parcelas anteriores ao quinquênio que antecedeu o ajuizamento da ação (10/06/2011).
29 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
30 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
31 - Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da
autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba
deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente - conforme, aliás, preconizava o §4º, do
art. 20 do CPC/73, vigente à época do julgado recorrido - o que restará perfeitamente atendido
com o percentual de 10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas
vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior
Tribunal de Justiça.
32 - O termo ad quem a ser considerado continua sendo a data da prolação da sentença, ainda
que reformada. E isso se justifica pelo princípio constitucional da isonomia. Explica-se. Na
hipótese de procedência do pleito em 1º grau de jurisdição e sucumbência da autarquia
previdenciária, o trabalho do patrono, da mesma forma que no caso de improcedência, perdura
enquanto não transitada em julgado a decisão final. O que altera são, tão somente, os papéis
exercidos pelos atores judicias que, dependendo da sorte do julgamento, ocuparão polos
distintos em relação ao que foi decidido. Portanto, não se considera lógico e razoável referido
discrímen, a ponto de justificar o tratamento diferenciado, agraciando com maior remuneração
profissionais que exercem suas funções em 1º e 2º graus com o mesmo empenho e dedicação.
33 - Isenção da Autarquia Securitária do pagamento de custas processuais.
34 - Apelação da parte autora provida. Sentença reformada. Ação julgada parcialmente
procedente.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação
da parte autora, para reformar a r. sentença de 1º grau, reconhecendo presente o interesse de
agir, e, com supedâneo no art. 1.013, §3º, I, do Código de Processo Civil, julgar parcialmente
procedente o pedido para reconhecer a especialidade dos períodos de 1º/04/1987 a
16/01/1989, 15/09/1989 a 28/04/1995, 29/04/1995 a 10/08/1995 e 04/05/1998 a 05/03/2001,
condenando o INSS a revisar o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde a
data do requerimento administrativo (16/12/2002), observada a prescrição quinquenal, sendo
que sobre os valores em atraso incidirá correção monetária de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de
mora até a expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo Manual, condenando-o,
ainda, no pagamento da verba honorária de sucumbência, fixada em 10% (dez por cento) sobre
o valor da condenação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
