
| D.E. Publicado em 30/08/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, anular, de ofício, a sentença e, aplicando o disposto no inciso III do § 3º do artigo 1.013 do novo Código de Processo Civil, julgar extinto o processo, sem resolução do mérito, quanto ao pedido de reconhecimento de atividade rural e julgar parcialmente procedente o pedido remanescente, restando prejudicada a apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006359-92.2015.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Proposta ação de conhecimento de natureza previdenciária, objetivando a concessão da aposentadoria por tempo de serviço, mediante o reconhecimento de atividade rural, sem registro em CTPS e de atividade urbana, de natureza especial, sobreveio sentença de improcedência do pedido, condenando-se a parte autora ao pagamento das verbas de sucumbência, observada sua condição de beneficiária da assistência judiciária.
Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação, pugnando pela reforma da decisão recorrida, para que seja julgado procedente o pedido, em razão do preenchimento dos requisitos necessários ao reconhecimento das atividades rural e especial alegadas, fazendo jus ao benefício postulado.
Sem as contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
Observo que houve o julgamento de improcedência do pedido, remetendo-se ao despacho de fl. 102, proferido antes da instrução probatória, que considerou especiais as atividades desenvolvidas nos períodos de 13/08/1996 a 05/03/1997 e determinou a realização de prova oral para a comprovação do período rural. Realizado cálculo pela Contadoria do Juízo, apurou-se tempo de contribuição de 34 (trinta e quatro) anos e 23 (vinte e três) dias.
Assim, verifico que a sentença não procedeu ao exame e julgamento do pedido de reconhecimento da atividade rural e tampouco da atividade especial por todos os períodos alegados, configurando julgamento "citra petita", ao deixar de julgar pedido formulado pela parte autora na sua petição inicial, nos termos dos artigos 141 e 492 do novo Código de Processo Civil.
Todavia, não é o caso de se restituir os autos à primeira instância para que outra seja prolatada, podendo as questões ventiladas nos autos ser imediatamente apreciadas pelo Tribunal, incidindo, na espécie, a regra do inciso III do § 3º do art. 1.013 do novo Código de Processo Civil.
Passa-se, então, à apreciação das questões que a demanda efetivamente suscita.
Ressalta-se que o início de prova material, exigido pelo § 3º do artigo 55 da Lei nº 8.213/91, não significa que o segurado deverá demonstrar mês a mês, ano a ano, por intermédio de documentos, o exercício de atividade na condição de rurícola, pois isto importaria em se exigir que todo o período de trabalho fosse comprovado documentalmente, sendo de nenhuma utilidade a prova testemunhal para demonstração do labor rural.
Entretanto, no caso em análise, a parte autora não trouxe aos autos início razoável de prova material do alegado trabalho rural. Há cópia de certidão expedida pelo Cartório Eleitoral de Caetité/BA, porém negativa quanto à localização do registro eleitoral da parte autora em período anterior ao ano de 1986, trazendo apenas informações recentes declaradas pelo próprio segurado quando da solicitação da certidão (fl. 36).
A declaração do Sindicato dos Empregados Rurais (fls. 79) não conta com a necessária homologação do INSS, conforme exigido pelo art. 106, III, da Lei nº 8.213/91, na redação da Lei nº 9.063/95. Desta feita, não pode ser tomada como prova legal. Tampouco pode ser considerada prova testemunhal, pois não foi produzida sob o crivo do contraditório.
Da mesma forma, a declaração de fl. 32 também não tem eficácia de prova material, porquanto não é contemporânea à época dos fatos declarados, nem foi extraída de assento ou de registro preexistente. Tal declaração também não tem a eficácia de prova testemunhal, uma vez que não foi colhida sob o crivo do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, servindo tão somente para comprovar que houve a declaração, mas não o fato declarado.
Da mesma forma, os documentos de fls. 33/35 não servem como início de prova material do alegado trabalho rural da parte autora, pois estão em nome de terceiros, não trazendo nenhuma informação quanto à qualificação profissional dela.
Portanto, não existindo outro documento que indique o exercício de atividade rural, desnecessária a incursão sobre a credibilidade da prova testemunhal, uma vez que esta, isoladamente, não se presta à declaração de existência de tempo de serviço rural.
Desse modo, nos termos do artigo 55, § 3.º, da Lei n.º 8.213/91, e em estrita observância à Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, não é possível o reconhecimento do exercício de trabalho rural, em regime de economia familiar, no período compreendido entre 14/05/1977 a 14/05/1979.
Com relação à matéria, o E. Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, em 16/12/2015, o Recurso Especial Repetitivo nº 1.352.721/SP, de Relatoria do Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, firmou entendimento no sentido de que a ausência de documento comprobatório do exercício de atividade rural, autoriza a extinção do processo sem resolução de mérito, com fundamento na falta de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, oportunizando o ajuizamento de nova demanda:
Assim, considerando que é certo que os trabalhadores rurais têm dificuldades para obtenção de documentos comprobatórios de suas atividades agrícolas e por tratar-se de natureza alimentar, sendo a previdência social direito fundamental assegurado pela Constituição Federal, as normas do Direito Processual Civil devem ser flexibilizadas, de forma favorável ao amparo dos vulneráveis.
Vale dizer que, sendo imprescindível a produção de início de prova material para o ajuizamento da demanda, nos termos do art. 283 do CPC/1973, art. 320 do CPC/2015, é insuficiente a prova exclusivamente testemunhal, na esteira da Súmula 149 do E.STJ, portanto constitui-se ausência de pressupostos para o desenvolvimento válido da ação.
Sendo assim, esta Egrégia Décima Turma, orientando-se pela tese acima firmada, passou a decidir que, diante da ausência de início de prova material, não deve o pedido ser julgado improcedente, mas extinto o feito sem resolução de mérito, nos termos dos artigos 267, VI, e 283, ambos do CPC/1973, atualmente disciplinado pelos artigos 485, IV, e 320, do Novo Código de Processo Civil.
Ademais, há precedentes jurisprudenciais que consideram como especial a atividade desenvolvida nas dependências de hospitais, em que o trabalhador, durante sua jornada laborativa, esteja exposto de forma habitual e permanente a agentes biológicos nocivos à saúde, ainda que não esteja expressamente mencionada nos anexos dos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79, conforme se verifica a seguir:
No mesmo sentido:
Saliente-se que o artigo 58, § 1º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 9.732, de 11/12/1998, dispõe que a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será efetuada nos termos da legislação trabalhista.
O art. 194 da CLT aduz que o fornecimento de Equipamento de Proteção Individual pelo empregador, aprovado pelo órgão competente do Poder Executivo, seu uso adequado e a consequente eliminação do agente insalubre são circunstâncias que tornam inexigível o pagamento do adicional correspondente. Portanto, retira o direito ao reconhecimento da atividade como especial para fins previdenciários.
Por sua vez, o art. 195 da CLT estabelece: A caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão através de perícia a cargo do Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrado no Ministério do Trabalho.
O Supremo Tribunal Federal, ao analisar o ARE 664.335/SC, em 04/12/2014, publicado no DJe de 12/02/2015, da relatoria do Ministro LUIZ FUX, reconheceu a repercussão geral da questão constitucional nele suscitada e, no mérito, fixou o entendimento de que "o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. (...) Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete."
Com relação ao fornecimento de equipamento de proteção individual pelo empregador, aprovado pelo órgão competente do Poder Executivo, seu uso adequado e a consequente eliminação do agente insalubre são circunstâncias que tornam inexigível o pagamento do adicional correspondente e retira o direito ao reconhecimento da atividade como especial para fins previdenciários. E, no caso dos autos, o uso de equipamento de proteção individual, por si só, não descaracteriza a natureza especial da atividade a ser considerada, uma vez que não restou comprovada a eliminação da insalubridade do ambiente de trabalho do segurado. As informações trazidas no PPP não são suficientes para aferir se o uso do equipamento de proteção individual eliminou/neutralizou ou somente reduziu os efeitos do agente insalubre no ambiente de trabalho.
Além disso, a atividade que envolve agentes biológicos em trabalhos e operações em contato permanente com pacientes em hospitais, serviços de emergência, enfermarias, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana, é considerada insalubre em grau médio, conforme dispõe o Anexo 14, da NR 15, da Portaria 3214/78.
Todavia, o período de 11/01/1998 a 31/10/2003 não pode ser considerado especial, uma vez que o PPP apresentado está incompleto (fl. 29/30), sem indicação dos agentes agressivos a que o segurado estava submetido, sendo insuficiente a menção à atividade desenvolvida (auxiliar de enfermagem), considerando a necessidade de comprovação efetiva das condições adversas de trabalho, a partir da edição da Lei nº 9.528, de 10/12/1997.
Ressalte-se que, quando da análise do requerimento administrativo do benefício, a própria autarquia previdenciária reconheceu a atividade especial desenvolvida nos períodos de 26/06/1984 a 01/06/1989, 03/08/1989 a 09/01/1996 e de 13/08/1996 a 05/03/1997, restando portanto incontroversos (fls. 37/39).
Por outro lado, o período em que a parte autora trabalhou com anotação em CTPS e recolheu contribuições previdenciárias (fls. 50/63 e 112/113) é suficiente para garantir-lhe o cumprimento da carência de 174 (cento e setenta e quatro) meses de contribuição, na data do ajuizamento da demanda, nos termos do art. 142 da Lei nº 8.213/91.
Observo, ainda, que a Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, exige um acréscimo de tempo de serviço, que perfaz 32 (trinta e dois) anos, 11 (onze) meses e 16 (dezesseis) dias, no presente caso.
Entretanto, computando-se o tempo de serviço posterior a 15/12/1998, devidamente registrado em CTPS, o somatório do tempo de serviço totaliza 32 (trinta e dois) anos, 07 (sete) meses e 22 (vinte e dois) dias, na data do requerimento administrativo formulado em 04/03/2009, não restando comprovado o cumprimento do acréscimo do tempo de serviço (pedágio) exigido pela Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998|.
Por outro lado, incluindo-se o tempo de serviço posterior ao requerimento (fls. 112/113), o somatório totaliza 33 (trinta e três) anos, 08 (oito) meses e 08 (oito) dias, na data do ajuizamento da demanda (19/07/2010), restando cumprido o acréscimo do tempo de serviço (pedágio) exigido pela Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998.
Entretanto, nas datas mencionadas, a parte autora ainda não havia atingido a idade de 53 (cinquenta e três) anos, exigida pelo artigo 9º da Emenda Constitucional nº 20/98, sendo indevido, portanto, o benefício.
No caso a parte autora decaiu de maior parte do pedido, relativo à concessão do benefício. Assim, fica condenada ao pagamento dos honorários advocatícios, que arbitro em 10% sobre o valor da causa, nos termos do § 2º do art. 85 do Novo Código de Processo Civil/2015, observando-se a suspensão de exigibilidade prevista no § 3º do art. 98 do mesmo diploma legal.
LUCIA URSAIA
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