Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1714980 / SP
0003783-34.2012.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
24/06/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/07/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. PRELIMINAR
REJEITADA. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO CONFIGURADO.
BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO
ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES
JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF.
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93,
SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE
DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. SITUAÇÃO DE RISCO
COMPROVADA. RENDA INSUFICIENTE PARA COM OS GASTOS DA FAMÍLIA. PROVÁVEL
AUMENTO DAS DESPESAS. CASAL DE IDOSOS PORTADORES DE DIVERSAS
PATOLOGIAS. AUTOR. INTERNAÇÃO EM HOSPITAL PSIQUIÁTRICO. FILHOS.
IMPOSSIBILIDADE DE AUXÍLIO. CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE INSATISFATÓRIAS.
MÍNIMO EXISTENCIAL NÃO GARANTIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA
DEMONSTRADA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL RESTABELECIDO. DIB. DATA DA
CESSAÇÃO INDEVIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111 DO STJ. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO DA PARTE
AUTORA DESPROVIDA. REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDA E PROVIDA EM PARTE.
ALTERAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO DA CORREÇÃO MONETÁRIA E DOS
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
JUROS DE MORA. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.
1 - É vedado ao magistrado decidir além (ultra petita), aquém (citra petita) ou diversamente do
pedido (extra petita), consoante o art. 492 do CPC/2015.
2 - Da análise da inicial, em conjunto com extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais
- CNIS, que ora segue anexo aos autos, e mantido pelo próprio INSS, constata-se que autor
pretende com a presente demanda o restabelecimento de benefício assistencial, cuja cessação
se deu em 07/01/2005 (NB: 063.457.981-9). A despeito das contradições que permeiam a peça
inaugural, é certo que bastava ao INSS verificar a partir dos seus sistemas qual o beneplácito
por ele cessado naquela data, que identificaria a matéria desta ação - benefício assistencial de
prestação continuada (LOAS).
3 - Portanto, ao deferir beneplácito desta natureza, o magistrado a quo decidiu nos termos do
pedido, restando afastada a hipótese de julgamento extra petita.
4 - Cabimento de remessa necessária no presente caso. A sentença submetida à apreciação
desta Corte foi proferida em 25/08/2011, sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de
1973. No caso, houve condenação do INSS no restabelecimento e no pagamento dos
atrasados de benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, desde a data da cessação
indevida do benefício, em 07/01/2005.
5 - Constata-se, portanto, que desde o termo inicial do benefício (07/01/2005) até a data da
prolação da sentença - 25/08/2011 - passaram-se pouco mais de 79 (setenta e nove) meses,
totalizando assim aproximadamente 79 (setenta e nove) prestações no valor de um salário
mínimo, as quais, com acréscimo de correção monetária e com incidência dos juros de mora e
verba honorária, contabilizam montante superior ao limite de alçada estabelecido na lei
processual.
6 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
7 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
8 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho,
em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do
art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
9 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
10 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle
concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
11 - Pleiteia o autor a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.
12 - O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 11 de
novembro de 2009 (fls. 98/101), consignou o seguinte: "Resulta evidente do exame do
Requerente que o mesmo apresenta: Transtornos obsessivo-compulsivos. Desta forma,
concluímos que apresenta Incapacidade Total e Definitiva". Relatou que o demandante "está
em tratamento desde 1999, até a presente data não ocorreu à cura, somente uma melhora
imperceptível".
13 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que
dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento
motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à
controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em
sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames
ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal
aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso
concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto
probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis
Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima,
DJE. 12/11/2010.
14 - Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrito no órgão competente,
o qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de
histórico da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando
demais análises que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório,
referida prova técnica merece confiança e credibilidade.
15 - O estudo social, elaborado em 08 de dezembro 2010 (fls. 128/130), informou que o núcleo
familiar é formado pelo requerente e sua esposa. Residem em casa própria, "construída em
alvenaria, sem forro, composto por uma sala, dois quartos, uma cozinha e um banheiro. A sala
está guarnecida por sofá e estante em bom estado e uma televisão antiga, porém colorida. A
cozinha é composta por geladeira, fogão e armário e os quartos, guarda-roupas e camas, tudo
simples em boas condições".
16 - A renda do núcleo familiar, no momento do estudo, decorria do benefício de aposentadoria
por idade percebido por sua esposa, LUIZA MARCATE PADELA, no importe de um salário
mínimo (fl. 148). As despesas, envolvendo gastos com água, energia elétrica, gás, telefone e
alimentos, cingiam a aproximadamente R$435,00.
17 - Note-se, portanto, que a renda per capita familiar era de ½ de um salário mínimo,
parâmetro jurisprudencial de miserabilidade. Embora os ganhos, a princípio, aparentassem
serem suficientes para com as despesas, o que sobrava para a família era tão somente a
quantia de R$25,00.
18 - Se afigura pouco crível, à luz das máximas da experiência, subministradas pelo que
ordinariamente acontece no dia a dia (art. 335 do CPC/1973, reproduzido no art. 375 do
CPC/2015), que, na maioria dos meses, o núcleo familiar ganhasse mais do que gastava, isso
porque é composto por pessoas portadoras de diversas moléstias, o autor, com graves males
psiquiátricos, e sua esposa, com "problemas na coluna e estômago". Hoje, certamente, o
quadro financeiro se agravou, pois ele conta com 67 (sessenta e sete) anos de idade e ela com
64 (sessenta e quatro).
19 - Como bem destacou o magistrado a quo, "a renda familiar é insuficiente para a satisfação
das necessidades básicas da família, mormente em razão das despesas extraordinárias
decorrentes da enfermidade que acomete o autor. Tal constatação não foi infirmada por
qualquer outra prova trazida aos autos pelo instituto réu, o que torna de rigor o julgamento de
procedência do pedido de concessão do amparo social" (fl. 175).
20 - A despeito de listados os primeiros nomes dos filhos do casal no estudo, não foi possível a
identificação de seus rendimentos. Aliás, foi referido à assistente que a "maioria deles eram
casados, com filhos pequenos e em situação econômica precária", de modo que não poderiam
auxiliar os seus genitores. Por outro lado, cabia ao INSS contraditar tal prova ou, ao menos,
fornecer outros dados sobre os filhos, através de seus sistemas eletrônicos. Não o fez.
21 - Repisa-se que as condições de habitabilidade eram insatisfatórias - o imóvel sequer
possuía forro.
22 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo,
portanto, o autor, jus ao beneplácito assistencial.
23 - Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá
na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(AgRg no REsp 1532015/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado
em 04/08/2015, DJe 14/08/2015). Tendo em vista a persistência do impedimento de longo prazo
e da hipossuficiência econômica, quando da cessação do benefício assistencial (NB:
063.457.981-9), a DIB acertadamente foi fixada no momento do seu cancelamento indevido, já
que desde a data de entrada do requerimento (DER) até a sua cessação (DCB: 07/01/2005 -
CNIS anexo), o autor efetivamente estava protegido pelo Sistema da Seguridade Social,
percebendo benefício previdenciário.
24 - Relativamente aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da
autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a verba
honorária deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente, o que resta atendido com o
percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações devidas até a data da prolação
da sentença de 1º grau (Súmula 111, STJ), devendo o decisum ser também mantido no
particular.
25 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
26 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
27 - Saliente-se que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o
tópico do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único
do art. 37 da Lei nº 8.742/93.
28 - Preliminar rejeitada. Apelação da parte autora desprovida. Remessa necessária conhecida
e provida em parte. Alteração dos critérios de aplicação da correção monetária e dos juros de
mora. Sentença reformada em parte.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria
preliminar, negar provimento à apelação do INSS e conhecer da remessa necessária para dar-
lhe parcial provimento a fim de estabelecer que a correção monetária dos valores em atraso
deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será
apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora, incidentes até a
expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o mesmo Manual, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
