Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0004834-70.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
25/05/2021
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 07/06/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA NÃO SUJEITA À REMESSA NECESSÁRIA. ART. 496, §3º,
CPC. LITISPENDÊNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA.
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. QUALIDADE DE SEGURADO DEMONSTRADA.
CUMPRIMENTO DA CARÊNCIA LEGAL. INCAPACIDADE TOTAL E TEMPORÁRIA. LAUDO
MÉDICO. ART. 479, CPC. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. ART. 375,
CPC. MÁXIMAS DA EXPERIÊNCIA. VALORAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO.
CONVICÇÕES DO MAGISTRADO. AUXÍLIO-DOENÇA DEVIDO. DIB. DATA DO
REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. SÚMULA 576, STJ. DCB. IMPOSSIBILIDADE DE
FIXAÇÃO NO CASO CONCRETO. DESCONTO. CABIMENTO. VEDAÇÃO AO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. REMESSA
NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃODA PARTE AUTORA
PROVIDA. APELO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA EM
PARTE.
1 - Em que pese não ser possível aferir, de plano, o valor exato da condenação, levando em
conta o termo inicial do benefício (14.12.2005) e a data da prolação da r. sentença (27.09.2017),
ainda que a renda mensal inicial do benefício seja fixada no teto da Previdência Social, mesmo
assim, o valor total da condenação, incluindo correção monetária, juros de mora e verba
honorária, será inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos, conforme previsto no inciso I do §3º do
artigo 496 do Código de Processo Civil. Dessa forma, incabível a remessa necessária no
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
presente caso.
2 - Afastada também a alegação de litispendência.
3 - As ações nas quais se postula os benefícios por incapacidade caracterizam-se por terem
como objeto relações continuativas e, portanto, as sentenças nelas proferidas se vinculam aos
pressupostos do tempo em que foram formuladas, sem, contudo, extinguir a própria relação
jurídica, que continua sujeita à variação de seus elementos. Isso ocorre porque estas sentenças
contêm implícita a cláusula rebus sic stantibus, de forma que, modificadas as condições fáticas ou
jurídicas sobre as quais se formou a coisa julgada material, tem-se nova causa de pedir próxima
ou remota.
4 - Nessa toada, o próprio legislador estabeleceu a necessidade de perícias periódicas tendo em
vista que a incapacidade laborativa, por sua própria essência, pode ser suscetível de alteração
com o decurso do tempo.
5 - No processo que tramitou perante a Juizado Especial Federal de Botucatu/SP, autuado sob o
nº 0001945-45.2010.4.03.6307, em 07.04.2010, que teve sentença de procedência reformada em
sede de 2º grau de jurisdição, e hoje se encontra sobrestado em virtude agravo dirigido à TNU, a
ora demandante debateu a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, desde a
data do requerimento administrativo apresentado em 11.11.2009. Em outros termos, tratou da sua
situação psicofísica em fins de 2009 e início de 2010 e em relação ao pleito administrativo de NB:
538.203.811-9.
6 - Nestes, por outro lado, discutiu o seu quadro de saúde mais de 3 (três) anos depois, e com
relação a outro requerimento, de NB: 604.523.565-0, apresentado em 19.12.2013.
7 - In casu, a parte autora juntou atestados, relatórios, exames e receituários médicos de
26.02.2014, 23.01.2014, 22.12.2013, 02.06.2014, 08.10.2013, 03.12.2013, 25.09.2013,
22.12.2013, 02.12.2013 e 23.04.2014, posteriores, portanto, à DER da benesse discutida na
demanda de n. 0001945-45.2010.4.03.6307, sendo certo que tais documentos trazem indícios
dos males da qual é portadora, identificando, ainda, sua incapacidade laborativa.
8 - Tais circunstâncias justificam seu interesse de provocar a via judicial para a satisfação da
pretensão deduzida. Destarte, como as provas que acompanham a petição inicial indicam quadro
incapacitante da demandante, após fins de 2009 e início de 2010, o que foi confirmado pela prova
técnica acostada aos autos, não há falar em ocorrência de coisa julgada material. Precedente.
9 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
10 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de
auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
11 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo
supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação
habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
12 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que,
após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
13 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
moléstia.
14 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art.
15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o
lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses,
sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º estabelece
que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses
para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão
próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
15 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
16 - No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em
exame realizado em 14 de dezembro de 2015, quando a demandante possuía 51 (cinquenta e
um) anos, e havia se qualificado como rurícola, consignou o seguinte: “A examinada se apresenta
com alterações na semiologia psiquiátrica em decorrência de Transtornos Depressivos Ansiosos
e Glaucoma com visão nula no olho direito, cujos quadros mórbidos a impedem de trabalhar no
presente momento, necessitando de afastamento do trabalho e tratamento especializado (...)
Com relação ao início da incapacidade Total e Temporária, o atestado médico apresentado pela
autora de 23/01/2014 da Médica Psiquiatra Dra. Katia R. Naim Saliba, confirma que naquela data
a mesma já era portadora de incapacidade, a mesma constatada por esse Médico Perito na data
da perícia médica”.
17 - O juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que dispõe o art. 436 do
CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado. Por ser o juiz o
destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame.
Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
18 - Ainda que o expert tenha estabelecido o início da incapacidade em janeiro de 2014, verifica-
se que a demandante já estava incapacitada em período anterior.
19 - Relatório médico, emitido por profissional vinculada ao Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina de Botucatu/SP, de 08.10.2013, destaca que a autora estava, por conta de “transtorno
depressivo recorrente” (CID10 - F33.1), em “tratamento ambulatorial há anos”. No documento,
consta ainda que na consulta anterior, “realizada em setembro/2013”, ela se apresentou com
“intensificação da sintomatologia (...), abatida e lentificada”. Em igual sentido, há outro relatório
nos autos, datado de 03.12.2013. Por fim, foi acostado receituário de medicamento para
tratamento psiquiátrico (“sertralina”), em nome da requerente, de 25.09.2013.
20 - Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, cujos extratos
seguem anexos aos autos, dão conta que seu último vínculo previdenciário se deu entre
29.01.2010 e 03.05.2012, em virtude da percepção de auxílio-doença de NB: 549.287.943-6.
Portanto, teria permanecido como filiada ao RGPS, já contabilizada a prorrogação da qualidade
de segurado por 12 (doze) meses, até 15.07.2013 (arts. 30, II, da Lei 8.212/91 c/c arts. 13, II, e
14, do Dec 3.048/99, em sua redação original).
21 - Não se nega que o documento mais antigo, comprobatório de sua “depressão”, é um
receituário de 25.09.2013, e a perda da qualidade de segurado se efetivou em julho daquele
mesmo ano, contudo, a diferença entre tais momentos é muito pequena, de apenas 2 (dois)
meses, não podendo ser tomada em termos matemáticos exatos, exigindo a necessária
temperança decorrente dos fatos da vida por parte do julgador (art. 375, CPC).
22 - Assim sendo, é de se concluir que o impedimento da autora já estava presente ao menos
desde 07/2013. Repisa-se que, nos relatórios médicos transcritos supra, atestou-se que ela sofre
de transtornos psiquiátricos de há muito.
23 - Cumpridos, portanto, os requisitos qualidade de segurado e carência, quando do início da
incapacidade total e temporária, acertada a concessão de auxílio-doença, nos exatos termos do
art. 59 da Lei 8.213/91.
24 - Acerca do termo inicial do benefício, o entendimento consolidado do E. STJ, exposto na
súmula 576, enuncia que: "ausente requerimento administrativo no INSS, o termo inicial para a
implantação da aposentadoria por invalidez concedida judicialmente será a data da citação
válida". Haja vista a apresentação de requerimento administrativo em 19.12.2013, de rigor a
fixação da DIB nesta data.
25 - Quanto à fixação de uma DCB, é cediço que o auxílio-doença, nos termos do art. 101, caput,
da Lei nº 8.213/91, é benefício previdenciário de caráter temporário, cabendo ao segurado a
submissão a exames médicos a cargo da Previdência, a fim de se verificar eventual alteração no
estado de saúde e na situação fática que culminou a concessão.
26 - Também denominada de COPES (Cobertura Previdenciária Estimada), a "alta programada"
consiste na cessação do benefício, na data fixada pelo INSS, sem realização de nova perícia. Era
prevista apenas no art. 78, §1º, do Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/99),
encontrando, atualmente, guarida no art. 60, §§8º e 9º, da Lei nº 8.213/91, alterado pela MP
739/2016 (que perdeu vigência) e pela MP 767/2017, que, por sua, vez foi convertida na Lei
13.457/2017.
27 - Não obstante a celeuma em torno do tema, inexiste óbice à fixação de data para a cessação
do auxílio-doença, eis que a previsão de alta é feita com supedâneo em perícia médica e, ainda,
se oportuniza ao segurado, nos termos do RPS, a possibilidade de solicitar a realização de novo
exame pericial, com consequente pedido de prorrogação do benefício, na forma estabelecida pelo
INSS (geralmente, nos 15 dias anteriores à data preestabelecida).
28 - Se possível a fixação da data de alta pelo INSS, com fundamento em perícia administrativa,
com mais razão o magistrado pode também assim o determinar, já que sua decisão é lastreada
em prova médica elaborada por profissional equidistante das partes. Não por outra razão todas as
modificações legislativas, que trataram sobre a COPES, admitiam e admitem a possibilidade de o
próprio Juízo fixar na sentença a data da alta do postulante.
29 - No presente caso, contudo, não era e ainda não é possível estabelecer uma data específica
para a cessação da benesse da demandante.
30 - Por se tratar de portadora de “transtorno depressivo recorrente” (CID10 - F33), transtorno
este caracterizado justamente por períodos de melhora e piora, resta impossibilitada a fixação de
uma DCB a priori. Nessa senda, o INSS deverá submeter a parte autora à perícias
administrativas periódicas, a fim de aferir continuidade ou não do seu quadro incapacitante, e só
aí cessar a benesse, observando-se, é claro, a necessidade de que esta também efetue
requerimentos de prorrogação de auxílio-doença sucessivos, na forma do art. 60, §9º, da Lei
8.213/91.
31 - Deverão ser descontados dos atrasados os valores percebidos pela requerente, em período
concomitante ao da condenação, à título de benefício por incapacidade, seja em razão de
deferimento administrativo, seja em virtude de antecipação dos efeitos da tutela aqui concedida,
sob pena de incorrer em enriquecimento ilícito.
32 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
33 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
34 - Remessa necessária não conhecida. Preliminar rejeitada. Apelaçãoda parte autora provida.
Apelo doINSS parcialmente provido. Sentença reformada em parte.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0004834-70.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: ELISABETE APARECIDA ANTUNES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: LUCIANO FANTINATI - SP220671-N
APELADO: ELISABETE APARECIDA ANTUNES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: LUCIANO FANTINATI - SP220671-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0004834-70.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: ELISABETE APARECIDA ANTUNES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: LUCIANO FANTINATI - SP220671-N
APELADO: ELISABETE APARECIDA ANTUNES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: LUCIANO FANTINATI - SP220671-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de remessa necessária e apelações interpostas por ELISABETE APARECIDA
ANTUNES e pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada
pela primeira, objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença.
A r. sentença julgou procedente o pedido, condenando o INSS na concessão e no pagamento
dos atrasados de auxílio-doença, desde a data do laudo pericial, de 14.12.2015 (ID 101957118,
p. 34). Fixou juros de mora à razão de 1% (um por cento) ao mês. Condenou o INSS, ainda, no
pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor das
parcelas em atraso, contabilizadas até a data da sua prolação (ID 101957118, p. 75-79).
Em razões recursais, a parte autora requer apenas a fixação da DIB na data do requerimento
administrativo (ID 101960017, p. 05-11)
O INSS também interpôs recurso de apelação, no qual pugna, preliminarmente, pela submissão
da sentença à remessa necessária. Ainda em sede preliminar, requer sua anulação, com a
consequente extinção do feito, sem resolução do mérito, em virtude da ocorrência de
litispendência. No mérito, sustenta que a demandante não mantinha a qualidade de segurada
no momento da DII, não fazendo jus a auxílio-doença, nem a aposentadoria por invalidez. Em
sede subsidiária, requer a fixação de uma DCB para a benesse, descontos nos atrasados e, por
fim, a alteração dos critérios de aplicação dos juros de mora (ID 101960017, p. 15-25).
Apenas a requerente apresentou contrarrazões (ID 101960017, p. 41-43).
Devidamente processados os recursos, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional
Federal.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0004834-70.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: ELISABETE APARECIDA ANTUNES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: LUCIANO FANTINATI - SP220671-N
APELADO: ELISABETE APARECIDA ANTUNES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: LUCIANO FANTINATI - SP220671-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Inicialmente, em que pese não ser possível aferir, de plano, o valor exato da condenação,
levando em conta o termo inicial do benefício (14.12.2005) e a data da prolação da r. sentença
(27.09.2017), ainda que a renda mensal inicial do benefício seja fixada no teto da Previdência
Social, mesmo assim, o valor total da condenação, incluindo correção monetária, juros de mora
e verba honorária, será inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos, conforme previsto no inciso I do
§3º do artigo 496 do Código de Processo Civil.
Dessa forma, incabível a remessa necessária no presente caso.
Ainda em sede preliminar, afasto a alegação de litispendência.
Com efeito, as ações nas quais se postula os benefícios por incapacidade caracterizam-se por
terem como objeto relações continuativas e, portanto, as sentenças nelas proferidas se
vinculam aos pressupostos do tempo em que foram formuladas, sem, contudo, extinguir a
própria relação jurídica, que continua sujeita à variação de seus elementos.
Isso ocorre porque estas sentenças contêm implícita a cláusula rebus sic stantibus, de forma
que, modificadas as condições fáticas ou jurídicas sobre as quais se formou a coisa julgada
material, tem-se nova causa de pedir próxima ou remota.
Nessa toada, o próprio legislador estabeleceu a necessidade de perícias periódicas tendo em
vista que a incapacidade laborativa, por sua própria essência, pode ser suscetível de alteração
com o decurso do tempo.
Pois bem, no processo que tramitou perante a Juizado Especial Federal de Botucatu/SP,
autuado sob o nº 0001945-45.2010.4.03.6307, em 07.04.2010, que teve sentença de
procedência reformada em sede de 2º grau de jurisdição, e hoje se encontra sobrestado em
virtude agravo dirigido à TNU, a ora demandante debateu a concessão de auxílio-doença ou
aposentadoria por invalidez, desde a data do requerimento administrativo apresentado em
11.11.2009. Em outros termos, tratou da sua situação psicofísica em fins de 2009 e início de
2010 e em relação ao pleito administrativo de NB: 538.203.811-9 (ID 101957117, p. 54-75 e 91,
e ID 101960017, p. 26-34).
Nestes, por outro lado, discutiu o seu quadro de saúde mais de 3 (três) anos depois, e com
relação a outro requerimento, de NB: 604.523.565-0, apresentado em 19.12.2013 (ID
101957117, p. 03-14 e 25).
Aliás, in casu, a parte autora juntou atestados, relatórios, exames e receituários médicos de
26.02.2014, 23.01.2014, 22.12.2013, 02.06.2014, 08.10.2013, 03.12.2013, 25.09.2013,
22.12.2013, 02.12.2013 e 23.04.2014 (ID 101957117, p. 26-39), posteriores, portanto, à DER da
benesse discutida na demanda de n. 0001945-45.2010.4.03.6307, sendo certo que tais
documentos trazem indícios dos males da qual é portadora, identificando, ainda, sua
incapacidade laborativa.
Tais circunstâncias justificam seu interesse de provocar a via judicial para a satisfação da
pretensão deduzida.
Destarte, como as provas que acompanham a petição inicial indicam quadro incapacitante da
demandante, após fins de 2009 e início de 2010, o que foi confirmado pela prova técnica
acostada aos autos (ID 101957118, p. 26-34), não há falar em ocorrência de coisa julgada
material.
Nesse sentido, reporto-me aos seguintes julgados:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA. I - Tratando-se de ação de aposentadoria por
invalidez, ou auxílio-doença, não ocorre a coisa julgada material, podendo configurar-se causa
de pedir diversa, decorrente de eventual agravamento do estado de saúde do autor. II -
Necessária a realização de prova pericial a fim de se concluir quanto à existência de eventual
agravamento do estado de saúde do autor, bem como a configuração de sua incapacidade
laboral, somente possível na fase instrutória do feito. III - Preliminar argüida pelo autor acolhida,
determinando-se o retorno dos autos à Vara de origem para processamento do feito e novo
julgamento. Mérito da apelação prejudicado. (TRF da 3ª Região - AC 2006.61.13.003539-0 - 10ª
Turma - rel. Des. Fed. Sérgio Nascimento - DJF3 21/5/2008)
PROCESSUAL CIVIL. RECONHECIMENTO DA TRÍPLICE IDENTIDADE DOS ELEMENTOS
DA AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA COISA JULGADA MATERIAL.
CERCEAMENTO DE DEFESA. 1. Embora configurada a existência da tríplice identidade dos
elementos da ação, impossível é o reconhecimento da coisa julgada material, porquanto a
eclosão da incapacidade, que condiciona a concessão da aposentadoria por invalidez, é fato
imprevisível, podendo advir a qualquer momento, sendo fato natural da vida a alteração das
condições de saúde física e mental do indivíduo. Aplicabilidade do disposto no inciso I do art.
471 do CPC. 2. Cerceamento de defesa do direito alegado, tendo em vista que o MM juízo a
quo, não determinando a realização de perícia médica que pudesse constatar a capacidade ou
incapacidade do Autor, extinguiu a ação sem julgamento do mérito. 3. Apelação do Autor
provida. Sentença Anulada.
(TRF da 3ª Região - AC 2002.03.99.000873-9 - 10ª Turma - rel. Des. Fed. Jediael Galvão - DJU
22/6/2005).
Passo à análise do mérito.
A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de aposentadoria
por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de carência mínimo
exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença,
for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe
garanta a subsistência.
Ao passo que o auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o
caso, o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou
ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
No entanto, independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de
acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao
segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das
moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
Cumpre salientar que, a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no
Regime não impede o deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão
ou agravamento da moléstia.
Ademais, é necessário, para o implemento dos beneplácitos em tela, revestir-se do atributo de
segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar
todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina
denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos
termos do art. 15 da Lei de Benefícios.
É de se observar, ainda, que o §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses
o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte)
meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
Por sua vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será
acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa
situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
Por fim, saliente-se que, havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar,
a partir da nova filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas
para o cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-
doença e aposentadoria por invalidez.
Do caso concreto.
No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em
exame realizado em 14 de dezembro de 2015 (ID 101957118, p. 26-34), quando a demandante
possuía 51 (cinquenta e um) anos, e havia se qualificado como rurícola, consignou o seguinte:
“A examinada se apresenta com alterações na semiologia psiquiátrica em decorrência de
Transtornos Depressivos Ansiosos e Glaucoma com visão nula no olho direito, cujos quadros
mórbidos a impedem de trabalhar no presente momento, necessitando de afastamento do
trabalho e tratamento especializado
(...)
Com relação ao início da incapacidade Total e Temporária, o atestado médico apresentado pela
autora de 23/01/2014 da Médica Psiquiatra Dra. Katia R. Naim Saliba, confirma que naquela
data a mesma já era portadora de incapacidade, a mesma constatada por esse Médico Perito
na data da perícia médica”.
Assevero o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que dispõe o art. 436 do
CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado. Por ser o juiz o
destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame.
Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
Ainda que o expert tenha estabelecido o início da incapacidade em janeiro de 2014, verifica-se
que a demandante já estava incapacitada em período anterior.
Relatório médico, emitido por profissional vinculada ao Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina de Botucatu/SP, de 08.10.2013, destaca que a autora estava, por conta de “transtorno
depressivo recorrente” (CID10 - F33.1), em “tratamento ambulatorial há anos”. No documento,
consta ainda que na consulta anterior, “realizada em setembro/2013”, ela se apresentou com
“intensificação da sintomatologia (...), abatida e lentificada” (ID 101957117, p. 30).
Em igual sentido, há outro relatório nos autos, datado de 03.12.2013 (ID 101957117, p. 31).
Por fim, foi acostado receituário de medicamento para tratamento psiquiátrico (“sertralina”), em
nome da requerente, de 25.09.2013 (ID 101957117, p. 32).
Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, cujos extratos
seguem anexos aos autos (ID 101957117, p. 77-78), dão conta que seu último vínculo
previdenciário se deu entre 29.01.2010 e 03.05.2012, em virtude da percepção de auxílio-
doença de NB: 549.287.943-6. Portanto, teria permanecido como filiada ao RGPS, já
contabilizada a prorrogação da qualidade de segurado por 12 (doze) meses, até 15.07.2013
(arts. 30, II, da Lei 8.212/91 c/c arts. 13, II, e 14, do Dec 3.048/99, em sua redação original).
Não se nega que o documento mais antigo, comprobatório de sua “depressão”, é um receituário
de 25.09.2013, e a perda da qualidade de segurado se efetivou em julho daquele mesmo ano,
contudo, a diferença entre tais momentos é muito pequena, de apenas 2 (dois) meses, não
podendo ser tomada em termos matemáticos exatos, exigindo a necessária temperança
decorrente dos fatos da vida por parte do julgador (art. 375, CPC).
Assim sendo, é de se concluir que o impedimento da autora já estava presente ao menos desde
07/2013. Repisa-se que, nos relatórios médicos transcritos supra, atestou-se que ela sofre de
transtornos psiquiátricos de há muito.
Cumpridos, portanto, os requisitos qualidade de segurado e carência, quando do início da
incapacidade total e temporária, acertada a concessão de auxílio-doença, nos exatos termos do
art. 59 da Lei 8.213/91.
Acerca do termo inicial do benefício, o entendimento consolidado do E. STJ, exposto na súmula
576, enuncia que: "ausente requerimento administrativo no INSS, o termo inicial para a
implantação da aposentadoria por invalidez concedida judicialmente será a data da citação
válida".
Haja vista a apresentação de requerimento administrativo em 19.12.2013 (ID 101957117, p.
25), de rigor a fixação da DIB nesta data.
Quanto à fixação de uma DCB, é cediço que o auxílio-doença, nos termos do art. 101, caput, da
Lei nº 8.213/91, é benefício previdenciário de caráter temporário, cabendo ao segurado a
submissão a exames médicos a cargo da Previdência, a fim de se verificar eventual alteração
no estado de saúde e na situação fática que culminou a concessão.
Também denominada de COPES (Cobertura Previdenciária Estimada), a "alta programada"
consiste na cessação do benefício, na data fixada pelo INSS, sem realização de nova perícia.
Era prevista apenas no art. 78, §1º, do Regulamento da Previdência Social (Decreto nº
3.048/99), encontrando, atualmente, guarida no art. 60, §§8º e 9º, da Lei nº 8.213/91, alterado
pela MP 739/2016 (que perdeu vigência) e pela MP 767/2017, que, por sua, vez foi convertida
na Lei 13.457/2017.
Não obstante a celeuma em torno do tema, comungo da opinião daqueles que entendem
inexistir óbice à fixação de data para a cessação do auxílio-doença, eis que a previsão de alta é
feita com supedâneo em perícia médica e, ainda, se oportuniza ao segurado, nos termos do
RPS, a possibilidade de solicitar a realização de novo exame pericial, com consequente pedido
de prorrogação do benefício, na forma estabelecida pelo INSS (geralmente, nos 15 dias
anteriores à data preestabelecida).
Se possível a fixação da data de alta pelo INSS, com fundamento em perícia administrativa,
com mais razão o magistrado pode também assim o determinar, já que sua decisão é lastreada
em prova médica elaborada por profissional equidistante das partes. Não por outra razão todas
as modificações legislativas, que trataram sobre a COPES, admitiam e admitem a possibilidade
de o próprio Juízo fixar na sentença a data da alta do postulante.
O §8º do art. 60 da Lei 8.213/91, em sua atual redação, é inequívoco ao prescrever que,
“sempre que possível, o ato de concessão ou de reativação do auxílio-doença, judicial ou
administrativo, deverá fixar o prazo estimado para a duração do benefício” (grifos nossos).
No presente caso, contudo, não era e ainda não é possível estabelecer uma data específica
para a cessação da benesse da demandante.
Por se tratar de portadora de “transtorno depressivo recorrente” (CID10 - F33), transtorno este
caracterizado justamente por períodos de melhora e piora, resta impossibilitada a fixação de
uma DCB a priori. Nessa senda, o INSS deverá submeter a parte autora à perícias
administrativas periódicas, a fim de aferir continuidade ou não do seu quadro incapacitante, e só
aí cessar a benesse, observando-se, é claro, a necessidade de que esta também efetue
requerimentos de prorrogação de auxílio-doença sucessivos, na forma do art. 60, §9º, da Lei
8.213/91.
Deverão ser descontados dos atrasados os valores percebidos pela requerente, em período
concomitante ao da condenação, à título de benefício por incapacidade, seja em razão de
deferimento administrativo, seja em virtude de antecipação dos efeitos da tutela aqui concedida,
sob pena de incorrer em enriquecimento ilícito.
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir
as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Ante o exposto, não conheço da remessa necessária, rejeito a matéria preliminar, dou
provimento à apelação da parte autora para fixar a DIB do auxílio-doença na data da
apresentação de requerimento administrativo, que se deu em 19.12.2013, dou parcial
provimento à apelação do INSS para que sejam descontados dos atrasados os valores
porventura percebidos pela parte autora, a título de benefício previdenciário por incapacidade,
em período concomitante ao da condenação, bem como para que os juros de mora, incidentes
até a expedição do ofício requisitório, sejam fixados de acordo com o Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, e,
por fim, de ofício, determino que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser
calculada de acordo com o mesmo Manual até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de
quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA NÃO SUJEITA À REMESSA NECESSÁRIA. ART. 496, §3º,
CPC. LITISPENDÊNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA.
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. QUALIDADE DE SEGURADO DEMONSTRADA.
CUMPRIMENTO DA CARÊNCIA LEGAL. INCAPACIDADE TOTAL E TEMPORÁRIA. LAUDO
MÉDICO. ART. 479, CPC. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. ART. 375,
CPC. MÁXIMAS DA EXPERIÊNCIA. VALORAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO.
CONVICÇÕES DO MAGISTRADO. AUXÍLIO-DOENÇA DEVIDO. DIB. DATA DO
REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. SÚMULA 576, STJ. DCB. IMPOSSIBILIDADE DE
FIXAÇÃO NO CASO CONCRETO. DESCONTO. CABIMENTO. VEDAÇÃO AO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. REMESSA
NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃODA PARTE
AUTORA PROVIDA. APELO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA
REFORMADA EM PARTE.
1 - Em que pese não ser possível aferir, de plano, o valor exato da condenação, levando em
conta o termo inicial do benefício (14.12.2005) e a data da prolação da r. sentença
(27.09.2017), ainda que a renda mensal inicial do benefício seja fixada no teto da Previdência
Social, mesmo assim, o valor total da condenação, incluindo correção monetária, juros de mora
e verba honorária, será inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos, conforme previsto no inciso I do
§3º do artigo 496 do Código de Processo Civil. Dessa forma, incabível a remessa necessária no
presente caso.
2 - Afastada também a alegação de litispendência.
3 - As ações nas quais se postula os benefícios por incapacidade caracterizam-se por terem
como objeto relações continuativas e, portanto, as sentenças nelas proferidas se vinculam aos
pressupostos do tempo em que foram formuladas, sem, contudo, extinguir a própria relação
jurídica, que continua sujeita à variação de seus elementos. Isso ocorre porque estas sentenças
contêm implícita a cláusula rebus sic stantibus, de forma que, modificadas as condições fáticas
ou jurídicas sobre as quais se formou a coisa julgada material, tem-se nova causa de pedir
próxima ou remota.
4 - Nessa toada, o próprio legislador estabeleceu a necessidade de perícias periódicas tendo
em vista que a incapacidade laborativa, por sua própria essência, pode ser suscetível de
alteração com o decurso do tempo.
5 - No processo que tramitou perante a Juizado Especial Federal de Botucatu/SP, autuado sob
o nº 0001945-45.2010.4.03.6307, em 07.04.2010, que teve sentença de procedência reformada
em sede de 2º grau de jurisdição, e hoje se encontra sobrestado em virtude agravo dirigido à
TNU, a ora demandante debateu a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por
invalidez, desde a data do requerimento administrativo apresentado em 11.11.2009. Em outros
termos, tratou da sua situação psicofísica em fins de 2009 e início de 2010 e em relação ao
pleito administrativo de NB: 538.203.811-9.
6 - Nestes, por outro lado, discutiu o seu quadro de saúde mais de 3 (três) anos depois, e com
relação a outro requerimento, de NB: 604.523.565-0, apresentado em 19.12.2013.
7 - In casu, a parte autora juntou atestados, relatórios, exames e receituários médicos de
26.02.2014, 23.01.2014, 22.12.2013, 02.06.2014, 08.10.2013, 03.12.2013, 25.09.2013,
22.12.2013, 02.12.2013 e 23.04.2014, posteriores, portanto, à DER da benesse discutida na
demanda de n. 0001945-45.2010.4.03.6307, sendo certo que tais documentos trazem indícios
dos males da qual é portadora, identificando, ainda, sua incapacidade laborativa.
8 - Tais circunstâncias justificam seu interesse de provocar a via judicial para a satisfação da
pretensão deduzida. Destarte, como as provas que acompanham a petição inicial indicam
quadro incapacitante da demandante, após fins de 2009 e início de 2010, o que foi confirmado
pela prova técnica acostada aos autos, não há falar em ocorrência de coisa julgada material.
Precedente.
9 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
10 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo
de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
11 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o
tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou
ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
12 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado
que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
13 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
moléstia.
14 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de
segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar
todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina
denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos
termos do art. 15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e
quatro) meses o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120
(cento e vinte) meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua
vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será
acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa
situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
15 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
16 - No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base
em exame realizado em 14 de dezembro de 2015, quando a demandante possuía 51 (cinquenta
e um) anos, e havia se qualificado como rurícola, consignou o seguinte: “A examinada se
apresenta com alterações na semiologia psiquiátrica em decorrência de Transtornos
Depressivos Ansiosos e Glaucoma com visão nula no olho direito, cujos quadros mórbidos a
impedem de trabalhar no presente momento, necessitando de afastamento do trabalho e
tratamento especializado (...) Com relação ao início da incapacidade Total e Temporária, o
atestado médico apresentado pela autora de 23/01/2014 da Médica Psiquiatra Dra. Katia R.
Naim Saliba, confirma que naquela data a mesma já era portadora de incapacidade, a mesma
constatada por esse Médico Perito na data da perícia médica”.
17 - O juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que dispõe o art. 436 do
CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado. Por ser o juiz o
destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame.
Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
18 - Ainda que o expert tenha estabelecido o início da incapacidade em janeiro de 2014,
verifica-se que a demandante já estava incapacitada em período anterior.
19 - Relatório médico, emitido por profissional vinculada ao Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina de Botucatu/SP, de 08.10.2013, destaca que a autora estava, por conta de
“transtorno depressivo recorrente” (CID10 - F33.1), em “tratamento ambulatorial há anos”. No
documento, consta ainda que na consulta anterior, “realizada em setembro/2013”, ela se
apresentou com “intensificação da sintomatologia (...), abatida e lentificada”. Em igual sentido,
há outro relatório nos autos, datado de 03.12.2013. Por fim, foi acostado receituário de
medicamento para tratamento psiquiátrico (“sertralina”), em nome da requerente, de
25.09.2013.
20 - Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, cujos extratos
seguem anexos aos autos, dão conta que seu último vínculo previdenciário se deu entre
29.01.2010 e 03.05.2012, em virtude da percepção de auxílio-doença de NB: 549.287.943-6.
Portanto, teria permanecido como filiada ao RGPS, já contabilizada a prorrogação da qualidade
de segurado por 12 (doze) meses, até 15.07.2013 (arts. 30, II, da Lei 8.212/91 c/c arts. 13, II, e
14, do Dec 3.048/99, em sua redação original).
21 - Não se nega que o documento mais antigo, comprobatório de sua “depressão”, é um
receituário de 25.09.2013, e a perda da qualidade de segurado se efetivou em julho daquele
mesmo ano, contudo, a diferença entre tais momentos é muito pequena, de apenas 2 (dois)
meses, não podendo ser tomada em termos matemáticos exatos, exigindo a necessária
temperança decorrente dos fatos da vida por parte do julgador (art. 375, CPC).
22 - Assim sendo, é de se concluir que o impedimento da autora já estava presente ao menos
desde 07/2013. Repisa-se que, nos relatórios médicos transcritos supra, atestou-se que ela
sofre de transtornos psiquiátricos de há muito.
23 - Cumpridos, portanto, os requisitos qualidade de segurado e carência, quando do início da
incapacidade total e temporária, acertada a concessão de auxílio-doença, nos exatos termos do
art. 59 da Lei 8.213/91.
24 - Acerca do termo inicial do benefício, o entendimento consolidado do E. STJ, exposto na
súmula 576, enuncia que: "ausente requerimento administrativo no INSS, o termo inicial para a
implantação da aposentadoria por invalidez concedida judicialmente será a data da citação
válida". Haja vista a apresentação de requerimento administrativo em 19.12.2013, de rigor a
fixação da DIB nesta data.
25 - Quanto à fixação de uma DCB, é cediço que o auxílio-doença, nos termos do art. 101,
caput, da Lei nº 8.213/91, é benefício previdenciário de caráter temporário, cabendo ao
segurado a submissão a exames médicos a cargo da Previdência, a fim de se verificar eventual
alteração no estado de saúde e na situação fática que culminou a concessão.
26 - Também denominada de COPES (Cobertura Previdenciária Estimada), a "alta programada"
consiste na cessação do benefício, na data fixada pelo INSS, sem realização de nova perícia.
Era prevista apenas no art. 78, §1º, do Regulamento da Previdência Social (Decreto nº
3.048/99), encontrando, atualmente, guarida no art. 60, §§8º e 9º, da Lei nº 8.213/91, alterado
pela MP 739/2016 (que perdeu vigência) e pela MP 767/2017, que, por sua, vez foi convertida
na Lei 13.457/2017.
27 - Não obstante a celeuma em torno do tema, inexiste óbice à fixação de data para a
cessação do auxílio-doença, eis que a previsão de alta é feita com supedâneo em perícia
médica e, ainda, se oportuniza ao segurado, nos termos do RPS, a possibilidade de solicitar a
realização de novo exame pericial, com consequente pedido de prorrogação do benefício, na
forma estabelecida pelo INSS (geralmente, nos 15 dias anteriores à data preestabelecida).
28 - Se possível a fixação da data de alta pelo INSS, com fundamento em perícia
administrativa, com mais razão o magistrado pode também assim o determinar, já que sua
decisão é lastreada em prova médica elaborada por profissional equidistante das partes. Não
por outra razão todas as modificações legislativas, que trataram sobre a COPES, admitiam e
admitem a possibilidade de o próprio Juízo fixar na sentença a data da alta do postulante.
29 - No presente caso, contudo, não era e ainda não é possível estabelecer uma data
específica para a cessação da benesse da demandante.
30 - Por se tratar de portadora de “transtorno depressivo recorrente” (CID10 - F33), transtorno
este caracterizado justamente por períodos de melhora e piora, resta impossibilitada a fixação
de uma DCB a priori. Nessa senda, o INSS deverá submeter a parte autora à perícias
administrativas periódicas, a fim de aferir continuidade ou não do seu quadro incapacitante, e só
aí cessar a benesse, observando-se, é claro, a necessidade de que esta também efetue
requerimentos de prorrogação de auxílio-doença sucessivos, na forma do art. 60, §9º, da Lei
8.213/91.
31 - Deverão ser descontados dos atrasados os valores percebidos pela requerente, em
período concomitante ao da condenação, à título de benefício por incapacidade, seja em razão
de deferimento administrativo, seja em virtude de antecipação dos efeitos da tutela aqui
concedida, sob pena de incorrer em enriquecimento ilícito.
32 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
33 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
34 - Remessa necessária não conhecida. Preliminar rejeitada. Apelaçãoda parte autora provida.
Apelo doINSS parcialmente provido. Sentença reformada em parte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer da remessa necessária, rejeitar a matéria preliminar, dar
provimento à apelação da parte autora para fixar a DIB do auxílio-doença na data da
apresentação de requerimento administrativo, que se deu em 19.12.2013, dar parcial
provimento à apelação do INSS para que sejam descontados dos atrasados os valores
porventura percebidos pela parte autora, a título de benefício previdenciário por incapacidade,
em período concomitante ao da condenação, bem como para que os juros de mora, incidentes
até a expedição do ofício requisitório, sejam fixados de acordo com o Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, e,
por fim, de ofício, determinar que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser
calculada de acordo com o mesmo Manual até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de
quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
