Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2005433 / SP
0029807-31.2014.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
07/10/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/10/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA SUJEITA À REMESSA NECESSÁRIA. SÚMULA 490, STJ.
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES
BIOLÓGICOS. TEMPO INSUFICIENTE PARA APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. AVERBAÇÃO. INCAPACIDADE NÃO CONFIGURADA. LAUDO PERICIAL.
INTERPRETAÇÃO A CONTRARIO SENSU. ART. 479, CPC. ADOÇÃO DAS CONCLUSÕES
PERICIAIS. MATÉRIA NÃO ADSTRITA À CONTROVÉRSIA MERAMENTE JURÍDICA.
AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INFIRMEM O PARECER DO EXPERTO. VALORAÇÃO DO
CONJUNTO PROBATÓRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE INDEVIDO. SUCUMBÊNCIA
RECÍPROCA. APELO DO AUTOR DESPROVIDO. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO
DO INSS PARCIALMENTE PROVIDAS.
1 - A sentença submetida à apreciação desta Corte foi proferida em 16/12/2013, sob a égide,
portanto, do Código de Processo Civil de 1973. No caso, o INSS foi condenado a reconhecer
período de labor especial e a implantar, em favor da autora, o benefício de aposentadoria
integral por tempo de contribuição, a partir da data da citação. Assim, não havendo como se
apurar o valor da condenação, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário,
nos termos do inciso I, do artigo retro mencionado e da Súmula 490 do STJ.
2 - No caso, o INSS foi condenado a reconhecer período de labor especial e a implantar, em
favor da autora, o benefício de aposentadoria integral por tempo de contribuição, a partir da
data da citação. Assim, não havendo como se apurar o valor da condenação, trata-se de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário, nos termos do inciso I, do artigo retro
mencionado e da Súmula 490 do STJ.
3 - Verifica-se que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal,
especificamente na Lei de Benefícios.
4 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial (STJ, AgRg no REsp
493.458/RS e REsp 491.338/RS; Súmula nº 13 TR-JEF-3ªR; artigo 70, § 1º, Decreto nº
3.048/1999).
5 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a conversão
do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da categoria
profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março
de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo
art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou, inicialmente, a Lei de
Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva exposição aos agentes
agressivos, exceto para ruído e calor.
6 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
7 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais.
8 - Com o advento da Lei nº 6.887/1980, ficou claramente explicitado na legislação a hipótese
da conversão do tempo laborado em condições especiais em tempo comum, de forma a
harmonizar a adoção de dois sistemas de aposentadoria díspares, um comum e outro especial,
o que não significa que a atividade especial, antes disso, deva ser desconsiderada para fins de
conversão, eis que tal circunstância decorreria da própria lógica do sistema.
9 - Posteriormente, a Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996, sucessivamente reeditada até
a Medida Provisória nº 1.523-13, de 25/10/1997, convalidada e revogada pela Medida
Provisória nº 1.596-14, de 10/11/1997, e ao final convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/1997,
modificou o artigo 58 e lhe acrescentou quatro parágrafos. A regulamentação dessas regras
veio com a edição do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, em vigor a partir de sua publicação, em
06/03/1997, que passou a exigir laudo técnico das condições ambientais de trabalho, expedido
por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
10 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
11 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
12 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
13 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
14 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível
de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso
concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
15 - Acresça-se, ainda, ser possível a conversão do tempo especial em comum,
independentemente da data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da
conjugação das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
16 - Observa-se que o fator de conversão a ser aplicado é o 1,20, em se tratando de segurada
do sexo feminino, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação
sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
17 - A r. sentença reconheceu o labor especial no período de 01/04/1996 a 13/02/2007 e
condenou o INSS a implantar, em favor da autora, o benefício de aposentadoria integral por
tempo de contribuição, a partir da data da citação.
18 - Conforme Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP (fls. 08/09), no período de 01/04/1996
a 13/02/2007, laborado na Prefeitura Municipal de Ipuã, a autora exerceu o cargo de "ajudante
de manutenção", em que executava tarefas de coletar lixo nas vias e logradouros públicos,
mantendo a limpeza e higiene, zelava pela limpeza das áreas de lazer, recolhia o lixo
amontoado ou acondicionado em latões, para manter os referidos locais em condições de
higiene; exposta a "bactérias, vírus e bacilos", agentes biológicos enquadrados no código 1.3.0
do Anexo do Decreto nº 53.831/64 e no código 1.3.0 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79.
19 - Possível, portanto, o reconhecimento da especialidade do labor no período de 01/04/1996 a
13/02/2007.
20 - O intervalo de percepção de auxílio-doença (11/08/2004 a 31/12/2006 - fl. 142) é
considerado especial, consoante orientação firmada no julgamento do REsp 1.723.181-RS pelo
C. STJ, no sentido de que períodos em gozo de auxílio-doença - quer acidentário, quer
previdenciário - devem ser considerados como de caráter especial (tese fixada na apreciação
do Tema 998).
21 - Com o advento da emenda constitucional 20/98, extinguiu-se a aposentadoria proporcional
para os segurados que se filiaram ao RGPS a partir de então (16 de dezembro de 1998),
assegurada, no entanto, essa modalidade de benefício para aqueles já ingressos no sistema,
desde que preencham o tempo de contribuição, idade mínima e tempo adicional nela previstos.
22 - Oportuno registrar que o atendimento às denominadas "regras de transição" deve se dar de
forma cumulativa e a qualquer tempo, bastando ao segurado, para tanto, ser filiado ao sistema
por ocasião da alteração legislativa em comento.
23 - Desta forma, conforme tabela anexa, após converter o período especial em tempo comum,
aplicando-se o fator de conversão de 1.2, e somá-los aos demais períodos comuns já
reconhecidos administrativamente pelo INSS (fls. 145) e anotados em CTPS (fls. 10/14);
verifica-se que a autora, na data da publicação da EC 20/98 (16/12/1998), contava com 8 anos,
1 mês e 25 dias de tempo total de atividade; insuficiente para a concessão do benefício de
aposentadoria.
24 - Computando-se períodos posteriores, observa-se que, na data do ajuizamento da ação
(27/11/2012 - fl. 01), a autora contava com 17 anos, 11 meses e 11 dias de tempo total de
atividade; assim, não havia cumprido o "pedágio" necessário para fazer jus ao benefício de
aposentadoria proporcional por tempo de contribuição.
25 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
26 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo
de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
27 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o
tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou
ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
28 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado
que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
29 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
moléstia.
30 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de
segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar
todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina
denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos
termos do art. 15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e
quatro) meses o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120
(cento e vinte) meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua
vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será
acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa
situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
31 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
32 - No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base
em exame realizado em 06 de junho de 2013 (fls. 175/205), consignou o seguinte: "O autor é
portador de Osteoartrose de mãos, tendinopatia do supra espinhal e Escoliose de coluna
vertebral. A condição médica apresentada não é geradora de incapacidade laborativa no
momento do exame pericial".
33 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que
dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento
motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à
controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em
sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames
ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal
aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso
concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto
probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis
Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima,
DJE. 12/11/2010.
34 - Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrito no órgão competente,
o qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de
histórico da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando
demais análises que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório,
referida prova técnica merece confiança e credibilidade.
35 - Não reconhecida a incapacidade absoluta para o labor, requisito indispensável à
concessão de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença, como exigem os já citados
artigos 42 e 59 da Lei 8.213/91, de rigor o indeferimento do pedido.
36 - Reconhece-se a sucumbência recíproca, deixando-se de condenar as partes em
honorários advocatícios, conforme prescrito no art. 21 do CPC/73, e em custas processuais,
dada a gratuidade da justiça conferida à parte autora (fl. 159) e por ser o INSS delas isento.
37 - Apelo do autor desprovido. Remessa necessária e apelação do INSS parcialmente
providas.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à
apelação da parte autora e dar parcial provimento às remessa necessária, tida por interposta, e
apelação do INSS para, mantendo o reconhecimento da especialidade laboral apenas quanto
ao intervalo de 01/04/1996 a 13/02/2007, a ser averbado pela autarquia previdenciária, julgar
improcedente o pedido de concessão de "aposentadoria por tempo de contribuição", alfim
decretando a sucumbência recíproca, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
