
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013822-51.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA IZABEL DA SILVA NASCIMENTO
Advogado do(a) APELADO: ANDRE PIACITELLI - SP292372-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013822-51.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA IZABEL DA SILVA NASCIMENTO
Advogado do(a) APELADO: ANDRE PIACITELLI - SP292372-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por MARIA IZABEL DA SILVA NASCIMENTO, objetivando a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
A r. sentença julgou procedente o pedido deduzido, condenando o INSS na concessão e no pagamento dos atrasados de auxílio-doença, desde a data do indeferimento administrativo, que se deu em 03.06.2014 (ID 102978428, p. 26). Fixou correção monetária e juros de mora nos termos da Lei 11.960/09. Condenou o INSS, ainda, no pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, apurado em sede liquidatária (ID 102978428, p. 115-116).
Em razões recursais, o INSS pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que a demandante não demonstrou ser totalmente incapaz, já que a autora trabalhou após a fixação da DII pelo experto e da DER, não fazendo jus à aposentadoria por invalidez, nem a auxílio-doença. Em sede subsidiária, requer a fixação da DIB na data da elaboração do laudo médico, bem como o desconto das parcelas relativas aos meses que desenvolveu atividade laboral (ID 102978428, p. 123-131).
A parte autora apresentou contrarrazões (ID 102978429, p. 01-04).
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013822-51.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA IZABEL DA SILVA NASCIMENTO
Advogado do(a) APELADO: ANDRE PIACITELLI - SP292372-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
De início, destaco o cabimento da remessa necessária no presente caso.
A sentença submetida à apreciação desta Corte foi proferida em 13.01.2016, sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973.
De acordo com o artigo 475, §2º, do CPC/1973:
"Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:
I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;
II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).
§1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.
§2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.
§3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente".
No caso, houve condenação do INSS na concessão e no pagamento dos atrasados de auxílio-doença, desde a data do indeferimento administrativo, que se deu em 03.06.2014 (ID 102978428, p. 26).
Ante a iliquidez do
decisum
, cabível a remessa necessária, nos termos da Súmula 490 do STJ.Passo à análise do mérito
.A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência.
Ao passo que o auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da
legis
).No entanto, independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
Cumpre salientar que, a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da moléstia.
Ademais, é necessário, para o implemento dos beneplácitos em tela, revestir-se do atributo de segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios.
É de se observar, ainda, que o §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
Por sua vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
Por fim, saliente-se que, havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.
Do caso concreto
.No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo
a quo
, com base em exame realizado em 02 de julho de 2015 (ID 102978428, p. 88-94), consignou o seguinte:"
A autora tem 54 anos e baixa escolaridade. Queixa-se de dores em coluna lombar e cervical e transtorno psíquico.
A radiografia de coluna cervical e a tomografia de coluna lombar não mostram sinais de lesões sugestivas de síndrome dolorosa. O exame físico não mostrou sinais de limitação funcional cervical, mas mostra sinais de lombalgia aguda.
Tem queixas de joelho, sem sinais de limitação ao exame físico e por não constar na inicial do processo, não foi investigada com exames subsidiários.
Exame psíquico mostrou autora com sinais de depressão e ansiedade, que podem ter origem na sua situação de vida. Nunca tratou.
Não existe indicação de aposentadoria por invalidez. Autora deve ser afastada para tratamento da lombalgia aguda e buscar diagnóstico e tratamento de transtorno psíquico.
Conclui-se por incapacidade total e temporária".
Assevero que da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial,
a contrario sensu
do que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrito no órgão competente, o qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de histórico da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando demais análises que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório, referida prova técnica merece confiança e credibilidade.
Reconhecida a incapacidade total e temporária da demandante para o trabalho, nos exatos termos do já mencionado art. 59 da Lei 8.213/91, se mostra de rigor a concessão de auxílio-doença.
Nem se alegue que o fato ter laborado, após a DII fixada pelo experto ou após a apresentação de requerimento administrativo, atesta a recuperação de sua capacidade.
Não há dúvida que os benefícios por incapacidade servem justamente para suprir a ausência da remuneração do segurado que tem sua força de trabalho comprometida e não consegue exercer suas ocupações profissionais habituais, em razão de incapacidade temporária ou definitiva. Assim como não se questiona o fato de que o exercício de atividade remunerada, após a implantação de tais benefícios, implica na sua imediata cessação. E os princípios que dão sustentação ao raciocínio são justamente os da vedação ao enriquecimento ilícito e da coibição de má-fé do segurado. É, inclusive, o que deixou expresso o legislador no art. 46 da Lei nº 8.213/91, em relação à aposentadoria por invalidez.
Completamente diferente, entretanto, é a situação do segurado que se vê compelido a ter de ingressar em juízo, diante da negativa da autarquia previdenciária em conceder benefício previdenciário, por considerar ausente algum dos requisitos necessários. Ora, havendo pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento da situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura má-fé e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade e nada mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser humano. Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o sustento do segurado fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o incapacitado ou, então, para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização patrimonial daquele que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até o fim e teve de suportar o calvário processual.
Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado, com a impossibilidade de concessão de benefício judicialmente, em virtude de suposta ausência de incapacidade. Até porque, nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho, absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do regime. Neste sentido já decidiu esta Corte, conforme arestos a seguir reproduzidos:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LABORATIVA APÓS A CESSAÇÃO DO AUXÍLIO-DOENÇA. DESCONTO DOS VALORES NO PERÍODO DO SUPOSTO TRABALHO. IMPOSSIBILIDADE. LEI 11.960/09. APLICAÇÃO COM RELAÇÃO À CORREÇÃO MONETÁRIA. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O fato da autora ter trabalhado ou voltado a trabalhar, por si só, não significa que tenha recuperado a capacidade laborativa, uma vez que pode tê-lo feito por razão de extrema necessidade e de sobrevivência, ainda mais se tratando de empregada doméstica, não obstante incapacitada para tal.
Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência (Súmula 576 do STJ).
Tendo em vista a apresentação de requerimento administrativo em 19.05.2014 (ID 102978428, p. 24), seria de rigor a fixação da DIB nesta data. Todavia, como a parte diretamente interessada na modificação do termo inicial para tanto - autora - não interpôs recurso, mantenho a sentença tal como lançada no particular (03.06.2014).
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos
ex tunc
do mencionado pronunciamento.Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente, no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, incidindo, todavia, apenas sobre as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
O termo
ad quem
a ser considerado continua sendo a data da prolação da sentença, ainda que reformada. E isso se justifica pelo princípio constitucional da isonomia. Explico. Na hipótese de procedência do pleito em 1º grau de jurisdição e sucumbência da autarquia previdenciária, o trabalho do patrono, da mesma forma que no caso de improcedência, perdura enquanto não transitada em julgado a decisão final. O que altera são, tão somente, os papéis exercidos pelos atores judicias que, dependendo da sorte do julgamento, ocuparão polos distintos em relação ao que foi decidido. Portanto, não considero lógico e razoável referido discrímen, a ponto de justificar o tratamento diferenciado, agraciando com maior remuneração profissionais que exercem suas funções em 1º e 2º graus com o mesmo empenho e dedicação.Por fim, no que tange à possibilidade de recebimento do benefício no período em que a parte autora estava trabalhando enquanto aguardava seu deferimento, verifica-se que a questão é objeto do Tema n.º 1.013, afetado pelo c. Superior Tribunal de Justiça na sistemática de apreciação de recurso especial repetitivo, com determinação de suspensão da tramitação de processos que tratem da matéria, nos termos do § 1º do art. 1.036 do CPC.
Não obstante, entendo que a conclusão sobre a possibilidade de percepção dos valores de benefício concomitante com a atividade laborativa exercida até sua implantação não altera a análise cognitiva sobre o direito à concessão do benefício, trazendo reflexos tão somente em relação ao
quantum debeatur
.Assim, considerando que a questão (i) é matéria inerente à liquidação e cumprimento do julgado e (ii) constitui tema cuja análise se encontra suspensa na sistemática de apreciação de recurso especial repetitivo, bem como, que (iii) a garantia constitucional da duração razoável do processo recomenda o curso regular do processo, até o derradeiro momento em que a ausência de definição sobre o impasse sirva de efetivo obstáculo ao andamento do feito; determino que a controvérsia em questão deverá ser apreciada pelo juízo da execução, de acordo com a futura deliberação do tema pelo E. STJ (nesse sentido, confira-se: TRF3, AR 5023457242018403000, relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, j. 27.02.2020).
Ante o exposto,
nego provimento
à apelação do INSS edou parcial provimento
à remessa necessária, tida por interposta, para determinar que o percentual, de 10% (dez por cento) da verba honorária, incida tão somente sobre as parcelas vencidas até a data de prolação da r. sentença de 1º grau de jurisdição, bem como para estabelecer que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o mesmo Manual, observando-se o acima expendido quanto à possibilidade de percepção dos valores de benefício concomitante com a atividade laborativa exercida até sua implantação.É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA SUJEITA À REMESSA NECESSÁRIA. SÚMULA 490, STJ. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE TOTAL E TEMPORÁRIA CONFIGURADA. LAUDO PERICIAL. INTERPRETAÇÃO
A CONTRARIO SENSU
. ART. 479, CPC. ADOÇÃO DAS CONCLUSÕES PERICIAIS. MATÉRIA NÃO ADSTRITA À CONTROVÉRSIA MERAMENTE JURÍDICA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INFIRMEM O PARECER DO EXPERTO. VALORAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. CONVICÇÕES DO MAGISTRADO. PERMANÊNCIA NO TRABALHO APESAR DA INCAPACIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE. SOBREVIVÊNCIA. DESDOBRAMENTO DO DIREITO CONSTITUCIONAL À VIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRECEDENTE DESTA CORTE. AUXÍLIO-DOENÇA DEVIDO. DIB. DATA DO INDEFERIMENTO ADMINISTRATIVO. SÚMULA 576, STJ. AUSÊNCIA DE RECURSO DA PARTE INTERESSADA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111, STJ. PERCEPÇÃO DE VALORES DE BENEFÍCIO CONCOMITANTE COM A ATIVIDADE LABORATIVA EXERCIDA ATÉ SUA IMPLANTAÇÃO. JUÍZO DA EXECUÇÃO. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA. REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. VERBA HONORÁRIA MODIFICADA. ALTERAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO DA CORREÇÃO MONETÁRIA E DOS JUROS DE MORA. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.1 - Cabimento da remessa necessária no presente caso. A sentença submetida à apreciação desta Corte foi proferida em 13.01.2016, sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973. No caso, houve condenação do INSS na concessão e no pagamento dos atrasados de auxílio-doença, desde a data do indeferimento administrativo, que se deu em 03.06.2014 (ID 102978428, p. 26). Ante a iliquidez do
decisum
, cabível a remessa necessária, nos termos da Súmula 490 do STJ.2 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
3 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência.
4 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da
legis
).5 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
6 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da moléstia.
7 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
8 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.
9 - No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo
a quo
, com base em exame realizado em 02 de julho de 2015 (ID 102978428, p. 88-94), consignou o seguinte: "A autora tem 54 anos e baixa escolaridade. Queixa-se de dores em coluna lombar e cervical e transtorno psíquico. A radiografia de coluna cervical e a tomografia de coluna lombar não mostram sinais de lesões sugestivas de síndrome dolorosa. O exame físico não mostrou sinais de limitação funcional cervical, mas mostra sinais de lombalgia aguda. Tem queixas de joelho, sem sinais de limitação ao exame físico e por não constar na inicial do processo, não foi investigada com exames subsidiários. Exame psíquico mostrou autora com sinais de depressão e ansiedade, que podem ter origem na sua situação de vida. Nunca tratou. Não existe indicação de aposentadoria por invalidez. Autora deve ser afastada para tratamento da lombalgia aguda e buscar diagnóstico e tratamento de transtorno psíquico. Conclui-se por incapacidade total e temporária".10 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial,
a contrario sensu
do que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.11 - Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrito no órgão competente, o qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de histórico da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando demais análises que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório, referida prova técnica merece confiança e credibilidade.
12 - Reconhecida a incapacidade total e temporária da demandante para o trabalho, nos exatos termos do já mencionado art. 59 da Lei 8.213/91, se mostra de rigor a concessão de auxílio-doença.
13 - Nem se alegue que o fato de ter laborado, após a DII fixada pelo experto ou após a apresentação de requerimento administrativo, atesta a recuperação de sua capacidade.
14 - Não há dúvida que os benefícios por incapacidade servem justamente para suprir a ausência da remuneração do segurado que tem sua força de trabalho comprometida e não consegue exercer suas ocupações profissionais habituais, em razão de incapacidade temporária ou definitiva. Assim como não se questiona o fato de que o exercício de atividade remunerada, após a implantação de tais benefícios, implica na sua imediata cessação. E os princípios que dão sustentação ao raciocínio são justamente os da vedação ao enriquecimento ilícito e da coibição de má-fé do segurado. É, inclusive, o que deixou expresso o legislador no art. 46 da Lei nº 8.213/91, em relação à aposentadoria por invalidez.
15 - Completamente diferente, entretanto, é a situação do segurado que se vê compelido a ter de ingressar em juízo, diante da negativa da autarquia previdenciária em conceder benefício previdenciário, por considerar ausente algum dos requisitos necessários. Ora, havendo pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é obvio que outra alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento da situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura má-fé e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade e nada mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser humano. Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o sustento do segurado fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o incapacitado ou, então, para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização patrimonial daquele que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até o fim e teve de suportar o calvário processual.
16 - Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado, com a impossibilidade de concessão de benefício judicialmente, em virtude de suposta ausência de incapacidade. Até porque, nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho, absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do regime. Neste sentido já decidiu esta Corte: AC 0036499-51.2011.4.03.9999, 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Baptista Pereira, j. 05/02/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/02/2013.
17 - Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência (Súmula 576 do STJ). Tendo em vista a apresentação de requerimento administrativo em 19.05.2014 (ID 102978428, p. 24), seria de rigor a fixação da DIB nesta data. Todavia, como a parte diretamente interessada na modificação do termo inicial para tanto - autora - não interpôs recurso, mantida a sentença tal como lançada no particular (03.06.2014).
18 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos
ex tunc
do mencionado pronunciamento.19 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
20 - Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente, no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, incidindo, todavia, apenas sobre as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça. O termo
ad quem
a ser considerado continua sendo a data da prolação da sentença, ainda que reformada. E isso se justifica pelo princípio constitucional da isonomia. Explica-se. Na hipótese de procedência do pleito em 1º grau de jurisdição e sucumbência da autarquia previdenciária, o trabalho do patrono, da mesma forma que no caso de improcedência, perdura enquanto não transitada em julgado a decisão final. O que altera são, tão somente, os papéis exercidos pelos atores judicias que, dependendo da sorte do julgamento, ocuparão polos distintos em relação ao que foi decidido. Portanto, não é lógico e razoável referido discrímen, a ponto de justificar o tratamento diferenciado, agraciando com maior remuneração profissionais que exercem suas funções em 1º e 2º graus com o mesmo empenho e dedicação.21 - A conclusão sobre a possibilidade de percepção dos valores de benefício concomitante com a atividade laborativa exercida até sua implantação não altera a análise cognitiva sobre o direito à concessão do benefício, trazendo reflexos tão somente em relação ao
quantum debeatur
. Referida controvérsia deverá ser apreciada pelo juízo da execução, de acordo com a futura deliberação do Tema nº 1.013 pelo E. STJ, por ser matéria inerente à liquidação e cumprimento do julgado. Observância da garantia constitucional da duração razoável do processo. Ressalva quanto aos honorários advocatícios. Precedente da 3ª Seção deste e. Tribunal.22 - Apelação do INSS desprovida. Remessa necessária conhecida e parcialmente provida. Verba honorária modificada. Alteração dos critérios de aplicação da correção monetária e dos juros de mora. Sentença reformada em parte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS e dar parcial provimento à remessa necessária, tida por interposta, para determinar que o percentual, de 10% (dez por cento) da verba honorária, incida tão somente sobre as parcelas vencidas até a data de prolação da r. sentença de 1º grau de jurisdição, bem como para estabelecer que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o mesmo Manual, observando-se o acima expendido quanto à possibilidade de percepção dos valores de benefício concomitante com a atividade laborativa exercida até sua implantação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
