Processo
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1968192 / SP
0013622-15.2014.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
08/04/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/04/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA SUJEITA À REMESSA NECESSÁRIA. SÚMULA 490 DO
STJ. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.
QUALIDADE DE SEGURADO DEMONSTRADA. PRORROGAÇÃO POR 24 (VINTE E
QUATRO) MESES. SITUAÇÃO DE DESEMPREGO. COMPROVAÇÃO. ART. 15, §2º, DA LEI
8.213/91. INCIDÊNCIA. CUMPRIMENTO DA CARÊNCIA LEGAL. LAUDO PERICIAL.
SEQUELAS DE POLIOMIELITE. INCAPACIDADE PARCIAL E PERMANENTE. IDADE
RELATIVAMENTE AVANÇADA. ANÁLISE DO CONTEXTO SOCIOECONÔMICO E
HISTÓRICO LABORAL. SÚMULA 47 DO TNU. PRECEDENTE DO STJ. INCAPACIDADE
ABSOLUTA E PERMANENTE CONFIGURADA. PREEXISTÊNCIA DA INCAPACIDADE.
INOCORRÊNCIA. ARTS. 42, §2º, E 59, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.213/91.
INAPLICABILIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ DEVIDA. DIB. DATA DA CITAÇÃO.
SÚMULA 576 DO STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111 DO STJ. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA.
SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. TUTELA ESPECÍFICA
CONCEDIDA. APELO DO INSS E REMESSA NECESSÁRIA PREJUDICADOS.
1 - Cabimento da remessa necessária no presente caso. A sentença submetida à apreciação
desta Corte foi proferida em 19/07/2013, sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de
1973. No caso, houve condenação do INSS na concessão e no pagamento dos atrasados de
benefício de auxílio-doença, desde a data da citação (31/08/2009 - fl. 29). Ante a evidente
iliquidez do decisum, cabível a remessa necessária, nos termos da súmula 490 do Superior
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Tribunal de Justiça.
2 - A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da
Seguridade Social, no art. 201, I, da Constituição Federal.
3 - A Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, preconiza que o benefício previdenciário da
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência
exigido de 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for
considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para exercício da atividade que lhe garanta
a subsistência.
4 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência, que tiver cumprido o tempo
supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação
habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
5 - O ato de concessão ou de reativação do auxílio-doença deve, sempre que possível, fixar o
prazo estimado de duração, e, na sua ausência, será considerado o prazo de 120 (cento e
vinte) dias, findo o qual cessará o benefício, salvo se o segurado postular a sua prorrogação
(§11 do art. 60 da Lei nº 8.213/91, incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017).
6 - Independe de carência, entretanto, a concessão do benefício nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, conforme art. 26, II, da Lei
nº 8.213/91, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social -
RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 do mesmo diploma
legislativo.
7 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime, não impede o
deferimento do benefício se tiver decorrido a inaptidão de progressão ou agravamento da
moléstia.
8 - Necessário para o implemento do beneplácito em tela, revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a sua situação, o qual pode ser prorrogado por
24 (vinte e quatro) meses aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses, nos
termos do art. 15 e §1º da Lei.
9 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar com 6 (seis)
contribuições mensais, a partir da nova filiação à Previdência Social, para efeitos de carência,
para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez (art. 27-A da
Lei nº 8.213/91, incluído pela Lei 13.457, de 2017).
10 - No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base
em exame realizado em 10 de maio de 2010 (fls. 81/85, 106/107, 128/129 e 136/137),
diagnosticou o requerente como portador de "sequelas de poliomielite". Consignou que o autor
"apresenta limitação para aquelas atividades laborativas sem que tenha que fazer bipedestação
e/ou caminhadas, assim como aquelas que tenha que levantar ou suportar pesos (
incapacidade parcial e permanente). Entretanto está apto a desenvolver demais funções que
possa prover seu sustento" A princípio, havia indicado que a incapacidade do requerente surgiu
no ano de 2007, porém, em sua última manifestação.
11 - Ainda que o laudo pericial tenha apontado pelo impedimento parcial do autor, se afigura
pouco crível que, quem sempre trabalhou em atividades que exigem razoável higidez física
("serviços gerais", "ajudante de produção", "auxiliar de serrador" e "ajudante de montagem" -
CTPS de fls. 11/15) e que conta, atualmente, com mais de 46 (quarenta e seis) anos de idade,
sendo portador de "sequelas de polimielite", vá conseguir, após reabilitação, capacitação e
treinamento, recolocação profissional em outras funções.
12 - Dessa forma, tem-se que o demandante é incapaz e totalmente insusceptível de
reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência, sobretudo, em virtude
do seu contexto socioeconômico, histórico laboral e das patologias de que é portador, o que
enseja a concessão de aposentadoria por invalidez.
13 - Análise do contexto social e econômico, com base na súmula 47 da Turma Nacional de
Uniformização dos Juizados Especiais Federais e da jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça: STJ - AgRg no Ag: 1270388 PR 2010/0010566-9, Relator: Ministro JORGE MUSSI,
Data de Julgamento: 29/04/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2010..
14 - Informações extraídas da Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS do autor,
acostada às fls. 11/15, dão conta que seu último vínculo empregatício, com ao menos 4 (quatro)
contribuições previdenciárias, se deu entre 01º/11/1999 e 21/02/2000, junto à FONSEQUE IND
E COM LTDA ME. Inviável, no entanto, se valer do vínculo que manteve junto à LUIS
ROBERTO SALGADO ME, de 02/05/2002 a 01º/08/2002, posto que, quanto a este, o autor não
havia cumprido com a carência, para fins de concessão de benefício por incapacidade, no caso
de reingresso no RGPS (art. 24, parágrafo único, e 25, I, da Lei 8.213/91, em sua redação
originária). Portanto, teria permanecido como filiado à Previdência, contabilizando-se a
prorrogação legal de 12 (doze) meses da manutenção da qualidade de segurado, até
15/04/2001 (art. 30, II, da Lei 8.212/91 c/c arts. 13, II, e 14, do Decreto 3.048/99).
15 - É inconteste, consoante o documento supra, que o autor não promoveu recolhimentos para
a Previdência Social por 120 (cento e vinte) meses, de forma seguida e sem intervalos, não se
enquadrando na hipótese prevista no art. 15, §1º, da Lei 8.213/91.
16 - Por outro lado, encontrava-se em situação de desemprego, desde o encerramento de seu
último vínculo empregatício apto a cumprir o período de carência, para fins de concessão de
benefício por incapacidade, de sorte a também fazer jus ao acréscimo de outros 12 (doze)
meses em prorrogação do prazo de manutenção de sua qualidade de segurado, nos termos do
§2º do mesmo artigo.
17 - Quanto ao ponto, ressalta-se que a comprovação da situação de desemprego não se dá,
com exclusividade, por meio de registro em órgão próprio do Ministério do Trabalho e da
Previdência Social.
18 - Nesse sentido, já se posicionava a Turma de Uniformização de Jurisprudência dos
Juizados Especiais Federais, conforme o enunciado de Súmula n.º 27 ("A ausência de registro
em órgão do Ministério do Trabalho não impede a comprovação de desemprego por outros
meios admitidos em Direito."). Posteriormente, a 3ª Seção do c. Superior Tribunal de Justiça,
em incidente de uniformização de interpretação de lei federal (Petição n.º 7115/PR, relator
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 06.04.2010), sedimentou entendimento de que o
registro perante o Ministério do Trabalho e da Previdência Social não deve ser tido como o
único meio de prova da condição de desempregado do segurado, o qual poderá ser suprido
quando for comprovada tal situação por outras provas constantes dos autos, inclusive a
testemunhal, bem como asseverou que a ausência de anotação laboral na CTPS não é
suficiente para comprovar a situação de desemprego, já que não afasta a possibilidade do
exercício de atividade remunerada na informalidade.
19 - Não obstante, o julgador não pode se afastar das peculiaridades das situações concretas
que lhe são postas, a fim de conferir ao conjunto probatório, de forma motivada, sua devida
valoração.
20 - Tratando-se, entretanto, de segurado filiado ao RGPS que tentou, durante toda a sua vida,
apesar dos graves problemas de saúde que o acometem, manter a condição de empregado (de
01º/03/1990 a 29/08/1991; de 01º/04/1992 a 20/12/1993; de 01º/11/1999 a 21/02/2000; e, por
fim, de 02/05/2002 a 01º/08/2002), milita em seu favor, ante as máximas de experiência,
subministradas pela observação do que ordinariamente acontece - artigo 375 do CPC -, a
presunção de desemprego, contra a qual não produziu a autarquia prova em sentido contrário.
21 - Em síntese, considerando o encerramento do seu vínculo empregatício junto à
FONSEQUE IND COM LTDA ME, em 21/02/2000, computando-se o total de 24 (vinte e quatro)
meses da manutenção da qualidade de segurado, tem-se que esta perduraria até 15/04/2002.
Logo, em data muito próxima ao início da incapacidade fixado pelo expert, o requerente
mantinha sua qualidade de segurado e, por conseguinte, se mostra de rigor a concessão de
benefício de aposentadoria por invalidez.
22 - Com efeito, a diferença entre a data da perda da qualidade de segurado (15/04/2002) e a
DII fixada pelo expert (08/2002) é muito pequena, não podendo ser tomada em termos
matemáticos exatos, exigindo a necessária temperança decorrente dos fatos da vida por parte
do julgador. Em outras palavras: se mostra praticamente impossível que, 4 (quatro) meses
antes da data estabelecida pelo perito judicial, o autor não estava total e permanentemente
incapacitado para o labor.
23 - Embora tenha afirmado que a restrição é de origem congênita (DID), o vistor oficial
precisou a data em que a limitação do autor se tornou efetivamente impeditiva para o exercício
de sua atividade laboral - meados de 2002. Dessa forma, a conclusão do laudo pericial, aliada
às informações extraídas da CTPS, mencionadas supra, revela que, embora a deficiência seja
congênita, isso não impediu o autor de realizar sua atividade laboral habitual ao longo da vida,
até que o seu agravamento efetivamente consolidou um quadro de incapacidade total e
permanente, de modo que não pode ser aplicada ao demandante as vedações previstas nos
artigos 59, parágrafo único, e 42, §2º, da Lei 8.213/91.
24 - Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este
se dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua
inexistência (Súmula 576 do STJ). Haja vista a não apresentação de requerimento
administrativo específico de benefício previdenciário por incapacidade, de rigor a fixação da DIB
na data da citação.
25 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente quando da
elaboração da conta, com aplicação do IPCA-E nos moldes do julgamento proferido pelo C.
STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE) e com efeitos
prospectivos.
26 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
27 - Relativamente aos honorários advocatícios, consoante o disposto na Súmula nº 111, STJ,
estes devem incidir somente sobre o valor das parcelas devidas até a prolação da sentença,
ainda que reformada. E isso se justifica pelo princípio constitucional da isonomia. Na hipótese
de procedência do pleito em 1º grau de jurisdição e sucumbência da autarquia previdenciária, o
trabalho do patrono, da mesma forma que no caso de improcedência, perdura enquanto não
transitada em julgado a decisão final. O que altera são, tão somente, os papéis exercidos pelos
atores judicias que, dependendo da sorte do julgamento, ocuparão polos distintos em relação
ao que foi decidido. Portanto, não se mostra lógico e razoável referido discrímen, a ponto de
justificar o tratamento diferenciado, agraciando com maior remuneração profissionais que
exercem suas funções em 1º e 2º graus com o mesmo empenho e dedicação. Imperiosa, assim,
a incidência da verba honorária até a data do julgado recorrido, em 1º grau de jurisdição, e
também, na ordem de 10% (dez por cento), eis que as condenações pecuniárias da autarquia
previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual deve, por imposição legal,
ser fixada moderadamente, o que resta atendido com o percentual supra.
28 - Apelação da parte autora provida. Sentença reformada. Ação julgada procedente. Tutela
específica concedida. Apelo do INSS e remessa necessária prejudicados.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo
da parte autora para condenar o INSS na concessão e no pagamento dos atrasados de
aposentadoria por invalidez, desde a data da citação, sendo que os valores em atraso serão
corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora na forma da fundamentação, além de
condená-lo no pagamento de honorários advocatícios na ordem de 10% (dez por cento) sobre o
valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença de 1º grau de jurisdição,
deferindo-se, ainda, a antecipação dos efeitos da tutela, restando prejudicadas a apelação do
INSS e a remessa necessária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
