Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5003148-18.2020.4.03.6141
Relator(a)
Desembargador Federal MARIA LUCIA LENCASTRE URSAIA
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
06/10/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 08/10/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO.VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE AUXÍLIO-
ACIDENTE CUMULATIVAMENTE COM APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. TEMA
979 STJ. SUSPENSÃO DE EXIGIBILIDADE. CABIMENTO. BOA-FÉ NÃO AFASTADA.
- É entendimento consolidado da Egrégia 10ª. Turma desta Corte, que é defeso à Autarquia exigir
a devolução dos valores já pagos, pois, o C. STF decidiu que são irrepetíveis, quando percebidas
de boa-fé, as prestações previdenciárias, em função da sua natureza alimentar.
- O recebimento de boa-fé de valores a título de benefício previdenciário, pelo segurado ou
beneficiário, não são passíveis de devolução posto que se destinam à sua própria sobrevivência,
circunstância que o reveste de nítido caráter alimentar.
- A Primeira Seção do E. STJ, em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 979),
salvaguardou a boa-fé do segurado.
- Apelação do INSS não provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003148-18.2020.4.03.6141
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: KIMIKO NAGAOKA
Advogado do(a) APELADO: ROSELY FERRAZ DE CAMPOS - SP92567-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003148-18.2020.4.03.6141
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: KIMIKO NAGAOKA
Advogado do(a) APELADO: ROSELY FERRAZ DE CAMPOS - SP92567-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Proposta ação de
conhecimento de natureza previdenciária, objetivando a declaração de inexigibilidade de débito
apurado pelo INSS, relativo ao recebimento cumulado de auxílio-acidente e aposentadoria por
tempo de contribuição, bem como a restituição de valores indevidamente retidos a este título, foi
proferida sentença de procedência do pedido, para declarar a inexigibilidade do referido
débito,condenando-sea autarquia à devolução de eventuais valoresdescontados, bem como ao
pagamento de honorários advocatícios, fixados em10% sobre o valor da causa.
A sentença não foi submetida ao reexame necessário.
Inconformada, autarquia previdenciária, interpôs recurso de apelação, pugnando pela reforma
da sentença, para que seja julgado improcedenteopedido, sustentando que são devidos os
valores recebidos pela parte autora, independentemente de má-fé, alegando que a simples
constatação da boa-fé do segurado não o exime de restituir as quantias indevidas que
porventura receber.
Com contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003148-18.2020.4.03.6141
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: KIMIKO NAGAOKA
Advogado do(a) APELADO: ROSELY FERRAZ DE CAMPOS - SP92567-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Recebo o recurso de apelação
do INSS, nos termos do art. 1.010 do Código de Processo Civil, haja vista que tempestivo.
A parte autora recebeu auxílio-acidente desde 05/06/1990 e aposentadoria por tempo de
serviço a partir de 10/10/2006, tendo sido foi informada, em 27/12/2019, que, em razão de
acumulação indevida dos dois benefícios, deveria restituir ao INSS o valor de R$82.027,01 (Id.
160328070).
No tocante à impossibilidade da cobrança dos valores pagos a título de auxílio-acidente
cumulado com aposentadoria, o C. Supremo Tribunal Federal decidiu no sentido de ser
desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa-fé, devido ao seu caráter alimentar,
em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, conforme julgados abaixo transcritos:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO
COM AGRAVO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. NATUREZA ALIMENTAR. RECEBIMENTO
DE BOA - FÉ EM DECORRÊNCIA DE DECISÃO JUDICIAL. TUTELA ANTECIPADA
REVOGADA. DEVOLUÇÃO. (g.n.)
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já assentou que o benefício previdenciário
recebido de boa - fé pelo segurado, em decorrência de decisão judicial, não está sujeito à
repetição de indébito, em razão de seu caráter alimentar . Precedentes.
2. Decisão judicial que reconhece a impossibilidade de descontos dos valores indevidamente
recebidos pelo segurado não implica declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei nº
8.213/1991. Precedentes.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STF, ARE 734242 AgR, Relator Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em
04/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-175 DIVULG 04-09-2015 PUBLIC 08-09-2015);
AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ACÓRDÃO DO TCU QUE
DETERMINOU A IMEDIATA INTERRUPÇÃO DO PAGAMENTO DA URP DE FEVEREIRO DE
1989 (26,05%). EXCLUSÃO DE VANTAGEM ECONÔMICA RECONHECIDA POR DECISÃO
JUDICIAL COM TRÂNSITO EM JULGADO. NATUREZA ALIMENTAR E A PERCEPÇÃO DE
BOA-FÉ AFASTAM A RESTITUIÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS ATÉ A REVOGAÇÃO DA
LIMINAR. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido do descabimento da restituição
de valores percebidos indevidamente em circunstâncias, tais como a dos autos, em que o
servidor público está de boa-fé. (Precedentes: MS 26.085, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal
Pleno, DJe 13/6/2008; AI 490.551-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 3/9/2010).
2. A boa-fé na percepção de valores indevidos bem como a natureza alimentar dos mesmos
afastam o dever de sua restituição.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STF, MS 25921 AgR, Relator Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 01/12/2015,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-060 DIVULG 01-04-2016 PUBLIC 04-04-2016)".
O Pleno do STF, ao julgar o RE 638.115, novamente decidiu pela irrepetibilidade dos valores
recebidos de boa-fé até a data do julgamento, conforme a ata de julgamento de 23.03.2015,
abaixo transcrita:
“Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, apreciando o tema 395 da repercussão
geral, conheceu do recurso extraordinário, vencidos os Ministros Rosa Weber, Luiz Fux,
Cármen Lúcia e Celso de Mello. Em seguida, o Tribunal, por maioria, deu provimento ao
recurso extraordinário, vencidos os Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello. O
Tribunal, por maioria, modulou os efeitos da decisão para desobrigar a devolução dos valores
recebidos de boa - fé pelos servidores até esta data, nos termos do voto do relator, cessada a
ultra-atividade das incorporações concedidas indevidamente, vencido o Ministro Marco Aurélio,
que não modulava os efeitos da decisão. Impedido o Ministro Roberto Barroso . Presidiu o
julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 19.03.2015.
(RE 638115, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 19/03/2015, processo
eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-151 divulg 31-07-2015 public 03-08-2015)".
Neste passo, é entendimento consolidado da Egrégia 10ª. Turma desta Corte, que é defeso à
Autarquia exigir a devolução dos valores já pagos, pois, conforme acima exposto, o C. STF
decidiu que são irrepetíveis, quando percebidas de boa-fé, as prestações previdenciárias, em
função da sua natureza alimentar.
É dizer, o recebimento de boa-fé de valores a título de benefício previdenciário, pelo segurado
ou beneficiário, não são passíveis de devolução posto que se destinam à sua própria
sobrevivência, circunstância que o reveste de nítido caráter alimentar.
Acresce relevar, ainda, que a Primeira Seção do E. STJ, em julgamento sob o rito dos recursos
repetitivos (Tema 979), salvaguardou a boa-fé do segurado, conforme tese fixada:
“Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por
cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o
segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com
demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.”
O colegiado acompanhou o voto do relator, Ministro Benedito Gonçalves, para quem, na análise
dos casos de erro material ou operacional, deve-se averiguar a presença da boa-fé do
segurado, concernente à sua aptidão para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade
do pagamento. Houve modulação dos efeitos da decisão, que será aplicada aos processos
distribuídos na primeira instância a partir da publicação do acórdão (23/4/2021).
Anoto, ainda, que apesar da vedação ao recebimento conjunto do mencionado benefício com
aposentadoria datar do ano de 1997 (Lei nº 9.528), é certo que havia grande divergência na
jurisprudência quanto à cumulatividade na hipótese de o benefício suplementar ter sido
concedido em data anterior à alteração da lei, controvérsia que somente foi solucionada no
julgamento do REsp. 1.296.673/MG, representativo de controvérsia, em 22/08/2012:
"RECURSO REPETITIVO. CUMULAÇÃO DE APOSENTADORIA COM AUXÍLIO-ACIDENTE.
MOMENTO DA LESÃO.
A Seção, ao apreciar o REsp submetido ao regime do art. 543-C do CPC e Resolução n.
8/2008-STJ, consolidou o entendimento de que a cumulação de auxílio-acidente com proventos
de aposentadoria só é possível se a eclosão da doença incapacitante e a concessão da
aposentadoria forem anteriores à alteração do art. 86, §§ 2º e 3º, da Lei n. 8.213/1991,
promovida pela MP n. 1.596-14/1997, que posteriormente foi convertida na Lei n. 9.528/1997.
Quanto ao momento em que ocorre a lesão incapacitante em casos de doença profissional ou
do trabalho, deve ser observada a definição do art. 23 da Lei n. 8.213/1991, segundo o qual se
considera "como dia do acidente, no caso de doença profissional ou do trabalho, a data do
início da incapacidade laborativa para o exercício da atividade habitual, ou o dia da segregação
compulsória, ou o dia em que for realizado o diagnóstico, valendo para este efeito o que ocorrer
primeiro". Precedentes citados: REsp 1.244.257-RS, DJe 19/3/2012; AgRg no AREsp 163.986-
SP, DJe 27/6/2012; REsp 537.105-SP, DJ 17/5/2004, e AgRg no REsp 1.076.520-SP, DJe
9/12/2008.
(REsp 1.296.673-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 22/8/2012.)"
Dessa forma, por haver a decisão sido reformada em razão de alteração de jurisprudência, os
valores pagos pela Administração Pública em decorrência de interpretação deficiente ou
equivocada da lei, ou por força de decisão judicial, ainda que precária, não estão sujeitos à
restituição, em razão do caráter alimentar e boa-fé do segurado, o qual não contribuiu para a
realização do pagamento considerado indevido.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, na forma da
fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO.VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE AUXÍLIO-
ACIDENTE CUMULATIVAMENTE COM APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO.
TEMA 979 STJ. SUSPENSÃO DE EXIGIBILIDADE. CABIMENTO. BOA-FÉ NÃO AFASTADA.
- É entendimento consolidado da Egrégia 10ª. Turma desta Corte, que é defeso à Autarquia
exigir a devolução dos valores já pagos, pois, o C. STF decidiu que são irrepetíveis, quando
percebidas de boa-fé, as prestações previdenciárias, em função da sua natureza alimentar.
- O recebimento de boa-fé de valores a título de benefício previdenciário, pelo segurado ou
beneficiário, não são passíveis de devolução posto que se destinam à sua própria
sobrevivência, circunstância que o reveste de nítido caráter alimentar.
- A Primeira Seção do E. STJ, em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 979),
salvaguardou a boa-fé do segurado.
- Apelação do INSS não provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por
unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
