Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
6208816-69.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
24/04/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 28/04/2020
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E/OU AUXÍLIO
DOENÇA. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. NÃO
COMPARECIMENTO À PERÍCIA ADMINISTRATIVA. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PRETENSÃO
RESISTIDA. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS FIXADOS EM CONFORMIDADE COM O §8° DO ART. 85 do CPC/2015.
RECURSO DO INSS PREJUDICADO.
- Ação ajuizada em março de 2019 buscando o restabelecimento do benefício de auxílio doença
ou a concessão de aposentadoria por invalidez, sem prévio requerimento administrativo, com
demonstração de pretensão resistida, sendo inaplicável a regra de transição do RE 631.240/MG.
- Ausência de interesse processual, nos termos da atual jurisprudência do C. STF. Extinção do
feito sem resolução de mérito.
- Tutela antecipada revogada. A devolução dos valores recebidos a título de tutela antecipada
revogada deve ser decidida pelo juízo da execução. Artigo 302, I, e parágrafo único, do
CPC/2015 e Julgamento do Tema 692, pelo C. STJ.
- Honorários advocatícios fixados em conformidade com o §8º do art. 85 do CPC/2015, observada
a gratuidade da justiça.
- Extinção, de ofício, sem resolução do mérito. Apelação do INSS prejudicada.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6208816-69.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCELA FERNANDA JULIO
Advogado do(a) APELADO: SILVIA TEREZINHA DA SILVA - SP269674-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6208816-69.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCELA FERNANDA JULIO
Advogado do(a) APELADO: SILVIA TEREZINHA DA SILVA - SP269674-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS, objetivando o restabelecimento do benefício de auxílio doença ou a concessão
de aposentadoria por invalidez.
A r. sentença, proferida em 03.09.2019, julgou procedente o pedido e condenou o INSS a
conceder o benefício de auxílio doença NB n° 627.259.392-2, desde a data do indeferimento
administrativo (25.04.2019), pelo período necessário para a recuperação total da capacidade
laboral ou reabilitação profissional. Determinou que nos valores em atraso incidirá correção
monetária, segundo o índice IPCA-E, e aplicados juros de mora, de acordo com o índice de
remuneração da caderneta de poupança, nos termos do disposto no art. 1°-F da Lei n° 9.494/97,
com a redação dada pela Lei n° 11.960/2009, conforme decidido pelo STF no RE 870.947.
Condenou o réu, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por
cento) sobre o valor da condenação. Concedida a tutela antecipada. (ID 108404526)
Em suas razões recursais, o INSS pugna pela decretação de improcedência do pedido, ao
argumento da ausência de qualidade de segurada da parte autora na DII fixada pelo perito
judicial. Eventualmente, pleiteia a incidência da correção monetária e juros nos moldes da Lei n°
11.960/2009 e a fixação da verba honorária sobre o valor da condenação até a data da sentença.
Por fim, suscita o prequestionamento legal para fins de interposição de recursos. (ID 108404532)
Com contrarrazões (ID 108404538), subiram os autos a este Eg. Tribunal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6208816-69.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCELA FERNANDA JULIO
Advogado do(a) APELADO: SILVIA TEREZINHA DA SILVA - SP269674-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passo ao exame da
matéria objeto de devolução.
INTERESSE DE AGIR
A Carta Magna de 1988, em seu art. 5º, XXXV, insculpe o princípio da universalidade da
jurisdição, ao assegurar ao jurisdicionado a faculdade de postular em Juízo sem percorrer,
previamente, a instância administrativa.
O extinto Tribunal Federal de Recursos, após reiteradas decisões sobre o tema, editou a Súmula
nº 213, com o seguinte teor:
"O exaurimento da via administrativa não é condição para a propositura de ação de natureza
previdenciária."
Trilhando a mesma senda, esta Corte trouxe à lume a Súmula nº 09, que ora transcrevo:
"Em matéria previdenciária, torna-se desnecessário o prévio exaurimento da via administrativa,
como condição de ajuizamento da ação."
Nota-se que a expressão exaurimento consubstancia-se no esgotamento de recursos por parte
do segurado junto à Administração, o que significa que, ao postular a concessão ou revisão de
seu benefício, o requerente não precisa se utilizar de todos os meios existentes na seara
administrativa antes de recorrer ao Poder Judiciário. Porém, na ausência, sequer, de pedido
administrativo, não resta aperfeiçoada a lide, vale dizer, inexiste pretensão resistida que justifique
a tutela jurisdicional e, por consequência, o interesse de agir.
É bem verdade que, nos casos de requerimento de benefício previdenciário, a prática tem
demonstrado que a Autarquia Previdenciária, por meio de seus agentes, por vezes, ao se negar a
protocolizar os pedidos, sob o fundamento de ausência de direito ou de insuficiência de
documentos, fere o direito de petição aos órgãos públicos (art. 5º, XXXIV, "a", CF e art. 105 da
Lei 8.213/91). Mas, não é menos verdade que muitas vezes os pedidos são rapidamente
analisados, cumprindo o INSS com o seu dever institucional.
Por isso, correto determinar a comprovação do prévio requerimento na via administrativa, pois
incumbe ao INSS analisar,prima facie, os pleitos de natureza previdenciária, e não ao Poder
Judiciário, o qual deve agir quando a pretensão do segurado for resistida ou na ausência de
decisão por parte da Autarquia, legitimando o interessado ao exercício daactio.
Aceitar que o Juiz, investido na função estatal de dirimir conflitos, substitua o INSS em seu múnus
administrativo, significa permitir seja violado o princípio constitucional da separação dos poderes,
insculpido no art. 2º daLex Major,pois, embora os mesmos sejam harmônicos, são, igualmente,
independentes, devendo cada qual zelar por sua função típica que o ordenamento constitucional
lhes outorgou.
Tanto isso é verdade que o próprio legislador, quando da edição da Lei nº 8.213/91, concedeu à
autoridade administrativa, em seu art. 41, § 6º, o prazo de 45 (quarenta e cinco) dias para efetuar
o pagamento da primeira renda mensal do benefício, após a apresentação da documentação
necessária por parte do segurado. Na ausência de apreciação por parte da Autarquia ou se o
pleito for indeferido, aí sim, surgirá o interesse de agir, condição necessária à propositura de ação
judicial.
Entender de maneira diversa equivale, a um só tempo, em contribuir para a morosidade do Poder
Judiciário, devido ao acúmulo de um sem-número de ações e prejudicar a vida do segurado que,
tendo direito ao benefício, aguardará por anos a fio o deslinde final de sua causa, onerando,
inclusive, os cofres do INSS com o pagamento de prestações atrasadas e respectivas verbas
acessórias decorrentes de condenação judicial.
Por fim, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recente julgamento de Recurso
Extraordinário, sob regime de Repercussão Geral, pronunciou-se quanto à matéria, inclusive
modulando os efeitos da decisão:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL.PRÉVIO REQUERIMENTO
ADMINISTRATIVOE INTERESSE EM AGIR.
1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art.
5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver
necessidade de ir a juízo.
2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se
caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou
se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio
requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas.
3. A exigência deprévio requerimento administrativonão deve prevalecer quando o entendimento
da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado.
4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício
anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação
mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo - salvo se depender
da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração -, uma vez
que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da
pretensão.
5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo
Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em
curso, nos termos a seguir expostos.
6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que
tenha havidoprévio requerimento administrativonas hipóteses em que exigível, será observado o
seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de
anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha
apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à
pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas,
observando-se a sistemática a seguir.
7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30
dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será
intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia
deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for
acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis
ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir
e o feito deverá prosseguir.
8. Em todos os casos acima - itens (i), (ii) e (iii) -, tanto a análise administrativa quanto a judicial
deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para
todos os efeitos legais.
9. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para
determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora - que alega
ser trabalhadora rural informal - a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de
extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias,
colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data de entrada
do requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado será
comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir.
(R.E. 631.240/MG - Relator: Min. Luis Roberto Barroso - Data do Julgamento: 03/09/2014 - Data
da Publicação: 10/11/2014).
DO CASO DOS AUTOS
Da análise dos autos, verifica-se que a parte autora ajuizou a presente demanda em 15.03.2019
(consulta processual), buscando o restabelecimento do benefício de auxílio doença (NB
553.195.054-0), cessado administrativamente em 30.11.2012, ou a concessão de aposentadoria
por invalidez, com termo inicial no mesmo marco temporal indicado. (ID 108404496).
Em análise preliminar, considerando que os documentos médicos juntados aos autos pela parte
autora não demonstram a persistência da alegada incapacidade laborativa desde 2012, pois são
contemporâneos à propositura da presente ação (ID 108404498), o juízo de origem determinou a
comprovação de requerimento administrativo para demonstração do interesse processual (ID
108404501).
A requerente juntou aos autos o requerimento administrativo formulado em 25.03.2019, indeferido
em razão do não comparecimento da requerente para realização de exame médico administrativo
(ID 108404504).
Nesse contexto, há que se observar que a autora não demonstrou a resistência da autarquia à
sua pretensão.
Dessa forma, em razão de o ajuizamento da demanda haver ocorrido após a data de publicação
do julgamento proferido pelo STF no Recurso Extraordinário 631.240/MG, com repercussão geral
reconhecida (03.09.2014), é imprescindível a exigência da comprovação do prévio requerimento
administrativo, com demonstração da pretensão resistida, não havendo como se aplicar a regra
de transição nele referida, sendo de rigor a extinção do feito sem resolução de mérito por falta de
interesse de agir, nos termos do artigo 485, VI do CPC/2015.
Prejudicada a apelação do INSS.
TUTELA ANTECIPADA
Tendo em vista a situação fática delineada nos autos, revogo a antecipação de tutela
anteriormente concedida (ID 108404526).
DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE TUTELA ANTECIPADA
REVOGADA
É de se atentar a superveniência do acolhimento da questão de ordem nos REsp n.
1.734.627/SP, 1.734.641/SP, 1.734.647/SP, 1.734.656/SP, 1.734.685/SP e 1.734.698/SP, que
deu ensejo ao reexame, pelo Superior Tribunal de Justiça, do entendimento anteriormente
firmado no julgamento do REsp 1.401.560/MT (Tema 692), no qual se estabeleceu a
possibilidade de devolução de valores recebidos pela parte autora do Regime Geral da
Previdência Social – RGPS, em virtude de decisão judicial precária, que venha a ser
posteriormente revogada.
Anote-se que foi determinada a suspensão, em todo o país, dos processos que discutem a
matéria, até que se decida pela aplicação, revisão ou distinção do Tema 692/STJ.
Considerando a revogação da tutela antecipada, assinalo que eventual devolução dos valores
recebidos a este título deverá ser analisada e decidida em sede de execução, nos termos do
artigo 302, I, e parágrafo único, do CPC/2015, e de acordo com o que restar decidido no
julgamento do Tema 692, pelo C. Superior Tribunal de Justiça.
CONSECTÁRIOS
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios no valor de R$ 1.000,00, a teor
do disposto no art. 85, §8, do CPC/2015, suspensa sua exigibilidade, por ser a parte autora
beneficiária da assistência judiciária gratuita, nos termos dos §§2º e 3º do art. 98 do CPC.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, de ofício,julgo extinto o feito sem resolução do mérito, e julgo prejudicada a
apelação do INSS, observados os honorários advocatícios, nos termos da fundamentação. Tutela
antecipada revogada.
Oficie-se ao INSS para proceder ao imediato cancelamento do benefício em voga.
É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E/OU AUXÍLIO
DOENÇA. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. NÃO
COMPARECIMENTO À PERÍCIA ADMINISTRATIVA. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PRETENSÃO
RESISTIDA. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS FIXADOS EM CONFORMIDADE COM O §8° DO ART. 85 do CPC/2015.
RECURSO DO INSS PREJUDICADO.
- Ação ajuizada em março de 2019 buscando o restabelecimento do benefício de auxílio doença
ou a concessão de aposentadoria por invalidez, sem prévio requerimento administrativo, com
demonstração de pretensão resistida, sendo inaplicável a regra de transição do RE 631.240/MG.
- Ausência de interesse processual, nos termos da atual jurisprudência do C. STF. Extinção do
feito sem resolução de mérito.
- Tutela antecipada revogada. A devolução dos valores recebidos a título de tutela antecipada
revogada deve ser decidida pelo juízo da execução. Artigo 302, I, e parágrafo único, do
CPC/2015 e Julgamento do Tema 692, pelo C. STJ.
- Honorários advocatícios fixados em conformidade com o §8º do art. 85 do CPC/2015, observada
a gratuidade da justiça.
- Extinção, de ofício, sem resolução do mérito. Apelação do INSS prejudicada. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu, de ofício, julgar extinto o feito sem resolução do mérito, e julgar prejudicada
a apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
