
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5371052-48.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DONIZETE APARECIDO DE QUEIROZ
CURADOR: EDINALVA RODRIGUES DE QUEIROZ
Advogados do(a) APELADO: LARISSA BORETTI MORESSI - SP188752-A, GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5371052-48.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DONIZETE APARECIDO DE QUEIROZ
CURADOR: EDINALVA RODRIGUES DE QUEIROZ
Advogados do(a) APELADO: LARISSA BORETTI MORESSI - SP188752-A, GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N,
R E L A T Ó R I O
"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp 1355052 /SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015)
Feitas essas considerações, passo à análise do conjunto probatório formado nestes autos.
DO CASO DOS AUTOS
Saliento que deixo de analisar o preenchimento do requisito referente à deficiência, tendo em vista que não foi objeto do apelo do INSS.
A ausência de condições do Autor de prover o seu sustento, ou tê-lo provido pela família, restou demonstrada.
O estudo social (id 148714005), de 11.07.2019, informou que o Autor vive com sua genitora, padrasto e um irmão, em imóvel próprio, “humilde, parte dele encontra-se em boa conservação e o quarto do requerente encontra-se em estado precário... possui forração de laje e piso cerâmico, a área externa está sem acabamento... os móveis são simples e de padrão popular... conta com dois quartos, uma sala, uma cozinha e um banheiro”, contendo “quarto I: uma cama com colchão de casal, um aparelho televisor (não funciona), uma cômoda com três gavetas e um guarda roupas com seis portas (com forração de laje e com piso cerâmico); quarto II: duas camas de solteiro com colchões (cômodo forrado com laje, piso cerâmico, sem porta, janela sem vidro e sem veneziana); corredor para os quartos: um guarda roupas sem portas e uma cômoda quebrada; cozinha: um fogão de cinco bocas, uma pia com gabinete, uma geladeira, um micro ondas, um armário, uma mesa com quatro cadeiras e um relógio de parede; banheiro: uma pia, um vaso sanitário e um chuveiro; no corredor interno do imóvel há uma máquina e tanque de lavar roupas... área externa: três bicicletas”.
“Nos fundos do terreno há mais um cômodo e um banheiro onde reside José Aparecido Queiroz” (irmão do requerente) “e seus dois filhos. No momento da perícia a genitora do requerente esclareceu que José não compõe o núcleo familiar, pois sustenta e cria seus dois filhos” e “auxilia sua genitora com parte do pagamento da conta de água e energia”.
A renda familiar advém de um benefício de pensão por morte auferido pela genitora do Autor, no valor de um salário-mínimo mensal.
A família recebe “doações de terceiros como alimentos, vestuários e até mesmo... gás de cozinha” e, “esporadicamente consegue a doação de cesta de alimentos do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social)”.
“Por necessidade, a genitora fez um empréstimo consignando para pagar dívidas que estavam se acumulando, e em função disso recebe o valor de R$ 700,00”.
O padrasto do Autor “recebe Bolsa Família, Benefício do Governo Federal, o valor de R$ 91,00”, contudo, com relação ao valor decorrente de ajuda governamental (bolsa-Escola, bolsa-Família e outros), o mesmo não será computado no cálculo da renda per capita, conforme orientação contida no item 16.7 da OI INSS/DIRBEN nº 81, de 15 de janeiro de 2003.
Concluiu a Assistente Social que “o requerente... não tem renda para manter sua sobrevivência, desta forma, conta com auxílio e sustento da genitora, uma senhora com diversos problemas de saúde que recebe menos de um salário mínimo devido ao comprometimento do empréstimo consignado que necessitou fazer... são quatro pessoas com saúde fragilizada vivendo com renda muito abaixo do mínimo, portanto diante de tal HIPOSSUFICIÊNCIA e miserabilidade, enquadra-se no quesito social para o recebimento do Benefício de Prestação Continuada”.
Assim sendo, diante do conteúdo probatório dos autos, entendo que o Autor está submetido a risco social, restando preenchido o requisito da miserabilidade, sendo de rigor o acolhimento do pedido inicial, nos termos da r. sentença.
Saliento que descabe o pedido do INSS quanto ao cômputo das rendas obtidas pelos irmãos do Autor (Paulo e José Aparecido Queiroz), visto que estes não compõem o núcleo familiar do requerente, sendo que o segundo, a despeito de morar no mesmo terreno, possui núcleo familiar próprio (com dois filhos), em construção independente, conforme informado no estudo social.
No tocante à obrigação de prestar alimentos por parte dos familiares do Autor, que possui parentes que não integram seu núcleo familiar, não reconheço eventual afastamento da responsabilidade estatal, apesar de subsidiária, tendo em vista a ausência de notícia nos autos de possível recebimento ou solicitação de prestação de tal natureza.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015, bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência.
Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, nego provimento à apelação do INSS, observados os honorários advocatícios, na forma acima fundamentada.
É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL E PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E 12.435/2011. MATÉRIA PRELIMINAR REJEITADA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- Muito embora o objeto da causa verse sobre matéria de direito e de fato, "in casu", prescinde de realização de novo estudo social ou de eventual complementação, uma vez que existem provas material e pericial suficientes para o deslinde da causa, não se configurando hipótese de cerceamento de defesa ou de qualquer outra violação de ordem constitucional ou legal.
- Ademais, da análise do estudo social, produzido nos autos por profissional devidamente registrado em Conselho de Classe (CRESS), verifico que o mesmo foi conduzido de maneira adequada, com respostas às indagações propostas, dispensando qualquer outra complementação, restando dispensável a apresentação de registros fotográficos da moradia do requerente, tal como requer o INSS.
- O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência ou idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
- Na hipótese dos autos, a parte autora logrou demonstrar o preenchimento do requisito da miserabilidade.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Matéria preliminar rejeitada.
- Apelação do réu desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
