Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5922783-60.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
18/06/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 19/06/2020
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL E PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N.
8.742/93 E 12.435/2011. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. TERMO INICIAL.
TERMO FINAL. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência ou idoso que comprove
não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
- Na hipótese dos autos, a parte autora logrou demonstrar o preenchimento dos requisitos legais
da deficiência e miserabilidade.
- O termo inicial do benefício deve ser fixado na data em que a parte autora comprovou sua
miserabilidade, ou seja, a partir de julho de 2017, momento do recebimento do último rendimento
referente à cessação do vínculo empregatício de seu genitor, devendo perdurar até o segundo
salário após a retomada da atividade laborativa pelo mesmo, em novembro de 2018, quando a
renda familiar retomou valores incompatíveis com a alegada hipossuficiência.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Apelação do réu provida em parte.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5922783-60.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: P. H. C. A. D. S.
REPRESENTANTE: ELIANA DE CAMARGO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: ELIZANDRA APARECIDA DE OLIVEIRA - SP227294-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5922783-60.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: P. H. C. A. D. S.
REPRESENTANTE: ELIANA DE CAMARGO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: ELIZANDRA APARECIDA DE OLIVEIRA - SP227294-N,
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da
Constituição Federal.
A r. sentença (id 84887008) julgou procedente o pedido e condenou o INSS a conceder o
benefício pleiteado, desde a propositura da presente ação (09/12/2016), acrescido dos
consectários que especifica.
Em razões recursais (id 84887020) requer o INSS a reforma da r. sentença, com a improcedência
do pedido inicial, por não estar em a parte autora em situação de desamparo.
Em caso de manutenção da r. sentença, requer a alteração dos critérios de fixação dos juros de
mora.
Subiram a esta instância.
Parecer do Ministério Público Federal (id 104293338), no sentido do provimento da apelação.
É o sucinto relato.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5922783-60.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: P. H. C. A. D. S.
REPRESENTANTE: ELIANA DE CAMARGO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: ELIZANDRA APARECIDA DE OLIVEIRA - SP227294-N,
V O T O
Inicialmente, tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade
recursais, passo ao exame da matéria objeto de devolução.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem
como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da
Silva, consiste em:
"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos
fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa
humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-
constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido
da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de
direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual,
ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem
econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a
realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo
para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como
indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da
Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social
e o art. 203, IV, que instituiu o benefício do amparo social.
A Lei nº 6.179/74 instituiu, em nosso ordenamento jurídico, a renda mensal vitalícia, passando a
ser amparados pela Previdência Social os maiores de 70 anos e os inválidos, definitivamente
incapacitados para o trabalho, desde que não exercessem atividades remuneradas ou não
auferissem rendimentos. O valor do benefício correspondia à metade do maior salário-mínimo
vigente no país, arredondada para a unidade de cruzeiro imediatamente superior, não podendo
ultrapassar 60% do valor do salário-mínimo do local de pagamento.
Com a promulgação da Carta Magna, em 05 de outubro de 1988, o valor do benefício foi
aumentado para 1 (um) salário-mínimo, pelo art. 203, inciso V:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei."
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia
da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos.
O art. 139 da Lei n.º 8.213/91 dispunha que a renda mensal vitalícia continuaria integrando o
elenco de benefícios da Previdência Social, até que o artigo constitucional fosse regulamentado.
A Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, deu eficácia ao inciso V do art. 203 da Constituição
Federal e extinguiu a renda mensal vitalícia em seu art. 40, resguardando, entretanto, o direito
daqueles que o requeressem até o dia 31 de dezembro de 1995, desde que preenchidos os
requisitos previstos na Lei Previdenciária.
A Lei de Assistência foi regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995,
posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei assistencial e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos
para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente portador de deficiência ou idoso,
com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem
tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º
de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art.
34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº
12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa portadora de
deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de ser provido pela sua família.
Pessoa portadora de deficiência é a incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em
decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial,
os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na redação dada pela Lei nº
12.470, de 31 de agosto de 2011.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo
de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade para a vida independente, por sua vez, não há que ser entendida como aquela
que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o
auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento sem o amparo
de alguém.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro
Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377),
oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida
laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da
ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do
benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação
continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de
locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, de acordo com a Medida Provisória nº 1.473-34,
de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, definiu-se o conceito de família como o
conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo
teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/2011, fora estabelecido, expressamente para os fins
do art. 20, caput, da Lei assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros,
os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art.
20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo, anoto
que fora ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, pelo Procurador-Geral da
República, julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou a
constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93.
Os debates, entretanto, não cessaram, por ser tormentosa a questão e envolver princípios
fundamentais contidos na Carta da República, situação que culminou, inclusive, com o
reconhecimento, pelo mesmo STF, da ocorrência de repercussão geral.
A Suprema Corte acabou por declarar a inconstitucionalidade do referido dispositivo legal,
inclusive por considerar defasada essa forma meramente aritmética de se apreciar a situação de
miserabilidade dos idosos ou deficientes que visam a concessão do benefício assistencial
(Plenário, RCL 4374, j. 18.04.2013, DJE de 04/09/2013).
No entanto, é preciso que se tenha a possibilidade de ao menos entrever, a partir da renda
informada, eventual quadro de pobreza em função da situação específica de quem pleiteia o
benefício, até que o Poder Legislativo estabeleça novas regras.
Para tanto, faz-se necessário o revolvimento de todo o conjunto probatório, através do qual se
possa aferir eventual miserabilidade. E assim o é diante do princípio constitucional da dignidade
da pessoa humana, já mencionado no início desta decisão, com vistas à garantia de suas
necessidades básicas de subsistência, o que leva o julgador a interpretar a normação legal de
sorte a conceder proteção social ao cidadão economicamente vulnerável, tal como assentado no
REsp 1112557 julgado sob o rito do art. 543-C do CPC/73.
Confira-se:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Por outro lado, observo que a Lei nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, passou a considerar como
de "baixa renda" a família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal
cuja renda mensal seja de até 2 (dois) salários mínimos, ainda que para os fins específicos de
custeio ali limitado. Na mesma trilha, as Leis que criaram o Bolsa Família (10.836/04), Programa
Nacional de Acesso à Alimentação (10.689/03) e o Bolsa Escola (10.219/01) estabeleceram
parâmetros mais coerentes de renda familiar mínima quanto em cotejo com aquele estabelecido
de ¼ do salário mínimo, agora declarado inconstitucional.
Por fim, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 580.963/PR (DJe 14.11.2013),
assentou a inconstitucionalidade por omissão do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso,
considerando a "inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de
deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em
relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo."
Assim, entendo que deve ser excluído do cômputo da renda per capita o valor decorrente de
benefício de valor mínimo recebido por idoso ou inválido, pertencente ao núcleo familiar.
Nesse sentido, o C. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1355052, submetido ao
regimento do art. 543-C do CPC, assentou que não se computa o valor de um salário mínimo
percebido por idoso a título de beneficio assistencial ou previdenciário para aferição de
hipossuficiência de núcleo familiar.
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO
VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor
de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício
de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso
(Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de
Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp 1355052 /SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
25/02/2015, DJe 05/11/2015)
Feitas essas considerações, passo à análise do conjunto probatório formado nestes autos.
DO CASO DOS AUTOS
O laudo médico pericial (id 84886964) concluiu que a parte autora “teve problema no parto com
hipoxemia cerebral e suas complicações, possui atraso do desenvolvimento psíquico e teve
atraso no desenvolvimento motor... atualmente é criança que necessita de cuidados especiais e
monitoramento contínuo de pessoa adulta”.
O estudo social (id 84886967), de 06/03/2017, informou que a parte autora reside com seus
genitores e dois irmãos, em casa alugada (R$ 580,00), composta de “sala pequena, piso frio, 2
(dois) sofás de 2 e 3 lugares bem usados, rack antigo 1 (uma) TV de 40’’ - presente de
casamento - cozinha, piso frio, paredes sem azulejos, fogão de 4 (quatro) bocas, 1 (um) armário
de parede e chão, 1 (uma) mesa pequena de madeira com 4 (quatro) cadeiras, pia sem gabinete;
- quarto da Flávia, bem pequeno, piso frio, 1 (uma) cama de solteiro, 1 (um) guarda-roupa de
casal mal conservado; - banheiro, piso frio, sem azulejo, vaso sanitário, pia sem gabinete,
chuveiro sem box; - quarto do Luis Gustavo, bem pequeno, piso frio, 1 (uma) cama de solteiro,
1(uma) guarda-roupa pequeno mal conservado e 1 (uma) cômoda pequena e antiga; - quarto do
casal grande, a largura do terreno, é o último cômodo da casa que faz divisa com outra casa, não
tem janelas e sim uma porta grande de vidro de acesso ao corredor, piso frio, tem uma parte que
está só no cimento, 1 (uma) cama de casal, 1 (um) guarda- roupa de casal antigo e bem usado, 1
(um) rack antigo, 1 (uma TV de 20” modelo antigo e outro guarda-roupa de casal que serve de
divisória para a cama de solteiro que dorme o requerente”, que “a casa é coberta com telhas
Eternit, sem forro, tem muita infiltração de água e as paredes estão úmidas e necessitando de
uma pintura... fechada por grades de ferro, com um portão pequeno e outro grande para acesso
de carro, na frente... tem uma área grande, com uma parte coberta com telha Eternit que seria
abrigo de carro, a família não possui carro, e na lateral um canteiro onde são plantadas
hortaliças... neste espaço estão localizados o tanque e um tanquinho... não possui quintal”.
Descreveu, ainda, que “as despesas mensais são: Luz R$ 52,00 (cinquenta e dois) reais, água
R$52,00 (cinquenta e dois) reais, Gás R$ 60,00 (sessenta) reais, telefone fixo R$ 38,00 (trinta e
oito) reais (não tem área para celular), alimentação R$ 86,00 (oitenta e seis) reais, é o valor do
cartão de alimentação que a Sra. Eliana” (mãe da parte autora) “recebe, o restante compra aos
poucos não tem base”.
Por fim, o estudo social concluiu que “verificou-se a real vulnerabilidade social da família, o salário
da Sra. Eliana não é suficiente para a família ter uma melhor qualidade de vida e a necessidade
ao direito do Benefício de Prestação Continuada – BPC”.
A renda familiar advém do salário recebido pela genitora da parte autora e de períodos de
trabalho descontínuos remunerados do pai e da irmã.
Verifico que, quando do termo inicial fixado na r. sentença, em 09/12/2016, a renda familiar era
constituída dos salários dos genitores da parte autora, somando o valor de R$ 3.034,13 (três mil e
trinta e quatro reais e treze centavos), situação mantida pelos meses seguintes, com pequenos
aumentos, até o mês de junho de 2017, quando cessou o vínculo empregatício do pai da parte
autora, passando então o núcleo familiar a depender, exclusivamente, da renda mensal da mãe
da requerente.
Assim sendo, diante do conteúdo probatório dos autos, não vislumbro a existência de
miserabilidade enquanto o pai da parte autora manteve seu vínculo de trabalho, tendo em vista
que a renda familiar ultrapassou a casa dos três mil reais no período, entretanto,
restoucomprovada a hipossuficiência a partir de julho de 2017, quando a renda familiar sofreu
profunda redução.
Acerca dos rendimentos obtidos pela irmã da parte autora de 09/2017 a 03/2018, no valor de, no
máximo, um salário-mínimo (id 84887027), registro que os valores lá descritos, somados aos
valores recebidos pela mãe da requerente no período, são insuficientes para afastar a
miserabilidade, já que a soma alcançaria, na melhor das hipóteses, pouco mais de dois mil reais,
não consistindo no mínimo necessário à sobrevivência do núcleo familiar, composto de 5
integrantes, com despesas mensais elevadas, inclusive de aluguel, conforme acima descrito.
Entretanto, verifico que o pai da parte autora, conforme consulta ao sistema CNIS,retomou suas
atividades laborativas em 10/2018,percebendo valores, a partir de novembro do mesmo ano que,
somados aos salários da genitora da requerente, são suficientes para demonstrar a cessação da
situação de miserabilidade.
Desta forma, de rigor o provimento parcial do apelo do INSS, a fim de afastar a concessão do
benefício assistencial nos períodos de labor do genitor da parte autora, em que percebeu valores
que, somados à renda da mãe daquela, restaram incompatíveis com a situação de
miserabilidade.
TERMO INICIAL E TERMO FINAL
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data em que a parte autora comprovou sua
miserabilidade, ou seja, a partir de julho de 2017, momento do recebimento do último rendimento
referente à cessação do vínculo empregatício de seu genitor, devendo perdurar até o segundo
salário após a retomada da atividade laborativa pelo mesmo, em novembro de 2018, quando a
renda familiar retomou valores incompatíveis com a alegada hipossuficiência.
JUROS DE MORA
O Órgão Pleno do E. Supremo Tribunal Federal ao concluir o julgamento do RE n.º 579.431/RS,
submetido ao regime de repercussão geral, na sessão de julgamento realizada em 19/04/2017,
decidiu, por unanimidade, no sentido de que incidem os juros da mora no período compreendido
entre a data da realização dos cálculos e a da requisição ou do precatório descabendo, portanto,
a insurgência do INSS quanto a sua não inclusão no período.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no
princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a
fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado,
com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015,
bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas
até a sentença de procedência.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS, para alterar os termos inicial e final
do benefício assistencial concedido, observada a verba honorária, na forma acima fundamentada.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5922783-60.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: P. H. C. A. D. S.
REPRESENTANTE: ELIANA DE CAMARGO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: ELIZANDRA APARECIDA DE OLIVEIRA - SP227294-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA. Trata-sede demanda objetivando o
deferimento de benefício assistencial a pessoa alegadamente portadora de deficiência, previsto
no art. 203, inciso V, da Constituição da República, em que julgado procedente o pedido
formulado, reconhecendo à parte autora o direito ao amparo pretendido, sobrevindo apelação do
INSS, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o não cumprimento dos
requisitos legais à concessão em questão.
Pedi vista para melhor examinar a questão, a partir do conjunto probatório amealhado aos autos.
O benefício de prestação continuada é “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”, conforme disposto no art. 203, inciso V,
da Constituição Federal, e regulamentado pelos arts. 20 a 21-A, da Lei n.º 8.742/1993.
A legislação exige a presença cumulativa de dois requisitos para a concessão do benefício.
Primeiro, o requerente deve, alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos (art. 20,
caput, da Lei n.º 8.742/1993) ou ser deficiente, isto é, deter “impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras,
pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas (art. 20, § 2.º).
Segundo, o beneficiário deve comprovar situação de miserabilidade, caracterizada pela
inexistência de condições econômicas para prover o próprio sustento ou tê-lo provido por alguém
da família, consoante art. 20, § 3.º. da Lei n.º 8.742/1993 – dispositivo objeto de declaração
parcial de inconstitucionalidade, pela qual firmou o Supremo Tribunal Federal que “sob o ângulo
da regra geral, deve prevalecer o critério fixado pelo legislador no artigo 20, § 3º, da Lei nº
8.742/93”, mas “Ante razões excepcionais devidamente comprovadas, é dado ao intérprete do
Direito constatar que a aplicação da lei à situação concreta conduz à inconstitucionalidade,
presente o parâmetro material da Carta da República, qual seja, a miserabilidade, assim
frustrando os princípios observáveis – solidariedade, dignidade, erradicação da pobreza,
assistência aos desemparados” sendo que “Em tais casos, pode o Juízo superar a norma legal
sem declará-la inconstitucional, tornando prevalecentes os ditames constitucionais” (STF,
Plenário, RE n.º 567.985, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, 2.10.2013).
Isso tudo considerado, peço licença ao Senhor Relator para divergir quanto ao encaminhamento
conferido neste caso.
Acerca do requisito disposto no art. 20, caput, da Lei n.º 8.742/1993, inexiste controvérsia
recursal a respeito, razão pela qual é dispensável a sua análise que, no mais, encontra-se
fundamentada, na sentença, no laudo médico pericial de Id. 84886964, o qual noticia que parte
autora “teve problema no parto com hipoxemia cerebral e suas complicações”, sendo, por isso,
“criança que necessita de cuidados especiais e monitoramento contínuo de pessoa adulta”.
Porém, no tocante ao requisito da miserabilidade, de acordo com o estudo social de Id.
84886967, a parte autora reside em casa alugada, de seis cômodos, com sala pequena, cozinha,
três quartos e banheiro.
O imóvel é guarnecido com “2 (dois) sofás de 2 e 3 lugares bem usados, rack antigo 1 (uma) TV
de 40’”, “fogão de 4 (quatro) bocas, 1 (um) armário de parede de chão, 1 (uma) mesa pequena de
madeira com 4 (quatro) cadeiras, pia sem gabinete”, “1 (uma) cama de solteiro), 1 (um) guarda-
roupa de casal mal conservado)”, “1 (uma) cama de solteiro), 1 (um) guarda-roupa de casal
pequeno mal conservado e 1 (uma) cômoda pequena antiga”, e “1 (uma) cama de casal, 1 (um)
guarda-roupa de casal antigo e bem usado, 1 (um) rack antigo, 1 (uma) TV de 20’ modelo antigo
e outro guarda-roupa de casal”.
Quanto à renda familiar, subsistem nos autos elementos que indicam oscilações, que devem ser
adequadamente compreendidas para a correta avaliação do requisito.
Isso porque até junho de 2017 tanto o pai quanto a mãe da requerente trabalhavam formalmente,
auferindo rendimentos significativos, gerando renda familiar que superava os três mil reais.
De julho de 2017 a outubro de 2018 permaneceu o genitor desempregado mas, segundo relatado
no estudo social, realizando serviços eventuais, pelos quais auxiliava a composição da renda
familiar.
Por sua vez, de setembro de 2017 até março de 2018, consta que a irmã do requerente passou a
laborar, auferindo, para tanto, um salário mínimo.
Por fim, de novembro de 2018 em diante, restituiu-se a situação anterior, qual seja, a de ambos
os genitores do requerente laborando no mercado formal, auferindo rendimentos suficientes ao
sustento da família.
À época em que realizado o estudo social, relatou-se que as despesas compreendiam luz (R$
52,00), água (R$ 52,00), gás (R$ 60,00), telefone (R$ 38,00), alimentação (R$ 86,00) e
medicamentos (R$ 60,00).
Verifica-se, portanto, que a parte autora reside com familiares em imóvel alugado, sendo
sustentada, nada obstante as oscilações acima identificadas, pelas rendas de seus genitores e de
sua irmã.
A esse respeito, a despeito de, de fato, subsistirem momentos que indiquem situação mais
delicada – como aquele em que desempregado o pai do requerente – eles foram sanados na
medida em que, primeiro, a irmã do autor passou a auferir renda; e, segundo, o pai retornou ao
trabalho formal.
Nesse sentido, de se notar que, independentemente do período analisado, as despesas
mencionadas não comprometem a totalidade do orçamento doméstico e, a despeito da condição
simples de vida, não há desamparo nem abandono.
Ressalte-se, a esse respeito, que o objetivo do benefício assistencial não é complementar a
renda, mas fornecer o mínimo àqueles que vivem em situação verdadeiramente indigna, cuja
precariedade coloca em risco a própria sobrevivência, exigindo-se, para tanto, a constatação de
extrema vulnerabilidade – o que não é o caso dos autos.
O quadro apresentado, dessa forma, não se ajusta ao de miserabilidade exigido pelo diploma
legal a que se fez menção acima.
De rigor, portanto, o indeferimento do benefício, porquanto não comprovado um dos requisitos
indispensáveis à sua concessão.
Condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em
10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, suspensa, porém, a exigibilidade, na
forma do art. 98, § 3.º, do CPC, por se tratar de beneficiária da gratuidade da justiça.
Reiterada a vênia, dou provimento à apelação, para reformar a sentença e julgar improcedente o
pedido formulado.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal
E M E N T A
PROCESSUAL E PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N.
8.742/93 E 12.435/2011. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. TERMO INICIAL.
TERMO FINAL. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência ou idoso que comprove
não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
- Na hipótese dos autos, a parte autora logrou demonstrar o preenchimento dos requisitos legais
da deficiência e miserabilidade.
- O termo inicial do benefício deve ser fixado na data em que a parte autora comprovou sua
miserabilidade, ou seja, a partir de julho de 2017, momento do recebimento do último rendimento
referente à cessação do vínculo empregatício de seu genitor, devendo perdurar até o segundo
salário após a retomada da atividade laborativa pelo mesmo, em novembro de 2018, quando a
renda familiar retomou valores incompatíveis com a alegada hipossuficiência.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Apelação do réu provida em parte. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no
julgamento, a Nona Turma, por maioria, decidiu dar parcial provimento à apelação, nos termos do
voto do Relator, que foi acompanhado pela Juíza Federal Convocada Vanessa Mello e pela
Desembargadora Federal Inês Virgínia (5º voto). Vencida a Desembargadora Federal Therezinha
Cazerta, que, em voto-vista, dava provimento à apelação, no que foi acompanhada pela
Desembargadora Federal Daldice Santana (4º voto). Julgamento nos termos do disposto no art.
942, caput e § 1º, do CPC, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
