Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0004205-61.2020.4.03.6302
Relator(a)
Juiz Federal CIRO BRANDANI FONSECA
Órgão Julgador
6ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
28/01/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 02/02/2022
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL E PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA DE EXTINÇÃO ANULADA. INEXISTÊNCIA
DE COISA JULGADA. NOVO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. ART. 1.013, § 3º, DO CPC.
PERÍCIA SOCIAL REALIZADA NOS AUTOS. CAUSA MADURA. JULGAMENTO DO MÉRITO
EM SEGUNDO GRAU. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE MISERABILIDADE. PEDIDO
IMPROCEDENTE. RECURSO DA AUTORA PROVIDO EM PARTE.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
6ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0004205-61.2020.4.03.6302
RELATOR:16º Juiz Federal da 6ª TR SP
RECORRENTE: MARIA DE OLIVEIRA RODRIGUES
Advogados do(a) RECORRENTE: EDNEI MARCOS ROCHA DE MORAIS - SP149014-N,
HELEN AGDA ROCHA DE MORAIS GUIRAL - SP243929-N, EDSON AUGUSTO YAMADA
GUIRAL - SP357953-N
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0004205-61.2020.4.03.6302
RELATOR:16º Juiz Federal da 6ª TR SP
RECORRENTE: MARIA DE OLIVEIRA RODRIGUES
Advogados do(a) RECORRENTE: EDNEI MARCOS ROCHA DE MORAIS - SP149014-N,
HELEN AGDA ROCHA DE MORAIS GUIRAL - SP243929-N, EDSON AUGUSTO YAMADA
GUIRAL - SP357953-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso interposto pela parte autora, em face de sentença que extinguiu o processo
sem apreciação do mérito, por coisa julgada, em virtude de ação anterior que teve por objeto o
benefício assistencial de prestação continuada.
Em seu recurso, a parte autora sustenta que não houve coisa julgada, uma vez que a presente
ação se refere a um novo requerimento administrativo, tratando-se, portanto, de causas de
pedir distintas. No mérito, alega que é pessoa idosa e que não possui nenhuma renda,
preenchendo, destarte, os requisitos para a concessão do benefício.
Intimado, o réu não apresentou contrarrazões.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0004205-61.2020.4.03.6302
RELATOR:16º Juiz Federal da 6ª TR SP
RECORRENTE: MARIA DE OLIVEIRA RODRIGUES
Advogados do(a) RECORRENTE: EDNEI MARCOS ROCHA DE MORAIS - SP149014-N,
HELEN AGDA ROCHA DE MORAIS GUIRAL - SP243929-N, EDSON AUGUSTO YAMADA
GUIRAL - SP357953-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Não obstante a nulidade da sentença recorrida, com fundamento no art. 1.013, § 3º, do Código
de Processo Civil, passo ao julgamento do mérito do pedido formulado na inicial.
O benefício de prestação continuada, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal,
estabelece a garantia de um salário mínimo à “pessoa portadora de deficiência e ao idoso que
comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei.”
Trata-se de norma de eficácia limitada, de aplicação só possível a partir da Lei n. 8.742/93
(STF, RE 315.959-3/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, 2a Turma, DJU de 05.10.2001), cujo art. 20
previa a concessão do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais que comprovassem não possuir meios de
prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Posteriormente a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67 (sessenta e sete),
pelo art. 38 da Lei nº. 9.720/98, e, mais recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, a partir
da entrada em vigor do Estatuto do Idoso (art. 34 da Lei nº. 10.741/2003), situação reafirmada
na Lei nº. 12.435/2011.
Na redação original do art. 20, § 1º, da Lei nº. 8.742/93, constituía “família” o conjunto de
pessoas mencionadas no art. 16 da Lei nº. 8.213/91, coabitantes na mesma morada. Com a
promulgação da Lei nº. 12.435/2011, em 17/7/2011, esclareceu-se comporem essa categoria “o
requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o
padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que
vivam sob o mesmo teto.”
De outra parte, “família incapacitada de prover a manutenção da pessoa portadora de
deficiência ou idosa” é aquela com renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário
mínimo, conforme disposto no art. 20, § 3º, da Lei nº. 8.742/1993.
O art. 20, § 3º, da Lei nº. 8.742/1993 havia sido declarado constitucional pelo Supremo Tribunal
Federal, por maioria, nos autos da ADI 1.232/DF, conforme acórdão publicado no DJ de
01/06/2001.
Contudo, em 18/04/2013, houve nova análise do referido dispositivo pela Suprema Corte, nos
autos da RCL 4374/PE, o qual foi declarado parcialmente inconstitucional, sem pronúncia de
nulidade, por considerar que esse critério está defasado para caracterizar a situação de
miserabilidade.
Cumpre ressaltar que, em seu voto, o relator Ministro Gilmar Mendes observou que ao longo
dos últimos anos houve uma proliferação de leis que estabeleceram critérios mais elásticos
para a concessão de outros benefícios assistenciais, a exemplo da Lei nº. 10.836/2004, que
criou o Bolsa Família; a Lei nº. 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação; e a Lei nº. 10.219/2001, que criou o Bolsa Escola. Conforme destacado pelo
relator, essas leis abriram portas para a concessão do benefício assistencial fora dos
parâmetros objetivos fixados pelo art. 20, § 3º. da Lei nº. 8.742/1993, e juízes e tribunais
passaram a estabelecer o valor de meio salário mínimo como referência para aferição da renda
familiar per capita.
Com a edição da Lei nº. 13.982/2020, o art. 20, § 3º, da Lei nº. 8.742/1993 passou a dispor que
se considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família
cuja renda mensal per capita seja igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, até 31
de dezembro de 2020.
Portanto, embora a lei a mantenha a aferição da renda per capita no patamar de valor inferior a
¼ do salário mínimo, ela pode ser ampliada se demonstrado no caso concreto por qualquer
meio de prova idôneo, ainda que superado o patamar legal da renda familiar.
Nesse sentido, cumpre destacar o entendimento da Turma Nacional de Uniformização fixado no
Tema 122 (PEDILEF 5000493-92.2014.4.04.7002/PR):
“O critério objetivo consubstanciado na exigência de renda familiar per capita inferior a ¼ do
salário-mínimo gera uma presunção relativa de miserabilidade, que pode, portanto, ser afastada
por outros elementos de prova"
Outrossim, no mesmo sentido é o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, ao
firmar a tese do tema 185 no julgamento do REsp 1112557/MG:
“A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo.”.
Ademais, o § 14 do art. 20 da Lei nº. 8.742/1993, incluído pela Lei nº 13.982/2020, dispõe que o
“benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-
mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com
deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a
outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o
§ 3º deste artigo.”.
Em suma, cada caso deve ser analisado segundo seus exatos contornos concretos, não
estando o magistrado estritamente jungido ao parâmetro legal, ainda que este deva ser o ponto
de partida da interpretação.
No caso concreto, atualmente a autora conta com 68 anos de idade, preenchendo assim o
requisito etário.
Porém, feita a análise do laudo socioeconômico, constata-se que a parte autora possui
condições minimamente dignas de sobrevivência, não estando o núcleo familiar em situação de
miserabilidade.
De fato, o laudo esclareceu que a parte autora reside junto com seu companheiro de 57 anos
de idade, o qual se encontra empregado com rendimentos de R$ 1.342,00, de sorte que a
renda per capita familiar é de R$ 671,00 por mês.
O casal reside num imóvel cedido pelo proprietário do sítio onde o companheiro da autora
trabalha e, conforme se verifica das fotografias que acompanham o laudo, a moradia é simples
mas apresenta condições razoáveis de habitação.
Nesse ponto, conquanto evidentemente a parte autora seja pobre, o seu núcleo familiar não se
encontra em situação de miserabilidade, uma vez que possui condições razoáveis econômicas
e de habitação.
Ressalte-se, ademais, que, consoante o disposto no art. 203, V, da Constituição, depreende-se
que, para fins deste benefício, a responsabilidade do Estado é subsidiária, uma vez que deve
ser concedido somente àqueles que comprovem não possuir meios de prover à própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Assim, embora o pretendido benefício possa melhorar o padrão de vida da demandante e de
seu núcleo familiar, o sistema da assistência social foi concebido para auxiliar pessoas em
situações de miséria, e não para incremento de padrão de vida.
Portanto, não se encontra preenchido o requisito miserabilidade.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso da autora para anular a sentença, com fulcro
no art. 1.013, § 3º, do Código de Processo Civil e, no mérito, julgo improcedente o pedido
formulado na petição inicial.
Tendo em vista a existência de disposição específica na Lei nº. 9.099/95, não se aplicam
subsidiariamente as disposições contidas no art. 85 da Lei nº 13.105/2015, razão pela não há
condenação em honorários advocatícios, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/95.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL E PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA DE EXTINÇÃO ANULADA. INEXISTÊNCIA
DE COISA JULGADA. NOVO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. ART. 1.013, § 3º, DO
CPC. PERÍCIA SOCIAL REALIZADA NOS AUTOS. CAUSA MADURA. JULGAMENTO DO
MÉRITO EM SEGUNDO GRAU. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE MISERABILIDADE. PEDIDO
IMPROCEDENTE. RECURSO DA AUTORA PROVIDO EM PARTE. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Sexta Turma
Recursal do Juizado Especial Federal da Terceira Região da Seção Judiciária de São Paulo,
por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da parte autora para anular a sentença e,
com fulcro no art. 1.013, § 3º, do Código de Processo Civil, julgar improcedente o pedido
formulado na petição inicial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
