Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0006223-06.2016.4.03.6105
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
11/11/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 16/11/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO.
I- O inciso LV, do art. 5º, da Constituição Federal dispõe que "aos litigantes, em processo judicial
ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com
os meios e recursos a ela inerentes".
II- O princípio constitucional do devido processo legal impõe que se conceda aos litigantes o
direito à produção de provas, devendo facultar-se amplos meios para que se possa comprovar os
fatos que amparam o direito disputado em juízo. Segundo Eduardo Couture, "A lei instituidora de
uma forma de processo não pode privar o indivíduo de razoável oportunidade de fazer valer seu
direito, sob pena de ser acoimada de inconstitucional" (BARACHO, José Alfredo de Oliveira;
Teoria Geral do Processo Constitucional in Revista de Direito Constitucional e Internacional, vol.
62, p. 135, Jan/2008).
III- No presente caso, em que pese a sentença tenha sido de parcial procedência, verifica-se que
o indeferimento da prova pericial causou efetivo prejuízo à parte autora, por impedir a
comprovação do caráter especial das atividades exercidas nos períodos pleiteados.
IV- Assim, impositiva a anulação da sentença, para que seja produzida a prova pericial relativa a
todos os períodos requeridos.
V - Desnecessária a produção da prova oral, uma vez que a comprovação da especialidade exige
prova técnica. Deferida a juntada de documentos novos, nos termos do art. 435, do CPC/15.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
VI- Apelação da parte autora parcialmente provida. Apelação do INSS prejudicada.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0006223-06.2016.4.03.6105
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: AIRTON JOSE DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS EDUARDO ZACCARO GABARRA - SP333911-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, AIRTON JOSE DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: CARLOS EDUARDO ZACCARO GABARRA - SP333911-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0006223-06.2016.4.03.6105
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em 31/03/2016 em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à
concessão da aposentadoria especial ou por tempo de contribuição, desde a data do
requerimento administrativo ou a partir do momento em que adimplidos os requisitos legais,
mediante o reconhecimento do caráter especial das atividades mencionadas na petição inicial.
Pleiteia, ainda, indenização por danos morais.
Antes da citação, o autor aditou a inicial para desistir do pedido de indenização por danos morais,
o que foi deferido pelo MM. Juiz a quo.
A r. sentença, após indeferir os pedidos para produção da prova pericial e para expedição de
ofício às empresas empregadoras, julgou parcialmente procedente o feito, tão somente para o fim
de, comprovado o tempo de serviço especial nos períodos de 01/03/1978 a 17/11/1978,
19/11/2003 a 04/05/2004, 23/06/2009 a 01/12/2009 e de 16/06/2010 a 05/12/2012, condenar o
INSS a reconhecê-los, bem como todo o tempo comum constante em CTPS e CNIS,
computando-os para todos os fins, ressalvada a possibilidade de conversão do tempo especial
em comum somente até 15/12/1998. Quanto ao pedido de aposentadoria, determinou que fica
ressalvada a possibilidade de novo requerimento administrativo, uma vez preenchidos os
requisitos legais aplicáveis à espécie. Sem condenação em custas, tendo em vista ser o autor
beneficiário da assistência judiciária gratuita. Cada parte arcara com os honorários de seus
patronos, nos termos do art. 86, do CPC.
Os embargos de declaração interpostos pelo autor foram rejeitados.
Inconformado, apelou o requerente, sustentando a ocorrência de cerceamento de defesa, em
face do indeferimento da prova pericial. Requer a nulidade da sentença e o retorno dos autos ao
Juízo de origem, para realização da perícia técnica, no ambiente de trabalho, além da juntada de
documentos novos e produção da prova testemunhal.
O INSS também recorreu argumentando que de acordo com seu banco de dados, não há registro
de pagamento de todas as contribuições exigidas para a aposentadoria requerida, de forma que
não o período de carência não ficou devidamente demonstrado. Afirma que o período de
01/03/1978 a 17/11/1978 não consta do CNIS, não podendo ser computado para efeito de
aposentadoria. Aduz, ainda, que o autor não comprovou o labor em condições agressivas, nos
termos exigidos pela legislação previdenciária. Pugna pela improcedência do pedido.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
O autor juntou petição afirmando que em 06/11/2017 requereu novamente o benefício de
aposentadoria especial ou por tempo de contribuição na via administrativa. Entretanto, tal pedido
lhe foi negado, uma vez que a autarquia não realiza prova ou diligência junto à empregadora.
Reitera seu pedido para realização de todos os meios de prova necessários para comprovação
do labor em condições especiais.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0006223-06.2016.4.03.6105
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: AIRTON JOSE DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS EDUARDO ZACCARO GABARRA - SP333911-A
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Advogado do(a) APELADO: CARLOS EDUARDO ZACCARO GABARRA - SP333911-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Conforme
dispõe o inciso LV, do art. 5º, da Constituição Federal: "aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes". (grifei).
Por sua vez, o art. 370 do CPC/15 dispõe:
"Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao
julgamento do mérito.
Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente
protelatórias." (grifei)
É de se recordar que o princípio constitucional do devido processo legal impõe que se conceda
aos litigantes o direito à produção de provas, devendo facultar-se amplos meios para que se
possa comprovar os fatos que amparam o direito disputado em juízo. Eduardo Couture, revelando
profunda visão sobre o aspecto constitucional do direito processual, enunciou que "A lei
instituidora de uma forma de processo não pode privar o indivíduo de razoável oportunidade de
fazer valer seu direito, sob pena de ser acoimada de inconstitucional" (BARACHO, José Alfredo
de Oliveira; Teoria Geral do Processo Constitucional in Revista de Direito Constitucional e
Internacional, vol. 62, p. 135, Jan/2008).
Sobre o direito à prova, esclarece Cândido Rangel Dinamarco:
"Direito à prova é o conjunto de oportunidades oferecidas à parte pela Constituição e pela lei,
para que possa demonstrar no processo a veracidade do que afirmam em relação aos fatos
relevantes para o julgamento.(...)
A imensa importância da prova na experiência do processo erigiu o direito à prova em um dos
mais respeitados postulados inerentes à garantia política do devido processo legal, a ponto de se
constituir em um dos fundamentais pilares do sistema processual contemporâneo. Sem sua
efetividade não seria efetiva a própria garantia constitucional do direito ao processo. (...)
No plano infraconstitucional o direito à prova está indiretamente afirmado pelo art. 332 do Código
de Processo Civil (...)
Na Constituição, o direito à prova é inerência do conjunto de garantias do justo processo, que ela
oferece ao enunciar os princípios do contraditório e ampla defesa, culminando por assegurar a
própria observância destes quando garante a todos o due processo of law (art. 5º, incs. LIV e LV -
supra, nn. 94 e 97). Pelo aspecto constitucional, direito à prova é a liberdade de acesso às fontes
e meios segundo o disposto em lei e sem restrições que maculem ou descaracterizem o justo
processo." (Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, 6ª ed., Malheiros: São Paulo, 2009, pp.
46/47, grifos meus)
Com efeito, incabível impedir que o segurado possa comprovar por perícia que efetivamente
houve a exposição a fatores de risco. A legislação previdenciária colocou a cargo da empresa
empregadora a elaboração do laudo técnico comprobatório da especialidade. Se a empresa,
porém, deixa de elaborar o laudo, e, ao mesmo tempo, é negado ao segurado o direito de fazer
prova do fator de risco, a ação proposta por este estará fatalmente fadada ao insucesso. Não por
não fazer o segurado jus ao direito material reclamado; mas simplesmente por ter sido privado
dos meios capazes de comprovar que o labor se deu em condições nocivas.
Devido registrar, outrossim, que o C. STJ também admite que o caráter especial do trabalho
exercido seja comprovado por meio de prova pericial por similaridade, realizada em empresa com
características semelhantes àquela em que se deu a prestação da atividade, caso a mesma não
esteja mais em funcionamento. Neste sentido, os seguintes precedentes:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR
TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. SÚMULA 284/STF.
CÔMPUTO DE TEMPO ESPECIAL. PROVA TÉCNICA. PERÍCIA POR SIMILARIDADE.
CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E NESSA PARTE PROVIDO.
(...)
2. A tese central do recurso especial gira em torno do cabimento da produção de prova técnica
por similaridade, nos termos do art. 429 do CPC e do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/1991.
3. A prova pericial é o meio adequado e necessário para atestar a sujeição do trabalhador a
agentes nocivos à saúde para seu enquadramento legal em atividade especial. Diante do caráter
social da previdência, o trabalhador segurado não pode sofrer prejuízos decorrentes da
impossibilidade de produção da prova técnica.
4. Quanto ao tema, a Segunda Turma já teve a oportunidade de se manifestar, reconhecendo nos
autos do Recurso Especial 1.397.415/RS, de Relatoria do Ministro Humberto Martins, a
possibilidade de o trabalhador se utilizar de perícia produzida de modo indireto, em empresa
similar àquela em que trabalhou, quando não houver meio de reconstituir as condições físicas do
local onde efetivamente prestou seus serviços.
5. É exatamente na busca da verdade real/material que deve ser admitida a prova técnica por
similaridade. A aferição indireta das circunstâncias de labor, quando impossível a realização de
perícia no próprio ambiente de trabalho do segurado é medida que se impõe.
6. A perícia indireta ou por similaridade é um critério jurídico de aferição que se vale do
argumento da primazia da realidade, em que o julgador faz uma opção entre os aspectos formais
e fáticos da relação jurídica sub judice, para os fins da jurisdição.
7. O processo no Estado contemporâneo tem de ser estruturado não apenas consoante as
necessidades do direito material, mas também dando ao juiz e à parte a oportunidade de se
ajustarem às particularidades do caso concreto.
8. Recurso especial conhecido em parte e nessa parte provido."
(REsp nº 1.370.229, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, v.u., j. 25/02/14, DJe
11/03/14, grifos meus)
"PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. CONFIGURAÇÃO. PERÍCIA INDIRETA EM
EMPRESA SIMILAR. LOCAL DE TRABALHO ORIGINÁRIO INEXISTENTE. POSSIBILIDADE.
1. 'Mostra-se legítima a produção de perícia indireta, em empresa similar, ante a impossibilidade
de obter os dados necessários à comprovação de atividade especial, visto que, diante do caráter
eminentemente social atribuído à Previdência, onde sua finalidade primeira é amparar o
segurado, o trabalhador não pode sofrer prejuízos decorrentes da impossibilidade de produção,
no local de trabalho, de prova, mesmo que seja de perícia técnica'. (REsp 1.397.415/RS, Rel.
Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 20.11.2013).
2. Agravo Regimental não provido."
(AgRg no REsp nº 1.422.399, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, v.u., j. 18/03/14, DJe
27/03/14, grifos meus)
No presente caso, em que pese a sentença tenha sido de parcial procedência, verifico que o
indeferimento da prova pericial causou efetivo prejuízo à parte autora, por impedir a comprovação
do caráter especial das atividades exercidas em todos os períodos pleiteados.
Assim, impositiva a anulação da sentença, para que seja produzida a prova pericial relativa a
todos os interregnos de atividade especial requeridos.
Observo ser desnecessária a produção da prova oral, uma vez que a comprovação da
especialidade exige prova técnica.
Por outro lado, defiro a juntada de documentos novos, nos termos do art. 435, do CPC/15.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo da parte autora para anular a sentença recorrida,
determinando o retorno dos autos à Vara de Origem para fins de produção da prova pericial e
juntada de documentos novos, restando prejudicado o apelo do INSS.
É o meu voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO.
I- O inciso LV, do art. 5º, da Constituição Federal dispõe que "aos litigantes, em processo judicial
ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com
os meios e recursos a ela inerentes".
II- O princípio constitucional do devido processo legal impõe que se conceda aos litigantes o
direito à produção de provas, devendo facultar-se amplos meios para que se possa comprovar os
fatos que amparam o direito disputado em juízo. Segundo Eduardo Couture, "A lei instituidora de
uma forma de processo não pode privar o indivíduo de razoável oportunidade de fazer valer seu
direito, sob pena de ser acoimada de inconstitucional" (BARACHO, José Alfredo de Oliveira;
Teoria Geral do Processo Constitucional in Revista de Direito Constitucional e Internacional, vol.
62, p. 135, Jan/2008).
III- No presente caso, em que pese a sentença tenha sido de parcial procedência, verifica-se que
o indeferimento da prova pericial causou efetivo prejuízo à parte autora, por impedir a
comprovação do caráter especial das atividades exercidas nos períodos pleiteados.
IV- Assim, impositiva a anulação da sentença, para que seja produzida a prova pericial relativa a
todos os períodos requeridos.
V - Desnecessária a produção da prova oral, uma vez que a comprovação da especialidade exige
prova técnica. Deferida a juntada de documentos novos, nos termos do art. 435, do CPC/15.
VI- Apelação da parte autora parcialmente provida. Apelação do INSS prejudicada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação da parte autora e julgar prejudicada a
apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
