Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
6090052-27.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
04/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 08/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL. INÍCIO DE PROVA
MATERIAL CORROBORADO PELA PROVA TESTEMUNHAL.
-Para o reconhecimento do tempo de serviço de trabalhador rural, mister a conjugação do início
de prova material com prova testemunhal (Artigo 55, § 3º, da Lei n° 8.213/91, Súmula 149 do STJ
eREsp1.133.863/RN).
- Conjunto probatório suficiente para ensejar o reconhecimento do trabalho rural no período
alegado.
- Nos termos do art. 4.º, inciso I, da Lei Federal n.º 9.289/1996, o INSS está isento do pagamento
de custas processuais nas ações de natureza previdenciária ajuizadas nesta Justiça Federal,
assim como o está naquelas aforadas na Justiça do Estado de São Paulo, por força do art. 6.º da
Lei Estadual n.º 11.608/2003, c. c. o art. 1.º, § 1.º, da mesma Lei n.º 9.289/1996, circunstância
que não o exime, porém, de arcar com as custas e as despesas processuais em restituição à
parte autora, em decorrência da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Honorários de advogado arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa,
na forma do art. 85, § 2.º, III, do CPC.
- Apelação a que se dá parcial provimento, nos termos da fundamentação do voto.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6090052-27.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CARLOS FERNANDES XAVIER
Advogado do(a) APELADO: DANILO LEANDRO TEIXEIRA TREVISAN - SP331300-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6090052-27.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CARLOS FERNANDES XAVIER
Advogado do(a) APELADO: DANILO LEANDRO TEIXEIRA TREVISAN - SP331300-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando o reconhecimento e averbação do trabalho rural, em regime de
economia familiar, sem registro.
O juízo a quo julgou procedente o pedido. Condenou o INSS a pagar as custas e despesas
processuais, bem como os honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa.
O INSS apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, a ausência de
comprovação do exercício da atividade rural, bem como a impossibilidade do tempo rural ser
computado como carência. Se vencido, alega a impossibilidade de cumulação de benefícios,
requer a incidência da prescrição quinquenal, a isenção de custas e a alteração dos critérios de
correção monetária, juros de mora e da verba honorária, nos termos do recurso. Prequestiona a
matéria.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6090052-27.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CARLOS FERNANDES XAVIER
Advogado do(a) APELADO: DANILO LEANDRO TEIXEIRA TREVISAN - SP331300-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame
das insurgências propriamente ditas, considerando-se a matéria objeto de devolução.
RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL
O art. 55, § 3.º, da Lei n.° 8.213/91, dispõe sobre a obrigatoriedade de início de prova
documental para a comprovação de tempo de serviço, para fins previdenciários, sendo
insuficiente a produção de prova exclusivamente testemunhal, a qual, por si só, não é válida à
demonstração do desempenho do trabalho tido como realizado.
Especificamente a respeito do reconhecimento da atividade de natureza rural, a orientação de
há muito conferida pelo Superior Tribunal de Justiça acerca da imprestabilidade da prova
exclusivamente testemunhal (verbete n.º 149 da Súmula da Jurisprudência do STJ) apresenta-
se preservada, consoante se observa da ementa do acórdão tirado do julgamento do REsp
1.133.863/RN, sob a sistemática do art. 543-C do diploma processual de 1973 (3.ª Seção,
relator Desembargador Convocado do TJ/SP Celso Limongi, DJe de 15.4.2011), reafirmando-se
as premissas em questão, no pressuposto de que “prevalece o entendimento de que a prova
exclusivamente testemunhal não basta, para o fim de obtenção de benefício previdenciário, à
comprovação do trabalho rural, devendo ser acompanhada, necessariamente, de um início
razoável de prova material (art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91 e Súmula 149 deste Superior
Tribunal de Justiça)”.
A Corte Superior consolidou o entendimento de que, não obstante sua indispensabilidade, o
fato de o início de prova material não abranger todo o lapso temporal pretendido não implica
violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for
complementada por prova testemunhal idônea e consistente que lhe amplie a eficácia.
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR
RURAL. TEMA STJ 554. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. ABRANGÊNCIA DE TODO O
PERÍODO PRETENDIDO. DESNECESSIDADE. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA
PELA PROVA TESTEMUNHAL. POSSIBILIDADE. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-
PROBATÓRIO.IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
(...)
3. O Recurso Especial combatia decisum da Corte a quo que considerou suficiente a prova
material dos autos para atestar o exercício da atividade rural, em caso de aposentadoria por
idade de trabalhador boia-fria.
4. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial representativo da controvérsia,
pacificou o assunto ora tratado nos seguintes termos: "Tema STJ 554 - Aplica-se a Súmula
149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola,
para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados
'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado,
considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a
apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica
violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for
complementada por idônea e robusta prova testemunhal".
(...)
7. Ainda que assim não fosse, conforme jurisprudência do STJ, os documentos trazidos aos
autos pela autora, caracterizados como início de prova material, podem ser corroborados por
prova testemunhal firme e coesa, e estender sua eficácia tanto para períodos anteriores como
posteriores aos das provas apresentadas. Nesse sentido: REsp 1.348.633/SP, Rel. Ministro
Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, DJe 5/12/2014, acórdão sujeito ao regime do art. 543-C
do CPC/1973; AgRg no REsp 1.435.797/PB, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma,
DJe 10/11/2016, AgInt no AREsp 673.604/PR, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma,
DJe 14/2/2017.
9. Agravo conhecido para conhecer parcialmente do Recurso Especial, apenas no tocante à
citada violação do art. 1.022 do CPC/2015, e, nessa parte, não provido.
(AREsp 1550603/PR, Segunda Turma, Min. Herman Benjamin, DJe 11/10/2019)
Por fim, ainda sob o rito do referido art. 543-C do Código de Processo Civil, o Superior Tribunal
de Justiça apreciou o REsp 1.348.633/SP, de relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima (DJe
de 05/12/2014), pacificando a possibilidade de reconhecimento de trabalho rural desenvolvido
anteriormente ao documento mais antigo apresentado como início de prova material, desse
entendimento resultando a Súmula 577/STJ:
É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado,
desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.
Sob outro aspecto, com relação ao recolhimento de contribuições previdenciárias, mister a
observância do previsto no art. 55, § 2.º, da Lei n.° 8.213/91, que preceitua:"O tempo de serviço
do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta lei, será computado
independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para
efeito de carência, conforme dispuser o regulamento".
Desse dispositivo legal, depreende-se que a atividade rural desempenhada em data anterior a
novembro de 1991 pode ser considerada para averbação do tempo de serviço, sem
necessidade de recolhimento de contribuições previdenciárias, exceto para fins de carência.
A partir do advento da Lei n.º 8.213/91, cabe ao segurado especial o recolhimento de
contribuições previdenciárias facultativas, se pretender o cômputo do tempo de serviço rural
para fins de obtenção de outros benefícios que não os arrolados no inciso I do art. 39.
Nesse sentido, inclusive, a Súmula n.º 272 do Superior Tribunal de Justiça, que expressamente
determina que o segurado especial somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço se
recolher as contribuições facultativas.
Dessa forma, o reconhecimento de período posterior, sem contribuições previdenciárias
facultativas, servirá somente para futura concessão de aposentadoria por idade ou por
invalidez, auxílio-doença, auxílio-reclusão ou pensão, ficando vedado o aproveitamento para os
demais fins previdenciários.
DO CASO DOS AUTOS
A controvérsia restringe-se ao reconhecimento da atividade rural desenvolvida no período de
6/6/1972 a 28/4/1982, em regime de economia familiar, sem registro.
Buscando comprovar o alegado, o autor juntou os seguintes documentos:
- documentos escolares do autor, dos anos de 1972 e 1973, constando a profissão do pai
lavrador e a residência na Fazenda Santa Helena;
- certidões de nascimentos de irmãos, em 1974, 1976 e 1983, indicando a condição de lavrado
do genitor; e
- certidão de casamento do requerente, em 29/4/1985, constando a sua profissão de lavrador.
Cabe ressaltar a existência de prova oral. As testemunhas declaram que conhecem o autor
desde criança e confirmam o labor rural, juntamente com a família, na fazenda Santa Helena,
no período pleiteado.
É inconteste o valor probatório dos documentos de qualificação civil, dos quais é possível inferir
a profissão exercida pela parte autora, à época dos fatos que se pretende comprovar.
Os documentos juntados constituem início de prova material, o que foi corroborado pela prova
testemunhal, confirmando a atividade campesina da parte autora, em regime de economia
familiar.
No que tange ao limite de idade mínima para cômputo do tempo de serviço rural, há histórico de
vedação constitucional do trabalho infantil desde a Constituição de 1934, quando fixado em 14
anos.
Apenas com o advento da Constituição de 1967, a proibição passou a alcançar os menores de
12 anos.
A Constituição de 1988 fixava em 14 anos a idade mínima, excetuada a condição de menor
aprendiz, a partir dos 12 anos, dispositivo alterado pela EC nº 20/98, que estabeleceu como
idade mínima 16 anos, exceto para menor aprendiz, a partir dos 14 anos.
Não obstante os preceitos constitucionais, a realidade socioeconômica do país nos coloca longe
da erradicação do trabalho infantil, não obstante os esforços nesse sentido. Deixar de
reconhecê-lo representaria prejuízo adicional àquele que teve o seu direito à plena infância
violado. As normas jurídicas que restringem o trabalho do menor visam a protegê-lo, não
podendo, pois, ser invocadas para prejudicá-lo no que concerne à contagem de tempo de
serviço para fins previdenciários.
Esse é o entendimento sedimentado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, como se
depreende da decisão que negou seguimento ao Recurso Extraordinário 1225475/RS,
interposto contra acórdão prolatado nos autos da ACP n.º 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, que
visa a que o INSS se abstenha de fixar idade mínima para reconhecimento de tempo de
serviço.
Registrou o Excelentíssimo Senhor Relator, Ministro Ricardo Lewandowski (DJE 16/08/2019):
A pretensão recursal não merece acolhida.
Isso porque, o acórdão recorrido encontra-se em harmonia com a jurisprudência desta Corte no
sentido de que o art. 7°, XXXIII, da Constituição não pode ser interpretado em prejuízo da
criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi
criada para a proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos
seus direitos. Esse entendimento prevalece inclusive no trato de questões previdenciárias.
Nesse sentido, destaco os seguintes precedentes deste Tribunal:
“Ementa: AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO
CIVIL ÚBLICA. SALÁRIO-MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL. GENITORA INDÍGENA
COM IDADE INFERIOR A 16 ANOS. ARTIGO 7º, XXXIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
NORMA PROTETIVA QUE NÃO PODE PRIVAR DIREITOS. PRECEDENTES. ACÓRDÃO
RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO. VIOLAÇÃO À
CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. INOCORRÊNCIA. RECURSO INTERPOSTO SOB
A ÉGIDE DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO EM
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NO JUÍZO RECORRIDO. IMPOSSIBILIDADE DE
MAJORAÇÃO NESTA SEDE RECURSAL. ARTIGO 85, § 11, DO CPC/2015. AGRAVO
INTERNO DESPROVIDO” (RE 1.061.044-AgR/RS, Rel. Min. Luiz Fux).
“Agravo de instrumento. 2. Trabalhador rural ou rurícola menor de quatorze anos. Contagem de
tempo de serviço. Art. 11, VII, da Lei nº. 8213. Possibilidade. Precedentes. 3. Alegação de
violação aos arts. 5º, XXXVI; e 97, da CF/88. Improcedente. Impossibilidade de declaração de
efeitos retroativos para o caso de declaração de nulidade de contratos trabalhistas. Tratamento
similar na doutrina do direito comparado: México, Alemanha, França e Itália. Norma de garantia
do trabalhador que não se interpreta em seu detrimento. Acórdão do STJ em conformidade com
a jurisprudência desta Corte. 4. Precedentes citados: AgRAI 105.794, 2ª T., Rel. Aldir
Passarinho, DJ 02.04.86; e RE 104.654, 2ª T., Rel. Francisco Rezek, DJ 25.04.86 5. Agravo de
instrumento a que se nega provimento” (AI 529.694/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes).
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO.
TRABALHADORA RURAL. MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. CONCESSÃO DE SALÁRIO-
MATERNIDADE. ART. 7º, XXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA PROTETIVA QUE
NÃO PODE PRIVAR DIREITOS. PRECEDENTES.
Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7º, XXXIII, da Constituição
“não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral,
haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos trabalhadores, não
podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos” (RE 537.040, Rel. Min. Dias Toffoli).
Agravo regimental a que se nega provimento” (RE 600.616- AgR/RS, Rel. Min. Roberto
Barroso).
Nesse mesmo sentido, destaco as seguintes decisões, entre outras: RE 1.146.902/RS, Rel.
Min. Marco Aurélio; RE 1.140.879/SC, Rel. Min. Roberto Barroso; RE 953.372/MG, Rel. Min.
Alexandre de Moraes; RE 920.290/RS, Rel. Min. Teori Zavascki; RE 920.686, Rel. Min. Dias
Toffoli; AI 476.950-AgR/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes; AI 502.246/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia;
e RE 633.797/SP, Rel. Min. Luiz Fux.
Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça veio a se manifestar nos seguintes termos:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. TRABALHADOR URBANO. CÔMPUTO DO
TRABALHO RURAL ANTERIOR À LEI 8.213/1991 SEM O RECOLHIMENTO DAS
CONTRIBUIÇÕES.POSSIBILIDADE DE CÔMPUTO DO TRABALHO RURAL ANTERIOR AOS
12 ANOS DE IDADE. INDISPENSABILIDADE DA MAIS AMPLA PROTEÇÃO
PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES. POSSIBILIDADE DE SER
COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO PRESTADO PELO MENOR, ANTES DE ATINGIR A
IDADE MÍNIMA PARA INGRESSO NO MERCADO DE TRABALHO.EXCEPCIONAL
PREVALÊNCIA DA REALIDADE FACTUAL DIANTE DE REGRAS POSITIVADAS
PROIBITIVAS DO TRABALHO DO INFANTE. ENTENDIMENTO ALINHADO À ORIENTAÇÃO
JURISPRUDENCIAL DA TNU. ATIVIDADE CAMPESINA DEVIDAMENTE COMPROVADA.
AGRAVO INTERNO DO SEGURADO PROVIDO.
1. Cinge-se a controvérsia em reconhecer a excepcional possibilidade de cômputo do labor de
menor de 12 anos de idade, para fins previdenciários. Assim, dada a natureza da questão
envolvida, deve a análise juducial da demanda ser realizada sob a influência do pensamento
garantístico, de modo a que o julgamento da causa reflita e espelhe o entendimento jurídico que
confere maior proteção e mais eficaz tutela dos direitos subjetivos dos hipossuficientes.
2. Abono da legislação infraconstitucional que impõe o limite mínimo de 16 anos de idade para
a inscrição no RGPS, no intuito de evitar a exploração do trabalho da criança e do adolescente,
ancorado no art. 7o., XXXIII da Constituição Federal. Entretanto, essa imposição etária não
inibe que se reconheça, em condições especiais, o tempo de serviço de trabalho rural
efetivamente prestado pelo menor, de modo que não se lhe acrescente um prejuízo adicional à
perda de sua infância.
3. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7o., XXXIII, da Constituição
não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral,
haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos Trabalhadores, não
podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos (RE 537.040/SC, Rel. Min. DIAS
TOFFOLI, DJe 9.8.2011). A interpretação de qualquer regra positivada deve atender aos
propósitos de sua edição; no caso de regras protetoras de direitos de menores, a compreensão
jurídica não poderá, jamais, contrariar a finalidade protetiva inspiradora da regra jurídica.
4. No mesmo sentido, esta Corte já assentou a orientação de que a legislação, ao vedar o
trabalho infantil, teve por escopo a sua proteção, tendo sido estabelecida a proibição em
benefício do menor e não em seu prejuízo. Reconhecendo, assim, que os menores de idade
não podem ser prejudicados em seus direitos trabalhistas e previdenciário, quando comprovado
o exercício de atividade laboral na infância.
5. Desta feita, não é admissível desconsiderar a atividade rural exercida por uma criança
impelida a trabalhar antes mesmo dos seus 12 anos, sob pena de punir duplamente o
Trabalhador, que teve a infância sacrificada por conta do trabalho na lide rural e que não
poderia ter tal tempo aproveitado no momento da concessão de sua aposentadoria.
Interpretação em sentido contrário seria infringente do propósito inspirador da regra de
proteção.
6. Na hipótese, o Tribunal de origem, soberano na análise do conjunto fático-probatório dos
autos, asseverou que as provas materiais carreadas aliadas às testemunhas ouvidas,
comprovam que o autor exerceu atividade campesina desde a infância até 1978, embora tenha
fixado como termo inicial para aproveitamento de tal tempo o momento em que o autor
implementou 14 anos de idade (1969).
7. Há rigor, não há que se estabelecer uma idade mínima para o reconhecimento de labor
exercido por crianças e adolescentes, impondo-se ao julgador analisar em cada caso concreto
as provas acerca da alegada atividade rural, estabelecendo o seu termo inicial de acordo com a
realidade dos autos e não em um limite mínimo de idade abstratamente pré-estabelecido.
Reafirma-se que o trabalho da criança e do adolescente deve ser reprimido com energia
inflexível, não se admitindo exceção que o justifique; no entanto, uma vez prestado o labor o
respectivo tempo deve ser computado, sendo esse cômputo o mínimo que se pode fazer para
mitigar o prejuízo sofrido pelo infante, mas isso sem exonerar o empregador das punições
legais a que se expõe quem emprega ou explora o trabalho de menores.
8. Agravo Interno do Segurado provido.
(AgInt no AREsp 956.558/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 17/06/2020)
Desta forma, uma vez comprovado o trabalho, não há que se impor limite de idade mínima para
o seu reconhecimento.
No caso concreto, o conjunto probatório coligido, baseado em início de prova material, ratificado
pela prova testemunhal, permite concluir no sentido da ocorrência do trabalho rural do autor, no
período de 6/6/1972 a 28/4/1982.
De rigor, portanto, a manutenção da sentença.
Cuidando-se de pedido de declaração de tempo de serviço, não há que se falar em
impossibilidade de cumulação de benefícios, prescrição quinquenal, correção monetária e juros
de mora.
Quanto às custas, nos termos do art. 4.º, inciso I, da Lei Federal n.º 9.289/1996, o INSS está
isento do pagamento de custas processuais nas ações de natureza previdenciária ajuizadas
nesta Justiça Federal, assim como o está naquelas aforadas na Justiça do Estado de São
Paulo, por força do art. 6.º da Lei Estadual n.º 11.608/2003, c. c. o art. 1.º, § 1.º, da mesma Lei
n.º 9.289/1996, circunstância que não o exime, porém, de arcar com as custas e as despesas
processuais em restituição à parte autora, em decorrência da sucumbência, na hipótese de
pagamento prévio.
A verba honorária foi fixada com moderação, em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado
da causa, de acordo com o art. 85, § 2.º, III, do CPC.
Por fim, em relação ao prequestionamento suscitado, saliente-se inexistir contrariedade alguma
a legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Posto isso, dou parcial provimento à apelação, para isentar o INSS de custas, nos termos da
fundamentação, supra.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL. INÍCIO DE
PROVA MATERIAL CORROBORADO PELA PROVA TESTEMUNHAL.
-Para o reconhecimento do tempo de serviço de trabalhador rural, mister a conjugação do início
de prova material com prova testemunhal (Artigo 55, § 3º, da Lei n° 8.213/91, Súmula 149 do
STJ eREsp1.133.863/RN).
- Conjunto probatório suficiente para ensejar o reconhecimento do trabalho rural no período
alegado.
- Nos termos do art. 4.º, inciso I, da Lei Federal n.º 9.289/1996, o INSS está isento do
pagamento de custas processuais nas ações de natureza previdenciária ajuizadas nesta Justiça
Federal, assim como o está naquelas aforadas na Justiça do Estado de São Paulo, por força do
art. 6.º da Lei Estadual n.º 11.608/2003, c. c. o art. 1.º, § 1.º, da mesma Lei n.º 9.289/1996,
circunstância que não o exime, porém, de arcar com as custas e as despesas processuais em
restituição à parte autora, em decorrência da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Honorários de advogado arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa,
na forma do art. 85, § 2.º, III, do CPC.
- Apelação a que se dá parcial provimento, nos termos da fundamentação do voto. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
