Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
6109822-06.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
24/06/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 26/06/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL. SENTENÇA
CITRA PETITA. CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. AVERBAÇÃO EM REGIME PRÓPRIO.
CONTAGEM RECÍPROCA. CONJUNTO HARMÔNICO.
I- Considerando-se que a sentença não contém pronunciamento a respeito do pedido de
expedição de certidão formulado na petição inicial, há violação ao princípio da congruência entre
o pedido e a sentença.
II- Tendo em vista que a causa se encontra em condições de imediato julgamento, impõe-se que
seja apreciado o mérito, consoante previsão expressa do art. 1.013, § 3º, inc. III, CPC/15.
III- Outrossim, conforme o julgamento dos Embargos de Divergência nº 600.596/RS, pela Corte
Especial do C. STJ, deve ser apreciada a remessa oficial em ações meramente declaratórias.
IV- Ressente-se do pressuposto de admissibilidade a apelação interposta sem que haja algum
proveito prático a ser alcançado, com o que fica afastado o interesse recursal.
V- Tratando-se de comprovação de tempo de serviço, é indispensável a existência de início
razoável de prova material da atividade rural, contemporânea à época dos fatos, corroborada por
coerente e robusta prova testemunhal.
VI- O C. Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o Recurso Especial Representativo de
Controvérsia nº 1.348.633-SP, firmou posicionamento no sentido de ser possível o
reconhecimento do "tempo de serviço rural mediante apresentação de um início de prova material
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
sem delimitar o documento mais remoto como termo inicial do período a ser computado, contanto
que corroborado por testemunhos idôneos a elastecer sua eficácia" (Primeira Seção, Relator
Ministro Arnaldo Esteves Lima, por maioria, j. 28/08/2013, DJe 05/12/14). O E. Relator, em seu
voto, deixou consignada a regra que se deve adotar ao afirmar: "Nessa linha de compreensão,
mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais
antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob o contraditório."
VII- Adicionalmente, ressalta-se que o C. STJ possui diversos julgados no sentido de que o
Recurso Especial Representativo de Controvérsia acima mencionado autorizou o reconhecimento
do tempo de serviço rural não apenas relativamente ao período anterior ao documento mais
antigo, mas também posterior à prova material mais recente, desde que amparado por prova
testemunhal robusta.
VIII- A legislação, ao vedar o trabalho infantil, tem por escopo proteger o menor, não podendo ser
utilizada em prejuízo do trabalhador, motivo pelo qual é possível o reconhecimento da atividade
rural a partir dos 12 anos de idade.
IX- No caso concreto, o acervo probatório autoriza o reconhecimento da atividade rural no período
de 14/8/73 a 31/5/83, ressalvando-se que o mencionado tempo não poderá ser utilizado para fins
de carência, tal como determinado na R. sentença.
X- Dessa forma, deve ser expedida a certidão de tempo de serviço rural, observando-se, no
entanto, que a parte autora "somente tem direito ao cômputo do aludido tempo rural, no
respectivo órgão público empregador, para contagem recíproca no regime estatutário se, com a
certidão de tempo de serviço rural, acostar o comprovante de pagamento das respectivas
contribuições previdenciárias, na forma da indenização calculada conforme o dispositivo do art.
96, IV, da Lei n. 8.213/1991", consoante o Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº
1.682.678/SP.
XI- Remessa oficial, tida por ocorrida, parcialmente provida. Aplicação do art. 1.013, § 3º, inc. III,
do CPC/15. Apelação do INSS conhecida em parte e improvida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6109822-06.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ADEMIR EDUARDO DE ANDRADE
Advogado do(a) APELADO: EDMAR ROBSON DE SOUZA - SP303715-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6109822-06.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ADEMIR EDUARDO DE ANDRADE
Advogado do(a) APELADO: EDMAR ROBSON DE SOUZA - SP303715-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à expedição de
certidão de tempo de serviço, mediante o reconhecimento da atividade rural exercida sem registro
em CTPS, no período de agosto/73 a maio/83.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quo julgou procedente o pedido, para reconhecer a atividade rural exercida no lapso de
14/8/73 a 31/5/83, que deverá ser devidamente averbado pelo requerido, observando-se o art. 55,
§ 2º, da Lei nº 8.213/91. Por fim, condenou a autarquia ao pagamento de custas e despesas
processuais, bem como de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa,
corrigido monetariamente pelos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à
caderneta de poupança (Lei nº 11.960/09).
Inconformada, apelou a autarquia, pleiteando a reforma da R. sentença. Subsidiariamente, requer
a incidência da correção monetária e dos juros nos termos da Lei nº 11.960/09.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6109822-06.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ADEMIR EDUARDO DE ANDRADE
Advogado do(a) APELADO: EDMAR ROBSON DE SOUZA - SP303715-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Inicialmente,
verifico que a parte autora ajuizou a presente ação, visando à expedição de certidão de tempo de
serviço, mediante o reconhecimento da atividade rural exercida sem registro em CTPS, no
período de agosto/73 a maio/83.
A sentença, porém, deixou de apreciar o pedido de expedição de certidão de tempo de serviço.
Conforme dispõe o artigo 141 do Código de Processo Civil/15, o juiz decidirá a lide nos limites
propostos pelas partes. Igualmente, o artigo 492 do mesmo diploma legal trata da correlação
entre o pedido e a sentença.
Portanto, a sentença não observou o princípio da congruência entre o pedido e a sentença, uma
vez que não julgou integralmente o pedido formulado na petição inicial, caracterizando-se, desta
forma, julgamento citra petita.
Reformulando posicionamento anterior --- ou, simplesmente, atualizando-o ---, entendo não ser
mais necessária a anulação do julgamento, tendo em vista o disposto no art. 1.013, § 3º, inc. III,
do Código de Processo Civil/15, o qual expressamente autoriza o julgamento imediato do mérito,
in verbis:
"A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
(...)
§ 3º. Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde
logo o mérito quando:
(...)
III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo". (grifos
meus)
Como bem ensina o Eminente Professor Cândido Rangel Dinamarco ao tratar do tema: "Também
em apelação contra sentença de mérito omissa quanto a um dos pedidos postos no processo
(pedido cumulado, reconvenção, etc.), cumprirá ao tribunal decidir a respeito, sempre que a
causa esteja madura para o julgamento do pedido negligenciado. Não será o caso de devolver os
autos para que o faça o juiz inferior e, muito menos, de anular o que foi julgado por conta do que
não o foi" (in, Nova Era do Processo Civil, 3ª edição, Malheiros Editores, pp. 183/184, grifos
meus).
Outrossim, no presente caso, tendo em vista o julgamento dos Embargos de Divergência nº
600.596/RS, pela Corte Especial do C. STJ, deve ser apreciada a remessa oficial em ações
meramente declaratórias.
Assim, passo à análise da apelação e da remessa oficial, tida por ocorrida.
No que tange à apelação do INSS, devo ressaltar, inicialmente, que a mesma será parcialmente
conhecida, dada a falta de interesse em recorrer relativamente à correção monetária e aos juros
de mora, uma vez que a R. sentença foi proferida nos exatos termos de seu inconformismo.
Como ensina o Eminente Professor Nelson Nery Júnior ao tratar do tema, "O recorrente deve,
portanto, pretender alcançar algum proveito do ponto de vista prático, com a interposição do
recurso, sem o que não terá ele interesse em recorrer" (in Princípios Fundamentais - Teoria Geral
dos Recursos, 4.ª edição, Revista dos Tribunais, p. 262).
Passo ao exame do recurso, relativamente à parte conhecida.
Trata-se de pedido de reconhecimento de atividade rural, expedindo-se a respectiva certidão de
tempo de serviço, para fins de contagem recíproca (Regime Próprio de Previdência Social).
No que tange ao reconhecimento de tempo de serviço rural, dispõe o § 3º do artigo 55 da Lei nº
8.213/91, in verbis:
"A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação
administrativa ou judicial, conforme o disposto no Art. 108, só produzirá efeito quando baseada
em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na
ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento."
Da simples leitura do referido dispositivo legal, bem como da análise da legislação pertinente e da
observância da jurisprudência dominante, depreende-se que para o reconhecimento do tempo de
serviço é indispensável a existência de início de prova material, corroborado por coerente e
robusta prova testemunhal. Outrossim, nos termos da Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de
Justiça, in verbis:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito
da obtenção de benefício previdenciário."
O C. Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o Recurso Especial Representativo de Controvérsia
nº 1.348.633-SP, firmou posicionamento no sentido de ser possível o reconhecimento do "tempo
de serviço rural mediante apresentação de um início de prova material sem delimitar o documento
mais remoto como termo inicial do período a ser computado, contanto que corroborado por
testemunhos idôneos a elastecer sua eficácia" (Primeira Seção, Relator Ministro Arnaldo Esteves
Lima, por maioria, j. 28/08/2013, DJe 05/12/14). O E. Relator, em seu voto, deixou consignada a
regra que se deve adotar ao afirmar: "Nessa linha de compreensão, mostra-se possível o
reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que
amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob o contraditório."
Ressalto, adicionalmente, que o C. STJ possui diversos julgados no sentido de que o Recurso
Especial Representativo de Controvérsia acima mencionado autorizou o reconhecimento do
tempo de serviço rural não apenas relativamente ao período anterior ao documento mais antigo,
mas também posterior à prova material mais recente, desde que amparado por prova
testemunhal robusta, conforme ementas a seguir transcritas:
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL.
VALIDADE DOS DOCUMENTOS EM NOME DO CÔNJUGE, DESDE QUE COMPLEMENTADA
COM ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EFICÁCIA PROBATÓRIA DOS DOCUMENTOS
APRESENTADOS. PERÍODO ANTERIOR E POSTERIOR. VALORAÇÃO DO CONJUNTO
PROBATÓRIO POSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ AFASTADO.
1. O labor campesino, para fins de percepção de aposentadoria rural por idade, deve ser
demonstrado por início de prova material e ampliado por prova testemunhal, ainda que de
maneira descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento, pelo número de meses
idêntico à carência.
2. São aceitos, como início de prova material, os documentos em nome do cônjuge que o
qualifiquem como lavrador, mesmo após seu falecimento, desde que a prova documental seja
complementada com robusta e idônea prova testemunhal, atestando a continuidade da atividade
rural.
3. No julgamento do Resp 1.348.633/SP, da relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima,
submetido ao rito do art. 543-C do CPC, esta Corte, examinando a matéria concernente à
possibilidade de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo
apresentado, consolidou o entendimento de que a prova material juntada aos autos possui
eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data do documento,
desde que corroborado por robusta prova testemunhal.
4. O juízo acerca da validade e eficácia dos documentos apresentados como o início de prova
material do labor campesino não enseja reexame de prova, vedado pela Súmula 7/STJ, mas sim
valoração do conjunto probatório existente (AgRg no REsp 1.309.942/MG, Rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/03/2014, DJe 11/04/2014).
5. Agravo regimental a que se nega provimento."
(STJ, Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.452.001/SP, 1ª Turma, Relator Ministro Sérgio
Kukina, j. em 5/3/15, v.u., DJ 12/3/15, grifos meus)
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL
EXTEMPORÂNEO. RATIFICAÇÃO POR MEIO DE ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL.
MATÉRIA DEFINIDA EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. CUMULAÇÃO DE
APOSENTADORIA RURAL POR IDADE COM PENSÃO ESTATUTÁRIA. POSSIBILIDADE.
PRECEDENTES. PERCEPÇÃO DE PENSÃO. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR.
CARACTERIZAÇÃO. RENDAS NÃO MENSURADAS. SÚMULA 7/STJ.
1. Este Superior Tribunal firmou entendimento de que as provas testemunhais, tanto do período
anterior ao mais antigo documento quanto do posterior ao mais recente, são válidas para
complementar o início de prova material do tempo de serviço rural (Recurso Especial Repetitivo
1.348.633/SP - acórdão ainda não publicado).
2. Por serem benefícios com distintos fundamentos legais, não há óbice à cumulação de
aposentadoria rural com pensão estatutária.
3. Somente se descaracteriza o regime de economia familiar, caso a renda derivada de outra
atividade supere, ou dispense, a obtida no labor rural. No caso dos autos, entretanto, tal
cotejamento não foi mencionado pelo acórdão de origem, sendo inviável fazê-lo em sede de
recurso especial, em razão do óbice da Súmula 7/STJ.
4. Agravo regimental a que se nega provimento."
(STJ, Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.347.289/SP, 2ª Turma, Relator Ministro Og
Fernandes, j. em 24/4/14, v.u., DJ 20/5/14, grifos meus)
Anoto que o convencimento da verdade de um fato ou de uma determinada situação jurídica
raramente decorre de circunstância isoladamente considerada.
Os indícios de prova material, singularmente analisados, talvez não fossem, por si sós, suficientes
para formar a convicção do magistrado. Nem tampouco as testemunhas provavelmente o seriam.
Mas a conjugação de ambos os meios probatórios - todos juridicamente idôneos para formar a
convicção do juiz - torna inquestionável a comprovação da atividade laborativa rural.
Observo, por oportuno, que a listagem dos documentos mencionados no art. 106 da Lei nº
8.213/91 é meramente exemplificativa, consoante precedente jurisprudencial do C. STJ (REsp. nº
433.237, 5ª Turma, Relator Min. Gilson Dipp, j. 17/9/2002, DJ 14/10/02, p. 262, v.u.).
Com relação às contribuições previdenciárias, dispõe o §2º do art. 55 da Lei nº 8.213/91 que o
tempo de serviço do segurado trabalhador rural, "anterior à data de início de vigência desta Lei,
será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes,
exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento." Havendo período posterior ao
advento da Lei de Benefícios, sem o recolhimento das contribuições, o mesmo somente poderá
ser utilizado para os fins específicos previstos no art. 39, inc. I, da Lei de Benefícios. Quadra
mencionar que o C. Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o Recurso Especial Representativo
de Controvérsia nº 1.352.791/SP, adotou o entendimento de que o período de atividade rural
registrado em carteira profissional deve ser computado como carência.
A contagem recíproca de tempo de serviço encontra-se disciplinada nos artigos 94 a 99, da Lei nº
8.213/91.
Passo à análise do caso concreto.
Inicialmente, conforme as informações constantes do Cadastro Nacional de Informações Sociais
– CNIS, acostada aos autos (ID 100312117 – Pág. 3), observo que o autor é funcionário público
do Município de Bom Sucesso de Itararé, estando vinculado ao Regime Próprio da Previdência
Social.
Relativamente ao reconhecimento de tempo de serviço rural da parte autora, nascida em 14/8/61,
no período de 14/8/73 a 31/5/83, encontram-se acostadas aos autos as cópias dos seguintes
documentos:
1) Certidão de nascimento do autor, registrado em 29/4/63, qualificando seu pai como lavrador;
2) CTPS do requerente, com registro como trabalhador rural no período de 23/6/83 a 28/9/83;
3) Declaração fornecida pela Justiça Eleitoral, informando que o demandante, ao promover sua
inscrição em 30/4/80, qualificou-se como lavrador e
4) Certidão de óbito do pai do autor, falecido em 1980, qualificando o “de cujus” como lavrador.
Referidas provas, somadas aos depoimentos testemunhais (sistema de gravação audiovisual),
formam um conjunto harmônico, apto a colmatar a convicção de que a parte autora exerceu
atividades no campo no período pleiteado na exordial.
As testemunhas foram unânimes em afirmar que conhecem o autor desde a sua infância e que o
mesmo trabalhava na lavoura, auxiliando sua família.
No que tange ao reconhecimento do trabalho exercido a partir dos 12 (doze) anos de idade,
cumpre transcrever os dispositivos da Constituição Federal de 1967 (art. 158, inc. X) e da
Emenda Constitucional n.º 1 de 1969 (art. 165, inc. X), que tratam da matéria, in verbis:
"Art 158 - A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que,
nos termos da lei, visem à melhoria, de sua condição social:
(...)
X - proibição de trabalho a menores de doze anos e de trabalho noturno a menores de dezoito
anos, em indústrias insalubres a estes e às mulheres;"
"Art. 165. A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que,
nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social:
X - proibição de trabalho, em indústrias insalubres, a mulheres e menores de dezoito anos, de
trabalho noturno a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de doze anos;"
Da leitura dos dispositivos acima transcritos, verifica-se que surgiu a previsão constitucional da
atividade laborativa para os maiores de 12 (doze) anos de idade, motivo pelo qual, havendo prova
do trabalho exercido, deve ser reconhecido o tempo de serviço efetivamente realizado.
O C. Superior Tribunal de Justiça, em 23/6/08, no julgamento da Ação Rescisória nº 3.629-RS, no
qual se discutia o direito de a autora averbar o trabalho rural a partir da data em que completou
12 anos de idade (2/5/1965a 31/1/77), julgou procedente o pedido formulado "para desconstituir o
acórdão proferido no REsp 600.666/RS, mantendo aquele proferido pelo Tribunal Regional
Federal da 4ª Região, no julgamento da Apelação Cível 2000.04.01.113950-0/RS, e confirmando
o direito ao cômputo do trabalho rural, a partir de 02/05/65, sem recolhimento de contribuições
previdenciárias." Asseverou a E. Relatora, em seu voto: "(...) é preciso salientar que já é pacífico
nas Turmas integrantes da Terceira Seção do STJ o entendimento de que, comprovada a
atividade rural do trabalhador menor, a partir dos seus 12 anos, em regime de economia familiar,
esse tempo deve ser computado para fins previdenciários. A justificar tal medida, amparando-se
no princípio da universalidade da cobertura da Seguridade Social, deve-se partir da ideia de que a
proibição do trabalho ao menor de 14 anos foi estabelecida em benefício do menor e não em seu
prejuízo." Nesse sentido: AREsp. nº 315.764, Relator Ministro Benedito Gonçalves, decisão
monocrática proferida em 26/6/15, DJe 4/8/15 e REsp. nº 1.397.928, Relator Mauro Campbell
Marques, decisão monocrática proferida em 28/8/13, DJe 3/9/13.
Desta forma, entendo ser possível o reconhecimento da atividade rural no período de 14/8/73 a
31/5/83, ressalvando que o mencionado tempo não poderá ser utilizado para fins de carência, tal
como determinado na R. sentença.
Por fim, deve ser expedida a certidão de tempo de serviço rural, observando-se, no entanto, que
a parte autora "somente tem direito ao cômputo do aludido tempo rural, no respectivo órgão
público empregador, para contagem recíproca no regime estatutário se, com a certidão de tempo
de serviço rural, acostar o comprovante de pagamento das respectivas contribuições
previdenciárias, na forma da indenização calculada conforme o dispositivo do art. 96, IV, da Lei n.
8.213/1991", consoante o Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.682.678/SP.
Ante o exposto, dou parcial provimento à remessa oficial, tida por ocorrida, e, com fundamento no
art. 1.013, § 3º, inc. III, do CPC/15, determino a expedição da certidão de tempo de serviço, com
observância da tese jurídica firmada no Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº
1.682.678/SP, acima transcrita, e não conheço de parte da apelação do INSS e, na parte
conhecida, nego-lhe provimento.
É o meu voto.
A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA. Peço licença ao Excelentíssimo Senhor
Relator para discordar especificamente quanto ao encaminhamento proposto no sentido de se ter
apreciado reexame necessário em ações meramente declaratórias.
Com efeito, a sentença proferida, embora desfavorável ao Instituto Nacional do Seguro Social,
não se encontra condicionada ao reexame necessário para que possa alcançar plena eficácia.
Isso porque, consoante o disposto no art. 496, § 3.º, inciso I, do Código de Processo Civil, o
direito controvertido, considerado o valor atribuído à causa, não impugnado pela autarquia-ré e
atualizado até a presente data, não excede a 1.000 (mil) salários mínimos.
Se vencida nessa questão, acompanho integralmente o voto do Desembargador Federal Newton
de Lucca também no que se refere ao aspecto abordado por força da remessa oficial, tida por
ocorrida.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL. SENTENÇA
CITRA PETITA. CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. AVERBAÇÃO EM REGIME PRÓPRIO.
CONTAGEM RECÍPROCA. CONJUNTO HARMÔNICO.
I- Considerando-se que a sentença não contém pronunciamento a respeito do pedido de
expedição de certidão formulado na petição inicial, há violação ao princípio da congruência entre
o pedido e a sentença.
II- Tendo em vista que a causa se encontra em condições de imediato julgamento, impõe-se que
seja apreciado o mérito, consoante previsão expressa do art. 1.013, § 3º, inc. III, CPC/15.
III- Outrossim, conforme o julgamento dos Embargos de Divergência nº 600.596/RS, pela Corte
Especial do C. STJ, deve ser apreciada a remessa oficial em ações meramente declaratórias.
IV- Ressente-se do pressuposto de admissibilidade a apelação interposta sem que haja algum
proveito prático a ser alcançado, com o que fica afastado o interesse recursal.
V- Tratando-se de comprovação de tempo de serviço, é indispensável a existência de início
razoável de prova material da atividade rural, contemporânea à época dos fatos, corroborada por
coerente e robusta prova testemunhal.
VI- O C. Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o Recurso Especial Representativo de
Controvérsia nº 1.348.633-SP, firmou posicionamento no sentido de ser possível o
reconhecimento do "tempo de serviço rural mediante apresentação de um início de prova material
sem delimitar o documento mais remoto como termo inicial do período a ser computado, contanto
que corroborado por testemunhos idôneos a elastecer sua eficácia" (Primeira Seção, Relator
Ministro Arnaldo Esteves Lima, por maioria, j. 28/08/2013, DJe 05/12/14). O E. Relator, em seu
voto, deixou consignada a regra que se deve adotar ao afirmar: "Nessa linha de compreensão,
mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais
antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob o contraditório."
VII- Adicionalmente, ressalta-se que o C. STJ possui diversos julgados no sentido de que o
Recurso Especial Representativo de Controvérsia acima mencionado autorizou o reconhecimento
do tempo de serviço rural não apenas relativamente ao período anterior ao documento mais
antigo, mas também posterior à prova material mais recente, desde que amparado por prova
testemunhal robusta.
VIII- A legislação, ao vedar o trabalho infantil, tem por escopo proteger o menor, não podendo ser
utilizada em prejuízo do trabalhador, motivo pelo qual é possível o reconhecimento da atividade
rural a partir dos 12 anos de idade.
IX- No caso concreto, o acervo probatório autoriza o reconhecimento da atividade rural no período
de 14/8/73 a 31/5/83, ressalvando-se que o mencionado tempo não poderá ser utilizado para fins
de carência, tal como determinado na R. sentença.
X- Dessa forma, deve ser expedida a certidão de tempo de serviço rural, observando-se, no
entanto, que a parte autora "somente tem direito ao cômputo do aludido tempo rural, no
respectivo órgão público empregador, para contagem recíproca no regime estatutário se, com a
certidão de tempo de serviço rural, acostar o comprovante de pagamento das respectivas
contribuições previdenciárias, na forma da indenização calculada conforme o dispositivo do art.
96, IV, da Lei n. 8.213/1991", consoante o Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº
1.682.678/SP.
XI- Remessa oficial, tida por ocorrida, parcialmente provida. Aplicação do art. 1.013, § 3º, inc. III,
do CPC/15. Apelação do INSS conhecida em parte e improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à remessa oficial, dada por interposta, e, com
fundamento no art. 1.013, § 3º, inc. III, do CPC/15, determinar a expedição da certidão de tempo
de serviço, com observância da tese jurídica firmada no Recurso Especial Representativo de
Controvérsia nº 1.682.678/SP, e não conhecer de parte da apelação do INSS e, na parte
conhecida, negar-lhe provimento, sendo que a Desembargadora Federal Therezinha Cazerta,
inicialmente, não dava por interposta a remessa oficial e, vencida, acompanhou o voto do Relator,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
