D.E. Publicado em 02/06/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à remessa oficial e à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0027370-85.2012.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de remessa oficial e apelação em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando o reconhecimento de tempo de serviço laborado como guarda-mirim, a conversão de atividade especial em comum e a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
A r. sentença de fls. 129/141 julgou procedente o pedido, reconheceu o período laborado como guarda-mirim, entre 01.02.1974 e 30.07.1976, além da natureza especial dos interregnos compreendidos entre 01.02.1991 e 02.12.1992 e, entre 11.01.1993 e 05.03.1997, condenando a Autarquia Previdenciária à concessão do benefício vindicado, acrescido dos consectários legais. Por fim, concedeu a tutela antecipada e determinou sua imediata implantação.
Sentença submetida ao reexame necessário.
Em razões recursais de fls. 148/153, pugna o INSS pela reforma da sentença e improcedência do pedido, ao argumento de o autor não logrou comprovar o tempo necessário à concessão do benefício, notadamente ante a ausência de amparo legal para o cômputo do interregno laborado como guarda-mirim, por não restar caracterizado o contrato de trabalho.
Devidamente processados os recursos, subiram a esta instância para decisão.
É o sucinto relato.
VOTO
1. DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/ CONTRIBUIÇÃO
O primeiro diploma legal brasileiro a dispor sobre a aposentadoria por tempo de serviço foi a Lei Eloy Chaves, Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923. Referido benefício era concedido apenas aos ferroviários, possuindo como requisito a idade mínima de 50 (cinquenta) anos, tendo sido suspensa no ano de 1940.
Somente em 1948 tal aposentadoria foi restabelecida, tendo sido mantida pela Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960 (Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS), que preconizava como requisito para a concessão do benefício o limite de idade de 55 (cinquenta e cinco) anos, abolido, posteriormente, pela Lei nº 4.130, de 28 de agosto de 1962, passando a adotar apenas o requisito tempo de serviço.
A Constituição Federal de 1967 e sua Emenda Constitucional nº 1/69, também disciplinaram tal benefício com salário integral, sem alterar, no entanto, a sua essência.
A atual Carta Magna manteve o benefício, disciplinando-o em seu art. 202 (redação original) da seguinte forma:
Antes da Emenda Constitucional n. 20/98, de 15 de dezembro de 1998, preceituava a Lei nº 8.213/91, nos arts. 52 e seguintes, que o benefício de aposentadoria por tempo de serviço era devido ao segurado que, após cumprir o período de carência constante da tabela progressiva estabelecida pelo art. 142 do referido texto legal, completar 30 anos de serviço, se homem, ou 25, se mulher, iniciando no percentual de 70% do salário-de-benefício até o máximo de 100% para o tempo integral aos que completarem 30 anos de trabalho se mulher, e 35 anos de trabalho se homem.
Na redação original do art. 29, caput, §1º, da Lei de Benefícios, o salário-de-benefício consiste na média aritmética simples de todos os últimos salários-de-contribuição dos meses imediatamente anteriores ao afastamento da atividade ou da data da entrada do requerimento, até o máximo de 36, apurados no período não superior a 48 meses. Ao segurado que contava com menos de 24 contribuições no período máximo estabelecido, o referido salário corresponde a 1/24 da soma dos salários-de-contribuição.
Com o advento da Emenda Constitucional nº 20/98, a aposentadoria por tempo de serviço foi convertida em aposentadoria por tempo de contribuição, tendo sido excluída do ordenamento jurídico a aposentadoria proporcional, passando a estabelecer, nos arts. 201 e 202 da Constituição Federal:
Entretanto, o art. 3º da referida Emenda garantiu o direito adquirido à concessão da aposentadoria por tempo de serviço a todos aqueles que até a data da sua publicação, em 16 de dezembro de 1998, tivessem cumprido todos os requisitos legais, com base nos critérios da legislação então vigente.
Foram contempladas, portanto, três hipóteses distintas à concessão da benesse: segurados que cumpriram os requisitos necessários à concessão do benefício até a data da publicação da EC n. 20/98 (16/12/1998); segurados que, embora filiados, não preencheram os requisitos até o mesmo prazo e, por fim, segurados filiados após a vigência daquelas novas disposições legais.
2. DA CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM
2.1 DO DIREITO À CONVERSÃO ANTES DA LEI 6.887/80 E APÓS A LEI 9.711/98
A teor do julgamento do REsp 1.310.034 e do REsp 1.151.363, ambos submetidos ao regime do art. 543-C do CPC, inexiste óbice para se proceder à conversão de tempo de serviço especial em comum, seja antes da Lei 6.887/80 seja após Lei n. 9.711/1998.
2.2 DO RECONHECIMENTO DA ATIVIDADE EXERCIDA EM ATIVIDADE ESPECIAL
Para o reconhecimento da natureza especial da atividade exercida e a conversão desse intervalo especial em comum, cabe ao segurado demonstrar o trabalho em exposição a agentes agressivos, nos termos da lei vigente à época da prestação do trabalho, observando-se o princípio tempus regit actum (Pet 9.194/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, julgado em 28/05/2014, DJe 03/06/2014).
2.2.1 PERÍODO ANTERIOR À EDIÇÃO DA LEI Nº 9.032/95
No período anterior à edição da Lei nº 9.032/95, o direito à aposentadoria especial e à conversão do tempo trabalhado em atividades especiais é reconhecido em razão da categoria profissional exercida pelo segurado ou pela sua exposição aos agentes nocivos descritos nos Anexos dos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79, a ser comprovada por meio da apresentação de SB 40, sem a necessidade de apresentação de laudo técnico, exceção feita à exposição ao ruído.
2.2.2 PERÍODO POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.032/95 ATÉ A EDIÇÃO DO DECRETO Nº 2.172, DE 5 DE MARÇO DE 1997
A comprovação da atividade especial exercida após a edição da Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995 - que promoveu a alteração do art. 57 da Lei n. 8213/91 - se dá com a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, mediante a apresentação do formulário DSS-8030 (antigo SB 40), o qual se reveste da presunção de que as circunstâncias de trabalho ali descritas se deram em condições especiais, não sendo, portanto, imposto que tal documento se baseie em laudo pericial, com exceção ao limite de tolerância para nível de pressão sonora (ruído).
Anote-se que a relação dos agentes nocivos constante do Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964, e dos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, em vigor até o advento do Decreto Regulamentar nº 2.172/97, de 5 de março de 1997, fora substituído pelo Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999.
Relevante consignar que, a partir da Lei nº 9.032/95, não é mais possível o reconhecimento da atividade especial, unicamente, com fulcro no mero enquadramento da categoria profissional.
2.2.3 PERÍODO POSTERIOR À VIGÊNCIA DO DECRETO Nº 2.172, DE 5 DE MARÇO DE 1997 E DEMAIS CONSIDERAÇÕES
Com a edição do Decreto nº 2.172, de 5 de março de 1997, que regulamentou a Medida Provisória nº 1523/96, convertida na Lei nº 9.528/97, é indispensável a apresentação de laudo técnico para a comprovação de atividade especial.
Cabe esclarecer que a circunstância de o laudo não ser contemporâneo à atividade avaliada não lhe retira absolutamente a força probatória, em face de inexistência de previsão legal para tanto e desde que não haja mudanças significativas no cenário laboral (AC 0022396-76.2005.4.01.3800/MG, Rel. Desembargador Federal Candido Moraes, 2ª Turma, e-DJF1 p.198 de 18/11/2014). Súmula 68 TNU.
Além disso, é de se apontar que o rol de agentes insalubres, como também das atividades penosas e perigosas não se esgotam no regulamento, tal como cristalizado no entendimento jurisprudencial na Súmula/TFR n. 198:
Nesse sentido, julgados do Colendo Superior Tribunal de Justiça: 6ª Turma, REsp nº 395988, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 18.11.2003, DJ 19.12.2003, p. 630; 5ª Turma, REsp nº 651516, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 07.10.2004, DJ 08.11.2004, p. 291.
2.3 USO DO EPI
No tocante à utilização de Equipamentos de Proteção Individual - EPI, em recente decisão, com repercussão geral, no ARE 664.335/SC, assentou a Suprema Corte que:
No mais, especificamente quanto à eficácia do equipamento de proteção individual - EPI ao agente agressivo ruído, o Pretório Excelso definiu que:
3. DOS AGENTES NOCIVOS
RUÍDO
O reconhecimento da insalubridade em decorrência da pressão sonora observa o regulamento vigente na ocasião do exercício da atividade laboral.
Assim, a atividade é considerada insalubre caso constatada a sujeição do trabalhador ao nível de pressão sonora da seguinte forma: até 05 de março de 1997, superior ou equivalente a 80 (oitenta) decibéis (Decreto nº 53.831/64); entre 06 de março de 1997 e 18 de novembro de 2003, superior ou equivalente a 90 (noventa) decibéis (Decreto n. 2.172/97) e, a partir dessa data (edição do Decreto nº 4.882/03), superior ou equivalente a 85 (oitenta e cinco) decibéis, não havendo que se falar em aplicação retroativa deste último diploma legal, conforme entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp nº 1.146.243/RS - 6ª Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE 12/03/2012).
4. DO CASO DOS AUTOS
4.1. DO PERÍODO LABORADO COMO GUARDA-MIRIM
Pretende o postulante ver reconhecido o período laborado como guarda-mirim, entre 01 de fevereiro de 1974 e 30.07.1976, tendo carreados aos autos início de prova material a respeito, consubstanciado na Certidão de fl. 15, expedida pela Prefeitura Municipal de Birigui- SP, na qual consta que o autor prestou serviços atinentes à guarda-mirim, no período compreendido entre fevereiro de 1974 e julho de 1976.
Também foram acostadas à exordial as cópias dos recibos de recebimento de salários auferidos como guarda-mirim, durante o período pleiteado.
Todavia, verifica-se que a documentação acostada não é hábil a demonstrar vínculo empregatício que permita a contagem de tempo de serviço junto ao órgão previdenciário.
Com efeito, as instituições denominadas como guardas-mirins são geralmente constituídas pelas prefeituras municipais com apoio de associações locais de lojistas e empresas prestadoras de serviços, com o escopo de patrocinar algum tipo de atividade laboral e recreativa a adolescentes, geralmente de famílias com parcas posses e carência de recursos humanos e materiais.
A intenção finalística da criação de tais organizações tem caráter nitidamente social e humanitário, visto que inexiste interesse econômico/financeiro a reger suas atividades. Ao revés, sua criação e manutenção são custeadas por dotação orçamentária do município e doações e contribuições para compra de uniformes, instrumentos musicais e material didático.
Essas associações promovem a retirada das ruas de jovens ociosos, fomentando sua consequente inserção em atividades de aprendizado e auxílio em lojas, restaurantes e pequenas prestadoras de serviços, além de atividades lúdicas como participar de bandas e fanfarras, obrigando-os, em contrapartida, a manter frequência e aproveitamento na escola.
A ideia central da criação e existência das Guarda-Mirins é que ao final da participação nas atividades e consequente desligamento, o jovem esteja mais amadurecido, disciplinado e preparado para inserção no mercado de trabalho.
Nesse sentido já se manifestou este Tribunal:
Ainda que assim não fosse, verifico da carteira de identidade de fl. 12 que o autor nasceu em 21.06.1963 e, em 01.02.1974, contava com apenas 10 (dez) anos de idade.
É histórica a vedação constitucional do trabalho infantil. Em 1967, porém, a proibição alcançava apenas os menores de 12 anos. Isso indica que nossos constituintes viam, àquela época, como realidade incontestável que o menor efetivamente desempenhava a atividade nos campos e nas cidades.
Antes dos 12 anos, porém, não é crível que uma criança pudesse exercer plenamente a atividade laborativa de qualquer natureza, inclusive por não contar com vigor físico suficiente para uma atividade desgastante.
Do exposto, tem-se como descabida a pretensão de contagem de tempo de serviço para fins previdenciários, do tempo prestado pelo requerente como guarda-mirim, no interregno compreendido entre 01.02.1974 e 30.07.1976, à vista da inexistência de vínculo empregatício.
Entendimento diverso resultaria em inobservância das regras vigentes à época do alegado labor (artigo 165, inciso X, da Constituição Federal de 1967) e na legalização do trabalho infantil, veementemente repudiado pela sociedade.
Nesse sentido, trago à colação o seguinte julgado proferido por esta Egrégia Corte:
4.2. DO TRABALHO ESPECIAL
Pleiteia o requerente o reconhecimento, como especial e sua respectiva conversão para comum, dos períodos em que teria trabalhado sujeito a agentes agressivos, tendo juntado a documentação abaixo discriminada:
À vista disso, restou comprovada a natureza especial dos vínculos empregatícios estabelecidos entre 01/02/1991 e 02/12/1992, 11/01/1993 e 05/03/1997.
Os vínculos empregatícios ora reconhecidos como especiais, na contagem original, somavam 5 anos, 11 meses e 27 dias, os quais, acrescidos da diferença apurada (2 anos, 4 meses e 23 dias), equivalem a 8 anos, 4 meses e 20 dias.
A soma da diferença apurada pela conversão dos períodos especiais em comum (2 anos, 4 meses e 23 dias) ao total já apurado na seara administrativa pelo resumo de documentos para cálculo de tempo de contribuição de fls. 90/91 (31 anos e 3 meses), demonstra que contava a parte autora, na data do requerimento administrativo (limite do pedido), formulado em 30.06.2011, com 33 anos, 7 meses e 23 dias de tempo de serviço, insuficientes à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral.
Seria o caso se aferir se a aposentadoria vindicada dar-se-ia na modalidade proporcional, todavia, verifico de pronto que o postulante não preenchia o limite etário estabelecido pela Emenda Constitucional nº 20/98, uma vez que nasceu em 21 de junho de 1963, conforme faz prova a cédula de identidade de fl. 12 e, por ocasião do requerimento administrativo, contava com 48 anos de idade.
Dessa forma, se torna inviável o acolhimento do pedido inicial, sendo de rigor o decreto de improcedência do pleito.
Isento a parte autora dos ônus de sucumbência, em razão de ser beneficiária da assistência judiciária gratuita.
5. DISPOSITIVO
Ante o exposto, dou provimento à remessa oficial e à apelação do INSS, para reformar a r. sentença recorrida e julgar improcedente o pedido, na forma acima fundamentada. Revogo a tutela antecipada anteriormente deferida. Comunique-se o INSS.
É o voto.
GILBERTO JORDAN
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Data e Hora: | 17/05/2016 16:44:54 |