Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000466-56.2020.4.03.6310
Relator(a)
Juiz Federal LEANDRO GONSALVES FERREIRA
Órgão Julgador
3ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
05/11/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 12/11/2021
Ementa
E M E N T A
RECURSO INOMINADO DA PARTE AUTORA. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. REGIME DE
ECONOMIA FAMILIAR. Prova testemunhal que não ampara o início de prova material.
Divergência relevante sobre períodos de estudo do autor. Sentença mantida pelos próprios
fundamentos, nesse ponto, com os acréscimos do voto. Aposentadoria por tempo de contribuição.
Exposição a ruído, no período de 29/04/1995 a 23/09/1995, não excedente (igual) ao limite de
tolerância então vigente. Tempo especial não reconhecido. Exposição a ruído, entre 20/01/2000 a
11/02/2008, acima dos limites normativos. Reconhecimento administrativo do INSS da atividade
especial de 20/01/2000 a 11/02/2008. Restabelecimento, nesse ponto, do entendimento
administrativo, com a reforma parcial da sentença. Recurso da parte autora parcialmente provido.
RECURSO INOMINADO DO INSS. TEMPO ESPECIAL. Recurso dissociado dos fundamentos da
sentença, de que não se conhece, quanto aos intervalos de 03/05/2010 a 04/03/2014 e de
01/10/2014 a 16/05/2019. Impugnação específica circunscrita ao agente nocivo físico ruído e
respectiva metodologia de aferição, ao passo que, diversamente, a sentença reconheceu a
especialidade, nesse lapso temporal, devido ao labor do segurado exposto a agentes químicos
nocivos. Atividade em indústrias de tecelagem. Tempo especial de 20/01/1995 a 28/04/1995
caracterizado. Presunção legal até a vigência da Lei 9.032/1995. Entendimento da TNU. Recurso
do INSS desprovido, na parte conhecida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
3ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000466-56.2020.4.03.6310
RELATOR:7º Juiz Federal da 3ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: RONALDO MOREIRA
Advogado do(a) RECORRIDO: GUILHERME DE MATTOS CESARE PONCE - SP374781-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000466-56.2020.4.03.6310
RELATOR:7º Juiz Federal da 3ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: RONALDO MOREIRA
Advogado do(a) RECORRIDO: GUILHERME DE MATTOS CESARE PONCE - SP374781-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Recurso inominado do autor pretendendo o reconhecimento da atividade rural que alega ter
exercido, em regime de economia familiar, no intervalo de 17/12/1980 a 30/10/1991, bem como
da atividade urbana especial, e sua respectiva conversão majorada em tempo comum, dos
períodos de 29/04/1995 a 23/09/1995 e de 20/01/2000 a 11/02/2008.
Recurso inominado também do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS postulando a
exclusão do tempo de serviço especial inerente aos interstícios de 20/01/1995 a 28/04/1995,
03/05/2010 a 04/03/2014 e 01/10/2014 a 16/05/2019.
Contrarrazões apresentadas somente pela parte autora.
É, no que basta, o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000466-56.2020.4.03.6310
RELATOR:7º Juiz Federal da 3ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: RONALDO MOREIRA
Advogado do(a) RECORRIDO: GUILHERME DE MATTOS CESARE PONCE - SP374781-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Examino, primeiro, o recurso do autor (ID 189302074).
A comprovação do tempo de serviço para os efeitos previdenciários, inclusive mediante
justificação administrativa ou judicial, só produzirá efeito quando baseada em início de prova
material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo
de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento (art. 55, § 3º, da Lei
8.213/91).
A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito
da obtenção de benefício previdenciário (Súmula 149 do STJ).
Para fins de comprovação do tempo de labor rural, o início de prova material deve ser
contemporâneo à época dos fatos a provar (Súmula 34 da TNU).
O início de prova material, de acordo com a interpretação sistemática da lei, é aquele feito
mediante documentos que comprovem o exercício da atividade nos períodos a serem contados,
devendo ser contemporâneos dos fatos a comprovar, indicando, ainda, o período e a função
exercida pelo trabalhador (AgRg no REsp 939.191/SC, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO,
SEXTA TURMA, julgado em 11/09/2007, DJe 07/04/2008).
É certo que a jurisprudência do STJ e da TNU permite a flexibilização do início de prova
material, diante da dificuldade do segurado especial na obtenção de prova escrita do exercício
de sua profissão, entendendo que o rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de
atividade rural, inscrito no art. 106, parágrafo único, da Lei 8.213/91, é meramente
exemplificativo, e não taxativo, sendo admissíveis outros documentos além dos previstos no
mencionado dispositivo, inclusive que estejam em nome de membros do grupo familiar ou ex-
patrão. Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ARTIGO 485, VII, DO CPC.
APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. PROVENTOS PROPORCIONAIS. REGRA
TRANSITÓRIA DO ARTIGO 9º, § 1º, DA EMENDA CONSTITUCIONAL 20/1998. CÔMPUTO
DE TEMPO RURAL. DOCUMENTO NOVO QUE SE MOSTRA APTO A LEGITIMAR A
RESCISÃO DA DECISÃO PROFERIDA NO RECURSO ESPECIAL. PEDIDO JULGADO
PROCEDENTE.
1. Nos termos do art. 485, VII, do CPC a sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser
rescindida quando o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não
podia fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável. Precedentes do
STJ.
2. No presente caso, o documento novo trazido pelo autor, correspondente à matrícula escolar,
extraída do livro tombo do Grupo Escolar Rural de Vila Negri, se mostra apto a comprovar a
atividade rural do autor, para os anos de 1964 a 1972.
3. Pedido julgado procedente para, em judicium rescindens, cassar a decisão rescindenda e,
em judicium rescisorium, dar provimento ao recurso especial interposto pelo autor.
(AR 4.987/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
10/10/2018, DJe 12/11/2018)
No mencionado julgado, verificando a íntegra do acórdão, o STJ considerou aptas, como início
de prova material, as cópias das matrículas do segurado em grupo escolar, mas é preciso
ressaltar que os referidos documentos faziam referência à natureza do trabalho desenvolvido
pelo pai do segurado, isto é, a profissão de lavrador do pai, bem como os respectivos períodos
(STJ, AR 4.987/SP), o que confirma o entendimento de que os documentos para a prova da
atividade campesina devem ser contemporâneos dos fatos probandos e também especificar o
período e a função desempenhada pelo trabalhador (AgRg no REsp 939.191/SC).
Convém, nessa linha, invocar a tese fixada pela TNU no julgamento do Tema 18 (PEDILEF
2009.71.95.000509-1/RS):
A certidão do INCRA ou outro documento que comprove propriedade de imóvel em nome de
integrantes do grupo familiar do segurado é razoável início de prova material da condição de
segurado especial para fins de aposentadoria rural por idade, inclusive dos períodos
trabalhados a partir dos 12 anos de idade, antes da publicação da Lei n. 8.213/91.
Desnecessidade de comprovação de todo o período de carência.
Na mesma direção:
A certidão de casamento ou outro documento idôneo que evidencie a condição de trabalhador
rural do cônjuge constitui início razoável de prova material da atividade rurícola. (Súmula
6/TNU)
Ainda, segundo o STJ, início de prova material não se confunde com prova plena: deve ser
interpretado como meros indícios que podem ser complementados com os depoimentos
testemunhais.
Nessa linha de entendimento do STJ, não há exigência legal de que o documento apresentado
como início de prova material abranja todo o período que se quer comprovar, basta o início de
prova material ser contemporâneo aos fatos alegados e referir-se, pelo menos, a uma fração
daquele período, corroborado com prova testemunhal, a qual amplie sua eficácia probatória.
A propósito, a Súmula nº 14 da TNU:
Para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material
corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício.
A matéria foi decidida pelo STJ na sistemática de recursos repetitivos (Tema 638), firmando-se
a seguinte tese: “Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao
documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob
contraditório” (REsp 1348633/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA
SEÇÃO, julgado em 28/08/2013, DJe 05/12/2014).
Ou seja, não é necessária a apresentação, ano a ano, de documentos para a prova do labor
campesino, bastando que a prova testemunhal, de forma coerente e segura, ampare o início de
prova material apresentado, ampliando sua eficácia temporal, tudo devidamente fundamentado
em decisão judicial, nos termos da jurisprudência do STJ e da TNU.
Quanto ao tema de contagem do trabalho rural por menor de idade, aplica-se ao caso a Súmula
5 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU): “A prestação
de serviço rural por menor de 12 a 14 anos, até o advento da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991,
devidamente comprovada, pode ser reconhecida para fins previdenciários”.
A Súmula 5 da TNU está em consonância com a jurisprudência do STJ (cf. AgRg no REsp
1150829/SP, Ministro CELSO LIMONGI, Sexta Turma, DJe 04/10/2010), no sentido de ser
possível o cômputo do tempo de atividade rural do menor para fins previdenciários quando
comprovado o trabalho, a partir dos seus 12 anos, em regime de economia familiar, porque, a
legislação, ao vedar o trabalho infantil do menor de 14 anos, teve por escopo a sua proteção,
tendo sido estabelecida a proibição em benefício do menor e não em seu prejuízo, aplicando-se
o princípio da universalidade da cobertura da Seguridade Social (cf. PEDILEF
00021182320064036303, JUIZ FEDERAL FREDERICO AUGUSTO LEOPOLDINO KOEHLER,
DOU 10/06/2016).
No caso concreto, a sentença (ID 189302066) está em consonância com os parâmetros acima.
Tenho a mesma convicção do Juízo sentenciante de que o conjunto probatório não permite
firmar a convicção de que a parte autora realmente desempenhou a atividade rurícola no
período alegado na petição inicial.
Veja-se a seguinte passagem da sentença (Num. 189302066 - Pág. 3):
Com relação ao período rural pleiteado de 17.12.1980 a 30.08.1992, verifica-se nos autos início
de prova material consistente nas Certidões de Nascimento do autor e de sua irmã (1969 e
1972), Matrícula de imóvel Rural (1973), Atestado da Secretaria de Segurança Pública (1990) e
Declaração de Rendimentos (1972), constando a profissão de “lavrador/agricultor” do autor ou
de seu pai, além de outros documentos correlatos para o período.
Contudo, o(s) período(s) pleiteado(s) como trabalhador(a) rural de 17.12.1980 a 30.08.1992 não
pode(m) ser considerado(s), vez que o início de prova material e os depoimentos colhidos em
audiência são insuficientes para comprovar o tempo de trabalho rural, para os fins no disposto
no artigo 55 da Lei 8.213/91.
Presentes indícios aceitáveis pela jurisprudência de prova do trabalho campesino, cabe verificar
se a prova testemunhal corrobora o tempo de serviço rural postulado no recurso autoral. A
resposta é negativa.
A testemunha Sr(a). Antônio (ID 189302063) disse não ser parente do autor. Conhece Ronaldo
(autor) de Santa Elisa, município de Umuarama. O autor trabalhava na lavoura desde os 7 ou 8
anos de idade. Ele capinava, colhia mantimentos, ajudava o pai dele na roça, plantando arroz,
feijão milho, tinha café também. O cultivo era destinado para o consumo da família. Na
propriedade rural moravam o autor e seus pais. Tinha irmãos também. Só a família trabalhava,
não contrataram ninguém de fora, eles davam conta. Era só trabalho braçal, o autor estudava,
nessa época não parou de trabalhar, se ele ia para a escola à tarde, ele trabalhava de manhã,
se ia de manhã para a escola, o autor trabalhava à tarde, enquanto estudou ele continuou
trabalhando. O autor saiu da roça no ano de 1992 e a testemunha saiu de lá em 2005. O autor,
no período em que trabalhou lá, só vivia da roça.
A testemunha Sr(a). Cesar (ID 189302062) asseverou não ser parente do autor. Conhece o sr.
Ronaldo (autor) de Santa Elisa. O autor trabalhava com o pai na lavoura. O autor tinha irmãos.
A família dele mexia com sítio. Só a família trabalhava, não contratava ninguém para ajudar. O
cultivo era de feijão, café, lavoura branca, algodão e amendoim, A plantação era para o
consumo deles. Não eram utilizadas máquinas, o trabalho era só na enxada. O autor estudava
nessa espoca. Ele estudava de manhã. Se estudava à noite trabalhava de dia. O autor, no sítio,
começou a trabalhar com 9 anos de idade, na lavoura carpia, colhia café. O autor ficou na roça
até 1992. A testemunha ficou lá até 2000. O autor só trabalhava na roça.
Os testemunhos acima são genéricos e pouco convincentes, pois não há elementos
contundentes ou extraordinários nos autos que convençam de que o autor, ainda criança com 7,
8 ou 9 anos de idade, pegasse em enxada e ajudassem os pais no pesado labor rurícola.
Anote-se que o autor, nascido em 17/12/1972, completou 12 anos de idade em 17/12/1984, de
maneira que não se pode considerar que desempenhou a árdua atividade campesina de
17.12.1980 a 17/12/1984 (8 a 12 anos de idade).
No tangente ao período de 18/12/1984 a 31/10/1991, vejo que há divergência relevante entre os
depoimentos das testemunhas Antônio e Cesar, pois enquanto o primeiro afirmou que o autor
estudava de manhã e à tarde (trabalhando nos períodos em que não estudava), o segundo
afirmou que o autor estudava de manhã e à noite (trabalhando no período em que não
estudava).
Pois bem. Vislumbro contradição relevante nesses depoimentos, pois o horário de estudo do
autor e sua compatibilidade com o labor rurícola é fundamental para se averiguar se o trabalho
era contínuo ou esporádico, não sendo admissível que duas testemunhas, que deveriam bem
conhecer os fatos, divirjam sobre aspecto tão importante do caso.
Mesmo que aceitos, em tese, documentos de terceiros, integrantes do grupo familiar, para a
demonstração da atividade rurícola (Súmula n. 6 da TNU e Tema n. 18 da TNU), e que o início
de prova material contemporâneo possa estender sua eficácia tanto para o período anterior
quanto para o posterior à sua data (Tema n. 638 do STJ; Súmula n. 14 da TNU; Pedido de
Uniformização Regional/TRU 3ª Região n. 0001059-10.2018.403.9300), exige-se a congruência
entre os depoimentos testemunhais e os documentos apresentados para a prova dos fatos
afirmados na petição inicial, permitindo, assim, ao órgão julgador, formar forte convicção para,
de forma justificada, acolher o tempo de serviço rural alegado, seja além ou aquém da data dos
documentos.
Assim, todas as questões trazidas pela parte recorrente foram enfrentadas motivadamente na
sentença e devidamente resolvidas, com a correta valoração das provas em seu conjunto e
irrepreensível aplicação da legislação e da jurisprudência pertinente.
Aplicação, na espécie, com os acréscimos deste voto, dos artigos 46 e 82, § 5°, da Lei nº
9.099/1995, que facultam à Turma Recursal dos Juizados Especiais a remissão aos
fundamentos adotados na sentença (Tema 451/STF - RE 635729 e Pedido de Uniformização de
Interpretação de Lei/Presidência 00084484120134014300, Rel. Ministro Raul Araújo, Data da
Decisão 23/04/2018, Data da Publicação 23/04/2018).
O autor também postula, em seu recurso, o cômputo majorado (especial) dos interstícios de
29/04/1995 a 23/09/1995 e de 20/01/2000 a 11/02/2008. Tem razão parcial.
O PPP (ID 189301977 – Págs. 29-30) prova que a exposição do autor a ruído, no período de
29/04/1995 a 23/09/1995, ocorreu sob a intensidade de 80 dB(A), que é exatamente o limite de
tolerância previsto para a época do labor (código 1.1.6 do Decreto nº 53.831/1964).
Nos termos da legislação previdenciária citada e da jurisprudência do STJ, que adoto, somente
a exposição a ruído em intensidade superior (e não igual) ao limite de tolerância previsto em
norma previdenciária enseja o enquadramento da atividade como especial. Confira-se:
[...] No caso, a variação atestada abrange 90 dB(A), não considerada nociva, afastando,
consequentemente, a habitualidade e a permanência exigidas para o enquadramento do
período. [...] É tida por especial a atividade exercida com exposição a ruídos superiores a 80
decibéis até a edição do Decreto 2.171/1997. Após essa data, o nível de ruído considerado
prejudicial é o superior a 90 decibéis. A partir da entrada em vigor do Decreto 4.882, em
18.11.2003, o limite de tolerância ao agente físico ruído reduziu para 85 decibéis. [...]
(AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 812.854 – SP, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, j.
09/12/2016.)
A TNU segue idêntica interpretação:
[...] para o reconhecimento de tempo especial, as atividades exercidas até 05/03/1997, a
intensidade de ruído deve ser acima de 80 decibéis; de 06/03/1997 a 18/11/2003, acima de 90
decibéis; e a partir de 19/11/2003 (Decreto nº 4.882/2003), acima de 85 decibéis. [...]
(PEDILEF 50030036820114047201, JUIZ FEDERAL SÉRGIO MURILO WANDERLEY
QUEIROGA, TNU, DOU 06/11/2015 PÁGINAS 138/358; PEDILEF 05264364020104058300,
Relator JUIZ FEDERAL WILSON JOSÉ WITZEL, Data da Decisão 11/12/2015, Fonte/Data da
Publicação DOU 19/02/2016 PÁGINAS 238/339)
No relativo ao período de 20/01/2000 a 11/02/2008, o INSS reconheceu integralmente tal
período como tempo especial, veja-se o relatório conclusivo do parecer administrativo:
“Documentação oferecida para análise COMPROVA exposição continua a ruído acima do limite
de tolerância para a época em condições de ser classificada como atividade especial, conforme
legislação vigente à época laborada. Profissiografia corrobora. CONCLUSÃO DA ANÁLISE
TÉCNICA: PERÍODO INTEGRALMENTE ENQUADRADO. AGENTE NOCIVO: 2.0.1 - RUÍDO -
ANEXO IV - DECRETO 3.048 DE 06 DE MAIO DE 1999” (ID 189301977 - Pág. 86).
Correta a análise administrativa do INSS, uma vez que o PPP (ID 189302045 – Págs. 31-32),
que indica o responsável pelos registros ambientais em todo esse intervalo, menciona a
exposição ocupacional a ruído acima do limite de tolerância legal (> 91 dB(A), de 20/01/2000 a
18/11/2003 e > 85 dB(A) a partir de 19/11/2003, até 11/02/2008). Equivocada, portanto, a
análise da sentença que julgou improcedente o reconhecimento da atividade especial de
20/01/2000 a 11/02/2008, a qual, nesse ponto, deve ser reformada para que prevaleça o
entendimento administrativo de cômputo majorado do citado interstício laboral.
Passo, agora, ao exame do recurso do INSS (ID 189302071).
A atividade em indústrias de tecelagem enquadra-se como especial, até 28/04/1995, em razão
de reconhecimento da nocividade do trabalho por ato do próprio Poder Executivo Federal
(presunção de insalubridade conferida a todos os trabalhos efetuados nas indústrias de
tecelagem pelo Parecer nº 85/78 do Ministério da Segurança Social e do Trabalho, devido ao
alto grau de ruído inerente a tais ambientes fabris), conforme jurisprudência do TRF da 3ª
Região:
[...]
26. Para comprovar que suas atividades, no período compreendido entre 16/03/1992 a
10/08/1993, foram exercidas em condições especiais, a parte autora coligiu aos autos o
formulário de fl. 32, do qual se extrai ter laborado junto à "Pabreu Textil Ltda.", desempenhando
a função de "auxiliar de tecelagem", no setor de "Tecelagem", com exposição a ruído constante
de 96 dB (A).
27. No caso, o requerente deixou de apresentar o Laudo Técnico, documento indispensável à
comprovação da insalubridade pelo agente agressivo ruído. Todavia, sua ocupação é passível
de reconhecimento como tempo especial, a despeito da ausência de previsão expressa nos
anexos dos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79. É o que sedimentou a jurisprudência, uma vez
que o Parecer nº 85/78 do Ministério da Segurança Social e do Trabalho teria conferido caráter
de atividade especial a todos os trabalhos efetuados em tecelagens, cabendo ressaltar que tal
entendimento aplica-se até 28/04/1995, data de promulgação da Lei nº 9.032. A partir de então,
tornou-se indispensável a comprovação da efetiva submissão a agentes nocivos, para fins de
reconhecimento da especialidade do labor.
[...]
(TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1588638 - 0002707-
09.2011.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO, julgado em
27/08/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/09/2018. G.N.)
[...]
5. O Parecer nº 85/78 do Ministério da Segurança Social e do Trabalho confere caráter especial
a todas as atividades laborativas cumpridas em indústrias de tecelagem, sendo possível a
conversão pretendida ainda que sem a apresentação do respectivo laudo técnico. [...]
(TRF 3ª Região, DÉCIMA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1953704 - 0008453-
47.2014.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL LUCIA URSAIA, julgado em
24/07/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/08/2018)
Na mesma linha, a jurisprudência da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais
Federais (TNU):
PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL.
TRABALHADOR DA INDÚSTRIA TÊXTIL. PARECER MT-SSMT N. 085/78, DO MINISTÉRIO
DO TRABALHO. ENQUADRAMENTO PROFISSIONAL. ANALOGIA CÓDIGOS 2.5.1 DO
DECRETO 53.831/64 E 1.2.11 DO DECRETO 83.080/79. POSSIBILIDADE. PEDIDO NÃO
CONHECIDO QUESTÃO DE ORDEM 13/TNU. A Presidência da TNU deu provimento a agravo
interposto contra decisão que inadmitiu o incidente de uniformização nacional suscitado pela
parte ora requerente, pretendendo a reforma de acórdão oriundo de Turma Recursal dos
Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária de Pernambuco que, reformando a sentença
de parcial procedência, reconheceu período adicional de trabalho especial. Sustenta o
recorrente que o acórdão recorrido diverge de julgamento proferido pela 1ª Turma Recursal de
Santa Catarina (Recurso de Sentença Cível (Processo 2007.72.95.009635-1, relator juiz federal
Andrei Pitten Velloso, julgado em 30/07/2008), a qual entendeu que não há enquadramento
especial pelo exercício da atividade de tecelão ou de trabalhador em indústria têxtil, pois o
Parecer MT-SSMT nº 085/78 não é norma cogente, mas mero enunciado de orientação
administrativa, a qual, inclusive, há muito não é mais seguida pelo INSS . Alega que o
reconhecimento como especial dos períodos de 31/08/1984 a 29/07/1985, e 01/08/1986 a
25/03/1988, durante os quais a autora trabalhou em indústria têxtil, sem comprovação por meio
de laudo pericial, afronta o entendimento desta TNU (PEDILEF 200672950186724) e do STJ
(AGRESP 200601809370; AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL
877972; STJ - SEXTA TURMA; DJE de 30/08/2010), segundo os quais a comprovação da
exposição a agentes insalubres (ruído e calor) sempre demandou aferição por laudo técnico.
Não conheço o incidente, tendo-se em vista o disposto na Questão de Ordem n. 13, desta TNU.
Inicialmente, destaco que a sentença reconheceu a especialidade do labor exercido pelo
recorrido junto à empresa Lipasa do Nordeste S/A, nos períodos de 24/4/1979 a 20/9/1983 e de
26/3/1988 a 6/8/1993, ancorando-se em laudos periciais, segundo os quais a autora estava
submetida a ruído na intensidade de 95 dB(A), superior à tolerada pela legislação
previdenciária. Todavia, rejeitou a pretensão de reconhecimento do labor na mesma empresa
em relação aos períodos de 31/8/1984 a 29/7/1985, e de 01/08/1986 a 25/3/1988, pela falta de
laudos periciais, em que pese a autora haver apresentado perfis profissiográficos
previdenciários (PPP), relativos aos vínculos e períodos descritos. Ocorre que a Turma
Recursal de origem, em recurso contra a sentença, reconheceu a especialidade da atividade
desenvolvida pela autora na indústria têxtil nos períodos rejeitados pela sentença presumindo a
presença do agente ruído de forma nociva à saúde do trabalho, dispensando a apresentação de
laudo pericial para esses períodos, arrematando: faz jus a autora à conversão do tempo
anteriormente mencionado. Assim, de 31/08/1984 a 29/07/1985 e 01/08/1986 a 25/03/1988 tem-
se o total de 2 anos, 6 meses e 23 dias, e aplicando-se o fator 1,2 chega-se ao montante de 3
anos, 0 meses e 29 dias . Ora, nenhum reparo merece o acórdão impugnado, uma vez que em
sintonia com a jurisprudência desta TNU sobre o tema, a qual reconhece a especialidade da
atividade prestada em indústria têxtil até 28/04/1995, mediante enquadramento profissional, por
analogia aos itens nº 2.5.1 do Decreto nº 53.831/64 e nº 1.2.11 do Decreto 83.080/79. Com
efeito, esta Turma Nacional vem reconhecendo a especialidade da atividade exercida em
indústria têxtil em razão do Parecer MT-SSMT n. 085/78, do Ministério do Trabalho (emitido no
processo n. 42/13.986.294), que estabeleceu que todos os trabalhos efetuados em tecelagens
dão direito ao enquadramento como atividade especial, devido ao alto grau de ruído inerente a
tais ambientes fabris (cf. PEDILEF 05318883120104058300, relator juiz federal PAULO
ERNANE MOREIRA BARROS, julgado em 11/03/2015). No PEDILEF mencionado, restou
assentado por este Colegiado Nacional que, em face do disposto no art. 383 do Decreto
83.080/79 e no referido Parecer MT-SSMT n. 085/78, é possível o reconhecimento do caráter
especial de atividades laborativas cumpridas em indústrias de tecelagem, sendo possível, pois,
efetuar a conversão pretendida mesmo sem a apresentação do respectivo laudo técnico,
mormente por se tratar de período anterior à inovação legislativa da Lei 9.032/95 que exige
prova da efetiva exposição, em face do princípio da segurança jurídica, da incidência do
princípio in dubio pro misero e da presunção de insalubridade conferida às atividades
desenvolvidas nas indústrias de tecelagem, conforme legislação da época da prestação dos
serviços. Incidente não conhecido. (PEDILEF 05280351420104058300, Relator JUIZ FEDERAL
JOSÉ HENRIQUE GUARACY REBÊLO, Fonte/Data da publicação DOU 19/02/2016 PÁGINAS
238/339. G.N.).
No mesmo sentido, menciono os seguintes precedentes das Turmas Recursais de São Paulo:
RECURSO INOMINADO/SP, Processo 0006952-38.2012.4.03.6310, Relator JUIZ FEDERAL
OMAR CHAMON, Órgão Julgador 5ª TURMA RECURSAL DE SÃO PAULO, Data do
Julgamento 01/04/2016, Data da Publicação/Fonte e-DJF3 Judicial DATA: 14/04/2016;
RECURSO INOMINADO/SP 0004581-67.2013.4.03.6310, Relator JUIZ FEDERAL
ALEXANDRE CASSETTARI, Órgão Julgador 2ª TURMA RECURSAL DE SÃO PAULO, Data do
Julgamento 24/02/2016, Data da Publicação/Fonte e-DJF3 Judicial DATA: 02/03/2016.
Igual direção seguiu esta Terceira Turma Recursal, conforme o seguinte precedente:
RECURSO INOMINADO 0000828-05.2013.4.03.6310, Relator JUIZ FEDERAL LEANDRO
GONSALVES FERREIRA, Data do Julgamento 03/10/2018, Data da Publicação/Fonte e-DJF3
Judicial DATA: 11/10/2018.
Assim, o intervalo de 20/01/1995 a 28/04/1995, em que demonstrado o trabalho do autor em
indústria têxtil (ID 189301977 - Págs. 29-30), deve ser mantido como tempo especial, pelo
critério de categoria profissional.
No atinente aos períodos de 03/05/2010 a 04/03/2014 e de 01/10/2014 a 16/05/2019, os
fundamentos do recurso do INSS estão dissociados dos fundamentos da sentença, e por isso
impõe-se o não conhecimento, nesse particular, da insurgência recursal autárquica, inexistindo
reexame necessário no procedimento dos Juizados Especiais Federais (art. 13 da Lei
10.259/2001). Com efeito, o INSS, ao se referir a esses períodos (ID 189302071 - Pág. 5)
aborda apenas o agente físico ruído e o método de sua aferição, ao passo que o
reconhecimento, na sentença (ID 189302066 - Pág. 6), da especialidade desses intervalos, não
ocorreu por conta do ruído, mas, diversamente, em razão da exposição do autor a agentes
nocivos químicos especificados no PPP (ID 189301977 - Págs. 35-36 e 37-39), dentre os quais
hidrocarbonetos e benzeno.
Pelo exposto, dou parcial provimento ao recurso da parte autora para, reformando parcialmente
o mérito da sentença, restabelecer a decisão administrativa que reconheceu o tempo especial
de 20/01/2000 a 11/02/2008, e nego provimento ao recurso do INSS, na parte conhecida.
Condeno o INSS ao pagamento de honorários fixados em 10% sobre o valor da condenação
ou, inexistindo esta, sobre o valor da causa atualizado, no mesmo percentual, em qualquer caso
limitados a 6 salários-mínimos (montante correspondente a 10% do teto de competência dos
Juizados Especiais Federais - art. 3º, “caput”, da Lei 10.259/2001).
É o voto.
E M E N T A
RECURSO INOMINADO DA PARTE AUTORA. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. REGIME DE
ECONOMIA FAMILIAR. Prova testemunhal que não ampara o início de prova material.
Divergência relevante sobre períodos de estudo do autor. Sentença mantida pelos próprios
fundamentos, nesse ponto, com os acréscimos do voto. Aposentadoria por tempo de
contribuição. Exposição a ruído, no período de 29/04/1995 a 23/09/1995, não excedente (igual)
ao limite de tolerância então vigente. Tempo especial não reconhecido. Exposição a ruído, entre
20/01/2000 a 11/02/2008, acima dos limites normativos. Reconhecimento administrativo do
INSS da atividade especial de 20/01/2000 a 11/02/2008. Restabelecimento, nesse ponto, do
entendimento administrativo, com a reforma parcial da sentença. Recurso da parte autora
parcialmente provido.
RECURSO INOMINADO DO INSS. TEMPO ESPECIAL. Recurso dissociado dos fundamentos
da sentença, de que não se conhece, quanto aos intervalos de 03/05/2010 a 04/03/2014 e de
01/10/2014 a 16/05/2019. Impugnação específica circunscrita ao agente nocivo físico ruído e
respectiva metodologia de aferição, ao passo que, diversamente, a sentença reconheceu a
especialidade, nesse lapso temporal, devido ao labor do segurado exposto a agentes químicos
nocivos. Atividade em indústrias de tecelagem. Tempo especial de 20/01/1995 a 28/04/1995
caracterizado. Presunção legal até a vigência da Lei 9.032/1995. Entendimento da TNU.
Recurso do INSS desprovido, na parte conhecida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por
unanimidade, deu parcial provimento ao recurso da parte autora e negou provimento ao recurso
do INSS, na parte conhecida., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
