
| D.E. Publicado em 27/09/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer do reexame necessário, rejeitar a matéria preliminar, e, no mérito, negar provimento à apelação autárquica e dar provimento à apelação da autora, para alterar o termo inicial do benefício, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0001945-84.2011.4.03.6121/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Cuida-se de apelações interpostas pela parte autora e pelo INSS contra sentença (15/4/2013) que julgou parcialmente procedente o pedido, para condenar o réu a pagar à autora benefício mensal de amparo assistencial, no valor de um salário mínimo, a contar da perícia socioeconômica (10/9/2011).
Exora a parte autora a reforma data do início do benefício. Prequestiona a matéria.
O INSS, por sua vez, requer a atribuição de efeito suspensivo à decisão. No mérito, alega que a autora não preenche os requisitos necessários à concessão do benefício vindicado.
Somente a autora apresenta contrarrazões
Decisão submetida ao reexame necessário.
O DD. Órgão do Ministério Público Federal sugere a regularização da representação processual, o provimento de sua apelação e o desprovimento do recurso do INSS.
Em cumprimento à ordem judicial de f. 200, houve a regularização da representação processual.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Considerando que a r. sentença foi publicada na vigência do CPC/1973, não se aplicam as novas regras previstas no artigo 496 e §§ do Novo CPC.
Assim, quando o direito controvertido é de valor inferior a 60 (sessenta) salários-mínimos, afasta-se a exigência do duplo grau de jurisdição, nos termos do artigo 475 , § 2º, do Código de Processo Civil/1973.
No presente caso, considerados o valor do benefício, seu termo inicial e a data da prolação da sentença, verifica-se que a condenação não excede a sessenta salários-mínimos.
Nesse sentido os julgados:
Inadmissível, assim, o reexame necessário.
No tocante às apelações, os recursos preenchem os pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.
Preambularmente, registro que a concessão da antecipação dos efeitos da tutela acarreta o recebimento da apelação somente no efeito devolutivo, consoante o disposto no artigo 520, VII do Código de Processo Civil/73 (artigo 1.012, §1º, V, do NCPC), como acertadamente procedeu o Juízo de primeira instância (nesse sentido, TRF/3ª Região, AGR 112081, 5ª Turma, j. em 05/08/2002, v.u., DJ de 18/11/2002, página 799, Rel. Juiz Convocado Higino Cinacchi).
Logo, não merece acolhida a pretensão do INSS de deferimento do efeito suspensivo por este relator, pois não restaram configuradas as circunstâncias dispostas no artigo 558 do Código de Processo Civil ou §4º do artigo 1012 do NCPC.
No mérito, discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67 (sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03).
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93, estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n. 8.742/93 -, passou a ser considerada aquela com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Assim, ratificou-se o entendimento consolidado nesta Corte de que o rol previsto no artigo 4º do Decreto n. 3.298/99 (regulamentar da Lei n. 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência) não era exaustivo; portanto, constatado que os males sofridos pelo postulante impedem sua inserção social, restará preenchido um dos requisitos exigidos para a percepção do benefício.
Já o critério do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com educação. Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Logo, a presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova, conforme precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 435.871, 5ª Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT., Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
O próprio Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas assistenciais voltados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per capita de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional de Acesso à Alimentação).
Em conclusão, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
No caso vertente, a parte autora requereu o benefício assistencial por ser deficiente. Segundo o laudo pericial, "trata-se de mulher de 45 anos, com retardo mental desde o nascimento, graves problemas clínicos e insuficiência renal avançada, decorrente de hipertensão arterial e diabetes mellitus. Objetivamente sempre teve incapacidade omniprofissional e dependência de terceiros para cuidados pessoais".
Quanto à hipossuficiência econômica, o estudo social revela que a parte autora reside com sua mãe, de 73 anos, cadeirante, em imóvel próprio, em regular estado de conservação.
Ambas apresentam diversos problemas de saúde, que demandam a ingestão de medicamentos, dos quais parte é adquirida na rede pública de saúde e a outra comprada.
A renda familiar é constituída da aposentadoria recebida por sua mãe, no valor de um salário mínimo.
As duas irmãs que não coabitam nesta residência se revezam nos cuidados da autora e de sua mãe e auxiliam financeiramente no possível.
Ressalvada minha posição pessoal, curvo-me ao entendimento desta Turma para, no caso em tela, aplicar analogicamente o disposto no artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03).
De fato, consoante precedentes do C. STF, julgado em sede de repercussão geral, e do E. Superior Tribunal de Justiça, o benefício de valor mínimo recebido por idoso, seja qual for sua natureza, deve ser desconsiderado para o cômputo da renda do núcleo familiar.
Confiram-se:
Em decorrência, concluo pelo preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada, previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93 e regulamentado pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo (16/8/2007), pois esse foi o momento em que o INSS tomou conhecimento da pretensão da parte autora. Não me parece que a situação fática apresentada no processo administrativo era muito diversa da constatada no estudo social, já que a mãe recebia amparo previdenciário por invalidez desde 1988, e o pai já era falecido desde 05/12/1997. A família há 10 anos reside no imóvel e não consta vínculos empregatícios na CTPS da autora ou de sua mãe, conforme relatado no estudo social, que as indagou, inclusive, sobre a situação apresentada no requerimento administrativo, havendo declaração de ser a mesma.
Ademais, não se pode olvidar da solução adotada no recurso repetitivo (REsp 1369165 SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, Julgado em 26/02/2014, DJE 07/03/2014), que trata do termo inicial para implantação do benefício da aposentadoria por invalidez.
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados por ocasião da liquidação do julgado.
Diante do exposto, não conheço do reexame necessário, rejeito a matéria preliminar, e, no mérito, nego provimento à apelação autárquica e dou provimento à apelação da autora, para alterar o termo inicial do benefício.
Considerando que a apelação foi interposta antes da vigência do Novo CPC, não incide ao presente caso a regra de seu artigo 85, § 1º, que determina a majoração dos honorários de advogado em instância recursal, devendo o valor permanecer na forma fixada na sentença.
Dê-se ciência desta decisão ao DD. Órgão do Ministério Público Federal.
É o voto.
Juiz Federal Convocado
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| Data e Hora: | 14/09/2016 12:49:39 |
