
| D.E. Publicado em 24/01/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido, ao reexame necessário e à apelação do INSS, e dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003199-53.2010.4.03.6113/SP
RELATÓRIO
VOTO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): O provimento jurisdicional concedido nesta demanda é de natureza declaratória, não se podendo falar em valor certo da condenação, considerando a ausência de imposição ao pagamento de prestações em atraso.
A razão da exclusão do reexame necessário na hipótese do § 2º do artigo 475 do Código de Processo Civil de 1973, em vigor quando da prolação da sentença, é a menor expressividade econômica da causa.
No presente caso, embora não se possa falar em condenação, dada a índole declaratória da ação, é possível se verificar que a causa possui expressão econômica, e esta se concretiza no valor atribuído à causa.
Assim, o valor atribuído à causa deve ser tomado como referência para o fim de aplicação do § 2º do artigo 475 do Código de Processo Civil de 1973, quando a controvérsia se restringir à lide declaratória, portanto, sem conteúdo financeiro imediato.
Nestas condições, considerando que à presente causa foi atribuído o valor de R$ 38.698,12 (trinta e oito mil, seiscentos e noventa e oito reais e doze centavos), superando o valor de 60 (sessenta) salários mínimos estabelecido pelo dispositivo legal apontado, é cabível o reexame necessário.
Conheço do agravo retido interposto pela parte autora, uma vez que sua apreciação por este Tribunal foi expressamente requerida pelo agravante nas suas razões de apelação, nos termos do artigo 523, § 1º, do Código de Processo Civil de 1973.
A preliminar de cerceamento de defesa, em razão da ausência de produção de prova pericial, confunde-se com o mérito e com ele será apreciada.
Superadas tais questões, passa-se ao exame e julgamento do mérito da demanda.
É firme a jurisprudência no sentido de que a legislação aplicável para a caracterização do denominado trabalho em regime especial é a vigente no período em que a atividade a ser considerada foi efetivamente exercida.
No presente caso, a parte autora demonstrou haver laborado em atividade especial nos períodos de 19/02/1970 a 12/04/1972, 13/04/1972 a 20/09/1975, 21/09/1975 a 20/06/1977, 21/06/1977 a 22/05/1978, 01/06/1978 a 08/06/1978, 12/06/1978 a 06/04/1979, 01/11/1983 a 08/03/1985, 11/03/1985 a 08/04/1985, 24/04/1985 a 23/05/1985, 03/06/1985 a 14/05/1988, 15/07/1988 a 28/06/1990, 01/07/1992 a 04/03/1993, 02/08/1993 a 27/08/1993, 02/09/1993 a 28/02/1994, 28/09/1994 a 03/01/1995, 01/08/1995 a 23/08/1996, 02/06/1997 a 06/10/1999 e de 19/10/1999 a 24/07/2009. É o que comprovam as anotações em CTPS (fls. 45/96), o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, elaborado nos termos dos arts. 176 a 178, da Instrução Normativa INSS/PRES nº 20, de 11 de outubro de 2007 (DOU - 11/10/2007) e art. 68, § 2º, do Decreto nº 3.048/99 (fls. 97/98) e o laudo pericial produzido a pedido do Sindicato dos Empregados nas Indústrias de Calçados de Franca (fls. 102/167), trazendo a conclusão de que a parte autora desenvolveu sua atividade profissional, nas funções de sapateira e afins, em Indústrias de Calçados, com exposição a ruído e agentes químicos (tolueno e acetona) nocivos à saúde, de forma habitual e permanente. Referidos agentes agressivos são classificadas como especiais, conforme os códigos 1.1.6 e 1.2.11 do Decreto nº 53.831/64 e códigos 1.1.5 e 1.2.10 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79.
Note-se que o laudo pericial, embora tenha sido produzido a pedido do Sindicato dos Empregados nas Indústrias de Calçados de Franca, aproveita à autora para o reconhecimento de sua atividade especial, considerando que se refere à situação similar vivenciada pela parte autora, que exercia atividade em indústrias de sapatos de Franca, cidade conhecida nacionalmente por sua produção de sapatos. No mesmo sentido, já decidiu esta Corte:
"(...) Considerando que alguns dos antigos empregadores são empresas há muito extintas, o autor apresentou laudo técnico elaborado por engenheiro de segurança do trabalho a pedido do Sindicato dos Empregados nas Indústrias de Calçados de Franca, através de visita em estabelecimentos de porte e ambiente similar (fl. 81/132), não havendo que se desqualificar tal documento, vez que atendeu aos critérios técnicos relativos à perícia ambiental, especialmente por se tratar de funções cuja insalubridade decorre do uso de equipamentos e produtos químicos inerentes a determinado ramo de atividade. Nesse sentido, confira-se julgado que porta a seguinte ementa:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ATIVIDADE ESPECIAL. EMPRESAS EXTINTA E FALIDA. RUÍDO. NECESSIDADE DE LAUDO PERICIAL. NULIDADE DO JULGADO, RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. REABERTURA DA INSTRUÇÃO.
1. É admitida a realização de perícia de forma indireta em estabelecimento similar, sobretudo porque a insalubridade, no caso, decorre do uso de equipamentos ruidosos e não do ambiente de trabalho como um todo. (g.n.)
2. É imprescindível o laudo pericial para a verificação do nível do ruído. Diante de sua ausência, mostra-se precipitado o julgamento do processo, devendo ser anulada, de ofício, a sentença e reaberta a instrução processual para sua devida regularização. Prejudicado o apelo e a remessa oficial.
(TRF 4ª R; Questão de Ordem em AC nº 2001.04.01.002631-2/SC; 5ª Turma; Rel. Des. Fed. Victor Luiz dos Santos Laus; v.u; J.29.11.2005; DJU 29.03.2006, pág. 912).
De outro turno, não afasta a validade de suas conclusões, ter sido o laudo técnico elaborado posteriormente à prestação do serviço, vez que tal requisito não está previsto em lei, mormente que a responsabilidade por sua expedição é do empregador, não podendo o empregado arcar com o ônus de eventual desídia daquele e, ademais, a evolução tecnológica propicia condições ambientais menos agressivas à saúde do obreiro do que aquelas vivenciadas à época da execução dos serviços.
No caso dos autos, o laudo técnico acostado à fl. 81/132, atestou que os trabalhadores das Indústrias de Calçados de Franca laboram expostos a agentes químicos tolueno e acetona em níveis elevados."(AC 2010.61.13.003497-1, Relator Des. Fed. Sérgio Nascimento, 28/03/2014).
Ressalte-se que o artigo 58, § 1º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 9.732, de 11/12/1998, dispõe que a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será efetuada nos termos da legislação trabalhista.
O art. 194 da CLT aduz que o fornecimento de Equipamento de Proteção Individual pelo empregador, aprovado pelo órgão competente do Poder Executivo, seu uso adequado e a consequente eliminação do agente insalubre são circunstâncias que tornam inexigível o pagamento do adicional correspondente. Portanto, retira o direito ao reconhecimento da atividade como especial para fins previdenciários.
Por sua vez, o art. 195 da CLT estabelece: A caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão através de perícia a cargo do Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrado no Ministério do Trabalho.
A respeito do agente físico ruído, a Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sessão de julgamento realizada em 14/05/2014, em sede de recurso representativo da controvérsia (Recurso Especial repetitivo 1.398.260/PR, Rel. Min. Herman Benjamin), firmou orientação no sentido de que o nível de ruído que caracteriza a insalubridade para contagem de tempo de serviço especial deve ser superior a 80 (oitenta) decibéis até a edição do Decreto nº 2.171/1997, de 05/03/1997, superior a 90 (noventa) decibéis entre a vigência do Decreto nº 2.171/1997 e a edição do Decreto nº 4.882/2003, de 18/11/2003, e após a entrada em vigor do Decreto nº 4.882/2003, ou seja, a partir de 19/11/2003, incide o limite de 85 (oitenta e cinco) decibéis, considerando o princípio tempus regit actum.
O Supremo Tribunal Federal, ao analisar o ARE 664.335/SC, em 04/12/2014, publicado no DJe de 12/02/2015, da relatoria do Ministro LUIZ FUX, reconheceu a repercussão geral da questão constitucional nele suscitada e, no mérito, fixou o entendimento de que a eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria, quando o segurado estiver exposto ao agente nocivo ruído, bem assim que "o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. (...) Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete."
O período de trabalho como servente, exercido de 13/07/1983 a 29/08/1983, não pode ser considerado especial, em razão da ausência de comprovação de sujeição da parte autora a agentes agressivos, nos termos da legislação.
Por outro lado, para a obtenção de indenização, deve-se demonstrar a ocorrência do dano e o nexo de causalidade entre ele e a conduta ilícita - comissiva ou omissiva - do agente.
No caso, não está comprovado o prejuízo sofrido pela parte autora.
A demora na concessão do benefício e a necessidade de ajuizamento de ação para o reconhecimento dos requisitos necessários à concessão do benefício são contingências próprias das situações em que o direito se mostra controvertido, de maneira que não se pode extrair do contexto conduta irresponsável ou inconsequente do INSS para que lhe possa impor indenização por dano moral.
Enfim, não restou demonstrado que a dúvida quanto ao direito ao benefício não fosse razoável, de sorte que era implícito um certo atraso no procedimento de aposentadoria da requerente, não significando isto, por si só, a ocorrência de dano moral.
Por outro lado, mostra-se desnecessária a produção de prova pericial no presente caso.
Desta forma, na data do requerimento administrativo, a parte autora alcançou mais de 25 (vinte e cinco) anos de tempo de serviço especial, sendo, portanto, devida a aposentadoria especial, conforme o artigo 57 da Lei nº 8.213/91.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo (24/07/2009 - fl. 44), nos termos do artigo 57, §2º c.c artigo 49, inciso II, da Lei n.º 8.213/91.
Por outro lado, em consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, em terminal instalado no gabinete desta Relatora, verifica-se que a parte autora começou a receber o benefício de aposentadoria por tempo de serviço no curso do processo. Ressalte-se que é vedada a cumulação de mais de uma aposentadoria, a teor do disposto no artigo 124, inciso II, da Lei nº 8.231/91, devendo ser, contudo, ressalvado o direito à opção da parte autora pelo mais vantajoso, realizando-se a devida compensação, se for o caso.
Os juros de mora e a correção monetária deverão observar o disposto na Lei nº 11.960/09 (STF, Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 870.947, 16/04/2015, Rel. Min. Luiz Fux).
Ante a sucumbência recíproca , arcará o réu com os honorários do patrono do autor, que arbitro em 5% sobre o valor da condenação. Deixo de condenar a parte autora ao pagamento de honorários em favor do procurador da autarquia por ser beneficiário da assistência judiciária gratuita.
Por fim, a autarquia previdenciária está isenta do pagamento de custas e emolumentos, nos termos do art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96, do art. 24-A da Lei nº 9.028/95 (dispositivo acrescentado pela Medida Provisória nº 2.180-35/01) e do art. 8º, § 1º, da Lei nº 8.620/93, o que não inclui as despesas processuais. Todavia, a isenção de que goza a autarquia não obsta a obrigação de reembolsar as custas suportadas pela parte autora, quando esta é vencedora na lide. Entretanto, no presente caso, não há falar em custas ou despesas processuais, por ser a autora beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO, BEM COMO AO REEXAME NECESSÁRIO, TIDO POR INTERPOSTO, E À APELAÇÃO DO INSS, E DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA para condenar o INSS a conceder o benefício de aposentadoria especial, desde o requerimento administrativo, com correção monetária, juros de mora e verba honorária, nos termos da fundamentação.
LUCIA URSAIA
Desembargadora Federal
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| Data e Hora: | 14/12/2016 15:55:13 |
