
| D.E. Publicado em 15/02/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer do agravo retido, dar provimento à remessa necessária e negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0032959-53.2015.4.03.9999/MS
RELATÓRIO
Trata-se de ação objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio doença para trabalhador rural.
Às fls.49/58 o INSS interpôs agravo retido contra a decisão de fls.39/41 que arbitrou os honorários periciais em R$ 400,00.
A sentença prolatada em 08.07.2015 julgou procedente o pedido inicial, nos termos que seguem: "DISPOSITIVO Diante do exposto e por tudo o mais que dos autos consta e se subsume, julgo procedente o pedido inicial para, concedendo neste momento a tutela antecipada a Iraci Pereira dos Santos, já qualificada, determinar a imediata ativação do auxílio doença, cujo valor deverá ser calculado nos termos do art. 61 da Lei 8.213/91, devido desde a data do seu indeferimento ilegal e calculado nos termos do art. 61 da Lei 8.213/91, após, convertendo-se-o em aposentadoria por invalidez, desde a data da juntada do laudo aos autos, correspondentemente a 100% do salário de benefício, nos termos do art. 44 da Lei 8.213/91, observado o disposto no seu § 2º. E em razão da tutela, as providências de implantação do benefício para percepção das parcelas a partir do vencimento seguinte deverão ser procedidas no prazo improrrogável de 15 (quinze) dias, inclusive com comprovação nos autos, sob pena de multa diária no valor de R$ 250,00 - pelo que determino seja oficiado à EADJ - Equipe de Atendimento de Demandas Judiciais da Gerência Executiva do INSS em Dourados (Av. Joaquim Teixeira Alves, 3070, CEP 79801-017), na pessoa de Rosiney Tomé Lácia, para cumprimento dessa ordem, juntando-se cópia desta à comunicação, bem como dos documentos pessoais do segurado. Nos termos do art. 1º-F da Lei 11.960/09, deverão incidir para fins de correção monetária e compensação da mora, uma única vez, até o efetivo pagamento, os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, a partir da citação. Condeno o requerido no pagamento de custas, consoante preceitua o art. 24, §1º, da Lei 3.779/09, e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da soma das prestações vencidas até a data da prolação da sentença, nos termos do art. 20, § 3º, do CPC e Súmula 111 do STJ. Também atribuo ao réu a responsabilidade pelos honorários periciais, que já foram solicitados. Submeto este provimento judicial ao reexame necessário do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, consoante dispõe a Súmula 490 do Superior Tribunal de Justiça. Publique-se. Registre-se. Intime-se.".
Apela a autarquia requerendo preliminarmente a suspensão dos efeitos da tutela antecipada concedida. No mérito pede a extinção do feito sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, e 301, inciso X do CPC/1973, ante a falta de interesse de agir, por falta do prévio requerimento administrativo. Subsidiariamente, pede a reforma da sentença no tocante ao termo inicial do benefício que entende ser devido a partira data da audiência de instrução e julgamento ou da citação. Requer ainda a redução da verba honorária e a isenção de custas.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da remessa necessária e do recurso de apelação.
Não conheço do agravo retido interposto pelo INSS, nos termos do artigo 523, § 1º, do CPC/73, vigente à época da interposição.
A questão preliminar se confunde com o mérito e com ele será apreciado.
Passo ao exame do mérito.
No que concerne à ausência de prévio requerimento administrativo, o art. 5º, XXXV, da Constituição, assegura o pleno acesso ao Poder Judiciário para a proteção dos cidadãos em caso de lesão ou ameaça a direito. Contudo, essa garantia fundamental não deixa de trazer em si a exigência da existência de uma lide, justificando a atuação do Poder Judiciário como forma democrática de composição de conflitos, o que também se revela como interesse de agir (necessidade e utilidade da intervenção judicial).
Existindo lide (provável ou concreta), é perfeitamente possível o acesso direto à via judicial, sem a necessidade de prévio requerimento na via administrativa.
Contudo, em casos nos quais a lide não está claramente caracterizada, vale dizer, em situações nas quais é potencialmente possível que o cidadão obtenha a satisfação de seu direito perante a própria Administração Pública, é imprescindível o requerimento na via administrativa, justamente para a demonstração da necessidade da intervenção judicial e, portanto, do interesse de agir que compõe as condições da ação. Imprescindível, assim, a existência do que a doutrina processual denomina de fato contrário a caracterizar a resistência à pretensão do autor.
Deveras, de acordo com o entendimento jurisprudencial adotado por esta Corte Regional, tratando-se de ação de cunho previdenciário, ainda que não se possa condicionar a busca da prestação jurisdicional ao exaurimento da via administrativa, tem-se por razoável exigir que o autor tenha ao menos formulado um pleito administrativo - e recebido resposta negativa - de forma a demonstrar a necessidade de intervenção do Poder Judiciário ante a configuração de uma pretensão resistida.
Conclui-se, assim, pela aplicação aos segurados da exigência de prévia provocação da instância administrativa para obtenção do benefício e, somente diante de sua resistência, viabilizar a propositura de ação judicial.
Aliás, é nesse sentido a decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 631.240/MG, com repercussão geral reconhecida:
Contudo, nas ações ajuizadas em data anterior à essa decisão, há que se observar as regras de transição nele estabelecidas.
No caso, o feito foi ajuizado em 08.01.2014, data anterior ao julgamento do paradigma de repercussão geral. O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, por sua vez, apresentou contestação em 12.11.2014, o que, consoante a modulação de efeitos ali consignada, caracteriza o interesse de agir consubstanciado na resistência à lide.
Ademais, verifica-se que o feito encontra-se sentenciado com análise de mérito, tendo sido julgada procedente a pretensão do autor com a concessão do benefício pretendido. Desta forma, ainda que não tenha havido o requerimento administrativo prévio, que em um primeiro momento poderia se caracterizar como um impeditivo para o prosseguimento do feito, nesta fase processual não se mostra aceitável a sua exigência, posto que mais do que constituída a lide, já foi declarado o direito.
Passo ao exame dos critérios de concessão do benefício.
A Lei nº 8.213/91, no artigo 42, estabelece os requisitos necessários para a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, quais sejam: qualidade de segurado, cumprimento da carência, quando exigida, e moléstia incapacitante e insuscetível de reabilitação para atividade que lhe garanta a subsistência. O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos nos artigos 59 a 63 da Lei nº 8.213/91, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária.
É dizer: a incapacidade total e permanente para o exercício de atividade que garanta a subsistência enseja a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez; a incapacidade total e temporária para o exercício de atividade que garanta a subsistência justifica a concessão do benefício de auxílio-doença e a incapacidade parcial e temporária somente legitima a concessão do benefício de auxílio-doença se impossibilitar o exercício do labor ou da atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias pelo segurado.
A condição de segurado (obrigatório ou facultativo) decorre da inscrição no regime de previdência pública, cumulada com o recolhimento das contribuições correspondentes.
O artigo 15 da Lei nº 8.213/91 dispõe sobre as hipóteses de manutenção da qualidade de segurado, independentemente de contribuições; trata-se do denominado período de graça, durante o qual remanesce o direito a toda a cobertura previdenciária. Também é considerado segurado aquele que trabalhava, mas ficou impossibilitado de recolher contribuições previdenciárias em razão de doença incapacitante.
Nesse passo, acresça-se que no que toca à prorrogação do período de graça ao trabalhador desempregado, não obstante a redação do §2º do artigo 15 da Lei nº. 8.213/1991 mencionar a necessidade de registro perante o Ministério do Trabalho e da Previdência Social para tanto, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de Incidente de Uniformização de Interpretação de Lei Federal (Pet. 7.115), firmou entendimento no sentido de que a ausência desse registro poderá ser suprida quando outras provas constantes dos autos, inclusive a testemunhal, se revelarem aptas a comprovar a situação de desemprego.
A perda da qualidade de segurado está disciplinada no §4º desse dispositivo legal, ocorrendo no dia seguinte ao do término do prazo para recolhimento da contribuição referente ao mês de competência imediatamente posterior ao final dos prazos para manutenção da qualidade de segurado.
Depreende-se, assim, que o segurado mantém essa qualidade por mais um mês e meio após o término do período de graça, independente de contribuição, mantendo para si e para os seus dependentes o direito aos benefícios previdenciários.
Anote-se que a eventual inadimplência das obrigações trabalhistas e previdenciárias acerca do tempo trabalhado como empregado deve ser imputada ao empregador, responsável tributário, conforme preconizado na alínea a do inciso I do artigo 30 da Lei nº 8.213/91, não sendo cabível a punição do empregado urbano pela ausência de recolhimentos, computando-se, assim, o período laborado para fins de verificação da qualidade de segurado.
Acresça-se, também, que será garantida a condição de segurado ao trabalhador rural que não tiver vínculo de emprego devidamente registrado em CTPS desde que comprovado o labor mediante ao menos início de prova documental, consoante estabelecido na Súmula nº 149 do STJ.
Também é pacífico o entendimento dos Tribunais, considerando as difíceis condições dos trabalhadores rurais, admitir a extensão da qualificação do cônjuge ou companheiro à esposa ou companheira, bem como da filha solteira residente na casa paterna. (REsp 707.846/CE, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ de 14/3/2005)
Por fim, quanto à carência, exige-se o cumprimento de 12 (doze) contribuições mensais para a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, conforme prescreve a Lei n.º 8.213/91, em seu artigo 25, inciso I, in verbis: "Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais;".
No caso concreto.
A autora, trabalhadora rural, com 56 anos de idade no momento da perícia médico judicial, afirma que é portadora de doenças do sistema circulatório e epilepsia, condição, que alega lhe traz incapacidade para o trabalho.
O laudo médico pericial elaborado em 03.03.2015 (fls. 88/98) revela que a parte autora é portadora de epilepsia refratária. Informa a existência de incapacidade laboral total e permanente desde 11.07.2014.
Contudo, embora demonstrada a existência de incapacidade laboral, verifico que não foram preenchidos os requisitos de qualidade de segurado e carência.
Para comprovar o labor rural a autora carreou aos autos os seguintes documentos:
- cópia da certidão de seu primeiro casamento celebrado em 22.05.1976 e findo em 17.02.2003, na qual consta que seu primeiro marido era agricultor (fls. 32/33);
- certidão de nascimento de sua filha com o atual companheiro ocorrido em 07.11.1992 (fls. 34);
- cópia da carteirinha do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ivinhema em nome do companheiro da autora, com data de admissão em 1983 (fls. 35);
- cópia do contrato de compra e venda de propriedade rural, na qual consta que em 09.04.2012 o companheiro da autora assumiu compromisso de venda de imóvel rural (fls. 117/119);
- cópias dos relatos testemunhais produzidos nos autos que seu companheiro promoveu contra o INSS (ajuizado em 05.2007) a fim de obter aposentadoria por idade rural (fls. 128/139);
Foi produzida a prova testemunhal.
Em audiência de instrução realizada em 25.05.2011, Jesus Gonçalves informou que conhece a autora há quatro anos, e que naquele momento ela já não trabalhava mais.
João Paulo revela que conhece a autora há vinte anos, e que ela sempre laborou na roça, tendo trabalhado no Vera Cruz, capinando. Informa que o marido da autora também trabalhava na roça, e que ele já teve lote de assentamento, mas não sabe a localização. Acrescenta que autora deixou de laborar há cerca de 5 anos por problemas de saúde.
Natalício Caetano informa que conhece a autora há 40 anos, e que ela sempre trabalhou na roça como diarista. Acrescenta que a requerente parou de trabalhar há cinco anos por problemas de saúde. Sabe que o companheiro da autora também trabalhava na roça, e que teve lote de assentamento, mas não informa onde.
O reconhecimento do efetivo labor rural, desguarnecido de contribuição previdenciária, requer robusto, coerente e harmônico conjunto probatório que não se apresenta neste feito.
Parte da documentação apresentada reporta eventos que não são contemporâneos ao momento do surgimento da incapacidade para o trabalho, e embora tenha sido carreado aos autos evidencia de que o marido da autora possuía propriedade rural até o ano de 2012, as testemunham informaram que a autora exercia labor rural como diarista, sem mencionar trabalho na propriedade da família em regime de economia familiar.
Nota-se ainda que no processo movido pelo companheiro da autora face ao INSS, o relato testemunhal também não informa o labor rural em regime de economia familiar, bem como não há menção de eventual trabalho rural da autora (fls. 129/131).
Não estando preenchidos os requisitos de qualidade de segurado e carência, resta incabível a concessão da auxílio doença ou da aposentadoria por invalidez.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §4º do artigo 20 do Código de Processo Civil/1973, considerando que o recurso foi interposto na sua vigência, não se aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Revogo a antecipação de tutela anteriormente concedida. A questão referente à eventual devolução dos valores recebidos a este título deverá ser analisada e decidida em sede de execução, nos termos do artigo 302, I, e parágrafo único, do CPC/2015, e de acordo com o que restar decidido no julgamento do Tema 692, pelo C. Superior Tribunal de Justiça.
Diante do exposto, não conheço do agravo retido, NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS e DOU PROVIMENTO à remessa necessária para julgar improcedente o pedido inicial, e, em consequência, revogo a tutela antecipada e determino a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
Desembargador Federal
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