
| D.E. Publicado em 25/02/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa necessária e negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | PAULO SERGIO DOMINGUES:10078 |
| Nº de Série do Certificado: | 112317020459EA07 |
| Data e Hora: | 19/02/2019 13:03:09 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0012662-25.2015.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência ou incapacitada para o trabalho.
A sentença prolatada em 10.12.2014 julgou procedente o pedido nos termos que seguem: "Posto isto, e pelo que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido contido nesta ação condenatória movida por Adriana Ferreira Viana em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, para com fulcro no art. 203, V, da Constituição Federal e Lei nº 8.742/93, CONDENAR este a conceder àquele (a) o benefício da prestação continuada, no valor correspondente a 1 (um) salário mínimo mensal, a partir do requerimento administrativo (15/09/2009 fl. 21). Nos termos do art. 461, §§ 3º e 4º, do CPC, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA para determinar que o requerido implante em favor da requerente o benefício ora concedido, nos termos mencionados no parágrafo anterior, ante a comprovação dos requisitos legais e a possibilidade de dano irreparável, haja vista o caráter alimentar do benefício e ausência de condições de exercer atividade laborativa, no momento. Oficie-se ao INSS para implantação do benefício no prazo de trinta dias. As parcelas retroativas serão objeto de futura execução do julgado. A correção monetária das parcelas vencidas se dará nos termos da legislação previdenciária, bem como da Resolução nº 134/2010 do Conselho da Justiça Federal, que aprovou o Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos da Justiça Federal, com as alterações promovidas pela Resolução nº 267/13. Os juros de mora são devidos a partir da citação, nos termos do artigo 219 do Código de Processo Civil e incide a taxa de 1% (um por cento) ao mês (art. 406 do Código Civil), até 30/06/2009. A partir desta data, os juros serão calculados nos termos do art. 1º-F, da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009. Dou por extinto o processo, com resolução de mérito, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil. Condeno o réu ao pagamento das despesas processuais, porventura existentes, e ainda, honorários advocatícios da parte contrária, fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da condenação, excluídas as parcelas vincendas, entendidas essas como sendo as que se vencerem após a sentença (Súmula 111 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça). Decisão sujeita a reexame necessário, nos termos do disposto no art. 475, I, do CPC, a não ser que o valor atualizado do débito não exceda a 60 salários mínimos na forma do § 2º do mesmo artigo. Eventual apelação do requerido será recebida apenas no efeito devolutivo no que toca à confirmação dos efeitos da tutela. Ciência ao Ministério Público. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos. PRI".
Apela o INSS alegando para tanto que não foram preenchidos os requisitos de deficiência/impedimento de longo prazo e miserabilidade. Subsidiariamente, caso mantida a procedência do pedido, pede a reforma da sentença no tocante ao termo inicial do benefício, juros e correção monetária.
Com a apresentação de contrarrazões pelo INSS, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso e regularização da representação processual da autora.
É o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da remessa necessária e do recurso de apelação.
Inicialmente verifico que não há notícia nos autos de que esteja a autora legalmente interditada, e nem de que o advogado tenha sido desconstituído.
Anoto ainda que a perícia médica judicial não informa a existência de incapacidade para a vida civil, pelo que não há que se falar em regularização da representação processual.
Passo ao exame do mérito.
A questão vertida nos presentes autos diz respeito à exigência de comprovação dos requisitos legais para a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Conforme cópia do documento de identidade de fls. 10, tendo a parte autora nascido em 01 de dezembro de 1979, conta atualmente com 39 anos de idade, e assim, o pleito baseia-se em suposta deficiência ou incapacidade da postulante.
Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29 que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento."
A parte autora afirma que é portadora de epilepsia, depressão bipolar, anemia ferro priva, ansiedade e cefaleia, condição, que alega, lhe traz incapacidade para o trabalho.
O laudo médico pericial elaborado em 23.08.2014 (fls. 56/58) informa que a ao exame clínico a autora se apresenta em bom estado geral, com discurso desconexo e delírios de persecutoriedade. Relata ainda que ao exame físico e análise dos documentos médicos, nada há que permita comprovar o diagnóstico de anemia ferropriva. Quanto à depressão bipolar, informa que a requerente não se encaixa nos critérios para diagnóstico, e que o restou comprovado é a epilepsia, que acarreta em incapacidade para trabalhar em alturas, dirigir veículos e manusear objetos cortantes, concluindo que há deficiência ligeira (20%).
Embora a incapacidade apresentada pela parte autora seja parcial, o atestado médico de fls.15 emitido em 13.02.2014 informa que a autora não apresenta condições físicas e mentais para desempenhar seu trabalho diário como lavradora de modo definitivo. Nesse sentido, o estudo social revela que no momento da vista a autora apresentou-se confusa, delirante e repetitiva e que apresenta deficiência mental e epilepsia.
Dessa forma conclui-se que a incapacidade apresentada constitui impedimento de longo prazo, que obsta a participação plena e efetiva da autora na sociedade, em condições de igualdade com as demais pessoas.
Assim, restando atendido um dos critérios fixados no caput do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011 c/c o art. 34 da Lei nº 10.741/2003, necessário averiguar-se o preenchimento do requisito da miserabilidade, uma vez que a lei exige a concomitância de ambos para que o benefício assistencial possa ser concedido.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
Com relação ao cálculo da renda per capita, a Lei 10.741/03 assim preceitua:
"Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas. (Vide Decreto nº 6.214, de 2007)
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas."
Entretanto, a Suprema Corte, no RE 580.963/PR, sob regime de repercussão geral, declarou a inconstitucionalidade parcial, por omissão, sem pronúncia de nulidade da norma em comento, ante a inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em, relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo.
E nesse sentido, assim o Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu em sede de julgamento de recurso repetitivo: "(...) 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93." RECURSO REPETITIVO (Tema: 640) REsp 1355052 / SP RECURSO ESPECIAL 2012/0247239-5 Relator(a) Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142)Órgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento 25/02/2015, Data da Publicação/Fonte DJe 05/11/2015)
Indo mais além, a constitucionalidade do próprio § 3º, artigo 20 da Lei 8742/93, também foi questionada na ADI 1.232-1/DF, que, todavia, foi julgada improcedente.
Embora reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impede o exame de situações específicas do caso concreto, a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Ou seja, a verificação da renda per capita familiar seria uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única.
Neste sentido decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG:
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade e o entendimento firmado no julgamento da ADI 1.232-DF levou a Corte Suprema a enfrentar novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconheceu a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993. O julgado reconheceu a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
O reconhecimento da inconstitucionalidade parcial sem nulidade do § 3º, art. 20 da Lei 8742/93 indica que a norma só é inconstitucional naquilo em que não disciplinou, não tendo sido reconhecido a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência.
Cabe ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial, e suprimir a inconstitucionalidade apontada.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Tecidas tais considerações, no caso concreto o estudo social realizado em 26.07.2014 (fls. 51/54) informa que a parte autora reside com seu marido em imóvel irregular, sem rede de esgoto e água encanada para banho. Acrescenta que devido a quadro de pobreza extrema o casal vive em condições subumanas em um barraco com dois cômodos e um banheiro, construído de retalhos de madeira velha, piso esburacado e cobertura de Eternit sem forro, sendo que os móveis da família foram retirados do lixo.
Informaram despesas com alimentação (R$ 150,00) e gás de cozinha (R$ 22,50), e que utilizam energia elétrica da casa vizinha cuja proprietária é tia da autora.
A renda da casa advém do trabalho do marido da autora como lavrador, que aufere em média R$ 200,00 mensais, ressaltando-se que ele firma contrato de seis meses durante a safra de laranja e que fica desempregado nos outros seis meses.
De fato, o extrato do sistema CNIS de fls. 81/84 demonstra que o marido da requerente apresenta vínculos de trabalhos curtos e esporádicos, auferindo valores próximos a um salário mínimo.
Notória a situação de vulnerabilidade socioeconômica do grupo familiar que possui renda familiar esporádica e incerta, e que conforme apontou a perita social, vive na linha da pobreza extrema, em condições subumanas e de isolamento social, com rompimento de laços familiares.
Desta forma, considerando o conjunto probatório apresentado nos autos, verifico estarem preenchidos dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial, que é devido desde o seu pedido administrativo (15.09.2009 - fls. 21).
No que tange aos critérios de atualização do débito, por tratar-se de consectários legais, revestidos de natureza de ordem pública, são passíveis de correção de ofício, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
Assim, corrijo a sentença, e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR - Taxa Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
Nesse passo, acresço que os embargos de declaração opostos perante o STF contra tal julgado tem por objetivo único a modulação dos seus efeitos para atribuição de eficácia prospectiva, pelo que o excepcional efeito suspensivo concedido por meio da decisão proferida em 24.09.2018 e publicada no DJE de 25.09.2018, surtirá efeitos apenas no tocante à definição do termo inicial da incidência do IPCA-e, que deverá ser observado quando da liquidação do julgado.
Com relação aos honorários de advogado, estes devem ser fixados em 10% do valor da condenação, consoante entendimento desta Turma e artigo 20, parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 1973, aplicável ao caso concreto eis que o recurso foi interposto na sua vigência, considerando as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça, não se aplicando, também, as normas dos §§ 1º a 11º do artigo 85 do CPC/2015, inclusive no que pertine à sucumbência recursal, que determina a majoração dos honorários de advogado em instância recursal (Enunciado Administrativo nº 7/STJ).
Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à remessa necessária para reduzir a verba honorária e NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | PAULO SERGIO DOMINGUES:10078 |
| Nº de Série do Certificado: | 112317020459EA07 |
| Data e Hora: | 19/02/2019 13:03:06 |
