
| D.E. Publicado em 25/02/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, de ofício, corrigir a sentença para fixar os critérios de atualização do débito e negar provimento à remessa necessária e à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | PAULO SERGIO DOMINGUES:10078 |
| Nº de Série do Certificado: | 112317020459EA07 |
| Data e Hora: | 19/02/2019 13:02:50 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0046681-57.2015.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência ou incapacitada para o trabalho.
A sentença prolatada em 18.05.2015 julgou procedente o pedido inicial nos termos que seguem: "Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE, com base no art. 269, I, do CPC, a ação para a obtenção de amparo social com pedido de tutela antecipada movida por Daniela David Freitas e Beatriz David Freitas contra o Instituto Nacional do Seguro Social INSS, para o fim de: I) CONDENAR o requerido a implantar o Benefício do Amparo Social, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal e artigo 20, "caput", da Lei 8.742/93, para Daniela David de Freitas a partir da data da DER (3.9.2012- NB: 117.925.291-33 fl. 12), obedecidos a eventuais reajustes que vierem ser futuramente concedidos. II) CONDENAR o requerido a implantar o Benefício do Amparo Social, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal e artigo 20, "caput", da Lei 8.742/93, para Beatriz David Freitas desde a data do ajuizamento da ação, considerando a inexistência de requerimento administrativo em relação a ela. III) CONDENAR o réu ao pagamento dos honorários advocatícios, que arbitro em 10% sobre o total das prestações vencidas até esta sentença, levando-se em conta a qualidade do trabalho do advogado e o tempo de duração da demanda, nos termos do art. 20, §3º, do CPC. As parcelas vencidas deverão ser pagas de uma só vez, nos termos das alterações previstas pela Lei nº 11.960/09, que alterou a redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97: haverá a incidência, uma única vez, para fins de atualização monetária e compensação da mora, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. IV) OFICIE-SE ao requerido para que, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do recebimento do ofício, implante o benefício em favor do(as) autor(as), sob pena de multa diária de R$ 200,00. P.R.I.C. "
Apela o INSS requerendo inicialmente a submissão da sentença ao reexame necessário. No mérito, pugna pela improcedência do pedido ante a ausência de miserabilidade. Subsidiariamente, pede a reforma do julgado no tocante ao termo inicial do benefício, que entende, deve ser fixado na data da juntada do laudo.
Com a apresentação de contrarrazões da parte autora os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
Inicialmente, embora não seja possível, de plano, aferir-se o valor exato da condenação, pode-se concluir, pelo termo inicial dos benefícios (03.09.2012), seu valor aproximado e a data da sentença (18.05.2015), que o valor total da condenação é superior à importância de 1.000 (mil) salários mínimos estabelecida no inciso I do § 3º do artigo 496 do Código de Processo Civil/2015.
Assim, é nítida a admissibilidade, na hipótese em tela, da remessa necessária.
Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso de apelação do INSS.
A questão vertida nos presentes autos diz respeito à exigência de comprovação dos requisitos legais para a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Conforme cópia das certidões de nascimento das autoras D.D.F e B.D.F. (fls. 16.07), tendo elas nascido em 06.03.2005 e 19.07.2000, contavam com 07 e 12 anos de idade no momento do ajuizamento do feito, e assim, o pleito baseia-se em suposta deficiência ou incapacidade das postulantes.
Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29 que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento."
O laudo médico pericial elaborado em 29.08.2014 (fls. 194/200) revela que a autora D. D. F. é portadora de glaucoma, estrabismo, olegofrenia (toxoplasmose), fistula vaginal, asma brônquica e déficit visual, e que apresenta incapacidade total e permanente desde o nascimento.
Sobre a autora B. D. F., informa que a menor apresenta quadro de transtorno específico de desenvolvimento da habilidade escolar e oligofrenia, com reflexos nos sistema neurológico e lesão no cérebro. Assevera a existência de incapacidade total e permanente desde o nascimento
Assim, restando atendido um dos critérios fixados no caput do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011 c/c o art. 34 da Lei nº 10.741/2003, necessário averiguar-se o preenchimento do requisito da miserabilidade, uma vez que a lei exige a concomitância de ambos para que o benefício assistencial possa ser concedido.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
Com relação ao cálculo da renda per capita, a Lei 10.741/03 assim preceitua:
"Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas. (Vide Decreto nº 6.214, de 2007)
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas."
Entretanto, a Suprema Corte, no RE 580.963/PR, sob regime de repercussão geral, declarou a inconstitucionalidade parcial, por omissão, sem pronúncia de nulidade da norma em comento, ante a inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em, relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo.
E nesse sentido, assim o Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu em sede de julgamento de recurso repetitivo: "(...) 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93." RECURSO REPETITIVO (Tema: 640) REsp 1355052 / SP RECURSO ESPECIAL 2012/0247239-5 Relator(a) Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142)Órgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento 25/02/2015, Data da Publicação/Fonte DJe 05/11/2015)
Indo mais além, a constitucionalidade do próprio § 3º, artigo 20 da Lei 8742/93, também foi questionada na ADI 1.232-1/DF, que, todavia, foi julgada improcedente.
Embora reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impede o exame de situações específicas do caso concreto, a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Ou seja, a verificação da renda per capita familiar seria uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única.
Neste sentido decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG:
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade e o entendimento firmado no julgamento da ADI 1.232-DF levou a Corte Suprema a enfrentar novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconheceu a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993. O julgado reconheceu a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
O reconhecimento da inconstitucionalidade parcial sem nulidade do § 3º, art. 20 da Lei 8742/93 indica que a norma só é inconstitucional naquilo em que não disciplinou, não tendo sido reconhecido a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência.
Cabe ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial, e suprimir a inconstitucionalidade apontada.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Tecidas tais considerações, no caso concreto aponto que o estudo social realizado em 28.07.2014 (fls. 217/219) revela que as autoras vivem com uma irmã e seus pais, em imóvel alugado, com três quartos, sala, cozinha, banheiro e pequeno quintal. O imóvel é extremamente antigo e bastante deteriorado, com rachaduras e sem acabamento na cozinha e no banheiro. A casa está guarnecida com o estritamente necessário.
A renda da família advém do trabalho autônomo do pai das autoras como servente de pedreiro somado ao auxílio doença recebido pela irmã.
Informaram que pagam R$ 450,00 pelo aluguel da casa.
Foi relatado que a condição financeira da família é muito deficitária, e que a família sobrevive com o absolutamente necessário, beirando a linha da miséria, sempre buscando meios de tratar das crianças doentes.
A perita social opina pelo deferimento dos benefícios, considerando que a família enfrenta sérios problemas de saúde e apresenta baixos recursos financeiros.
Constada a existência de incapacidade laboral permanente e a condição de hipossuficiência das autoras, de rigor a concessão/manutenção do benefício assistencial.
Quanto ao termo inicial do benefício, havendo requerimento administrativo em 03.09.2012 - fls. 12, é nesta data que deve ser mantida a data de início do benefício assistencial, eis que evidenciado o preenchimentos dos requisitos necessários naquele momento.
No que tange aos critérios de atualização do débito, por tratar-se de consectários legais, revestidos de natureza de ordem pública, são passíveis de correção de ofício, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
Assim, corrijo a sentença, e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR - Taxa Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
Nesse passo, acresço que os embargos de declaração opostos perante o STF contra tal julgado tem por objetivo único a modulação dos seus efeitos para atribuição de eficácia prospectiva, pelo que o excepcional efeito suspensivo concedido por meio da decisão proferida em 24.09.2018 e publicada no DJE de 25.09.2018, surtirá efeitos apenas no tocante à definição do termo inicial da incidência do IPCA-e, que deverá ser observado quando da liquidação do julgado.
Com relação aos honorários de advogado, estes devem ser mantidos em 10% do valor da condenação, consoante entendimento desta Turma e artigo 20, parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 1973, aplicável ao caso concreto eis que o recurso foi interposto na sua vigência, considerando as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça, não se aplicando, também, as normas dos §§ 1º a 11º do artigo 85 do CPC/2015, inclusive no que pertine à sucumbência recursal, que determina a majoração dos honorários de advogado em instância recursal (Enunciado Administrativo nº 7/STJ).
O art. 4º, I, da Lei 9.289/96, que dispõe sobre as custas devidas à União, estabelece que as autarquias federais são isentas do pagamento de custas processuais nos processos em trâmite perante a Justiça Federal.
Diante do exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, e NEGO PROVIMENTO à remessa necessária bem como à apelação do INSS, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | PAULO SERGIO DOMINGUES:10078 |
| Nº de Série do Certificado: | 112317020459EA07 |
| Data e Hora: | 19/02/2019 13:02:46 |
