
| D.E. Publicado em 20/03/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária e dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0001073-44.2013.4.03.6139/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência ou incapacitada para o trabalho. A parte autora requereu ainda o pagamento de indenização por dano moral.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, para condenar o INSS ao pagamento do benefício pleiteado desde a data da citação (26.02.2014 - fls. 14). Determinou que as prestações vencidas entre a data de inicio do benefício e a data de sua implantação deverão ser corrigidas monetariamente na forma prevista no novo Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela resolução 267/2013 do Conselho da Justiça Federal, sendo acrescidas de juros, nos termos dos artigos 406 do CCB e 161, § 1º do CTN, a contar da citação, ante a declaração de inconstitucionalidade parcial por arrastamento do art. 5º da Lei 11.960/09.
Arbitrou honorários advocatícios fixados em percentual sobre o valor da condenação, a ser definido após a liquidação, nos termos do art. 85, § 4º, inc II do Código de Processo Civil/2015, considerando as parcelas vencidas até a sentença.
A sentença foi submetida ao reexame necessário.
Apela o INSS requerendo a reforma do julgado, alegando para tanto que a parte autora não logrou êxito em comprovar sua condição de deficiente e seu estado de miserabilidade. Subsidiariamente, caso mantida a procedência do pedido, pugna pela reforma da sentença no tocante ao termo inicial do benefício, juros e correção monetária.
Com a apresentação de contrarrazões da parte autora os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso da autarquia.
É o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Inicialmente, embora não seja possível, de plano, aferir-se o valor exato da condenação, pode-se concluir, pelo termo inicial do benefício (26.02.2014), seu valor e a data da sentença (29.04.2016), que o valor total da condenação é inferior à importância de 1.000 (mil) salários mínimos estabelecida no inciso I do § 3º do artigo 496 do Código de Processo Civil/2015.
Assim, é nítida a inadmissibilidade, na hipótese em tela, da remessa necessária.
Passo ao exame do recurso voluntário.
A questão vertida nos presentes autos diz respeito à exigência de comprovação dos requisitos legais para a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Conforme cópia do documento de identidade de fls. 10, tendo a parte autora nascido em 21 de setembro de 2002, conta atualmente com 14 anos de idade, e dessa forma o pleito baseia-se em suposta deficiência ou incapacidade do postulante.
Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento."
O autor afirma que é portador de graves deficiências e transtornos fóbicos de infância, condição que o torna incapaz para as atividades próprias para sua idade.
O laudo médico pericial elaborado em 12.09.2014 (fls. 108/111) indicou que a parte autora apresenta transtorno psiquiátrico a esclarecer, que acarreta em incapacidade total e temporária para sua atividade habitual, carecendo de supervisão por parte dos familiares.
O médico perito estabeleceu que a incapacidade está presente desde o nascimento do autor, e questionado acerca da possibilidade de recuperação da capacidade laboral e o prazo para tal, informou não ser possível responder com precisão, estabelecendo um prazo de dois anos para reavaliação, pelo que resta demonstrada a existência de impedimento de longo prazo, nos termos do art. 3º da Lei 12.470/2011.
Assim, restando atendido um dos critérios fixados no caput do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011 c/c o art. 34 da Lei nº 10.741/2003, necessário averiguar-se o preenchimento do requisito da miserabilidade, uma vez que a lei exige a concomitância de ambos para que o benefício assistencial possa ser concedido.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
Com relação ao cálculo da renda per capita, a Lei 10.741/03 assim preceitua:
"Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas. (Vide Decreto nº 6.214, de 2007)
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas."
Entretanto, a Suprema Corte, no RE 580.963/PR, sob regime de repercussão geral, declarou a inconstitucionalidade parcial, por omissão, sem pronúncia de nulidade da norma em comento, ante a inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em, relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo.
E nesse sentido, assim o Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu em sede de julgamento de recurso repetitivo: "(...) 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93." RECURSO REPETITIVO (Tema: 640) REsp 1355052 / SP RECURSO ESPECIAL 2012/0247239-5 Relator(a) Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142)Órgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento 25/02/2015, Data da Publicação/Fonte DJe 05/11/2015)
Indo mais além, a constitucionalidade do próprio § 3º, artigo 20 da Lei 8742/93, também foi questionada na ADI 1.232-1/DF, que todavia, foi julgada improcedente.
Embora reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impede o exame de situações específicas do caso concreto, a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Ou seja, a verificação da renda per capita familiar seria uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única.
Neste sentido decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG:
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade e o entendimento firmado no julgamento da ADI 1.232-DF levou a Corte Suprema a enfrentar novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconheceu a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993. O julgado reconheceu a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
O reconhecimento da inconstitucionalidade parcial sem nulidade do § 3º, art. 20 da Lei 8742/93 indica que a norma só é inconstitucional naquilo em que não disciplinou, não tendo sido reconhecido a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência.
Cabe ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial, e suprimir a inconstitucionalidade apontada.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
Tecidas tais considerações, no caso concreto o estudo social elaborado em 10.01.2014 (fls. 61/65) revela que a parte autora reside com sua mãe e quatro irmãos, em casa própria construída com auxílio da Prefeitura, de alvenaria, semiacaba, sem forro, com piso rustico de cimento, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro externo, guarnecida com poucos móveis e utensílios em péssimo estado de conservação, que não atendem às necessidades básicas da família.
A renda do grupo familiar advém do salário da mãe da parte autora que aufere mensalmente cerca de R$ 80,00 pelo seu trabalho como faxineira, somado ao valor de R$ 220,00 recebido do ex-marido a título de pensão alimentícia. Recebem ainda R$ 236,00 do programa social Bolsa Família.
Relataram despesas no valor de R$ 405,00, sendo que os maiores gastos são com alimentação/produtos de higiene (R$ 220,00) e medicamentos R$ 60,00).
O relatório social indica que se trata de família extremamente carente, cuja renda mensal não é suficiente para suprir dignamente o sustento básico do autor e de sua família.
Desta forma, considerando o conjunto probatório que se apresenta nos presentes autos, verifico estarem preenchidos os requisitos necessários à manutenção do benefício concedido pelo MM. Juiz a quo.
Quanto ao termo inicial do benefício, havendo requerimento prévio administrativo em 30.01.2013 - fls. 25, é nesta data que deveria ser fixado o inicio do benefício, todavia, nota-se que o indeferimento do pedido se deu por desídia do próprio autor, razão pela qual o termo inicial do benefício deve ser mantido na data da citação (26.02.2014 - fls. 74), momento em que a autarquia teve ciência da pretensão da parte autora.
Para o cálculo dos juros de mora, aplicam-se os critérios estabelecidos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação. Quanto à correção monetária, acompanho o entendimento firmado pela Sétima Turma no sentido da aplicação do Manual de Cálculos, naquilo que não conflitar como o disposto na Lei nº 11.960/2009, aplicável às condenações impostas à Fazenda Pública a partir de 29 de junho de 2009.
Diante do exposto, não conheço da remessa necessária e dou parcial provimento à apelação do INSS para fixar os critérios de atualização do débito, nos termos da fundamentação.
É o voto.
PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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| Data e Hora: | 13/03/2017 14:05:05 |
