
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0018279-58.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO APARECIDO FRANCO
Advogado do(a) APELADO: ERIKA JULIANA NOBREGA - SP327519-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0018279-58.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO APARECIDO FRANCO
Advogado do(a) APELADO: ERIKA JULIANA NOBREGA - SP327519-N
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando o reconhecimento de tempo de serviço rural e a concessão de aposentadoria por idade a trabalhador rural.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o INSS a averbar o tempo de serviço exercido pelo autor, como rurícola, entre 7.2.1973 a 15.10.2004, para fins da disposição contida no art. 48, § 3°, da Lei 8.213/91. Ante a sucumbência recíproca, cada parte foi condenada a arcar com as custas e despesas processuais a seu cargo (observando que o INSS é isento da taxa judiciária, e que o autor é beneficiário da Justiça Gratuita - art. 98, § 3°, do CPC), e com os honorários de seus respectivos patronos.
Sentença submetida ao reexame necessário.
O INSS apelou, sustentando que somente há início de prova material da atividade rural de 1973 a 1981, requerendo, portanto, que apenas seja reconhecido tal período.
Com contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0018279-58.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO APARECIDO FRANCO
Advogado do(a) APELADO: ERIKA JULIANA NOBREGA - SP327519-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Embora a sentença tenha sido desfavorável ao INSS, não conheço da remessa oficial, tendo em vista que possui natureza meramente declaratória, cujo proveito econômico não alcançará o valor de alçada estabelecido no inciso I do §3º do artigo 496 do Código de Processo Civil de 2015.
Afinal, o valor que superaria a remessa oficial é equivalente a 14 anos de benefícios calculados no valor máximo, o que certamente não será o caso dos autos.
Assim, é nítida a inadmissibilidade, na hipótese em tela, da remessa necessária.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Tempo de serviço rural anterior e posterior à Lei de Benefícios
A aposentadoria do trabalhador rural apresenta algumas especificidades, em razão sobretudo da deficiência dos programas de seguridade voltados a essa categoria de trabalhadores no período anterior à Constituição Federal de 1988 e do descumprimento da legislação trabalhista no campo. Assim é que, no seu art. 55, §2º, a Lei 8.213/91 estabeleceu ser desnecessário o recolhimento de contribuições previdenciárias pelo segurado especial ou trabalhador rural no período anterior à vigência da Lei de Benefícios, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural, exceto para efeito de carência. Neste sentido, já decidiu esta E. Corte: SÉTIMA TURMA, APELREEX 0005026-42.2014.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 21/07/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/07/2014 e TERCEIRA SEÇÃO, AR 0037095-93.2010.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELSON BERNARDES, julgado em 28/11/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/12/2013.)
Já em relação ao tempo de serviço rural trabalhado a partir da competência de novembro de 1991 (art. 55, §2º, da Lei 8.213/91 c/c o art. 60, X, do Decreto 3.048/99), ausente o recolhimento das contribuições, somente poderá ser aproveitado pelo segurado especial para obtenção dos benefícios previstos no art. 39, I, da Lei 8.213/91.
A prova do exercício de atividade rural
Muito se discutiu acerca da previsão contida no art. 55, §3º, da Lei de Benefícios, segundo a qual a comprovação do tempo de serviço exige início de prova material. O que a Lei nº 8.213/91 exige é apenas o início de prova material e é esse igualmente o teor da Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça.
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
Exigir documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se quer reconhecer equivaleria a erigir a prova documental como a única válida na espécie, com desconsideração da prova testemunhal produzida, ultrapassando-se, em desfavor do segurado, a exigência legal. Neste sentido, o C. STJ: AgRg no AREsp 547.042/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 30/09/2014.
Tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
Idade mínima para o trabalho rural
Não se olvida que há jurisprudência no sentido de admitir-se o labor rural a partir dos 12 (doze) anos de idade, por ser realidade comum no campo, segundo as regras ordinárias de experiência, mormente se a prova testemunhal é robusta e reforçada por documentos que indicam a condição de lavradores dos pais do segurado.
O raciocínio invocado em tais decisões é o de que a norma constitucional que veda o trabalho ao menor de 16 anos visa à sua proteção, não podendo ser invocada para, ao contrário, negar-lhe direitos. (RESP 200200855336, Min. Jorge Scartezzini, STJ - Quinta Turma, DJ 02/08/2004, p. 484.).
Tal ponderação não é isenta de questionamentos. De fato, emprestar efeitos jurídicos para situação que envolve desrespeito a uma norma constitucional, ainda que para salvaguardar direitos imediatos, não nos parece a solução mais adequada à proposta do constituinte - que visava dar ampla e geral proteção às crianças e adolescentes, adotando a doutrina da proteção integral, negando a possibilidade do trabalho infantil.
Não se trata, assim, de restringir direitos ao menor que trabalha, mas sim, de evitar que se empreste efeitos jurídicos, para fins previdenciários, de trabalho realizado em desacordo com a Constituição. Considero, desta forma, o ordenamento jurídico vigente à época em que o(a) autor(a) alega ter iniciado o labor rural para admiti-lo ou não na contagem geral do tempo de serviço, para o que faço as seguintes observações:
As Constituições Brasileiras de 1824 e 1891 não se referiram expressamente à criança e adolescente tampouco ao trabalho infantil.
A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar expressamente da proteção à infância e à juventude e em seu artigo 121 consagrou, além de outros direitos mais favoráveis aos trabalhadores, a proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos; e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.
Por sua vez, a Constituição de 1937, repetiu a fórmula da proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.
A Constituição de 1946 elevou a idade mínima para a execução de trabalho noturno de 16 para 18 anos, mantendo as demais proibições de qualquer trabalho para menores de 14 anos e em indústrias insalubres para menores de 18 anos, além de proibir a diferença de salário para o mesmo trabalho por motivo de idade.
A Constituição de 1967, embora tivesse mantido a proibição para o trabalho noturno e insalubre para menores de 18 anos, reduziu de 14 para 12 anos a idade mínima para qualquer trabalho.
Por fim, a Constituição da República de 1988, proíbe o trabalho noturno, perigoso e insalubre para os menores de 18 anos; e, inicialmente, de qualquer trabalho para menores de 14 anos, como constava nas Constituições de 1934, 1937 e 1946. Todavia, com a Emenda Constitucional 20, de 1998, a idade mínima foi elevada para 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 anos.
Entretanto, em atenção ao entendimento consolidado nesta E. 7ª Turma, no sentido de considerar as peculiaridades de um Brasil com elevado contingente populacional no meio rural antes da década de 70, admito, para o cômputo geral do tempo de serviço, o trabalho rural desenvolvido antes da Constituição de 1967, a partir dos 12 anos de idade. A partir da Constituição Federal de 1988, todavia, prevalece a idade nela estabelecida.
Reconhecimento de tempo de serviço e expedição de certidão
Considerando-se que é direito constitucional a obtenção de certidões perante órgãos públicos (art. 5º, XXXIV, b, da Constituição da República), importante questão reside na necessidade de recolhimento de indenização ou das contribuições devidas para a expedição de certidão de tempo de serviço pelo INSS, para que o interessado a utilize no requerimento de benefício mediante contagem recíproca em regimes diversos.
Embora existissem divergências, a 3ª Seção deste Tribunal, seguindo orientação do Superior Tribunal de Justiça e de outros Tribunais Regionais, pacificou seu entendimento no sentido de ser possível a emissão desta certidão pela entidade autárquica, independentemente do recolhimento de indenização ou contribuições, desde que o INSS consigne no documento esta ausência, para fins do art. 96, IV, da Lei 8.213/91.
A ilustrar tal entendimento, as seguintes decisões do C. STJ, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, AGRESP 1036320, j. 08/09/2009, DJE 13/10/2009 e deste TRF3, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Daldice Santana, AR nº 2001.03.00.030984-0/SP, v.u., j. 14/06/2012, DE 21/06/2012).
Do caso concreto
Para comprovar as suas alegações, o autor, nascido em 12/03/56, apresentou os seguintes documentos, dentre outros: I) certificado de alistamento militar, datado de 07.02.73, no qual figura como lavrador; II) ficha de inscrição cadastral de produtor, datada de 1987; III) declaração cadastral de produtor, datada de 1987; IV) pedido de talonário de produtor, datado de 1986 e válido até 1987; V) declaração cadastral de produtor, válida até 1992; VI) pedido de talonário de produtor, datado de 1991 e válido até 1992; VII) declarações de terceiros a respeito da atividade rural dele.
As declarações apresentadas configuram apenas testemunhos escritos.
O certificado de alistamento militar serve como início de prova material da atividade rural do autor.
Em se tratando de segurado especial, é necessário que a atividade seja comprovada através de documentos que demonstrem o efetivo exercício do labor rural em regime de economia familiar, como, por exemplo, aqueles elencados no art. 106 da Lei nº 8.213/91, ou outros que sirvam a tal mister.
Os demais documentos servem como início de prova material da atividade em regime de economia familiar.
O extrato do CNIS demonstrou que o autor possui vínculo urbano de 01/12/2004 a 05/2016 (ID 86972170, pág. 41).
Em relação à prova oral, consta da sentença que: “A testemunha Cleusa Aparecida Camilo Ferreira relatou que conheceu o autor em 1970, quando a depoente passou a plantar morando (sic) em parceria com Geraldo Ferreira, e o autor também exercia tal atividade. Afirmou que posteriormente ela firmou parceria com o Sr. Benedito, e o autor também permaneceu no cultivo de morango, no Sítio Ferreira, Bairro de Brotas, município de Atibaia. Esclareceu que manteve contato com o autor até 1990, quando ela passou a trabalhar como doméstica. Disse de entre 1970 a 1990, o autor trabalhou sem Interrupção na atividade rural. Acrescentou que, por comentário de outras pessoas, soube que o autor continuou a exercer a atividade rural. A testemunha Maria Isabel Ribeiro Ferreira, declarou que conhece o autor desde 1968, época em que o autor trabalhava no sítio de propriedade da família da depoente, os Ferreira, no Bairro Caetetuba ou das Brotas, neste município, cultivando pêssego, vagem e principalmente morango. Contou que o autor trabalhou naquele local até 1995, e então a depoente perdeu o contato com ele. A testemunha Maria José da Silveira Lima contou que conheceu o autor em 1976, quando ela (depoente) passou a trabalhar no Sítio da família Ferreira (Geraldo Ferreira, Luis Ferreira e Benedito Ferreira). Explicou que a testemunha Maria Isabel é mulher de Luis Ferreira. Relatou que inicialmente o autor plantava cebola, e posteriormente passou a cultivar morango. Afirmou que o autor trabalhou naquele local até 2004, destacando que ela deixou o trabalhar no local em 1999. Acrescentou que o autor também trabalhou em outro sítio, naquele mesmo bairro. Disse que até 2004 o autor trabalhou exclusivamente no meio rural.”
Portanto, o conjunto probatório comprovou que o autor exerceu atividade rural no período de 1973 a 2004, sendo de rigor a manutenção da sentença.
Em relação aos honorários de advogado, observo que às sentenças prolatadas sob a égide do CPC/73 não se aplicam as normas previstas no artigo 85, §§ 1º a 11º do CPC/2015, inclusive no que pertine à sucumbência recursal, que determina a majoração dos honorários de advogado em instância recursal (Enunciado Administrativo nº 7/STJ).
O mesmo entendimento é aplicável à vedação à compensação em caso de sucumbência recíproca, conforme critérios do artigo 85, § 14, do Novo CPC. Sua aplicação traria novo ônus a uma das partes ou mesmo a ambas, sem que houvesse previsão a respeito quando da interposição do recurso.
Assim, mantenho os honorários de advogado, tais como fixados.
Diante do exposto, não conheço da remessa necessária e nego provimento à apelação do INSS.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL DE 1973 A 2004. POSSIBILIDADE. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. HONORÁRIOS MANTIDOS.
1. Tendo em vista a natureza meramente declaratória da sentença, cujo proveito econômico não alcançará o valor de alçada estabelecido no inciso I do §3º do artigo 496 do Código de Processo Civil de 2015, não se conhece da remessa necessária.
2. Suficiente o conjunto probatório a demonstrar o exercício da atividade rural no período de 1973 a 2004.
3. Sucumbência Recíproca. Honorários mantidos
4. Remessa necessária não conhecida. Apelação do INSS não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu não conhecer da remessa necessária e negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
