
| D.E. Publicado em 20/02/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, corrigir, de ofício, a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, rejeitar as preliminares arguidas pelo INSS e, no mérito negar provimento à sua apelação e à remessa necessária, tida por ocorrida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004119-33.2015.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência ou incapacitada para o trabalho.
A sentença julgou procedente o pedido, para condenar o INSS ao pagamento do benefício pleiteado desde a data do indeferimento do pedido administrativo ocorrido em 13.08.2009- fls. 09. Determinou o pagamento das parcelas em atraso devidamente atualizados de acordo com a correção dos benefícios previdenciários, com aplicação do INPC, e juros de mora, a partir da citação, observando-se os termos da Lei 11.960/09. Honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.000,00.
A sentença não foi submetida ao reexame necessário.
Apela o INSS requerendo preliminarmente a suspensão da tutela antecipada e o reconhecimento da nulidade da sentença, em razão da ocorrência do cerceamento de defesa, ante a falta esclarecimentos acerca do estudo social. No mérito, pugna pela improcedência do pedido, pois entende que não foi comprovada da condição de deficiente da parte autora. Subsidiariamente, caso mantida a procedência do pedido, pugna pela reforma da sentença no tocante aos juros de mora.
Sem a apresentação de contrarrazões da parte autora os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso da autarquia.
É o relatório.
VOTO
Inicialmente considerando que a sentença foi proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, passo ao exame da admissibilidade da remessa necessária prevista no seu artigo 475.
Embora não seja possível, de plano, aferir-se o valor exato da condenação, pode-se concluir, pelo termo inicial do benefício (13.08.2009 - fls. 09), seu valor e a data da sentença (04.08.2014), que o valor total da condenação supera a importância de 60 (sessenta) salários mínimos estabelecida no § 2º.
Assim, tenho por ocorrida a remessa necessária.
Rejeito as preliminares arguidas pelo INSS.
Quanto a suspensão da tutela antecipada, nos termos do artigo 273 do Código de Processo Civil/1973, vigente à época da sentença, o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que exista prova inequívoca do alegado pela parte e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
No caso, conforme avaliação do Juízo a quo, restaram configurados os requisitos autorizadores da concessão do benefício, pelo que mantenho seus efeitos.
Ressalte-se que a presente ação é de natureza alimentar o que por si só evidencia o risco de dano irreparável tornando viável a antecipação dos efeitos da tutela.
A alegação da ocorrência do cerceamento de defesa também não merece prosperar. O conjunto probatório oferece elementos suficientes para o deslinde da lide.
Afirma a autarquia que necessita da qualificação completa dos moradores da casa para poder auferir corretamente a renda familiar, todavia nota-se que o grupo familiar está composto pela autora, seu marido e três filhos menores de idade, sendo certo o marido da requerente é o provedor do lar, e nesse sentido a cópia da certidão de casamento de fls. 16 é suficiente para tal verificação.
Passo ao exame do mérito.
A questão vertida nos presentes autos diz respeito à exigência de comprovação dos requisitos legais para a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Conforme se verifica na cópia do documento de identidade de fls. 09, tendo a parte autora nascido em 20 de agosto de 1976, conta atualmente com 40 anos de idade, e dessa forma o pleito baseia-se em suposta deficiência ou incapacidade da postulante.
Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento."
A autora relata que é portadora epilepsia, condição que a torna incapaz para o trabalho.
O laudo médico pericial elaborado em 26.02.2014 (fls. 146/148) informa que a parte autora é portadora de moléstias neurológicas e psiquiátricas não controladas satisfatoriamente, indicando a existência de incapacidade laboral total e temporária. Relata que com cuidados especializados e medicamentos específicos existe a possibilidade da periciada poder exercer algumas atividades laborativas, que não exijam esforços mentais exagerados.
Embora o perito não tenha especificado um prazo específico para o inicio da incapacidade laboral da requerente, depreende-se do conjunto probatório que há muitos anos a autora luta contra a doença, e que a estabilização de seu quadro clínico não se dará em curto prazo, de forma que resta evidenciada a existência de impedimento de longo prazo, nos termos Lei 12.470/2011, art. 3º.
Assim, atendido um dos critérios fixados no caput do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011 c/c o art. 34 da Lei nº 10.741/2003, necessário averiguar-se o preenchimento do requisito da miserabilidade, uma vez que a lei exige a concomitância de ambos para que o benefício assistencial possa ser concedido.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
Com relação ao cálculo da renda per capita, a Lei 10.741/03 assim preceitua:
"Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas. (Vide Decreto nº 6.214, de 2007)
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas."
Entretanto, a Suprema Corte, no RE 580.963/PR, sob regime de repercussão geral, declarou a inconstitucionalidade parcial, por omissão, sem pronúncia de nulidade da norma em comento, ante a inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em, relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo.
E nesse sentido, assim o Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu em sede de julgamento de recurso repetitivo: "(...) 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93." RECURSO REPETITIVO (Tema: 640) REsp 1355052 / SP RECURSO ESPECIAL 2012/0247239-5 Relator(a) Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142)Órgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento 25/02/2015, Data da Publicação/Fonte DJe 05/11/2015)
Indo mais além, a constitucionalidade do próprio § 3º, artigo 20 da Lei 8742/93, também foi questionada na ADI 1.232-1/DF, que todavia, foi julgada improcedente.
Embora reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impede o exame de situações específicas do caso concreto, a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Ou seja, a verificação da renda per capita familiar seria uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única.
Neste sentido decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG:
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade e o entendimento firmado no julgamento da ADI 1.232-DF levou a Corte Suprema a enfrentar novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconheceu a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993. O julgado reconheceu a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
O reconhecimento da inconstitucionalidade parcial sem nulidade do § 3º, art. 20 da Lei 8742/93 indica que a norma só é inconstitucional naquilo em que não disciplinou, não tendo sido reconhecido a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência.
Cabe ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial, e suprimir a inconstitucionalidade apontada.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
Tecidas tais considerações, no caso concreto o estudo social elaborado em 19.11.2010 (fls. 44/48) revela que a parte autora reside com seu marido e três filhos menores de idade, em casa própria financiada, de alvernaria, com três quartos, sala, cozinha, banheiro e área de serviço, em mal estado de conservação. A casa está guarnecida com móveis e utensílios básicos em estado regular de conservação.
A renda do grupo familiar advém do salário do marido da parte autora no valor de R$ 510,00 (um salário mínimo). Recebem R$ 66,00 por mês do programa social Bolsa Família.
Nítida a condição de vulnerabilidade socioeconômica da família que além da autora adoentada, conta ainda com três crianças em idade escolar e apresenta renda mensal de apenas um salário mínimo.
Necessário o aporte financeiro para que a parte autora tenha acesso a tratamento de saúde específico, com cuidados médicos e psicológicos, além de medicamentos.
Desta forma, considerando o conjunto probatório que se apresenta nos presentes autos, verifico estarem preenchidos os requisitos necessários à manutenção do benefício concedido pelo MM. Juiz a quo.
No que tange aos critérios de atualização do débito, por tratar-se de consectários legais, revestidos de natureza de ordem pública, são passíveis de correção de ofício, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
Assim, corrijo a sentença para fixar os critérios de correção monetária e juros de mora, estes a partir da citação, de acordo com o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Insta esclarecer que não desconhece este Relator o alcance e abrangência da decisão proferida nas ADIs nºs 4.357 e 4.425, nem tampouco a modulação dos seus efeitos pelo STF ou a repercussão geral reconhecida no RE 870.947 pelo E. Ministro Luiz Fux, no tocante à constitucionalidade da TR como fator de correção monetária do débito fazendário no período anterior à sua inscrição em precatório.
Contudo, a adoção dos índices estabelecidos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal para a elaboração da conta de liquidação é medida de rigor, porquanto suas diretrizes são estabelecidas pelo Conselho da Justiça Federal observando estritamente os ditames legais e a jurisprudência dominante, objetivando a unificação dos critérios de cálculo a serem adotados na fase de execução de todos os processos sob a sua jurisdição.
Com relação aos honorários de advogado, estes devem ser mantidos na forma como fixado na sentença, considerando que o recurso foi interposto na vigência do Código de Processo Civil /1973, não se aplicando a sucumbência recursal prevista no artigo 85, §11º do Código de Processo Civil /2015, que determina a majoração dos honorários de advogado em instância recursal (Enunciado Administrativo nº 7/STJ).
Diante do exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, rejeito as preliminares arguidas pelo INSS e, no mérito, nego provimento à sua apelação e à remessa necessária, tida por ocorrida.
É o voto.
PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 14/02/2017 16:19:03 |
