Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2307325 / SP
0016809-89.2018.4.03.9999
Relator(a)
JUIZA CONVOCADA LEILA PAIVA
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
13/05/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/05/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA OFICIAL CONHECIDA. TRABALHO RURAL. TRABALHO EM
CONDIÇÕES ESPECIAIS. EXPOSIÇÃO A AGENTES BIOLÓGICOS. BENEFÍCIO DE
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO MANTIDO. CRITÉRIOS DE CÁLCULO
DA CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. ESPECIFICADOS DE OFÍCIO.
1. Recebida a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e, em razão
de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Codex
processual.
2. A sentença recorrida foi proferida sob a égide do Novo Código de Processo Civil, o qual
afasta a submissão da sentença proferida contra a União e suas respectivas autarquias e
fundações de direito público ao reexame necessário quando a condenação imposta for inferior a
1.000 (mil) salários mínimos (art. 496, I c.c. § 3º, I, do CPC/2015). In casu, considerando os
elementos dos autos - o INSS foi condenado a averbar labor rural sem registro em CTPS e
períodos considerados especiais e, por conseguinte, implantar e pagar a aposentadoria por
tempo de contribuição desde o requerimento administrativo (25.10.2016) até o deferimento do
benefício, em 11.04.2018, ocorrido na r. sentença -, o montante da condenação não excederá a
1.000 (mil) salários mínimos, ainda que o valor da aposentadoria seja igual ao teto
previdenciário. Reexame necessário não conhecido.
- Nos termos do artigo 55, §§2º e 3º, da Lei 8.213/1991, é desnecessário a comprovação do
recolhimento de contribuições previdenciárias pelo segurado especial ou trabalhador rural no
período anterior à vigência da Lei de Benefícios, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
rural, no entanto, tal período não será computado para efeito de carência (TRF3ª Região,
2009.61.05.005277-2/SP, Des. Fed. Paulo Domingues, DJ 09/04/2018; TRF3ª Região,
2007.61.26.001346-4/SP, Des. Fed. Carlos Delgado, DJ 09/04/2018; TRF3ª Região,
2007.61.83.007818-2/SP. Des. Fed. Toru Yamamoto. DJ 09/04/2018; EDcl no AgRg no REsp
1537424/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em
27/10/2015, DJe 05/11/2015; AR 3.650/RS, Rel. Ministro ERICSON MARANHO
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/11/2015,
DJe 04/12/2015).
- Foi garantida ao segurado especial a possibilidade do reconhecimento do tempo de serviço
rural, mesmo ausente recolhimento das contribuições, para o fim de obtenção de aposentadoria
por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1
(um) salário mínimo, e de auxílio-acidente. No entanto, com relação ao período posterior à
vigência da Lei 8.213/91, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural para fins de
aposentadoria por tempo de contribuição, cabe ao segurado especial comprovar o recolhimento
das contribuições previdenciárias, como contribuinte facultativo.
- Considerando a dificuldade do trabalhador rural na obtenção da prova escrita, o Eg. STJ vem
admitindo outros documentos além daqueles previstos no artigo 106, parágrafo único, da Lei nº
8.213/91, cujo rol não é taxativo, mas sim, exemplificativo, podendo ser admitido início de prova
material sobre parte do lapso temporal pretendido, bem como tempo de serviço rural anterior à
prova documental, desde que complementado por idônea e robusta prova testemunhal. Nesse
passo, a jurisprudência sedimentou o entendimento de que a prova testemunhal possui aptidão
para ampliar a eficácia probatória da prova material trazida aos autos, sendo desnecessária a
sua contemporaneidade para todo o período de carência que se pretende comprovar.
Precedentes.
- No que tange à possibilidade do cômputo do labor rural efetuado pelo menor de idade, o
próprio C. STF entende que as normas constitucionais devem ser interpretadas em benefício do
menor. Por conseguinte, a norma constitucional que proíbe o trabalho remunerado a quem não
possua idade mínima para tal não pode ser estabelecida em seu desfavor, privando o menor do
direito de ver reconhecido o exercício da atividade rural para fins do benefício previdenciário,
especialmente se considerarmos a dura realidade das lides do campo que obrigada ao trabalho
em tenra idade (ARE 1045867, Relator: Ministro Alexandre de Moraes, 03/08/2017, RE
906.259, Rel: Ministro Luiz Fux, in DJe de 21/09/2015).
- Para fins de aposentadoria por tempo de contribuição, não é possível reconhecer a atividade
rural sem registro, após o advento da Lei 8.213/1991 (24/07/1991), se não houver a
comprovação de recolhimento de contribuições previdenciárias, como foi o caso. Assim, os
períodos posteriores a 24/07/1991 reconhecidos na sentença, não podem ser considerados e
ficam, desde já, afastados.
- Para os demais períodos, de 12/04/1980 a 23/07/1991 , a atividade rural alegada restou
satisfatoriamente comprovada. A autora era filha de lavradores, nasceu, foi criada e se casou,
tudo na zona rural, não sendo demais entender que desempenhou atividade campesina desde
muito jovem, como é comum acontecer nesse ambiente, em que toda a família, inclusive filhos
ainda em tenra idade, vão para o campo, em prol de suas subsistências. Nesse sentido, as
declarações das testemunhas, que em uníssono e minúcias de detalhes confirmaram o labor
rural da autora, complementando e reforçando as provas materiais.
- Dessa forma, reconhecida a atividade exercida como trabalhadora rural pela autora em regime
de economia familiar, no período de 12/04/1980 a 23/07/1991, independentemente do
recolhimento de contribuições previdenciárias, devendo ser considerada como tempo de
contribuição, não podendo tal período ser computado para efeito de carência, nos termos do art.
55, §2º, da Lei 8.213/1991, devendo o INSS proceder a devida averbação nos registros
previdenciários competentes.
- Sobre o tempo de atividade especial, o artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A
aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei (180
contribuições), ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem
a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos,
conforme dispuser a lei". Considerando a evolução da legislação de regência pode-se concluir
que (i) a aposentadoria especial será concedida ao segurado que comprovar ter exercido
trabalho permanente em ambiente no qual estava exposto a agente nocivo à sua saúde ou
integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em regra, assim ser definido em legislação
contemporânea ao labor, admitindo-se excepcionalmente que se reconheça como nociva para
fins de reconhecimento de labor especial a sujeição do segurado a agente não previsto em
regulamento, desde que comprovada a sua efetiva danosidade; (iii) reputa-se permanente o
labor exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do segurado ao
agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço; e (iv) as
condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de
proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE
5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT) ou outros meios de prova.
- Presume-se que as informações constantes do PPP são verdadeiras, não sendo razoável nem
proporcional prejudicar o trabalhador por eventual irregularidade formal de referido formulário,
seja porque ele não é responsável pela elaboração do documento, seja porque cabe ao Poder
Público fiscalizar a elaboração do PPP pelas empresas.
- Em que pese não constar do PPP campo específico referente à efetiva exposição da segurada
durante sua jornada de trabalho a agente nocivo, de forma habitual e permanente, não
ocasional nem intermitente, há que se considerar que a responsabilidade pela elaboração do
documento é do empregador, na forma determinada pelo INSS, o qual não prevê tal anotação,
não podendo ser transferido ao trabalhador o ônus decorrente da ausência desta observação.
- Apresentando o segurado um PPP que indique sua exposição a um agente nocivo, e
inexistindo prova de que o EPI eventualmente fornecido ao trabalhador era efetivamente capaz
de neutralizar a nocividade do ambiente laborativo, a configurar uma dúvida razoável no
particular, deve-se reconhecer o labor como especial.
- O laudo técnico/PPP não contemporâneo não invalida suas conclusões a respeito do
reconhecimento de tempo de trabalho dedicado em atividade de natureza especial, primeiro,
porque não existe tal previsão decorrente da legislação e, segundo, porque a evolução da
tecnologia aponta para o avanço das condições ambientais em relação àquelas experimentadas
pelo trabalhador à época da execução dos serviços.
- Não há como se sonegar tal direito do segurado sob o argumento de ausência de prévia fonte
de custeio (195, §§ 5° e 6°, da CF/88 e artigo 57, §§ 6° e 7°, da Lei 8.213/91), até porque o não
recolhimento da respectiva contribuição não pode ser atribuído ao trabalhador, mas sim à
inércia estatal no exercício do seu poder de polícia. Nesse particular, restou consignado no
Recurso Extraordinário com Agravo nº 664.335/SC, de Relatoria do Ministro Luiz Fux, do
Supremo Tribunal Federal, em sede de Repercussão Geral, que a ausência de prévia fonte de
custeio não prejudica o direito dos segurados à aposentadoria especial, em razão de não haver
ofensa ao princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, eis que o art. 195, § 5º, da
Constituição Federal (que veda a criação, majoração ou a extensão de benefícios
previdenciários sem a correspondente fonte de custeio ), contém norma dirigida ao legislador
ordinário, disposição inexigível quando se trata de benefício criado diretamente pela própria
constituição, como é o caso da aposentadoria especial.
- Constando da perícia que o segurado ficava exposto a agente nocivo, seja pela simples
presença do agente no ambiente, ou porque estava acima do limite de tolerância, deve-se
concluir que tal exposição era, nos termos do artigo 65, do RPS - Regulamento da Previdência
Social, habitual, não ocasional nem intermitente e indissociável da produção do bem ou da
prestação do serviço.
- No período de 05/09/2001 a 20/07/2007, consoante PPP às fl. 58, a autora exercia a atividade
de auxiliar de limpeza do ambulatório hospitalar da Fundação Doutor Amaral Carvalho, pelo que
esteve exposta habitual e permanentemente aos agentes biológicos vírus, bactérias, fungos,
parasitas, protozoários infectocontagiosos, de sorte que o período deve ser enquadrado como
especial nos termos dos itens 3.0.1 dos Decretos 2.172/97 e 3.048/99. Ademais, no CNIS
consta que no intervalo de 05/09/2001 a 20/07/2007 a informação de que houve recolhimento
das alíquotas relativas à especialidade do labor (IEAN - Indicador de Exposição a Agentes
Nocivos) pelo empregador.
- No período de 01/08/2007 a 06/05/2014, consoante PPP às fls. 60/61, a autora exercia a
atividade de auxiliar de limpeza no ambulatório da Voluntários Itarareenses no Combate ao
Câncer, pelo que esteve exposta habitual e permanentemente aos agentes biológicos vírus,
bactérias, protozoários, fungos, príons e toxinas, de sorte que o período deve ser enquadrado
como especial nos termos dos itens 3.0.1 dos Decretos 2.172/97 e 3.048/99.
- Por fim, não obstante os PPP's asseverem uso de EPI eficaz a atenuar o efeito nocivo do
agente, não há provas de que tal EPI era capaz de neutralizar a insalubridade a que a segurada
estava exposta. Outrossim, na hipótese, a segurada estava exposto a agentes biológicos que,
por serem qualitativos, não têm a sua nocividade neutralizada pelo uso de EPI. Nesse cenário,
o fornecimento de EPI indicado nos PPP's juntados aos autos não é suficiente para afastar o
reconhecimento da especialidade do labor sub judice, motivo pelo qual deve ser considerado
como especiais os interregnos antes mencionados, em razão da exposição da parte autora a
agentes biológicos nocivos.
- Reconhecida a especialidade dos períodos já averbados na r. sentença de 05/09/2001 a
20/07/2007 e 01/08/2007 a 06/05/2014, os quais devem ser convertidos pelo fator de conversão
1,2 e integrar o cômputo de tempo de serviço da autora.
- Somados o período rural ora reconhecido aos especiais, convertidos em tempo comum pelo
fator de conversão 1,20, aos demais vínculos empregatícios constantes no CNIS e CTPS,
perfaz a autora, na data do requerimento administrativo, 25.10.2016, 31 anos, 2 meses e 1 dia
de tempo de contribuição, fazendo jus ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
- Em razão do requerimento administrativo datar de 25.10.2016, a segurada faz jus à regra de
aposentadoria instituída pela Lei 13.183/15 desde que atingidos 85 (oitenta e cinco) pontos.
Nascida em 22.04.1968, à data da DER, a autora tinha 48 anos (ou seja, 48 pontos), que
somados a 31 anos de tempo de contribuição (ou seja, 31 pontos), perfaz 79 pontos, não
fazendo jus ao cálculo do benefício sem a incidência do fator previdenciário.
- Vale destacar que a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela
Lei nº 11.960/2009 foi declarada pelo Egrégio STF, ocasião em que foi determinada a aplicação
do IPCA-e (RE nº 870.947/SE, repercussão geral). Tal índice deve ser aplicado ao caso, até
porque o efeito suspensivo concedido em 24/09/2018 pelo Egrégio STF aos embargos de
declaração opostos contra o referido julgado para a modulação de efeitos para atribuição de
eficácia prospectiva, surtirá efeitos apenas quanto à definição do termo inicial da incidência do
IPCA-e, o que deverá ser observado na fase de liquidação do julgado. E, apesar da recente
decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp repetitivo nº 1.495.146/MG), que estabelece o
INPC/IBGE como critério de correção monetária, não é o caso de adotá-lo, porque em confronto
com o julgado acima mencionado. Dessa forma, se a sentença determinou a aplicação de
critérios de juros de mora e correção monetária diversos daqueles adotados quando do
julgamento do RE nº 870.947/SE, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem
observados, pode esta Corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao
entendimento do Egrégio STF, em sede de repercussão geral.
- Assim, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária aplicam-se, (1) até a entrada
em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça
Federal; e, (2) na vigência da Lei nº 11.960/2009, considerando a natureza não-tributária da
condenação, os critérios estabelecidos pelo Egrégio STF, no julgamento do RE nº 870.947/SE,
realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam, (2.1) os juros
moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos
termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009;
e (2.2) a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial -
IPCA-E..
- Remessa oficial não conhecida.
- Apelação autárquica parcialmente provida.
- Critérios de cálculo da correção monetária e juros de mora especificados de ofício.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa
oficial e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso autárquico, apenas para afastar o labor rural
reconhecido após 23.07.1991 e a incidência do cálculo do benefício instituído pela Lei
13.183/15 e, de ofício, especificar os critérios de cálculo da correção monetária e juros de mora,
mantendo, no mais, a r. sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
