
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0008345-42.2009.4.03.6103
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: FLAVIA CRISTINA MOURA DE ANDRADE - SP202311-N
APELADO: SELMA FERNANDES DE MELO FRANQUEIRA
Advogado do(a) APELADO: ANDRE SOUTO RACHID HATUN - SP261558-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0008345-42.2009.4.03.6103
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: FLAVIA CRISTINA MOURA DE ANDRADE - SP202311-N
APELADO: SELMA FERNANDES DE MELO FRANQUEIRA
Advogado do(a) APELADO: ANDRE SOUTO RACHID HATUN - SP261558-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR):
Trata-se de ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social visando à expedição de certidão de tempo de contribuição, mediante o reconhecimento do caráter especial da atividade desenvolvida no período citado na inicial, para fins de contagem recíproca.Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quo
julgou procedente
o pedido, para reconhecer o caráter especial da atividade exercida no período de8/11/84 a 18/12/92
, determinando a expedição da certidão de tempo de contribuição. Condenou o INSS ao pagamento de honorários advocatícios fixados em R$ 500,00. Foi concedida a tutela antecipada.Inconformado, apelou o INSS, sustentando a improcedência do pedido.
Com contrarrazões, e submetida a sentença ao duplo grau obrigatório, subiram os autos a esta E. Corte.
É o breve relatório.
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0008345-42.2009.4.03.6103
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: FLAVIA CRISTINA MOURA DE ANDRADE - SP202311-N
APELADO: SELMA FERNANDES DE MELO FRANQUEIRA
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OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR):
Inicialmente, tendo em vista o julgamento dos Embargos de Divergência nº 600.596/RS, pela Corte Especial do C. STJ, deve ser apreciada a remessa oficial em ações meramente declaratórias.Passo, então, à análise da apelação e da remessa oficial.
No que se refere ao
reconhecimento da atividade especial
, a jurisprudência é pacífica no sentido de que deve ser aplicada a lei vigente à época em que exercido o trabalho, à luz do princípio tempus regit actum (Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.310.034-PR).Quanto aos
meios de comprovação
do exercício da atividade em condições especiais,até 28/4/95
, bastava a constatação de que o segurado exercia uma das atividades constantes dos anexos dos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79. O rol dos referidos anexos é considerado meramente exemplificativo (Súmula nº 198 do extinto TFR).Com a edição da Lei nº 9.032/95,
a partir de 29/4/95
passou-se a exigir por meio de formulário específico a comprovação da efetiva exposição ao agente nocivo perante o Instituto Nacional do Seguro Social.A Medida Provisória nº 1.523 de 11/10/96, a qual foi convertida na Lei nº 9.528 de 10/12/97, ao incluir o § 1º ao art. 58 da Lei nº 8.213/91, dispôs sobre a necessidade da comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes nocivos à saúde do segurado por meio de laudo técnico, motivo pelo qual considerava necessária a apresentação de tal documento a partir de 11/10/96.
No entanto, a fim de não dificultar ainda mais o oferecimento da prestação jurisdicional, passei a adotar o posicionamento no sentido de exigir a apresentação de laudo técnico somente
a partir 6/3/97
, data da publicação do Decreto nº 2.172, de 5/3/97, que aprovou o Regulamento dos Benefícios da Previdência Social. Nesse sentido, quadra mencionar os precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça: Incidente de Uniformização de Jurisprudência, Petição nº 9.194/PR, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, 1ª Seção, j. em 28/5/14, v.u., DJe 2/6/14; AgRg no AREsp. nº 228.590, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, j. em 18/3/14, v.u., DJe 1º/4/14; bem como o acórdão proferido pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais no julgamento do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal nº 0024288-60.2004.4.03.6302, Relator para Acórdão Juiz Federal Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves, j. 14/2/14, DOU 14/2/14.Por fim, observo que o art. 58 da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Medida Provisória nº 1.523 de 11/10/96, a qual foi convertida na Lei nº 9.528 de 10/12/97, em seu § 4º, instituiu o
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP)
, sendo que, com a edição do Decreto nº 4.032/01, o qual alterou a redação dos §§ 2º e 6º e inseriu o § 8º ao art. 68 do Decreto nº 3048/99, passou-se a admitir o referido PPP para a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos. Ademais, verifico que, com o advento do Decreto nº 8.123/13, o referido artigo assim dispôs:"Art. 68.
(...)
§ 3º A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
(...)
§ 8º A empresa deverá elaborar e manter atualizado o perfil profissiográfico do trabalhador, contemplando as atividades desenvolvidas durante o período laboral, documento que a ele deverá ser fornecido, por cópia autêntica, no prazo de trinta dias da rescisão do seu contrato de trabalho, sob pena de sujeição às sanções previstas na legislação aplicável.
§ 9º Considera-se perfil profissiográfico, para os efeitos do § 8º, o documento com o histórico laboral do trabalhador, segundo modelo instituído pelo INSS, que, entre outras informações, deve conter o resultado das avaliações ambientais, o nome dos responsáveis pela monitoração biológica e das avaliações ambientais, os resultados de monitoração biológica e os dados administrativos correspondentes.
(...)"
Devo salientar também que o laudo (ou PPP) não contemporâneo ao exercício das atividades não impede a comprovação de sua natureza especial, desde que não tenha havido alteração expressiva no ambiente de trabalho.
Ademais, se em data posterior ao trabalho realizado foi constatada a presença de agentes nocivos, é de bom senso imaginar que a sujeição dos trabalhadores à insalubridade não era menor à época do labor, haja vista os avanços tecnológicos e a evolução da segurança do trabalho que certamente sobrevieram com o passar do tempo.
Quadra ressaltar, por oportuno, que o PPP é o formulário padronizado, redigido e fornecido pela própria autarquia, sendo que no referido documento não consta campo específico indagando sobre a habitualidade e permanência da exposição do trabalhador ao agente nocivo, diferentemente do que ocorria nos anteriores formulários SB-40, DIRBEN 8030 ou DSS 8030, nos quais tal questionamento encontrava-se de forma expressa e com campo próprio para aposição da informação. Dessa forma, não me parece razoável que a deficiência contida no PPP possa prejudicar o segurado e deixar de reconhecer a especialidade da atividade à míngua de informação expressa com relação à habitualidade e permanência.
Vale ressaltar que o uso de equipamentos de proteção individual -
EPI não é suficiente para descaracterizar a especialidade da atividade
, a não ser que comprovada a real efetividade do aparelho na neutralização do agente nocivo, sendo que, em se tratando, especificamente, do agente ruído, não há, no momento, equipamento capaz de neutralizar a nocividade gerada pelo referido agente agressivo, conforme o julgamento realizado, em sessão de 4/12/14, pelo Plenário do C. Supremo Tribunal Federal, na Repercussão Geral reconhecida no Recurso Extraordinário com Agravo nº 664.335/SC, de Relatoria do E. Ministro Luiz Fux.Observo, ainda, que a informação registrada pelo empregador no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a eficácia do EPI não tem o condão de descaracterizar a sujeição do segurado aos agentes nocivos. Conforme tratado na decisão proferida pelo C. STF na Repercussão Geral acima mencionada, a legislação previdenciária criou, com relação à aposentadoria especial, uma sistemática na qual é colocado a cargo do empregador o dever de elaborar laudo técnico voltado a determinar os fatores de risco existentes no ambiente de trabalho, ficando o Ministério da Previdência Social responsável por fiscalizar a regularidade do referido laudo. Ao mesmo tempo, autoriza-se que o empregador obtenha benefício tributário caso apresente simples declaração no sentido de que existiu o fornecimento de EPI eficaz ao empregado.
Notório que o sistema criado pela legislação é falho e incapaz de promover a real comprovação de que o empregado esteve, de fato, absolutamente protegido contra o fator de risco. A respeito, é precisa a observação do E. Ministro Luís Roberto Barroso, ao sustentar que "considerar que a declaração, por parte do empregador, acerca do fornecimento de EPI eficaz consiste em condição suficiente para afastar a aposentadoria especial, e, como será desenvolvido adiante, para obter relevante isenção tributária, cria incentivos econômicos contrários ao cumprimento dessas normas" (Normas Regulamentadoras relacionadas à Segurança do Trabalho).
Exata, ainda, a manifestação do E. Ministro Marco Aurélio, ao invocar o princípio da primazia da realidade, segundo o qual uma verdade formal não pode se sobrepor aos fatos que realmente ocorrem - sobretudo em hipótese na qual a declaração formal é prestada com objetivos econômicos.
Logo, se a legislação previdenciária cria situação que resulta, na prática, na inexistência de dados confiáveis sobre a eficácia ou não do EPI, não se pode impor ao segurado - que não concorre para a elaboração do laudo, nem para sua fiscalização - o dever de fazer prova da ineficácia do equipamento de proteção que lhe foi fornecido. Caberá, portanto, ao INSS o ônus de provar que o trabalhador foi totalmente protegido contra a situação de risco, pois não se pode impor ao empregado - que labora em condições nocivas à sua saúde - a obrigação de suportar individualmente os riscos inerentes à atividade produtiva perigosa, cujos benefícios são compartilhados por toda a sociedade.
Ressalto, adicionalmente, que a Corte Suprema, ao apreciar a Repercussão Geral acima mencionada, afastou a alegação, suscitada pelo INSS, de ausência de
prévia fonte de custeio
para o direito à aposentadoria especial. O E. Relator, em seu voto, deixou bem explicitada a regra que se deve adotar ao afirmar: "Destarte, não há ofensa ao princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, pois existe a previsão na própria sistemática da aposentadoria especial da figura do incentivo (art. 22, II e § 3º, Lei n.º 8.212/91), que, por si só, não consubstancia a concessão do benefício sem a correspondente fonte de custeio (art. 195, § 5º, CRFB/88). Corroborando o supra esposado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal considera que o art. 195, § 5º, da CRFB/88, contém norma dirigida ao legislador ordinário, disposição inexigível quando se tratar de benefício criado diretamente pela própria constituição".Com relação à
conversão de tempo especial em comum
, parece de todo conveniente traçar um breve relato de sua evolução histórica na ordenação jurídica brasileira.Inicialmente, observo que a aposentadoria especial foi instituída pelo art. 31 da Lei nº 3.807, de 26/8/60 (Lei Orgânica da Previdência Social).
A Lei nº 6.887/80 acrescentou o § 4º ao art. 9º, da Lei nº 5.890/73, dispondo: "O tempo de serviço exercido alternadamente em atividades comuns e em atividades que, na vigência desta Lei, sejam ou venham a ser consideradas penosas, insalubres ou perigosas, será somado, após a respectiva conversão segundo critérios de equivalência a serem fixados pelo Ministério da Previdência Social, para efeito de aposentadoria de qualquer espécie."
Após diversas alterações legislativas, a Lei nº 8.213/91 dispôs sobre a aposentadoria especial em seus artigos 57 e 58.
A possibilidade de conversão do tempo especial em comum havia sido revogada pela edição do art. 28, da Medida Provisória nº 1.663 de 28/5/98. No entanto, o referido dispositivo legal foi suprimido quando da conversão na Lei nº 9.711/98, razão pela qual, forçoso reconhecer que permanece em vigor a possibilidade dessa conversão. Ademais, a questão ficou pacificada com a edição do Decreto nº 4.827, de 3/9/03, que incluiu o § 2º ao art. 70 do Decreto nº 3.048/99, estabelecendo que "As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período
A questão relativa ao
fator de conversão
foi objeto de julgamento pelo C.Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.151.363/MG
(2009/0145685-8). O E. Relator Ministro Jorge Mussi, em seu voto, bem explicitou a regra que se deve adotar ao asseverar: "Importa notar que a legislação em vigor na ocasião da prestação do serviço regula a caracterização e a comprovação da atividade sob condições especiais, conforme dispõe o § 1º supra. Ou seja,observa-se o regramento da época do trabalho para a prova da exposição aos agentes agressivos à saúde
: se pelo mero enquadramento da atividade nos anexos dos Regulamentos da Previdência, se mediante as anotações de formulários do INSS ou, ainda, pela existência de laudo assinado por médico do trabalho.Diversamente, no tocante aos efeitos da prestação laboral vinculada ao Sistema Previdenciário, a obtenção de benefício fica submetida às regras da legislação em vigor na data do requerimento
. Por essa razão, o § 2º deixa expresso que as regras de conversão do art. 70 aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período. Isso é possível porque a adoção deste ou daquele fator de conversão depende, tão somente, do tempo de contribuição total exigido em lei para a aposentadoria integral, ou seja, deve corresponder ao valor tomado como parâmetro, numa relação de proporcionalidade, o que corresponde a um mero cálculo matemático. Explica-se: O fator de conversão é o resultado dadivisão
do numero máximo de tempo comum (35 para homem e 30 para mulher) pelo número máximo detempo especial
(15, 20 e 25). Ou seja, o fator a ser aplicado ao tempo especial laborado pelo homem para convertê-lo em comum será 1,40, pois 35/25=1,40. Se o tempo for trabalhado por uma mulher, o fator será de 1,20, pois 30/25=1,20. Se o tempo especial for de 15 ou 20 anos, a regra será a mesma.Trata-se de regra matemática pura e simples e não de regra previdenciária
. Observando-se os Decretos ns. 53.831/1964 e 83.080/1979, os quais traziam a lista de agentes nocivos e atividades insalubres, extrai-se a informação de que, em ambos os decretos, o tempo máximo de exposição aos agentes a que esteve exposto o recorrido (ruído e frio) era de 25 anos. Todavia, o tempo de serviço comum, para efeito de aposentadoria, constante daqueles decretos, era de, no máximo, 30 anos; portanto, o fator de conversão utilizado nessa hipótese era de 1,2. Destarte, o índice de 1,2 para conversão de tempo especial em aposentadoria comum com 30 anos de contribuição e o índice de 1,4 em relação à aposentadoria com 35 anos têm a mesma função. Converter para comum o tempo de serviço especial relativo à atividade com limite de 25 anos utilizando o fator de 1,2 seria prejudicial ao segurado (homem), porquanto a norma de regência exige, como tempo de contribuição, os 35 anos, como é de notório conhecimento.(...) Nesse contexto, com a alteração dada pelo Decreto n. 4.827/2003 ao Decreto n. 3.048/99, a Previdência Social, na via administrativa, passou a converter os períodos de tempo especial desenvolvidos em qualquer época pelas novas regras da tabela definida no artigo 70, que, para o tempo de serviço especial correspondente a 25 anos utiliza como fator de conversão, para homens, o multiplicador 1, 40. É o que se denota do artigo 173 da Instrução Normativa n. 20/2007". (grifos meus)No que tange à
contagem recíproca
de tempo de contribuição ou serviço, preceitua o art. 96, da Lei nº 8.213/91, in verbis:
"Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:
I - não será admitida a contagem em outras condições especiais
II - é vedada a contagem de tempo de serviço público com o de atividade privada, quando concomitantes;
III - não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para concessão de aposentadoria pelo outro;
IV - o tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à Previdência Social só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo, com acréscimo de juros moratórios de zero vírgula cinco por cento ao mês, capitalizados anualmente, e multa de dez por cento." (grifos meus)
Depreende-se da leitura do artigo acima transcrito, não ser possível, para fins de contagem recíproca, o cômputo qualificado do tempo de serviço exercido em condições especiais.
Nesse sentido, merece destaque o julgado abaixo do C. STJ:
"PREVIDENCIÁRIO E ADMINISTRATIVO - TEMPO DE SERVIÇO - CONTAGEM RECÍPROCA - ATIVIDADE INSALUBRE PRESTADA NA INICIATIVA PRIVADA - CONTAGEM ESPECIAL PARA FINS DE CONCESSÃO DE APOSENTADORIA NO SERVIÇO PÚBLICO - IMPOSSIBILIDADE - EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS.
1. O REsp n. 534.638/PR, relatado pelo Excelentíssimo Ministro Félix Fischer, indicado como paradigma pela Autarquia Previdenciária, espelha a jurisprudência sedimentada desta Corte no sentido de que, objetivando a contagem recíproca de tempo de serviço, vale dizer, a soma do tempo de serviço de atividade privada (urbana ou rural) ao serviço público, não se admite a conversão do tempo de serviço especial em comum, ante a expressa proibição legal (artigo 4º, I, da Lei n. 6.226/75 e o artigo 96, I, da Lei n. 8.213/91). Precedentes.
2. Embargos de divergência acolhidos para dar-se provimento ao recurso especial do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, reformando-se o acórdão recorrido para denegar a segurança."
(STJ, EREsp nº 524.267/PB, 3ª Seção, Relator Ministro Jorge Mussi, j. 12/2/14, v.u., DJ 24/3/14, grifos meus)
Outrossim, a Terceira Seção desta E. Corte, nos Embargos Infringentes nº 0007396-81.2010.4.03.6103, de Relatoria da E. Desembargadora Federal Tânia Marangoni, julgados em 23/6/16, adotou o mesmo entendimento firmado pelo C. STJ.
Não obstante, no presente caso,
tal entendimento não é aplicável, por ser imprescindível observar ter havido a
transformação do vínculo celetista em estatutário
, a partir da vigência do Estatuto dos Servidores Públicos Municipais (Lei Complementar Municipal nº 56/92), com a instituição do Regime Próprio de Previdência do Município – IPSM, conforme se extrai da Declaração da Prefeitura Municipal de São José dos Campos, datada de 15/7/09 (doc. n.º 104261053 – página 19), de forma que inexiste a vedação acima mencionada.Com efeito, a parte autora ingressou como celetista na Prefeitura Municipal de São José dos Campos em 8/11/84, como médico, tendo havido a modificação do regime para o estatutário, pela Administração Pública, a partir de 19/12/92, nos termos da Lei Complementar Municipal nº 056/92.
Assim, considerando que a modificação do regime não decorreu de vontade da parte autora, mas sim, de imposição decorrente de alteração legislativa, a partir da instituição do regime estatutário, não seria justa a vedação ao cômputo da atividade especial laborada sob condições nocivas à sua saúde, no regime geral, para fins de contagem recíproca, vez que representaria uma verdadeira e injusta penalização do segurado.
Neste sentido, destaco precedente do C. Supremo Tribunal Federal, in verbis:
"Agravo regimental no recurso extraordinário. Direito Constitucional e Administrativo. Tempo de serviço prestado em condições especiais sob regime celetista. Conversão em tempo de atividade comum. Transformação do vínculo em estatutário. Averbação. Aposentadoria. Contagem recíproca. Possibilidade.
1. A jurisprudência da Corte é no sentido de que o servidor que laborou em condições insalubres, quando regido pelo regime celetista, pode somar esse período, ainda que convertido em tempo de atividade comum, com a incidência dos acréscimos legais, ao tempo trabalhado posteriormente sob o regime estatutário, inclusive para fins de aposentadoria e contagem recíproca entre regimes previdenciários distintos.
2. Agravo regimental não provido."
(STF, 1ª Turma, Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 603.581/SC, Relator Ministro Dias Toffoli, j. em 18/11/14, p.u., DJe 3/12/14, grifos meus)
Transcrevo, adicionalmente, julgado do E. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
"ADMINISTRATIVO E PREVIDENCIÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. REGIME CELETISTA. CONVERSÃO. REGIME ESTATUTÁRIO
1. Verifica-se não ter ocorrido ofensa ao art. 535 do CPC, na medida em que o Tribunal de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos presentes autos.
2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que 'o servidor público, ex-celetista, que exerceu atividade perigosa, insalubre ou penosa, assim considerada em lei vigente à época, tem direito adquirido à contagem de tempo de serviço com o devido acréscimo legal, para fins de aposentadoria estatutária' (AgRg no REsp nº 799.771/DF, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJe 7/4/2008). Precedentes do STF e do STJ.
3. Agravo regimental a que se nega provimento."
(STJ, 1ª Turma, Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 680.209/ES, Relator Ministro Sérgio Kukina, j. em 6/8/15, p.u., DJe 19/8/15, grifos meus)
Dessa forma, constatada a inexistência de óbice, in casu, para o reconhecimento da especialidade da atividade exercida sob o regime celetista, impõe-se a análise da especialidade do período questionado.
1) Período: 8/11/84 a 18/12/92
.Empresa:
Prefeitura Municipal de São José dos Campos (Regime geral convertido em regime estatutário a partir de 19/12/92).Atividades/funções:
médico.Agente(s) nocivo(s):
enquadramento categoria profissional.Enquadramento legal:
Código 2.1.3 do Decreto nº 53.831/64 e do Decreto nº 83.080/79.Prova:
CTPS (doc. nº 104261053 – página 26) e Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP (doc. nº 104261053 – páginas 55/56), datado de 20/8/09.Conclusão:
Ficou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial no período acima mencionado, por enquadramento na categoria profissional de médico.
Dessa forma, a parte autora faz jus ao cômputo do período especial, sujeito à conversão em comum, referente ao período acima mencionado, expedindo-se a respectiva certidão por tempo de contribuição, para fins de contagem recíproca.
Ante o exposto, nego provimento à apelação e à remessa oficial.
É o meu voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA OFICIAL. CONTAGEM RECÍPROCA. TRANSFORMAÇÃO DE VÍNCULO CELETISTA EM ESTATUTÁRIO. POSSIBILIDADE DE AVERBAÇÃO DE PERÍODO ESPECIAL LABORADO NO REGIME GERAL. ENQUADRAMENTO PROFISSIONAL.
I- Tendo em vista o julgamento dos Embargos de Divergência nº 600.596/RS, pela Corte Especial do C. STJ, deve ser apreciada a remessa oficial em ações meramente declaratórias.
II- Depreende-se da leitura do art. 96, da Lei nº 8.213/91 não ser possível, para fins de contagem recíproca, o cômputo qualificado do tempo de serviço exercido em condições especiais, havendo precedentes do C STJ e da Terceira Seção desta E. Corte nesse sentido.
III- Não obstante, no presente caso, tal entendimento não é aplicável, por ser imprescindível observar ter havido a transformação do vínculo celetista em estatutário. Considerando que a modificação do regime não decorreu de vontade da parte autora, mas sim, de imposição decorrente de alteração legislativa, a partir da instituição do regime estatutário, não seria justa a vedação ao cômputo da atividade especial laborada sob condições nocivas à sua saúde, no regime geral, para fins de contagem recíproca, vez que representaria uma verdadeira penalização do segurado.
IV - Comprovada a especialidade da atividade exercida, torna-se devido o cômputo do período especial, sujeito à conversão em comum, expedindo-se a respectiva certidão por tempo de contribuição.
V- Apelação do INSS e Remessa oficial improvidas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
