
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000578-84.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DALVENI TOMAZINI
Advogado do(a) APELADO: LICELE CORREA DA SILVA FERNANDES - SP129377-N
OUTROS PARTICIPANTES:
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000578-84.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DALVENI TOMAZINI
Advogado do(a) APELADO: LICELE CORREA DA SILVA FERNANDES - SP129377-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HERBERT DE BRUYN (RELATOR): Trata-se de ação ajuizada em 26/5/17 em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, pleiteando o reconhecimento da especialidade das atividades exercidas nos períodos indicados na petição inicial e a concessão da aposentadoria especial desde a data do requerimento administrativo (8/4/16).
Foram concedidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
A sentença julgou procedente o pedido, para reconhecer a especialidade do labor exercido nos períodos de 17/12/76 a 6/1/78, 24/9/78 a 19/12/80, 27/8/79 a 3/6/81, 1º/12/81 a 30/11/82, 2/3/87 a 31/12/88, 12/5/87 a 28/12/95 e 2/1/96 a 9/2/98, bem como “para conceder ao autor o benefício de aposentadoria especial na forma da Lei 8.213/91. Tendo em vista que a parte autora formulou pedido administrativo, anterior ao ajuizamento da presente demanda, a aposentadoria especial é devida, portanto, a partir do indeferimento do pedido administrativo. O benefício deverá ser calculado de acordo com a Lei nº 8.213/91, com correção monetária pelo IPCA-E e juros de mora, pelos índices da caderneta de poupança, sobre o valor das parcelas vencidas até esta data” (ID 100826311, p. 106). O INSS foi condenado, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação.
Inconformado, apelou o INSS, requerendo, inicialmente, a apreciação da remessa oficial. No mérito, pugna pela improcedência do pedido. Subsidiariamente, requer a incidência da correção monetária nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
É o relatório.
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000578-84.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DALVENI TOMAZINI
Advogado do(a) APELADO: LICELE CORREA DA SILVA FERNANDES - SP129377-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HERBERT DE BRUYN (RELATOR): Inicialmente, segundo o art. 496, §3º, do CPC, não está sujeita à remessa necessária a sentença cuja condenação ou proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a mil salários mínimos para a União e respectivas autarquias e fundações de direito público.
No presente caso, considerando que o valor da condenação não excederá mil salários mínimos, a sentença não está sujeita à remessa necessária.
A Constituição Federal (art. 201, § 1º) assegura critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos segurados do Regime Geral da Previdência Social, na hipótese de exercício de atividades desenvolvidas sob condições especiais, capazes de prejudicar a saúde e a integridade física do trabalhador.
Criada pela Lei n. 3.807/1960 e mantida pela Lei n. 8.213/1991, a aposentadoria especial é modalidade pertinente ao tempo de contribuição, na qual o prazo para a obtenção do benefício reduz-se para 15, 20 ou 25 anos em razão de a atividade exercida habitualmente pelo trabalhador sujeitá-lo a agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou a uma associação deles, aptos a prejudicar sua saúde ou integridade física.
Originalmente, na letra da Lei n. 8.213/91, essas atividades seriam definidas por lei específica. Posteriormente, porém, a Emenda Constitucional n. 20/1998 delegou a tarefa à lei complementar, nunca editada. Por isso, diante da norma do art. 152 da Lei n. 8.213/91, aplica-se à matéria o disposto nos artigos 57 e 58 dessa Lei no que não conflitar com o texto constitucional.
Da comprovação da atividade especial
Antes da Lei n. 9.032, de 28/4/1995, a comprovação do labor em condições especiais de insalubridade fazia-se, em regra, mediante o enquadramento da profissão ou atividade profissional nos termos dispostos nos Anexos dos Decretos n. 53.831/1964 e 83.080/1979, posteriormente ratificados pelos Decretos n. 357/91 e 611/92 (STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016).
Para tanto, na hipótese de sujeição a agentes físicos, químicos ou biológicos, bastava informação, fornecida pela empresa, da presença do agente nocivo no local onde se desenvolvia a atividade.
Depois da Lei n. 9.032/1995 e até a edição do Decreto n. 2.172, de 5/3/1997, além de a atividade ou o agente nocivo precisar estar previsto nos Regulamentos, tornou-se necessário comprovar o contato com essa substância, o que se fazia pela apresentação de formulários emitidos pelo empregador, uma vez que a legislação, a esse tempo, contentava-se com estes documentos: primeiro, o “SB 40”; depois, o “DSS8030”, que o substituiu, Neles eram lançadas as informações pertinentes às atividades exercidas (RIBEIRO, Maria Helena Carreira Alvim. Aposentadoria Especial. 3ª ed. Curitiba: Ed. Juruá, 2010, p. 114)
Editado o Decreto n. 2.172, de 5/3/1997, os formulários, subscritos por médicos ou engenheiros do trabalho, precisariam, necessariamente, estar estribados em laudos periciais.
Igualmente a Medida Provisória n. 1.523, de 11/10/96, posteriormente convalidada pela MP 1.596-14, de 10/11/1997, convertida na Lei n. 9.528/97, que estipulou nova redação ao artigo 58 da Lei n. 8.213/91, reafirmou a necessidade de laudo técnico, além de estabelecer que os agentes nocivos seriam definidos por ato do Poder Executivo e instituir o perfil profissiográfico (§4º), definindo seus elementos.
O regramento do perfil profissiográfico citado no novo art. 58, § 4º, da Lei n. 8.213/91, depois denominado, no Decreto n. 4.032, de 26/11/2001, “Perfil Profissiográfico Previdenciário” (PPP), somente veio com a Instrução Normativa INSS n. 78, de 16/7/2002, que o criou formalmente, estipulando-lhe o modelo. Previsto para entrar em vigor em 1/1/2003, sua efetiva introdução, porém, só ocorreu em 1/1/2004.
Quanto à atribuição conferida ao Poder Executivo – em lugar da lei específica – de definir o rol dos agentes prejudiciais à saúde e à integridade física, ela só foi atendida com o advento do Decreto n. 2.172, de 05/03/97, que, embora enumere, somente exemplificativamente, as atividades, requer a comprovação do agente nocivo no processo produtivo, mais especificamente no meio ambiente de trabalho.
Atualmente, os agentes nocivos estão arrolados no Anexo IV do atual Regulamento da Previdência Social, o Decreto n. 3.048/99, devendo-se, no entanto, sempre apresentar o PPP, com lastro em laudo pericial.
Dito isso, tem-se, resumidamente, as regras preponderantes em relação à comprovação do labor em condições especiais, ressalvados os agentes calor e ruído, para os quais sempre se exigiu laudo:
| PERÍODO DE TRABALHO | COMPROVAÇÃO |
| Até 28.04.95 | Por mero enquadramento profissional ou pela presença dos agentes físicos, químicos ou biológicos previstos nos anexos I e II do Decreto nº 83.080/79, e anexo ao Decreto nº 53.831/64, ou Lei nº 7.850/79 (telefonista) Sem apresentação de Laudo técnico (exceto ruído e calor) |
| De 29.04.95 a 05.03.97 | Por qualquer meio de prova, principalmente pela apresentação de laudo técnico ou Formulários estipulados pelo INSS, indicativos de a prática ter-se dado, efetivamente, sob a influência de agentes nocivos constantes no Anexo I do Decreto nº 83.080/79 e Anexo do Decreto nº 53.831/64 |
| A partir de 05.03.97 | Por meio de formulários (PPP) embasados em laudos técnicos, assinados por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, que demonstrem a efetiva exposição, de forma permanente e não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais a saúde ou a integridade física. (STJ, 2ª Turma; proc. n. 201701983524; RESP 1696912; Rel. Min. HERMAN BENJAMIN; DJE DATA:19/12/2017) |
De outra parte, consoante o art. 58, § 2º, da Lei n. 8.213/91, na redação da Lei n. 9.732/98, o laudo técnico deve conter informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua observância pelo estabelecimento.
Do laudo extemporâneo
Nos termos da Súmula n. 68 da TNU é válido o laudo extemporâneo, mas somente se existirem elementos que firmem sua credibilidade. Isso porque, embora possível a prova de circunstâncias diversas, presume-se que, à época do labor, a agressão imposta pelos agentes era igual ou superior ao da data do laudo. Nesse sentido:
“CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. AGRAVO LEGAL. ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO. CONTEMPORANEIDADE DO LAUDO. DESNECESSIDADE. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A legislação previdenciária não mais exige a apresentação do laudo técnico para fins de comprovação de atividade especial, sendo que embora continue a ser elaborado e emitido por profissional habilitado, qual seja, médico ou engenheiro do trabalho, o laudo permanece em poder da empresa que, com base nos dados ambientais ali contidos, emite o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, que reúne em um só documento tanto o histórico profissional do trabalhador como os agentes nocivos apontados no laudo ambiental, e no qual consta o nome do profissional que efetuou o laudo técnico, sendo que o PPP é assinado pela empresa ou seu preposto.
2. É desnecessária a contemporaneidade do laudo pericial, ante a inexistência de previsão legal. Precedentes desta Corte”.
(TRF – 3ª. Região; 10ª Turma; APELREEX 1473887; processo n. 0009799-73.2008.4.03.6109-SP; Relatora Juíza Convocada MARISA CUCIO; publicação: TRF3 CJ1 DATA:07/03/2012)
Nesse ponto, cabe ao INSS demonstrar não refletirem, os documentos, a realidade fática.
Dos agentes biológicos
A comprovação do tempo especial em decorrência da exposição a agentes biológicos requer descrição minuciosa da atividade e do ambiente de trabalho (formulários SB-40, DIRBEN 8030 e “PPP”), de modo a permitir aferir a insalubridade.
Em relação aos agentes biológicos, a Turma Nacional de Uniformização (TNU), em sede de representativo de controvérsia, firmou as teses abaixo transcritas:
Tema 205
a) para reconhecimento da natureza especial de tempo laborado em exposição a agentes biológicos não é necessário o desenvolvimento de uma das atividades arroladas nos Decretos de regência, sendo referido rol meramente exemplificativo; b) entretanto, é necessária a comprovação em concreto do risco de exposição a microorganismos ou parasitas infectocontagiosos, ou ainda suas toxinas, em medida denotativa de que o risco de contaminação em seu ambiente de trabalho era superior ao risco em geral, devendo, ainda, ser avaliado, de acordo com a profissiografia, se tal exposição tem um caráter indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, independentemente de tempo mínimo de exposição durante a jornada (Tema 211/TNU). (publicado em 16/03/2020)
Tema 211
Para aplicação do artigo 57, §3.º, da Lei n.º 8.213/91 a agentes biológicos, exige-se a probabilidade da exposição ocupacional, avaliando-se, de acordo com a profissiografia, o seu caráter indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, independente de tempo mínimo de exposição durante a jornada. (publicado em 17/12/2019)
Dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI)
Em princípio, a neutralização do agente nocivo mediante a utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) e a adoção de medidas de proteção coletiva tendem a afastar a natureza especial da atividade. Ressalva-se, porém, o caso de ruído, hipótese em que a simples declaração de eficácia no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) não é suficiente para descaracterizar a atividade especial para fins de aposentadoria. Nesse sentido, veja-se o posicionamento firmado pelo C. Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral reconhecida no Recurso Extraordinário com Agravo n. 664.335:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ART. 201, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REQUISITOS DE CARACTERIZAÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO SOB CONDIÇÕES NOCIVAS. FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL - EPI. TEMA COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PELO PLENÁRIO VIRTUAL. EFETIVA EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS À SAÚDE. NEUTRALIZAÇÃO DA RELAÇÃO NOCIVA ENTRE O AGENTE INSALUBRE E O TRABALHADOR. COMPROVAÇÃO NO PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO PPP OU SIMILAR. NÃO CARACTERIZAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS HÁBEIS À CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL. CASO CONCRETO. AGENTE NOCIVO RUÍDO. UTILIZAÇÃO DE EPI. EFICÁCIA. REDUÇÃO DA NOCIVIDADE. CENÁRIO ATUAL. IMPOSSIBILIDADE DE NEUTRALIZAÇÃO. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES PREJUDICIAIS. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DEVIDO. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO (...) 8. O risco social aplicável ao benefício previdenciário da aposentadoria especial é o exercício de atividade em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física (CRFB/88, art. 201, § 1º), de forma que torna indispensável que o indivíduo trabalhe exposto a uma nocividade notadamente capaz de ensejar o referido dano, porquanto a tutela legal considera a exposição do segurado pelo risco presumido presente na relação entre agente nocivo e o trabalhador. 9. A interpretação do instituto da aposentadoria especial mais consentânea com o texto constitucional é aquela que conduz a uma proteção efetiva do trabalhador, considerando o benefício da aposentadoria especial excepcional, destinado ao segurado que efetivamente exerceu suas atividades laborativas em “condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”. 10. Consectariamente, a primeira tese objetiva que se firma é: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. 11. A Administração poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa, sem prejuízo do inafastável judicial review. Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete. 12. In casu, tratando-se especificamente do agente nocivo ruído, desde que em limites acima do limite legal, constata-se que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas. (...) 13. Ainda que se pudesse aceitar que o problema causado pela exposição ao ruído relacionasse apenas à perda das funções auditivas, o que indubitavelmente não é o caso, é certo que não se pode garantir uma eficácia real na eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído com a simples utilização de EPI, pois são inúmeros os fatores que influenciam na sua efetividade, dentro dos quais muitos são impassíveis de um controle efetivo, tanto pelas empresas, quanto pelos trabalhadores. 14. Desse modo, a segunda tese fixada neste Recurso Extraordinário é a seguinte: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. 15. Agravo conhecido para negar provimento ao Recurso Extraordinário”.
A regra restou bem explicitada no voto do Relator, Ministro Luiz Fux, quando este afirmou:
“(...) tratando-se especificamente do agente nocivo ruído, desde que em limites acima do limite legal, constata-se que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas. (...). Ainda que se pudesse aceitar que o problema causado pela exposição ao ruído relacionasse apenas à perda das funções auditivas, o que indubitavelmente não é o caso, é certo que não se pode garantir uma eficácia real na eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído com a simples utilização de EPI, pois são inúmeros os fatores que influenciam na sua efetividade, dentro dos quais muitos são impassíveis de um controle efetivo, tanto pelas empresas, quanto pelos trabalhadores (...)”. Asseverou, ainda: "Se atualmente prevalece o entendimento que não há completa neutralização da nocividade no caso de exposição a ruído acima do limite legal tolerável, no futuro, levando em conta o rápido avanço tecnológico, podem ser desenvolvidos equipamentos, treinamentos e sistemas de fiscalização que garantam a eliminação dos riscos à saúde do trabalhador, de sorte que o benefício da aposentadoria especial não será devido. Caso as inovações citadas sejam efetivamente criadas e implementadas, esta Suprema Corte poderá, então, rever a validade da tese para o caso específico do agente nocivo ruído."
Relativamente aos demais agentes nocivos, a jurisprudência desta Corte assentou o entendimento de que a mera informação sobre a eficácia do EPI, registrada no Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, é insuficiente para descaracterizar a sujeição do segurado aos agentes nocivos. Nesse sentido, transcrevo o julgado desta E. Corte:
“PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES BIOLOGICOS. RECONHECIMENTO PARCIAL. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. TEMPO ESPECIAL. CONVERSÃO EM COMUM. REVISÃO DEVIDA. TERMO INICIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. APELAÇÃO DO INSS CONHECIDA EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, PARCIALMENTE PROVIDA. ALTERAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA DE OFÍCIO.
(...)
10 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
(...)
16 - Importante esclarecer que, nos casos em que resta comprovada a exposição do profissional à nocividade do agente biológico, a natureza de suas atividades já revela, por si só, que mesmo nos casos de utilização de equipamentos de proteção individual, tido por eficazes, não é possível afastar a insalubridade a que fica sujeito o profissional. Precedente.
(...)
23 – Apelação do INSS parcialmente conhecida e, na parte conhecida, parcialmente provida. Alteração dos critérios de correção monetária e juros de mora de ofício.
(TRF-3ªRegião, 7ª Turma, Relator Desembargador Federal Carlos Delgado, j. em 17/10/22, p.u., DJe 28/10/22, grifos meus)
Dessa forma, consoante a aludida jurisprudência, é irrelevante, para caracterização da atividade como “especial”, informação de o EPI ser eficaz em relação aos agentes nocivos. Ele sempre será considerado insuficiente em relação ao ruído, enquanto, nos casos dos demais agentes, será necessária prova de sua efetiva neutralização (e não apenas mitigação).
Caso dos autos
1) Período: 17/12/76 a 6/1/78.
Empregadora: Hospital Psiquiátrico Vale das Hortências Ltda.
Cargo/função: Atendente de enfermagem.
Descrição das atividades: “Exercia tarefas elementares da área de Enfermagem, sob a supervisão do superior, colaborando também em atividades de apoio para a assistência aos clientes. Trabalhava em conformidade com as boas práticas, normas e procedimentos de biossegurança” (ID 100826311, p. 18).
Agentes nocivos: Agentes biológicos.
Enquadramento legal: Código 1.3.2 do Decreto nº 53.831/64 e código 1.3.4 do Decreto nº 83.080/79.
Prova(s): PPP (ID 100826311, p. 18), datados de 20/3/17.
Conclusão: Ficou demonstrado o labor em condições nocivas no período mencionado, em decorrência da exposição, habitual e permanente, a agentes biológicos.
2) Período: 24/9/78 a 19/12/80.
Empregadora: Hospital Psiquiátrico Santa Cruz Ltda.
Cargo/função: Atendente de enfermagem.
Descrição das atividades: “Exercia tarefas elementares da área de Enfermagem, sob a supervisão do superior, colaborando também em atividades de apoio para a assistência aos clientes. Trabalhava em conformidade com as boas práticas, normas e procedimentos de biossegurança” (ID 100826311, p. 19).
Agentes nocivos: Agentes biológicos.
Enquadramento legal: Código 1.3.2 do Decreto nº 53.831/64 e código 1.3.4 do Decreto nº 83.080/79.
Prova(s): PPP (ID 100826311, p. 19), datado de 20/3/17.
Conclusão: Ficou demonstrado o labor em condições nocivas no período mencionado, em decorrência da exposição, habitual e permanente, a agentes biológicos.
3) Período: 27/8/79 a 3/6/81.
Empregadora: Clínica Nossa Senhora do Carmo Ltda.
Cargo/função: Atendente de enfermagem.
Descrição das atividades: “Exercia tarefas elementares da área de Enfermagem, sob a supervisão do superior, colaborando também em atividades de apoio para a assistência aos clientes. Trabalhava em conformidade com as boas práticas, normas e procedimentos de biossegurança” (ID 100826311, p. 20).
Agentes nocivos: Agentes biológicos.
Enquadramento legal: Código 1.3.2 do Decreto nº 53.831/64 e código 1.3.4 do Decreto nº 83.080/79.
Prova(s): PPP (ID 100826311, p. 20), datado de 20/3/17.
Conclusão: Ficou demonstrado o labor em condições nocivas no período mencionado, em decorrência da exposição, habitual e permanente, a agentes biológicos.
4) Período: 1º/12/81 a 30/11/82.
Empregadora: Hospital Psiquiátrico de Pilar do Sul.
Cargo/função: Atendente de enfermagem.
Descrição das atividades: “Exercia tarefas elementares da área de Enfermagem, sob a supervisão do superior, colaborando também em atividades de apoio para a assistência aos clientes. Trabalhava em conformidade com as boas práticas, normas e procedimentos de biossegurança” (ID 100826311, p. 21).
Agentes nocivos: Agentes biológicos.
Enquadramento legal: Código 1.3.2 do Decreto nº 53.831/64 e código 1.3.4 do Decreto nº 83.080/79.
Prova(s): PPP (ID 100826311, p. 21), datado de 20/3/17.
Conclusão: Ficou demonstrado o labor em condições nocivas no período mencionado, em decorrência da exposição, habitual e permanente, a agentes biológicos.
5) Período: 2/3/87 a 31/12/88.
Empregadora: Clínica Médica de Pilar do Sul S/C Ltda.
Cargo/função: Atendente de enfermagem.
Descrição das atividades: “Exercia tarefas elementares da área de Enfermagem, sob a supervisão do superior, colaborando também em atividades de apoio para a assistência aos clientes. Trabalhava em conformidade com as boas práticas, normas e procedimentos de biossegurança” (ID 100826311, p. 22).
Agentes nocivos: Agentes biológicos.
Enquadramento legal: Código 1.3.2 do Decreto nº 53.831/64 e código 1.3.4 do Decreto nº 83.080/79.
Prova(s): PPP (ID 100826311, p. 22), datado de 20/3/17.
Conclusão: Ficou demonstrado o labor em condições nocivas no período mencionado, em decorrência da exposição, habitual e permanente, a agentes biológicos.
6) Período: 12/5/87 a 28/12/95.
Empregadora: Prefeitura Municipal de Pilar do Sul.
Cargo/função: Técnico de raio X.
Descrição das atividades: “Operar aparelhos de Raios X acionando seus comandos e observando instruções de funcionamento, para provocar a descarga de radioatividade correta; preparar equipamento, sala de exame e material averiguando condições técnicas e acessórios necessários; preparar pacientes para exame de radiologia; prestar auxílio no atendimento aos pacientes, realizando as atividades segundo normas e procedimentos de biossegurança e código de conduta; revelar chapas e filmes radiológicos, zelando pela qualidade das imagens; realizar o processamento e a documentação das imagens adquiridas; manter equipamentos e a unidade de trabalho organizada, zelando pela sua conservação e comunicando ao superior eventuais problemas. Recebia adicional de Periculosidade” (ID 100826311, p. 23).
Agentes nocivos: Agentes biológicos e radiação ionizante.
Enquadramento legal: Código 1.3.2 do Decreto nº 53.831/64 e código 1.3.4 do Decreto nº 83.080/79. Código 1.1.4 do Decreto nº 53.831/64 e código 1.1.3 do Decreto nº 83.080/79.
Prova(s): PPP (ID 100826311, p. 23/24), datado de 3/3/16.
Conclusão: Ficou demonstrado o labor em condições nocivas no período mencionado, em decorrência da exposição, habitual e permanente, a agentes biológicos e radiação ionizante.
7) Período: 2/1/96 a 9/2/98.
Empregadora: Associação da Santa Casa de Misericórdia de Pilar do Sul.
Cargo/função: Técnico de raio X.
Descrição das atividades: “Executa exames radiológicos, posicionando adequadamente o paciente e acionando o aparelho de raio – X, para atender requisições médicas, seleciona os filmes a serem utilizados, atendendo ao tipo de radiografia requisitada pelo médico, para facilitar a execução do trabalho; coloca os filmes no chassi, posicionando-os fixando letras e números radiopacos no filme, para bater as chapas radiográficas; Prepara o paciente fazendo-o vestir roupas adequadas e livrando-o de qualquer joia ou objeto de metal, para assegurar a validade do exame. Exercer as atividades e funções inerentes à profissão, de acordo com as normas técnicas. (Habitual e Permanente)” (ID 262026587, p. 1).
Agentes nocivos: Agentes biológicos e radiação ionizante.
Enquadramento legal: Código 1.3.2 do Decreto nº 53.831/64, código 1.3.4 do Decreto nº 83.080/79 e código 3.0.1 do Decreto nº 2.172/97. Código 1.1.4 do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.3 do Decreto nº 83.080/79 e código 2.0.3 do Decreto nº 2.172/97.
Prova(s): PPP (ID 262026587, p. 1/3), datado de 11/8/22.
Conclusão: Ficou demonstrado o labor em condições nocivas no período mencionado, em decorrência da exposição, habitual e permanente, a agentes biológicos e radiação ionizante.
Destarte, somando-se os períodos de atividade especial reconhecidos na presente demanda, não perfaz o autor 25 anos de tempo de atividade especial, motivo pelo qual não faz jus à concessão da aposentadoria especial, nos termos do art. 57, da Lei nº 8.213/91.
Considerando que ambas as partes foram simultaneamente vencedoras e vencidas, nos termos do art. 86 do CPC, condeno-as ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 5% (cinco por cento) do valor atualizado da causa para cada uma, observando-se, ainda, o art. 98, §3º, do CPC, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS para julgar improcedente o pedido de concessão da aposentadoria especial e fixar a verba honorária conforme acima indicado.
É o meu voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES BIOLÓGICOS. RADIAÇÃO IONIZANTE. APOSENTADORIA ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Segundo o art. 496, §3º, do CPC, não está sujeita à remessa necessária a sentença cuja condenação ou proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a mil salários mínimos para a União e respectivas autarquias e fundações de direito público. No presente caso, considerando que o valor da condenação não excederá mil salários mínimos, a sentença não está sujeita à remessa necessária.
2. A comprovação do tempo especial em decorrência da exposição a agentes biológicos requer descrição minuciosa da atividade e do ambiente de trabalho (formulários SB-40, DIRBEN 8030 e “PPP”), de modo a permitir aferir a insalubridade. Devem ser observadas, ainda, as teses fixadas nos Temas 205 e 211 pela Turma Nacional de Uniformização (TNU), em sede de representativo de controvérsia.
3. É irrelevante, para caracterização da atividade como “especial”, informação de o EPI ser eficaz em relação aos agentes nocivos. Ele sempre será considerado insuficiente em relação ao ruído, enquanto, nos casos dos demais agentes, será necessária prova de sua efetiva neutralização (e não apenas mitigação).
4. Somando-se os períodos de atividade especial reconhecidos na presente demanda, não perfaz o autor 25 anos de tempo de atividade especial, motivo pelo qual não faz jus à concessão da aposentadoria especial, nos termos do art. 57, da Lei nº 8.213/91.
5. Considerando que ambas as partes foram simultaneamente vencedoras e vencidas, nos termos do art. 86 do CPC, condeno-as ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 5% (cinco por cento) do valor atualizado da causa para cada uma, observando-se, ainda, o art. 98, §3º, do CPC, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita.
6. Apelação do INSS parcialmente provida.
