
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000143-94.2014.4.03.6105
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: VALDIR FELICIO TAVELLA
Advogado do(a) APELANTE: RENATA MARQUES QUINTEIRO QUEIROZ - SP287911-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: VALDIR FELICIO TAVELLA
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: RENATA MARQUES QUINTEIRO QUEIROZ - SP287911-A
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000143-94.2014.4.03.6105
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: VALDIR FELICIO TAVELLA
Advogado do(a) APELANTE: RENATA MARQUES QUINTEIRO QUEIROZ - SP287911-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Trata-se de ação previdenciária proposta por VALDIR FELICIO TAVELLA em face do INSS, cujos pedidos consistem em: a) declaração de inexigibilidade dos valores recebidos indevidamente, cujo montante perfaz a quantia de R$349.407,89 (trezentos e quarenta e nove mil, quatrocentos e sete reais e oitenta e nove centavos); b) suspensão dos descontos realizados administrativamente; c) devolução dos valores descontados em âmbito administrativo – ID 196337005, pág. 04//16.
A r. sentença (ID 196337005, pág. 112/116) julgou os pedidos improcedentes. Condenou a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 8°, do CPC/15, observando-se o disposto no artigo 98, §3º do CPC/2015.
Sentença não submetida ao reexame necessário.
A parte autora interpôs apelação (ID 196337005, pág. 119/125) requerendo a reforma da decisão para declarar a inexigibilidade do débito decorrente das prestações recebidas de forma irregular em decorrência de erro operacional do INSS, bem como cessação da cobrança em âmbito administrativo. Alega recebimento de boa-fé.
Com contrarrazões (ID 196337005, pág. 128/151). Subiram os autos a este E. Tribunal.
É o relatório.
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000143-94.2014.4.03.6105
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: VALDIR FELICIO TAVELLA
Advogado do(a) APELANTE: RENATA MARQUES QUINTEIRO QUEIROZ - SP287911-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Tempestivo o recurso e preenchidos os demais requisitos de admissibilidade, passo ao exame da matéria devolvida a esta Corte, sem prejuízos das matérias que eu deva, de ofício, conhecer para preservar a ordem pública e o Erário.
Consta dos autos que, em 21/05/2002, foi concedido ao autor o benefício auxílio-doença NB 127.376.944-6, posteriormente convertido em aposentadoria por invalidez NB 505.602.886-6 (DIB em 07/06/2005).
Em 21/03/2001, o autor havia pleiteado, administrativamente, aposentadoria por tempo de contribuição NB 127.244.881-6, que foi deferida, após julgamento de recurso administrativo, em 26/04/2006, com DIP fixada na data da DER, qual seja, 21/03/2001.
Assim, por erro operacional, o INSS, após concessão da aposentadoria por tempo de contribuição com data retroativa em relação aos efeitos financeiros, não procedeu ao cancelamento da aposentadoria por invalidez, tampouco abateu os valores já recebidos à título de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, o que gerou duplicidade nos pagamentos, decorrente de benefícios recebidos cumulativamente de forma ilegal (art. 124, da Lei nº 8.213/91).
Em síntese, os períodos recebidos de forma irregular são:
a) em relação ao NB 127.376.944-6 (auxílio-doença), de 21/05/2002 a 31/01/2012, totalizando R$101.675,96 - ID 196337013, pág. 43/44;
b) em relação ao NB 505.602.886-6 (aposentadoria por invalidez), de 07/06/2005 a 31/01/2012, totalizando R$247.731,93 - ID 196337013, pág. 45/47.
Insta consignar que, quando da comunicação da concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição NB 127.244.881-6, em 26/04/2006, a parte autora declarou, de próprio punho, sua opção pelo recebimento do benefício mais vantajoso, ou seja, da aposentadoria por tempo de contribuição, conforme se depreende da declaração acostada na pág. 33 (ID 196337013) do Procedimento Administrativo apenso aos autos.
No presente caso, a controvérsia dos autos restringe-se à restituição dos valores recebidos indevidamente pela parte autora e as consequências daí advindas.
Quanto à devolução dos valores recebidos indevidamente, o STJ pacificou a questão em exame de matéria repetitiva (Tema 979, STJ). A tese jurídica fixada foi a seguinte:
Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido (STJ, REsp 1381734/RN, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021).
Das deliberações sobre o julgamento em tela, é possível extrair as seguintes conclusões: a) o pagamento decorrente de interpretação errônea da lei não é suscetível de repetição; b) o pagamento decorrente de erro material ou operacional é suscetível de repetição, salvo comprovação da boa-fé do segurado; c) a exigência de comprovação da boa-fé recai sobre os processos distribuídos a partir de 23 de abril de 2021; d) quando admitida, a repetição permite o desconto do percentual de até 30% do valor do benefício do segurado.
Cabe a apreciação do marco temporal indicado na modulação de efeitos do Tema 979, do STJ, dispondo que a tese fixada somente deveria atingir os processos distribuídos, em primeira instância, a partir da publicação do acórdão em 23/04/2021. A presente ação foi distribuída anteriormente àquela data, em 08/01/2014, de modo que a tese do tema 979, do STJ não se aplica ao caso.
Neste ponto, importante esclarecer que antes desse entendimento de caráter vinculativo aos demais órgãos do Poder Judiciário, prevalecia a intelecção de que benefícios recebidos por segurado que não usava de má-fé eram irrepetíveis, em razão de seu caráter alimentar (STF – Ag.Reg. no RE com Agravo 734.242/DF, Rel. o Min. Roberto Barroso).
No caso concreto, restou demonstrada a má-fé da parte autora ao receber benefício previdenciário indevidamente, sendo de rigor o ressarcimento aos cofres públicos.
A alegada tese de boa-fé no recebimento dos valores indevidos não convence, especialmente porque o beneficiário, ciente da impossibilidade da cumulação dos benefícios, optou pelo recebimento da prestação mais vantajosa para si. Assim, o apelante teve discernimento suficiente para ponderar os benefícios em questão e optar pelo que mais lhe convinha financeiramente, afastando por completo a presunção de boa-fé.
Outrossim, constata-se da documentação juntada ao processo administrativo referente ao pedido de aposentadoria por tempo de contribuição (ID 196336069, pág. 89/91), que o apelante estava assistido por advogados na esfera administrativa, o que corrobora sua ciência quanto à ilegalidade da cumulação dos benefícios.
Desta feita, não há que se cogitar a inexigibilidade de débito pleiteada na presente demanda, sendo os valores recebidos de forma indevida repetíveis, consoante art. 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91.
Neste sentido é a jurisprudência:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE. MÁ-FÉ COMPROVADA. DEVOLUÇÃO. DESCONTOS. LIMITAÇÃO. 1. A orientação jurisprudencial deste Tribunal é no sentido de que apenas é possível a restituição de verbas indevidamente percebidas da Previdência Social, em razão de erro da administração, quando comprovada a má-fé do beneficiário. 2. Tendo restado demonstrada, para além da dúvida razoável, a má-fé da beneficiária na consecução e percepção do benefício, é devida a devolução dos valores ao INSS, limitados os descontos mensais a 30% do benefício e não podendo a renda ficar aquém do mínimo legal. (TRF4, AC 5066504-95.2017.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 05/05/2022)
PROCESSO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL A PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. REQUISITO DA HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO DEMONSTRADO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES. MÁ-FÉ. CARACTERIZAÇÃO. 1. Não comprovada a hipossuficiência do núcleo familiar, não faz jus a parte autora ao restabelecimento do benefício assistencial a portador de deficiência. 2. É devida a devolução de valores recebidos em decorrência do pagamento de benefício previdenciário quando ausentes os seus pressupostos e comprovada, pela prova dos autos, a má-fé do réu que recebeu indevidamente o auxílio-doença. (TRF 4ª Região, Apelação Cível nº 5001218-73.2014.4.04.7134/RS, Rel. Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, SEXTA TURMA, julgado em 17/05/2017).
Diante de todo o exposto, nego provimento ao apelo. Condeno a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios, que arbitro em 10% sobre o valor da causa, nos termos do § 2º do art. 85 do CPC/2015, com a majoração de 1%, em razão da sucumbência recursal, a teor do § 11 do mesmo artigo, observando-se a suspensão de exigibilidade prevista no § 3º do art. 98 do mesmo diploma legal.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. REPETIBILIDADE DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. TEMA 979 DO STJ AFASTADO. NÃO INCIDÊNCIA DA TESE NOS PROCESSOS AJUIZADOS EM DATA ANTERIOR À DECISÃO. COMPROVADA MÁ-FÉ DO BENEFICIÁRIO. RESTITUIÇÃO DOS VALORES DEVIDOS.
1. Com a modulação dos efeitos, o Tema 979 só é aplicável “aos processos que já estavam em curso, na primeira instância, a partir da divulgação desta decisão judicial", ou seja, a partir de 23/04/2021. No caso dos autos, o processo foi distribuído em 08/01/2014. Portanto, afasta-se a aplicação do tema 979, do STJ.
2. Antes desse entendimento de caráter vinculativo aos demais órgãos do Poder Judiciário, prevalecia a intelecção de que benefícios recebidos por segurado que não usava de má-fé eram irrepetíveis, em razão de seu caráter alimentar (STF – Ag.Reg. no RE com Agravo 734.242/DF, Rel. o Min. Roberto Barroso).
3. No caso dos autos, restou demonstrada a má-fé da parte autora ao receber benefício previdenciário indevidamente, sendo de rigor o ressarcimento aos cofres públicos.
4. A alegada tese de boa-fé no recebimento dos valores indevidos não convence, especialmente porque o beneficiário, ciente da impossibilidade da cumulação dos benefícios, dirigiu-se até agência do INSS e optou pelo recebimento da prestação mais vantajosa para si.
5. Outrossim, constata-se da documentação juntada no processo administrativo referente ao pedido de aposentadoria por tempo de contribuição (ID 196336069, pág. 89/91), que o apelante estava assistido por advogados na esfera administrativa, o que corrobora sua ciência quanto à ilegalidade da cumulação dos benefícios.
6. Apelo da parte autora não provido.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
