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PREVIDENCIÁRIO : LOAS. REQUISITOS CUMULATIVOS. INCAPACIDADE E MISERABILIDADE COMPROVADAS. TRF3. 0007931-78.2018.4.03.9999...

Data da publicação: 23/12/2020, 07:01:00

PREVIDENCIÁRIO: LOAS. REQUISITOS CUMULATIVOS. INCAPACIDADE E MISERABILIDADE COMPROVADAS. I - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei 8.742/1993. II - O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, atualmente, define o conceito de pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. III - Segundo a conclusão da perícia realizada em 09/01/2017 (fls. 125/137), a autora, nascida em 16/08/1959, apresenta a seguinte hipótese diagnóstica: quadro depressivo reativo à doença psiquiátrica do marido e dos maus tratos sofridos, transtorno de estresse pós-traumático, estando incapaz total e permanente para o trabalho. IV - Conforme o estudo social, a autora mora com seu esposo em uma casa cedida por sua sogra. Não possui renda própria e vive do benefício de prestação continuada auferido por seu esposo, diagnosticado com psicose, no valor de R$ 788,00 à época. As despesas com água, luz, alimentação e medicamentos ficavam em torno de R$ 470,00. Vê-se dos documentos juntados (fotografias de fls. 33/39) que a autora reside de forma precária. V - Considerando o contexto fático da situação na qual vive a parte autora, que não aufere renda, está configurada a situação de vulnerabilidade social, fazendo jus ao benefício pleiteado. Comprovados os requisitos legais necessários à concessão do benefício, a procedência da ação é de rigor. VI - Relativamente ao termo inicial do benefício, considerando o longo tempo transcorrido entre o pedido administrativo, em 13/02/2009 (fls. 55), e o ajuizamento da ação, em dezembro de 2011, bem como a ausência de prova no sentido de que a parte autora, já naquela ocasião, estava incapacitada para o trabalho, o termo inicial do benefício deve ser fixado à data da citação (14/05/2012). VII - Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, aplicam-se, (1) até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal; e, (2) na vigência da Lei nº 11.960/2009, considerando a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo Egrégio STF, no julgamento do RE nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam, (2.1) os juros moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e (2.2) a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E. VIII - Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ). XIX - Recurso provido. (TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2297344, 0007931-78.2018.4.03.9999, Rel. JUIZA CONVOCADA LEILA PAIVA, julgado em 21/10/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/12/2020)


Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 16/12/2020
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0007931-78.2018.4.03.9999/SP
2018.03.99.007931-6/SP
RELATORA:Desembargadora Federal INÊS VIRGÍNIA
APELANTE:ROSA MARIA DE SOUZA BARBOZA
ADVOGADO:SP179738 EDSON RICARDO PONTES
:SP211735 CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO
APELADO(A):Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
No. ORIG.:11.00.00187-9 1 Vr SAO PEDRO/SP

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO: LOAS. REQUISITOS CUMULATIVOS. INCAPACIDADE E MISERABILIDADE COMPROVADAS.
I - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei 8.742/1993.
II - O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, atualmente, define o conceito de pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
III - Segundo a conclusão da perícia realizada em 09/01/2017 (fls. 125/137), a autora, nascida em 16/08/1959, apresenta a seguinte hipótese diagnóstica: quadro depressivo reativo à doença psiquiátrica do marido e dos maus tratos sofridos, transtorno de estresse pós-traumático, estando incapaz total e permanente para o trabalho.
IV - Conforme o estudo social, a autora mora com seu esposo em uma casa cedida por sua sogra. Não possui renda própria e vive do benefício de prestação continuada auferido por seu esposo, diagnosticado com psicose, no valor de R$ 788,00 à época. As despesas com água, luz, alimentação e medicamentos ficavam em torno de R$ 470,00. Vê-se dos documentos juntados (fotografias de fls. 33/39) que a autora reside de forma precária.
V - Considerando o contexto fático da situação na qual vive a parte autora, que não aufere renda, está configurada a situação de vulnerabilidade social, fazendo jus ao benefício pleiteado. Comprovados os requisitos legais necessários à concessão do benefício, a procedência da ação é de rigor.
VI - Relativamente ao termo inicial do benefício, considerando o longo tempo transcorrido entre o pedido administrativo, em 13/02/2009 (fls. 55), e o ajuizamento da ação, em dezembro de 2011, bem como a ausência de prova no sentido de que a parte autora, já naquela ocasião, estava incapacitada para o trabalho, o termo inicial do benefício deve ser fixado à data da citação (14/05/2012).
VII - Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, aplicam-se, (1) até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal; e, (2) na vigência da Lei nº 11.960/2009, considerando a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo Egrégio STF, no julgamento do RE nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam, (2.1) os juros moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e (2.2) a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E.
VIII - Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ).
XIX - Recurso provido.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 21 de outubro de 2019.
LEILA PAIVA
Juíza Federal Convocada


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0007931-78.2018.4.03.9999/SP
2018.03.99.007931-6/SP
RELATORA:Desembargadora Federal INÊS VIRGÍNIA
APELANTE:ROSA MARIA DE SOUZA BARBOZA
ADVOGADO:SP179738 EDSON RICARDO PONTES
:SP211735 CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO
APELADO(A):Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
No. ORIG.:11.00.00187-9 1 Vr SAO PEDRO/SP

DECLARAÇÃO DE VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora pugnando pela reforma da sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial de prestação continuada.
Levado a julgamento em 29/04/2019, a Relatora, Juíza Federal Convocada Leila Paiva, deu provimento à apelação da parte autora, sendo acompanhada pelo Des. Federal Toru Yamamoto. Na sequência, pedindo vênia à Relatora, votei no sentido de negar provimento à apelação, pelas razões a seguir expostas.
Entendo que não restou demonstrado o requisito da miserabilidade, uma vez que a autora, portadora de quadro depressivo reativo a doença psiquiátrica do marido, com ele reside em casa cedida pela sogra e vivem da renda obtida por benefício de prestação continuada recebido pelo marido, sendo apontado, no estudo social, o auxílio financeiro do filho.
Por certo que nos termos do § 1o do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Nesse sentido, aliás, a decisão proferida pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), datada de 23 de fevereiro de 2017, em sede de pedido de uniformização de jurisprudência formulado pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, que firmou posicionamento no sentido que "o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção".
Dessa forma, depreende-se do estudo social que há possibilidade das suas necessidades básicas serem supridas pelo núcleo familiar. Enfatizo que o benefício assistencial não se presta à complementação de renda.
Diante do conjunto probatório que se apresenta nos presentes autos, com a devida vênia da Relatora, entendo que não restaram preenchidos os requisitos necessários à concessão do benefício, ante a ausência do requisito de miserabilidade.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
Por esses fundamentos, nego provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação.
É como voto

PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0007931-78.2018.4.03.9999/SP
2018.03.99.007931-6/SP
RELATORA:Desembargadora Federal INÊS VIRGÍNIA
APELANTE:ROSA MARIA DE SOUZA BARBOZA
ADVOGADO:SP179738 EDSON RICARDO PONTES
:SP211735 CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO
APELADO(A):Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
No. ORIG.:11.00.00187-9 1 Vr SAO PEDRO/SP

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA LEILA PAIVA (RELATORA): Trata-se de apelação interposta por ROSA MARIA DE SOUZA BARBOZA em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício assistencial.

A r. sentença julgou improcedente o pedido inicial e condenou a parte autora no pagamento dos ônus da sucumbência, suspensa a exigibilidade em razão dos benefícios da assistência judiciária gratuita.

Em suas razões de apelação pugna pela sua reforma da sentença, alegando estarem satisfeitos os requisitos necessários à concessão do benefício pleiteado.

Regularmente processado o feito, sem contrarrazões, os autos subiram a este Eg. Tribunal.

Certificado pela Subsecretaria da Sétima Turma que a apelação foi interposta no prazo legal e, ainda, que a parte autora é beneficiária da justiça gratuita.

O MPF opinou pela decretação de nulidade da sentença, ante a ausência de intimação do Parquet em primeiro grau, restando prejudica o recurso.

É o relatório.


VOTO

A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA LEILA PAIVA (RELATORA): Recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e, em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação nos termos do artigo 1.011 do Codex processual.

Consigno que a manifestação com relação à ausência de participação do Parquet limitou-se a apontar a ocorrência de prejuízo, ante o julgamento de improcedência do pedido.

Quanto a essa questão, é do entendimento da Corte superior que a falta de intervenção do órgão ministerial em primeiro grau pode ser suprida pela atuação deste em grau recursal, oportunidade em que deverá dispor sobre o mérito da causa.

Confira-se, por oportuno:

"PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. MASSA FALIDA. NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. REDIRECIONAMENTO PARA O SÓCIO-GERENTE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. SÚMULA 07 DO STJ. SUPERVENIENTE DECRETAÇÃO DE FALÊNCIA. EXCLUSÃO DA MULTA MORATÓRIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. 1. A intervenção do Ministério Público nas ações promovidas pro et contra a massa falida é indispensável e encontra-se insculpida no art. 210 do Decreto-Lei 7.661/45. (Precedentes: AgRg no REsp 665.414/PR, DJ 10/09/2007; EDcl no REsp 139.207/RJ, DJ 11/09/2006; REsp 614262/RJ, DJ 14/02/2005; AR 376/SP, DJ de 17.10.1994; REsp 28.529/SP, DJ de 26.08.2002) 2. A ausência de intervenção do representante do Parquet em primeira instância é relevada quando este se manifesta em segunda instância, sem argüição concreta de prejuízo ou nulidade, o que ocorreu in casu, às fls. 360 dos autos. (Precedentes: REsp 803.897/SC, DJe 05/03/2008; EDcl no REsp 235.679/SP, DJ 18/05/2007; REsp 308662/SC, DJ 01/12/2003; REsp 241813/SP, DJ 04/02/2002).
(...)"
(STJ, RESP 200602466695, Primeira Turma, Relator Ministro Luiz Fux, j. 20/08/2009; DJE 10/09/2009)

Por conseguinte, é de ser afastada a preliminar aventada pelo Parquet Federal.

Passo, pois, ao exame do recurso de apelação da parte.

O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei 8.742/1993.

O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as demais pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se de benefício assistencial, não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja segurado do INSS ou desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a comprovação da hipossuficiência própria e/ou familiar.

O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas com deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição de 1988, que hospedou em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores éticos, com previsão de tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças.

Concebida dentro de uma perspectiva do Estado Social de Direito, a Constituição valoriza e protege os direitos sociais básicos, estabelece normas pragmáticas, enfim, apresenta conteúdo contrário ao de uma Constituição do Estado Liberal, afastando-se do repouso, do formalismo e do divórcio entre Estado e Sociedade.

A dignidade humana permeia todas as matérias constitucionais, sendo um valor supremo. E a cidadania não se restringe ao seu conteúdo formal, sendo a legitimidade do exercício político pelos indivíduos apenas uma das vertentes da cidadania, que é muito mais ampla e tem em seu conteúdo constitucional a legitimidade do exercício dos direitos sociais, culturais e econômicos.

Os Princípios Fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, voltados para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivando a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais, dão suporte às normas públicas voltadas ao amparo de pessoas em situação de miséria.

A estrutura do Estado brasileiro insculpida no texto constitucional está informada pelos direitos e valores nela declarados, que necessitam de permanente conformação com às demandas sociais. Como destaca Paulo Bonavides, seguindo o norte das constituições democráticas, a Constituição brasileira carrega traços do conflito, dos conteúdos dinâmicos, do pluralismo, da tensão sempre renovada entre igualdade e a liberdade.

É com esse espírito que o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V da Carta deve ser compreendido.

O § 2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, define pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

O conceito adotado pela ONU (Organização das Nações Unidas), na Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ingressou formalmente no ordenamento pátrio com a ratificação desta Convenção e promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009. Em 2015, com a Lei 13.146/2015, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado. A norma preceitua que as barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", não precisam se "somar", bastando a presença de única limitação. Ao mesmo tempo, verifica-se que as limitações de que trata a Lei atual ampliam a noção de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida independente, eis que devem ser considerados, também, para a perfeita análise da situação de vulnerabilidade do requerente, fatores sociais e o meio em que a pessoa com deficiência vive, isto é, um conjunto de circunstâncias capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele que necessita de proteção social.

Nesse sentido, as avaliações de que trata o §6º do artigo 20, que sujeita a concessão do benefício às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e pessoais a que está sujeito.

Insta salientar, ainda, que o fato de a incapacidade ser temporária não impede a concessão do benefício, nos termos da Súmula 48 da TNU:

"A incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada".

No que diz respeito ao requisito socioeconômico, o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, em linhas gerais, considera como hipossuficiente para consecução deste benefício pessoa cuja renda por pessoa do grupo familiar seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.

Andou bem o legislador, ao incluir o § 11 no artigo 20, com a publicação da Lei 13.146/2015, normatizando expressamente a possibilidade de comprovação da miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade do requerente por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar.

Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício, consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade que a renda per capita sugere: Precedentes do C. STJ: AgRg no AREsp 319.888/PR, 1ª Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE 03/02/2017; AgRg no REsp 1.514.461/SP, 2ª Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 24/05/2016; REsp 1.025.181/RS, 6ª Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE 29/09/2008).

Para efeito da mensuração da renda per capita, o Regulamento do Benefício de Prestação Continuada, instituído pelo Decreto nº 6.214/2017, definiu Grupo Familiar em seu artigo 4º, assim dispondo:

Art. 4º. Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se:
(...)
V- família para cálculo da renda per capita: conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto;
(...)

Mencionado artigo também normatizou, em seu inciso VI e § 2º, as rendas que poderão ser excluídas no cômputo da renda familiar, bem como as que devem ser consideradas nesse cálculo, vejamos:

(...)
VI - renda mensal bruta familiar: a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos membros da família composta por salários, proventos, pensões, pensões alimentícias, benefícios de previdência pública ou privada, seguro-desemprego, comissões, pro-labore, outros rendimentos do trabalho não assalariado, rendimentos do mercado informal ou autônomo, rendimentos auferidos do patrimônio, Renda Mensal Vitalícia e Benefício de Prestação Continuada, ressalvado o disposto no parágrafo único do artigo 19.
(...)
§ 2º - Para fins do disposto no inciso VI do caput, não serão computados como renda mensal bruta familiar:
I - benefícios e auxílios assistenciais de natureza eventual e temporária;
II - valores oriundos de programas sociais de transferência de renda;
III - bolsas de estágio supervisionado;
IV - pensão especial de natureza indenizatória e benefício de assistência médica, conforme disposto no art. 5º;
V - rendas de natureza eventual ou sazonal, a serem regulamentadas em ato conjunto do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do INSS; e
VI - rendimentos decorrentes de contrato de aprendizagem.
(...)

Por fim, cabe uma última ponderação, que é a consideração feita ao artigo 19, mencionado no inciso VI do artigo supracitado:

Art. 19. O Benefício de Prestação Continuada será devido a mais de um membro da mesma família enquanto atendidos os requisitos exigidos neste Regulamento.
Parágrafo único. O valor do Benefício de Prestação Continuada concedido a idoso não será computado no cálculo da renda mensal bruta familiar a que se refere o inciso VI do art. 4º, para fins de concessão do Benefício de Prestação Continuada a outro idoso da mesma família.

De acordo com esse artigo, se algum dos membros do Grupo Familiar receber igual benefício assistencial, referido benefício deve ser excluído da renda per capita familiar.

O STJ, em sede de Recurso Repetitivo, já sedimentou o entendimento de que a mesma regra deve ser aplicada, por analogia, também para quando houver benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo.

Vejamos:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA . IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008. (STJ, REsp nº 1.355.052/SP, Primeira Seção, Ministro Relator BENEDITO GONÇALVES, DJe 05/11/2015).

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RENDA PER CAPITA FAMILIAR. EXCLUSÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO RECEBIDO POR IDOSO QUE FAÇA PARTE DO NÚCLEO FAMILIAR. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 10.741/03 (ESTATUTO DO IDOSO). ENTENDIMENTO ASSENTADO NO JULGAMENTO DO RESP N. 1.355.052/SP, JULGADO SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC. 1. A Primeira Seção, no julgamento do REsp n. 1.355.052/SP, sob o regime dos recursos repetitivos do artigo 543-C do Código de Processo Civil, firmou o entendimento de que: "Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93". 2. Agravo regimental não provido. ..EMEN:(STJ, AgRg no AResp 332.275/RS, 1ª Turma, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, 07/12/2015).

Nesse sentido, os julgados desta C. Corte Regional (7ª Turma, Ap 2015.03.99.030993-0, Rel. Des. Fed. Carlos Delgado, DJ 24/10/2016; 7ª Turma, Ap 2014.03.00.013459-1, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, DJ 27/04/2017; 8ª Turma, ApReeNec2013.61.39.001566-7, Rel. Des. Fed. Tania Marangoni, e-DJF3 04/09/2017).

CASO CONCRETO

Segundo a conclusão da perícia realizada em 09/01/2017 (fls. 125/137), a autora, nascida em 16/08/1959, apresenta a seguinte hipótese diagnóstica: quadro depressivo reativo à doença psiquiátrica do marido e dos maus tratos sofridos, transtorno de estresse pós-traumático, estando incapaz total e permanente para o trabalho.

De outro lado, a situação de hipossuficiência da parte autora restou demonstrada pela conclusão do estudo social (fls. 95/96).

Segundo consta, a autora mora com seu esposo em uma casa cedida por sua sogra. Não possui renda própria e vive do benefício de prestação continuada auferido por seu esposo, diagnosticado com psicose, no valor de R$ 788,00 à época. As despesas com água, luz, alimentação e medicamentos ficavam em torno de R$ 470,00. Vê-se dos documentos juntados (fotografias de fls. 33/39) que a autora reside de forma precária.

Ao negar o benefício pleiteado, considerou o Juízo de primeiro grau a observação contida no estudo social, de que a autora teria mencionado que o filho a ajuda quando necessário. Não obstante, essa informação é insuficiente a justificar o afastamento do benefício, mesmo porque, pelo relato da assistente social e pelo laudo da perícia médica, constata-se a necessidade da autora e de seu esposo da assistência do Estado.

Considerando o contexto fático da situação na qual vive a parte autora, que não aufere renda, está configurada a situação de vulnerabilidade social, fazendo jus ao benefício pleiteado.

Portanto, comprovados os requisitos legais necessários à concessão do benefício, a procedência da ação é de rigor.

Relativamente ao termo inicial do benefício, considerando o longo tempo transcorrido entre o pedido administrativo, em 13/02/2009 (fls. 55), e o ajuizamento da ação, em dezembro de 2011, bem como a ausência de prova no sentido de que a parte autora, já naquela ocasião, estava incapacitada para o trabalho, o termo inicial do benefício deve ser fixado à data da citação (14/05/2012).

Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, aplicam-se, (1) até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal; e, (2) na vigência da Lei nº 11.960/2009, considerando a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo Egrégio STF, no julgamento do RE nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam, (2.1) os juros moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e (2.2) a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E.

Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ).

Ante o exposto, dou provimento ao recurso para julgar procedente a ação e condenar o INSS ao pagamento do benefício assistencial à parte autora, nos termos expendidos.

É o voto.

Independentemente do trânsito em julgado, determino, com base no artigo 497 do CPC/2015, a expedição de e-mail ao INSS, instruído com cópia dos documentos da segurada ROSA MARIA DE SOUZA BARBOZA, para que cumpra a obrigação de fazer consistente na imediata implantação do benefício assistencial - LOAS, com data de início (DIB) em 14/05/2012, e renda mensal a ser calculada de acordo com a legislação vigente.

OFICIE-SE.



LEILA PAIVA
Juíza Federal Convocada


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