Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2288233 / SP
0000978-98.2018.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
27/05/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/06/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO: LOAS. REQUISITOS SATISFEITOS. MORADOR EM SITUAÇÃO DE RUA
PORTADOR DE EPILEPSIA. TRAUMATISMO CRANIANO COM SEQUELAS E HIV. DOENÇA
E CIRCUNSTÂNCIAS ESTIGMATIZANTES.
1 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
2 - O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas
portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família. O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, atualmente, define o conceito
de pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas.
3 - A autora, com 47 anos de idade, mora sozinha, embaixo da ponte, onde fechou um espaço
com lona e madeira compensada, servindo de abrigo e um espaço aberto usando a coluna da
ponte como parede de cozinha. Não existe banheiro e, em momento de necessidade, usa a
mata como banheiro. Possui os seguintes móveis: uma mesa de madeira, um jogo de sofá, uma
cama de solteiro, uma geladeira usada como armário, cadeira de fio e um armário. Não possui
energia elétrica, utilizando bateria para rádio e luz noturna. Utiliza a água do rio grande.
Destaca que o pagamento de algumas despesas com gás e alimentos é feito pela filha que
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
reside em outro município e com a ajuda de um vizinho próximo. A autora não dispõe de
nenhuma renda (fls. 101/110).
4. É certo que o exame médico realizado pelo perito oficial constatou que a parte autora é
portadora de doença pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), epilepsia e traumatismo
craniano com sequelas, mas não está incapacitada para o exercício da atividade laboral.
5. Ocorre que o magistrado não está adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme
dispõem o artigo 436 do CPC/1973 e o artigo 479 do CPC/2015, devendo considerar também
aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, como no caso dos portadores
do vírus HIV, ainda que assintomáticos.
6. No caso, a idade da parte autora aliada às condições pessoais e circunstâncias que norteiam
o caso concreto, denotam a incompatibilidade do exercício de labor com as suas condições de
saúde, na medida em que o exercício de atividades extenuantes podem rebaixar o quadro
imunológico, assim como a obrigatoriedade de desempenho, que gera estresse.
7. Ademais, não se pode ignorar que em ambientes de trabalho, são maiores a estigmatização
social e a discriminação sofridas pelos portadores do vírus HIV, que acabam sendo preteridos
nos processos de seleção para admissão no trabalho, ainda mais considerando que, nessa
área, há muita mão-de-obra disponível.
8. Assim, não obstante a conclusão negativa do perito judicial, mas considerando as
dificuldades enfrentadas pelos soropositivos para se recolocarem no mercado de trabalho em
razão do preconceito, os riscos que representam para a integridade da parte autora o exercício
de atividades extenuantes e o fato de ter se dedicado a atividades laborais tão penosas
(empregada doméstica e serviços gerais na lavoura), há que se reconhecer a incapacidade.
9. Ademais, além do vírus do HIV, a parte autora também é portadora de epilepsia e apresenta
sinais de traumatismo intracraniano e sequelas decorrentes desse quadro, enfermidades que,
aliadas às condições pessoais da autora, evidenciam não haver possibilidade de se recolocar
no mercado de trabalho, na atividade de doméstica ou rurícola, que exercia.
10. A epilepsia ocasiona crises convulsivas, perda momentânea da memória e descontrole
motor que impedem o seu portador de exercer atividades laborativas como lavrador, caso da
autora, já que nas lides do campo, muitas vezes faz-se necessário o manuseio de instrumentos
cortantes (ex: enxada), colocando em risco a integridade física do trabalhador acometido desse
mal, caso tenha uma crise convulsiva durante o trabalho.
11. Há que se considerar, ainda, que, além das moléstias que a acometem, a autora está em
situação de rua e, portanto, possui menos que o necessário para assegurar as necessidades
fundamentais do ser humano, sofrendo o preconceito e a discriminação em razão das
condições de higiene, uso de vestimentas sujas, falta de banho, etc, circunstância agravada por
ser portadora de moléstia socialmente estigmatizante como o HIV.
12. Não cabe aqui perquirir sobre as razões que levaram a autora para a situação em que hoje
se encontra, mas sim, se, nas condições apresentadas, satisfaz os requisitos legais necessários
à concessão do benefício assistencial.
13. Cabe ao magistrado, na valoração da prova, encontrar a verdade que tenha sido
demonstrada no processo através dos elementos de prova fornecidos, consoante preconizado
no artigo 371 do CPC/2015.
14. Considerando que a incapacidade para a vida independente não é só aquela que impede as
atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilidade de prover seu próprio
sustento, estão comprovados os requisitos legais necessários à concessão do benefício.
15. O termo inicial do benefício fica fixado a partir de 18/05/2014 (fl. 27), ressalvadas eventuais
parcelas alcançadas pela prescrição quinquenal
16. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, portanto, aplicam-se, (1) até a
entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça
Federal; e, (2) na vigência da Lei nº 11.960/2009, considerando a natureza não-tributária da
condenação, os critérios estabelecidos pelo Egrégio STF, no julgamento do RE nº 870.947/SE,
realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam, (2.1) os juros
moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos
termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009;
e (2.2) a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial -
IPCA-E.
17. Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10%
do valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ).
18. Recurso provido para julgar procedente a ação e condenar o INSS a pagar a Mariza Izabel
dos Santos Semensato o benefício de prestação continuada previsto no artigo 203, inciso V, da
CF, nos termos expendidos.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.