D.E. Publicado em 22/08/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, decidiu julgar procedente a ação rescisória para, em juízo rescindente, com fundamento no artigo 485, inciso V, do CPC/73, desconstituir a decisão monocrática e, em juízo rescisório, julgar procedente o pedido de concessão do benefício assistencial, nos termos do voto da Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora). Acompanharam-na os Desembargadores Federais DAVID DANTAS, GILBERTO JORDAN, PAULO DOMINGUES, BAPTISTA PEREIRA, MARISA SANTOS e, em ampliação de quórum, SÉRGIO NASCIMENTO, TORU YAMAMOTO, TÂNIA MARANGONI e NELSON PORFIRIO. Vencidos os Desembargadores Federais CARLOS DELGADO e INÊS VIRGÍNIA e o Juiz Federal Convocado RODRIGO ZACHARIAS, que julgavam improcedente a ação rescisória.
Desembargadora Federal Relatora
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | MARIA LUCIA LENCASTRE URSAIA:10063 |
Nº de Série do Certificado: | 1B1C8410F7039C36 |
Data e Hora: | 13/08/2018 18:12:16 |
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0030143-69.2008.4.03.0000/SP
DECLARAÇÃO DE VOTO
A ilustre Desembargadora Federal Relatora, Lucia Ursaia, em seu fundamentado voto, julgou procedente o pedido da ação rescisória para, em juízo rescindente, com fundamento no artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil de 1973, desconstituir a decisão monocrática da 8ª Turma desta Corte, proferida na Apelação Cível nº 2005.61.23.000664-3, e, em juízo rescisório, julgou procedente o pedido de concessão do benefício assistencial, a partir da data da citação da autarquia na ação subjacente, com juros de mora e correção monetária sobre as prestações vencidas, além de honorários advocatícios.
Ouso, porém, com a máxima vênia, apresentar divergência, pelas razões que passo a expor.
A ação rescisória é o remédio processual do qual a parte dispõe para invalidar decisão de mérito transitada em julgado, dotada de autoridade imutável e indiscutível. Nessas condições, o que ficou decidido vincula os litigantes. Esse mecanismo autoriza o apontamento de imperfeições no julgado; seu objetivo é anular ato estatal com força de lei entre as partes.
A solução da presente lide reclama a análise dos alegados violação literal à disposição de lei e erro de fato.
À luz do disposto no artigo 485, inciso V do CPC/73, então vigente quando do julgamento da ação originária, a doutrina sustenta ser questão relevante saber se a decisão rescindenda qualifica os fatos por ela julgados de forma inadequada, a violar, implícita ou explicitamente, literal disposição de lei.
Ensina Flávio Luiz Yarshell: "Tratando-se de error in iudicando ainda paira incerteza acerca da interpretação que se deve dar ao dispositivo legal. Quando este fala em violação a 'literal' disposição de lei, em primeiro lugar, há que se entender que está, aí, reafirmando o caráter excepcional da ação rescisória, que não se presta simplesmente a corrigir injustiça da decisão, tampouco se revelando simples abertura de uma nova instância recursal, ainda que de direito. Contudo, exigir-se que a rescisória caiba dentro de tais estreitos limites não significa dizer que a interpretação que se deva dar ao dispositivo violado seja literal, porque isso, para além dos limites desse excepcional remédio, significaria um empobrecimento do próprio sistema, entendido apenas pelo sentido literal de suas palavras. Daí por que é correto concluir que a lei, nessa hipótese, exige que tenham sido frontal e diretamente violados o sentido e o propósito da norma". (g.n.,in: Ação rescisória . São Paulo: Malheiros, 2005, p. 323)
A jurisprudência também caminha no mesmo sentido: "Para que a ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC prospere, é necessário que a interpretação dada pelo 'decisum' rescindendo seja de tal modo aberrante que viole o dispositivo legal em sua literalidade. Se, ao contrário, o acórdão rescindendo elege uma dentre as interpretações cabíveis, ainda que não seja a melhor, a ação rescisória não merece vingar, sob pena de tornar-se recurso ordinário com prazo de interposição de dois anos". (grifei, RSTJ 93/416)
Sobre o erro de fato, preleciona a doutrina (n. g.):
"Prosseguem os §§ 1º e 2º dispondo que há erro de fato quando a sentença admitir um fato inexistente ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido. É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato.
O texto é de difícil compreensão. Se não houve pronunciamento judicial sobre o fato, como é possível ter havido o erro? O erro é exatamente o acolhimento de um fato inexistente como existente, ou o contrário. O que a lei quer dizer, porém, é o seguinte: o erro de fato, para ensejar a rescisória, não pode ser aquele que resultou de uma escolha ou opção do juiz diante de uma controvérsia. O erro, no caso relevante, é o que passou despercebido pelo juiz, o qual deu como existente um fato inexistente ou vice-versa. Se a existência ou inexistência do fato foi ponto controvertido e o juiz optou por uma das versões, ainda que erradamente, não será a rescisória procedente. E tal restrição tem razão de ser. Os graus de jurisdição, os recursos, têm por finalidade precípua a resolução de fatos controvertidos, de modo que, se qualquer erro pudesse tornar a sentença rescindível, ficaria seriamente abalada a estabilidade propiciada pela coisa julgada. O erro de fato refere-se, apenas, a questões não resolvidas pelo juiz. Porque também, mesmo sem ter havido controvérsia, se o juiz examinou a questão explicitamente e concluiu que tal fato existia, ou não, a sentença permanece." (GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro, 11. ed., v. II, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 426-427).
No caso, como bem narrado pela Relatora, a parte autora sustenta que preenche todos os requisitos para a concessão do benefício assistencial, mormente porque a renda do marido é insuficiente para garantir a sua sobrevivência, conforme demonstra o relatório social.
Aduz que o fato de seu marido receber aposentadoria no valor de um salário mínimo não impede a concessão do benefício para si. Argumenta que é pessoa simples, mal sabe escrever o nome e conta com mais de 65 anos de idade, estando amparada pelo Estatuto do Idoso e pela solução "pro misero".
Exora a rescisão do julgado e o reconhecimento do seu direito ao recebimento do benefício assistencial.
Todavia, a interpretação levada a efeito na decisão monocrática (f. 55/57) rescindenda não pode ser qualificada de aberrante ou despropositada, a ponto de ser rescindida com base na "violação à literal disposição de lei", nem cometeu qualquer erro de fato.
Explico.
A respeito do requisito da miserabilidade exigido para a concessão do BA, o tema foi levado à apreciação do Pretório Excelso por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pelo Procurador Geral da República, quando, em meio a apreciações sobre outros temas, decidiu que o benefício do art. 203, inciso V, da CF só pode ser exigido a partir da edição da Lei n.° 8.742/93.
Trata-se da ADIN 1.232-2, de 27/08/98, publicada no DJU de 1/6/2001, Pleno, Relator Ministro Maurício Correa, RTJ 154/818, ocasião em que o STF reputou constitucional a restrição conformada no § 3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93.
Ao depois, em controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal manteve o entendimento (vide RE 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, informativo STF n.° 179; RE 256.594-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 28/4/2000, Informativo STF n.° 186; RE n.° 280.663-3, São Paulo, j. 06/09/2001, relator Maurício Corrêa).
Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, considerou que a presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova (REsp n. 435.871, 5ª Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT., Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento ao reconhecer que o requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013). Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Sendo assim, ao menos desde 14/11/2013 (RE 580963), o critério da miserabilidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente.
Mas, em 2005, quando proposta a ação previdenciária em face do INSS, a matéria ainda era, na pior das hipóteses, controvertida, e submetida aos efeitos "erga omnes" de uma ADIN.
A rigor, sequer controvertida era a questão porque, a despeito de escritos doutrinários em sentido contrário, o Supremo Tribunal Federal consolidara o entendimento no sentido da constitucionalidade do artigo 20, § 3º, da LOAS.
Por isso mesmo, não se entremostra possível decretar a violação à literal disposição de lei no caso, pois a interpretação dada no julgado proferido na ação subjacente não pode ser considerada aberrante ou despropositada, inserindo-se dentro das interpretações possíveis do fenômeno fático trazido a julgamento.
Em última análise, o julgado rescindendo aplicou uma norma jurídica considerada constitucional pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em julgamento com efeitos erga omnes, não podendo, por isso, ser considerada como violadora da lei.
Consequentemente, parece-me que, no caso, deve prevalecer a Súmula nº 343 do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que "não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais".
Ou seja, aplica-se a súmula 343 do STF ao caso, ainda que se trate de matéria constitucional, isso porque o STF mudou entendimento pretérito. Daí a impossibilidade de rescisão, conforme balizas fixadas pelo próprio Plenário do STF no julgamento, com repercussão geral, do Recurso Extraordinário nº 590.809/RS.
Em outras palavras, quando o Pretório Excelso altera sua jurisprudência, em Plenário, não há possibilidade de rescisão de julgamentos pretéritos baseados no antigo entendimento, sob pena de fomento a indesejáveis litigiosidade e insegurança jurídica, contexto que vai ao encontro de insólito brocardo atribuído ao antigo ministro da Fazenda Pedro Malan, in verbis: "No Brasil até o passado é incerto".
Noutro passo, não há falar-se em erro de fato, porquanto não configurados os requisitos de tal hipótese de rescisão.
Em derradeiro, ad argumentandum tantum, ainda que se considere viável a procedência do pedido de concessão do benefício, o termo inicial não poderia ser fixado na data da citação da autarquia previdenciária na ação subjacente.
É que o benefício assistencial devido deve ser revisto a cada 2 (dois) anos, nos termos do artigo 21 da Lei n. 8.742/93, não havendo prova da miserabilidade no interstício no longo interstício de 2005 até a presente data. De fato, não há qualquer elemento probatório nos autos apto a propiciar a continuidade do direito ao benefício por tão longo período, sem que fosse possível viabilizar, durante o período de tramitação da rescisória, novos estudos sociais aptos a comprovar a continuidade da hipossuficiência
Digno de nota é que só posteriormente, ou seja, em 2013, vários anos após a propositura da apresente ação rescisória, o Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento ao reconhecer que o requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
Assim, lícito é inferir que, por ocasião da propositura da ação em 2005, o INSS não poderia conceder o benefício, haja vista que a Administração Pública não pode declarar a inconstitucionalidade de norma jurídica (in casu, a Lei nº 8.742/93), ainda mais se considerada constitucional pelo STF em controle abstrato de constitucionalidade. Clássica é a lição de Hely Lopes Meirelles:
"Na Administração Pública, não há espaço para liberdades e vontades particulares, deve, o agente público, sempre agir com a finalidade de atingir o bem comum, os interesses públicos, e sempre segundo àquilo que a lei lhe impõe, só podendo agir secundum legem. Enquanto no campo das relações entre particulares é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe (princípio da autonomia da vontade), na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei, define até onde o administrador público poderá atuar de forma lícita, sem cometer ilegalidades, define como ele deve agir." (MIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30. Ed. São Paulo: Malheiros, 2005).
Daí que, em caso de procedência, uma solução plausível seria a concessão do BA somente a partir de 14/11/2013 (data da repercussão geral no RE n. 580963 - vide supra) quando exsurgiu fato novo apto a influenciar o resultado da ação. Todavia, ante a ausência de comprovação da miserabilidade desde 2005, ante a obrigatoriedade da revisão a cada 2 (dois) anos, e ante o recebimento de pensão por morte pela parte autora a contar de 26/5/2013 (NB 163.518.184-1), da mesma forma afigurar-se-ia inviável tal solução.
Pelo exposto, julgo improcedente a ação rescisória.
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado, aqui arbitrados em R$ 1.000,00 (um mil reais), na forma do artigo 85, § 8º, do CPC, cuja exigibilidade fica suspensa, segundo a regra do artigo 98, § 3º, do mesmo código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
É o voto.
Juiz Federal Convocado
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | RODRIGO ZACHARIAS:10173 |
Nº de Série do Certificado: | 11A21709124EAE41 |
Data e Hora: | 17/07/2018 13:53:06 |
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0030143-69.2008.4.03.0000/SP
RELATÓRIO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Trata-se de ação rescisória ajuizada por Maria Madalena de Barros em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com fundamento no artigo 485, do Código de Processo Civil/1973, visando à desconstituição de decisão monocrática (fls. 55/57) que, ao negar seguimento aos seus embargos de declaração, manteve a decisão monocrática anterior (fls. 47/51), que deu provimento à apelação do INSS e julgou improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial.
Alega a parte autora que preenche todos os requisitos para a concessão do benefício assistencial uma vez que a renda do marido é insuficiente para garantir a sua sobrevivência, conforme demonstra o relatório social. Além disso, o fato de seu marido receber aposentadoria no valor de um salário mínimo não impede a concessão do benefício para si. Argumenta que é pessoa simples, mal sabe escrever o nome e conta com mais de 65 anos de idade, estando amparada pelo Estatuto do Idoso e pela solução "pro misero". Assim, postula a rescisão do julgado e o reconhecimento do seu direito ao recebimento do benefício assistencial.
Foram deferidos à autora os benefícios da assistência judiciária gratuita e a dispensa de efetuar o depósito prévio previsto no art. 488, II, do CPC/1973 (fl. 61).
Regularmente citada (fls. 65/66), a autarquia-ré apresentou contestação (fls. 68/78), alegando o não cabimento da ação rescisória em razão da ausência dos requisitos autorizadores descritos no art. 485 do CPC/1973. Refuta a ocorrência de erro de fato e ressalta que a autora quer uma nova leitura do conjunto fático debatido na ação originária. Alega que o pedido formulado pela parte autora de afastar a renda do benefício previdenciário recebido por seu marido para fins de definir o requisito da miserabilidade viola o art. 203, V, da Constituição Federal e a legislação infraconstitucional aplicável à matéria. Assim, pugna pela improcedência do pedido rescisório.
A parte autora manifestou-se sobre a contestação (fls. 82/83).
Intimadas as partes, apenas a autora apresentou razões finais, reiterando as teses até então sustentadas (fl. 91).
O Ministério Público Federal ofertou parecer às fls. 93/96, opinando pela improcedência da ação rescisória.
É o relatório.
VOTO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Registro que a presente ação rescisória foi ajuizada em 07/08/2008, ou seja, sob a égide do Código de Processo Civil de 1973.
Impõe-se observar que, publicada a r. decisão rescindenda e interposta a presente ação rescisória em data anterior a 18.03.2016, a partir de quando se torna eficaz o Novo Código de Processo Civil, consoante as conhecidas orientações a respeito do tema adotadas pelos C. Conselho Nacional de Justiça e Superior Tribunal de Justiça, as regras de interposição da presente ação a serem observadas em sua apreciação são aquelas próprias ao CPC/1973. Inteligência do art. 14 do NCPC.
Verifico que foi obedecido o prazo de dois anos estabelecido pelo artigo 495 do CPC/1973, considerando a certidão (fl. 59) de trânsito em julgado em 08/04/2008 (autor) e em 17/04/2008 (INSS).
A alegação de ausência dos requisitos autorizadores descritos no art. 485 do CPC/1973 confunde-se com o mérito da demanda e com ele será examinada.
A parte autora pretende a rescisão de decisão monocrática (fls. 55/57) que negou seguimento aos seus embargos de declaração e manteve a decisão anterior (fls. 47/51), que deu provimento à apelação do INSS e julgou improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial, sob fundamento de violação aos termos do artigo 485 do CPC/1973.
Da narrativa simples dos fatos trazida na petição inicial é possível inferir que a parte autora pretende desconstituir o julgado rescindendo com fundamento em violação de lei, hipótese descrita no inciso V, do art. 485, do CPC/1973, uma vez que entende ter preenchido os requisitos legais de miserabilidade e idade; bem como com fundamento em erro de fato, hipótese descrita no inciso IX, do artigo retrorreferido, uma vez que teria considerado inexistente (condição de miserabilidade da parte autora) fato que efetivamente ocorreu.
Dado o caráter excepcional de que se reveste a ação rescisória, para a configuração da hipótese de rescisão em questão, é certo que o julgado impugnado deve violar preceito legal de sentido unívoco e incontroverso.
Sobre o tema, anota Theotonio Negrão:
A parte autora objetiva rescindir julgado que negou a concessão de benefício assistencial por entender que o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade (miserabilidade) amparado pelo benefício.
O benefício assistencial está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, bem como na Lei nº 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435/2011, e prevê "a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei".
Por sua vez, a Lei 8.742/93 dispõe, em seu art. 20, caput, que "O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família".
Assim, extrai-se das normas citadas a imprescindibilidade de se satisfazer a dois requisitos para o deferimento do beneficio assistencial em tela, quais sejam: primeiro, a caracterização da incapacidade do requerente, em decorrência de sua deficiência (incapacidade) e/ou o caráter de idoso; e, segundo, a situação de penúria em que ele se encontra (miserabilidade), de sorte que, da conjugação desses dois pressupostos, transpareça a sua impossibilidade de prover o seu sustento ou de tê-lo provido por sua família.
Considera-se pessoa idosa, para fins de concessão do benefício de prestação continuada, aquela que possua 65 (sessenta e cinco) anos, nos termos do art. 20, caput, da supracitada lei.
No caso dos autos, a parte autora é idosa, contando, atualmente, com 85 (oitenta e cinco anos) anos de idade (fl. 08); sendo que, à época da propositura do feito subjacente, contava com 73 (setenta e três) anos de idade.
A respeito do critério da comprovação da incapacidade da família para prover a manutenção do deficiente ou idoso, dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93: considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. Requisito que restou reproduzido no inciso IV do artigo 4º do Decreto 6.214/07.
Referido critério foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, conforme ementa a seguir reproduzida:
Em que pese o reconhecimento da constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, o requisito financeiro estabelecido pela lei começou a ter sua constitucionalidade contestada, pois, na prática, permitia que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Assim, a jurisprudência passou a admitir a possibilidade do exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Interpretação consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado pela sistemática do artigo 543-C do CPC (REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28/10/2009; DJ 20/11/2009).
Em decorrência, a questão voltou à análise do Supremo Tribunal Federal, que após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 - PE, julgada em 18/04/2013, prevaleceu o entendimento segundo o qual as significativas mudanças econômicas, bem como as legislações em matéria de benefícios previdenciários e assistenciais trouxeram outros critérios econômicos que aumentaram o valor padrão da renda familiar per capita, de sorte que ao longo de vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização, conforme ementa a seguir transcrita:
Desta forma, como o objetivo da assistência social é prover o mínimo para a sobrevivência do idoso ou incapaz, de modo a assegurar uma sobrevivência digna, para sua concessão não há que se exigir uma situação de miserabilidade absoluta, bastando à caracterização de que o beneficiário não tem condições de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família. Por isso, nada impede que o juiz, diante de situações particularizadas, em face das provas produzidas, reconheça a condição de pobreza do requerente do benefício assistencial, ainda que o núcleo familiar tenha renda per capita superior ao valor correspondente a 1/4 do salário-mínimo.
Assim sendo, a utilização exclusiva do critério da renda per capita para fins de aferição do requisito da miserabilidade fere o espírito do benefício assistencial, que é de amparar os necessitados. Anoto que, à época da decisão rescindenda, a jurisprudência se direcionava no sentido de aferir a miserabilidade por outros meios além do critério aritmético, verificando-se no caso concreto situações de real necessidade econômica.
Tal posicionamento restou pacificado no REsp nº 1.112.557/MG, submetido ao procedimento dos recursos repetitivos, e restou consagrada no julgamento da Reclamação 4374 - PE, julgada em 18/04/2013, pelo STF, no sentido de que o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização.
Desta forma, a decisão rescindenda ao fundamentar a improcedência do pedido de concessão de benefício assistencial apenas no critério da renda per capita acabou por violar o espírito da lei, razão pela qual rescinde-se o julgado questionado, em razão da caracterização da hipótese legal do inciso V do art. 485 do CPC/73 (art. 966, inciso V, do CPC/15). Nesse sentido, cito recentes julgados desta Seção: Rescisória nº 2010.03.00.035005-1/SP, Relator Desembargador Federal Nelson Porfírio, j. 23/11/2017, DE 19/12/2017; Rescisória nº 2011.03.00.027777-7/SP, Relator para Acórdão Desembargador Federal Sérgio Nascimento, j. 10/05/2018, DE 08/06/2018; Rescisória nº 2011.03.00.008844-0/SP, Relator para Acórdão Desembargador Federal Baptista Pereira, j. 14/06/2018, DE 27/06/2018.
Realizado o juízo rescindente, passo ao juízo rescisório.
Verifica-se que na ação originária (Autos nº 2005.61.23.000664-3), a parte autora postulou a concessão de amparo assistencial ao idoso alegando estar impossibilitada de trabalhar em virtude da idade avançada e que sobrevive com poucos recursos financeiros, situação que restaria comprovada por meio de estudo social adequado (fls. 09/11).
No caso dos autos, a parte autora é idosa, contando, atualmente, com 85 (oitenta e cinco anos) anos de idade (fl. 08); sendo que, à época da propositura do feito subjacente, contava com 73 (setenta e três) anos de idade.
Com relação ao requisito da miserabilidade, o estudo sócio-econômico realizado no feito subjacente informou que:
O estudo social demonstra que a requerente reside apenas com o marido, também idoso e doente, em chácara cedida por um conhecido e que a única renda da casa é proveniente da aposentadoria por invalidez recebida pelo marido. Todavia, o estudo informa que essa renda acaba consumida com a alimentação especial que o marido necessita, bem como com seus medicamentos. Extrai-se do estudo que o casal vive em situação de extrema carência, em situação de miserabilidade a ser amparada pelo benefício assistencial ora requerido.
Assim, os elementos de prova coligidos são suficientes para evidenciar as condições econômicas em que vive a parte autora, inserindo-se ela no grupo de pessoas economicamente carentes que a norma instituidora do benefício assistencial visou amparar.
Por tais razões, a parte autora faz jus à percepção do benefício da prestação continuada, uma vez restou demonstrada a implementação dos requisitos legais para sua concessão.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data da citação do feito subjacente.
Cabe ressaltar que, em consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, em terminal instalado no gabinete desta Relatora, verifica-se que a parte autora passou a receber benefício previdenciário de pensão por morte (NB nº 163.518.184-1) a partir de 26/05/2013 (DIB), de modo que o benefício assistencial é devido somente até a véspera do recebimento da pensão (25/05/2013).
Os juros de mora e a correção monetária deverão observar o decidido pelo Plenário do C. STF, no julgamento do RE 870.947/SE, em Repercussão Geral, em 20/09/2017, Rel. Min. Luiz Fux, adotando-se no tocante à fixação dos juros moratórios o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, e quanto à atualização monetária, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).
Em observância ao art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC de 2015 e à Súmula nº 111 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
A autarquia previdenciária está isenta do pagamento de custas e emolumentos, mas não quanto às despesas processuais. Todavia, a isenção de que goza essa autarquia não obsta a obrigação de reembolsar as custas pagas pela parte autora, quando esta é vencedora na lide. Entretanto, no presente caso, não há falar em custas ou despesas processuais, uma vez que a parte autora é beneficiária da assistência judiciária.
Diante do exposto, julgo procedente a ação rescisória para, em juízo rescindente, com fundamento no artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil de 1973, desconstituir a decisão monocrática da 8ª Turma desta Corte, proferida na Apelação Cível nº 2005.61.23.000664-3, e, em juízo rescisório, julgo procedente o pedido de concessão do benefício assistencial, a partir da data da citação da autarquia na ação subjacente, com juros de mora e correção monetária sobre as prestações vencidas, além de honorários advocatícios, na forma acima especificada.
É o voto.
LUCIA URSAIA
Desembargadora Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | MARIA LUCIA LENCASTRE URSAIA:10063 |
Nº de Série do Certificado: | 1B1C8410F7039C36 |
Data e Hora: | 23/07/2018 17:37:03 |