
| D.E. Publicado em 22/08/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, julgar procedente a ação rescisória para, em juízo rescisório, julgar parcialmente procedente o pedido da parte autora, nos termos do voto da Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora). Acompanharam-na os Desembargadores Federais DAVID DANTAS, GILBERTO JORDAN, PAULO DOMINGUES, BAPTISTA PEREIRA e, em ampliação de quórum, SÉRGIO NASCIMENTO e TORU YAMAMOTO. Os Desembargadores Federais GILBERTO JORDAN e PAULO DOMINGUES divergiram apenas para vedar a execução das prestações do benefício concedido judicialmente, em caso de opção pelo benefício administrativo. Vencidos os Desembargadores Federais CARLOS DELGADO e INÊS VIRGÍNIA, o Juiz Federal Convocado RODRIGO ZACHARAS e a Desembargadora Federal MARISA SANTOS, que julgavam improcedente a ação. Deixaram de votar, pois ausentes quando da leitura do relatório, os Desembargadores Federais TÂNIA MARANGONI, ANA PEZARINI, NELSON PORFIRIO, NEWTON DE LUCCA e LUIZ STEFANINI.
Desembargadora Federal Relatora
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0011178-77.2007.4.03.0000/SP
RELATÓRIO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Trata-se de ação rescisória ajuizada por Laércio Romagno em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com fundamento no artigo 485, incisos V (violação literal à disposição de lei), VII (documento novo) e IX (erro de fato), do Código de Processo Civil/1973, visando à desconstituição do v. acórdão da 1ª Turma desta E. Corte, exarado no processo nº 2001.03.99.035337-2.
O v. acórdão rescindendo, reproduzido às fls. 97/101, negou provimento à apelação da parte autora e foi confirmado posteriormente pela rejeição dos embargos de declaração (fls. 120/123). Referido acórdão foi assim ementado:
Alega a parte autora que, na ação originária, foi requerida a juntada da cópia do processo administrativo, que continha a certidão de casamento e o certificado emitido pelo Ministério do Exército, onde constavam a profissão de lavrador, a qual não apreciada. Narra que os citados documentos "constituem o início de prova material requerido em lei, e, a vista de tais provas, o provimento jurisdicional teria sido outro, pois restaria demonstrado 'quanttum sattis', o preenchimento das condições previstas em lei, e a idônea prova testemunhal teria tido outra consideração, eis que informam o efetivo labor rural" (fl. 6). Aduz também que "resta evidente o erro de fato da causa, pois havia início de prova material suficiente para, com a complementação efetuada pela idônea prova testemunhal, se reconhecesse o tempo rural laborado, desde que atendido o expresso requerimento formulado na inicial para intimação do INSS para juntar a cópia integral do processo administrativo" (fl. 7).
Deferida a gratuidade da justiça e determinada a citação da autarquia previdenciária (fl. 202).
Regularmente citado (fl. 207), o INSS apresentou contestação (fls. 209/218), alegando, preliminarmente, a carência de ação, uma vez que estaria a parte autora utilizando-se da ação rescisória como sucedâneo de recurso. No mérito, pugna pela improcedência do pedido.
A parte autora apresentou réplica à contestação (fls. 226/230) e dispensou o requerimento da produção probatória (fls. 238/239).
Intimadas as partes à vista do art. 199 do RITRF 3ª Região (fl. 241), apenas a parte autora apresentou razões finais (fls. 249/253).
À fl. 254, determinou-se o encaminhamento dos autos ao Ministério Público.
Em parecer, às fls. 255/264, o ilustre representante do Ministério Público Federal, manifestou-se pela procedência da ação, sustentando que "a certidão de casamento acostada às fls. 92 e o certificado de dispensa de incorporação reprografado às fls. 175, que qualificam o autor como 'lavrador', consubstanciam documentos novos aptos a ensejar a rescisão do acórdão impugnado, pois valem como início de prova material para a comprovação da condição de rurícola" (fl. 261) e que "restou comprovado nos autos, tão-somente, o exercício de atividade rural no período de abril de 1970 a outubro de 1973" (fl. 264).
É o relatório.
VOTO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Registro que a presente ação rescisória foi ajuizada em 14/02/2007, ou seja, sob a égide do Código de Processo Civil de 1973.
Impõe-se observar que, publicada a r. decisão rescindenda e interposta a presente ação rescisória em data anterior a 18.03.2016, a partir de quando se torna eficaz o Novo Código de Processo Civil, consoante as conhecidas orientações a respeito do tema adotadas pelos C. Conselho Nacional de Justiça e Superior Tribunal de Justiça, as regras de interposição da presente ação a serem observadas em sua apreciação são aquelas próprias ao CPC/1973. Inteligência do art. 14 do NCPC.
Quanto à matéria preliminar, arguida em contestação, observo que tal questão confunde-se com o mérito da demanda e com ele será analisado.
Verifico que foi obedecido o prazo de dois anos estabelecido pelo artigo 495 do CPC/1973, considerando a certidão de trânsito em julgado em 18/02/2005 (fl. 151).
Cuida-se de ação rescisória ajuizada por Laércio Romagno em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com fundamento no artigo 485, incisos V (violação literal à disposição de lei), VII (documento novo) e IX (erro de fato), do Código de Processo Civil/1973, visando à desconstituição do v. acórdão exarado no processo nº 2001.03.99.035337-2, pela Primeira Turma desta E. Corte, que negou provimento à apelação da parte autora, assentando que "não se verifica presente a condição antes mencionada (início de prova material), o que compromete, com efeito, a pretensão do autor" (fl. 99) e que "os documentos que substanciaram o aludido conceito e que o autor afirma terem sido juntados aos autos (certificado de reservista, certidão de casamento e declaração sindical) não se afiguram constantes do caderno de provas, nada existindo, aqui, que possa preencher aquela lacuna" (fl. 99)
A parte autora pleiteia concessão de aposentadoria por tempo de serviço, alegando labor rural pelo período de 21/01/1963 a 31/10/1973 e período urbano de 01/06/78 a 29/10/98, o que totalizaria em 39 (trinta e nove) anos, 05 (cinco) meses e 02 (dois) dias. Juntou como documentos nos autos originários para comprovar o tempo de serviço rurícola:
- declaração de exercício de atividade rural do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Parapuã/SP, no período de 01/10/1969 a 31/10/1973, onde consta no verso que a declaração foi baseada nos documentos de reservista de ano 69/70 e certidão de casamento no ano de 1971 (fl. 24);
- matrícula de imóvel rural, denominado Sítio Santa Tereza (fls. 25/26)
Seguem os depoimentos do autor e das testemunhas:
"Trabalhei na lavoura no período compreendido entre 1966 a 1976, na cidade de Osvaldo Cruz. Trabalhava para o Sr. Hiamamoto, como porcenteiro. Somente trabalhei nesse sítio e sem nenhuma interrupção. Plantávamos café" (Laércio Romagna, autor, fl. 79).
"O Conheci em um sítio na cidade próximo a Osvaldo Cruz. Isso foi em 1970. Nessa época eu trabalhava na lavoura de café, assim como ele. Ele trabalhava para um japonês chamado Hiamamoto. Trabalhei na lavoura até 1980 e o Sr. Laércio até 1976. Posso afirmar que o Sr. Laércio não tinha outra função, senão a de trabalhar na lavoura." (José Elias de Miranda, testemunha, fl. 80)
"O conheci na região de Osvaldo Cruz, município de Sagres. O conheço desde o ano de 1959. Eu trabalhava na lavoura, assim como o Sr. Laércio, para o Sr. Hiamamoto. Eu vim para a cidade em 1976. Não sei se o Laércio parou de trabalhar na lavoura antes ou depois de mim, mas posso afirmar que ele sempre trabalhou na lavoura" (Deoclides Belarmino Miranda, testemunha, fl. 81).
A r. sentença de fls. 76/78 justificou a improcedência do pedido, no que tange ao reconhecimento do período rural, nos seguintes termos:
"(...)
Segundo este último dispositivo citado, a prova material constante dos autos é insuficiente a amparar a pretensão. De fato, a única prova documental constante nos autos é aquela de fls. 13/14, consistente em matrícula de imóvel no qual o autor teria laborado. Nada há nos autos que indique, ainda que minimamente, que o autor tenha exercido, de fato, o mister da lavoura desde os doze anos de idade. O fato de residir o autor em zona rural com pais lavradores, não impõe necessariamente que todos os filhos, efetivamente, trabalhem em igual meio. A se partir de tal princípio, toda população rural do Brasil estaria legitimada a pleitear o benefício previdenciário. As testemunhas ouvidas nada trouxeram aos autos com relação ao período de início e término do labor rurícola, sendo muito vagas as informações prestadas. Com relação a estas, ainda, de se considerar que, invariavelmente, as testemunhas são pessoas com as mesmas pretensões do autor da demanda e, assim, absolutamente necessário que seus depoimentos sejam firmes e coerentes, dada a reserva com que devem ser tomados. A retratar a fragilidade da prova oral tem-se que o próprio depoimento pessoal do autor discrepa da matéria trazida com a inicial. De fato, verifica-se que nesta audiência o requerente afirmou que trabalhou na lavoura a partir do ano de 1966, quando a inicial afirma que o termo inicial do labor é o ano de 1963. A testemunha Deonildes afirmou não saber quando ocorreu o término do trabalho rurícola e, a testemunha José Elias afirmou que o requerente trabalhou na lavoura até 1976, quando o próprio requerente afirma que teria deixado tal mister três anos (1973 - fls. 03). Tudo a demonstrar a impossibilidade de deferimento da pretensão com base na prova exclusivamente testemunhal. (...)"
Por sua vez, o r. julgado rescindendo assim decidiu:
"(...) No caso vertente, não se verifica presente a condição antes mencionada (início de prova material), o que compromete, com efeito, a pretensão do autor.
Nesse sentido, advirto, de pronto, que os documentos que substanciariam o aludido conceito e que o autor afirma terem sido juntados aos autos (certificado de reservista, certidão de casamento e declaração sindical) não se afiguram constantes do caderno de provas, nada existindo, aqui, que possa preencher aquela lacuna.
Interpretando a hipótese concreta, frente a tais colocações, tenho, portanto, que a solução da improcedência, adotada, ainda que sob outra luz, pelo MM. Juízo a quo, deve ser mantida.
Isso posto, nego provimento à apelação."
Conforme explanado no recurso de apelação da parte autora e das cópias do processo administrativo de fls. 152/190, mais precisamente das tabelas de tempo de serviço de fls. 184/186, verifica-se que a própria Autarquia Previdenciária reconheceu o período rural do ano de 1969 e de 1971 como trabalhados na Chácara Santa Terezinha, baseado nos documentos juntados naquele procedimento, quais sejam, declaração do sindicato, certificado de dispensa de incorporação e certidão de casamento (fls. 174/176). O indeferimento do benefício na via administrativa se deu em 21/03/1999 (fl. 45) e o ajuizamento da ação originária se deu em 02/08/1999.
Para que ocorra a rescisão respaldada no inciso IX do art. 485 do CPC/1973, atualizado para o art. 966, inciso VIII, do CPC/2015, deve ser demonstrada a conjugação dos seguintes fatores, a saber: a) o erro de fato deve ser determinante para a sentença; b) sobre o erro de fato suscitado não pode ter havido controvérsia entre as partes; c) sobre o erro de fato não pode ter havido pronunciamento judicial, d) o erro de fato deve ser apurável mediante simples exame das peças do processo originário.
Dessa feita, ao considerar inexistente início de prova material, uma vez que este já havia sido reconhecida pelo próprio INSS no processo administrativo, que computou, todavia, somente o ano de 1969 e de 1971, ou seja, justamente o ano dos referimentos documentos (Certificado de Dispensa de Incorporação e Certidão de Casamento), incorre o julgado em erro de fato, sendo necessária a rescisão do julgado. Ressalto que a parte autora informou na inicial que a Autarquia não estava fornecendo cópias do processo administrativo, requerendo sua intimação para apresentação de cópia integral do referido procedimento (fl. 19).
Desta forma, rescinde-se o julgado questionado, restando caracterizada a hipótese legal do inciso IX do artigo 485 do Código de Processo Civil.
Realizado o juízo rescindente, passo ao juízo rescisório.
A parte autora postula a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço.
Nos termos do artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91 e de acordo com a jurisprudência consubstanciada na Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, é possível a comprovação do trabalho rural mediante a apresentação de início de prova documental, devendo esta ser complementada por prova testemunhal.
Ressalta-se que o início de prova material, exigido pelo § 3º do artigo 55 da Lei nº 8.213/91, não significa que o segurado deverá demonstrar mês a mês, ano a ano, por intermédio de documentos, o exercício de atividade na condição de rurícola, pois isso importaria em se exigir que todo o período de trabalho fosse comprovado documentalmente, sendo de nenhuma utilidade a prova testemunhal para demonstração do labor rural.
Início de prova material, conforme a própria expressão traduz, não indica completude, mas, sim, começo de prova, princípio de prova, elemento indicativo que permita o reconhecimento da situação jurídica discutida, desde que associada a outros dados probatórios.
Sobre a extensão significativa da expressão "início de prova material", o Tribunal Regional Federal da Quarta Região bem enfrentou a questão, não limitando o aproveitamento da prova material ao ano ou à data em que foi produzido: AC nº 333.924/RS, Relator Desembargador Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, j. 12/06/2001, DJ 11/07/2001, p. 454.
No caso concreto, há início de prova documental da condição de rurícola do autor, consistente, dentre outros documentos, nas cópias de Certificado de dispensa de incorporação militar (fl. 175), Certidão de casamento (fl. 92), nas quais está qualificado profissionalmente como lavrador, além da Certidão do registro de imóvel da Comarca de Osvaldo Cruz (fl. 25/26vº), de propriedade de Yamamoto Seyti, onde trabalhou, provando, assim, a existência do local.
Segundo a jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tal documentação, em conjunto com a prova testemunhal colhida no curso da instrução processual, é hábil ao reconhecimento de tempo de serviço trabalhado como rurícola, conforme revelam as seguintes ementas de julgados:
"As anotações em certidões de registro civil, a declaração de produtor rural, a nota fiscal de produtor rural, as guias de recolhimento de contribuição sindical e o contrato individual de trabalho em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, todos contemporâneos à época dos fatos alegados, se inserem no conceito de início razoável de prova material." (REsp 280402/SP, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJ 10/09/2001, p. 427).
Nesse sentido também é a Súmula n.º 577 do E. Superior Tribunal de Justiça:
"É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o crivo do contraditório." (Recursos Especiais 1.321 e 1.248.633)
As testemunhas ouvidas complementaram plenamente o início de prova documental apresentado ao asseverarem, perante o juízo de primeiro grau, sob o crivo do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, que a parte autora exerceu atividade rural.
Assim sendo, apesar de a parte autora pleitear na petição inicial o reconhecimento do labor rural a partir de 21/01/63 (data em que completou 12 anos de idade), o próprio interessado, no ato do depoimento pessoal, afirmou que iniciou o labor rural no ano de 1966, porém, analisando a certidão de casamento (13/11/1971) e certificado de dispensa de incorporação (18/08/1970), as testemunhas corroboram com o início de prova material para provar o início do labor rural a partir do ano de 1970.
Considere-se também que na declaração de exercício de atividade rural (fl. 24), o representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Paraupã/SP declarou que a parte autora exerceu o labor rural na condição de parceiro, em regime de economia familiar, na "Chácara Santa Terezinha", em Osvaldo Cruz/SP, de propriedade de Yamamoto Seyti, no período de 01/10/69 a 31/10/73.
Portanto, nos termos do artigo 55, § 3.º, da Lei n.º 8.213/91, e em estrita observância à Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, deve ser reconhecido o exercício de trabalho rural, em regime de economia familiar, no período alegado de 01/01/1972 a 31/10/1973, acrescidos dos já reconhecidos administrativamente pelo INSS (fls. 184/186), que computou como rural o período de 01/01/69 a 31/12/1969 e 01/01/1971 a 31/12/1971.
O trabalho rural no período anterior à vigência da Lei nº 8.213/91 poderá ser computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme disposição expressa do artigo 55, § 2º, do citado diploma legal.
No tocante ao reconhecimento da atividade especial, é firme a jurisprudência no sentido de que a legislação aplicável para a caracterização do denominado trabalho em regime especial é a vigente no período em que a atividade a ser considerada foi efetivamente exercida.
Para a verificação do tempo de serviço em regime especial, no caso, deve ser levada em conta a disciplina estabelecida pelos Decretos nºs 83.080/79 e 53.831/64.
Salvo no tocante aos agentes físicos ruído e calor, a exigência de laudo técnico para a comprovação das condições adversas de trabalho somente passou a ser obrigatória a partir de 05/03/1997, data da publicação do Decreto nº 2.172/97, que regulamentou a Lei nº 9.032/95 e a MP 1.523/96, convertida na Lei nº 9.528/97.
Contudo, no sentido de que em se tratando de matéria reservada à lei, tal decreto somente teve eficácia a partir da edição da Lei nº 9.528, de 10/12/1997, entendo que a exigência de laudo técnico para a comprovação das condições adversas de trabalho somente passou a ser exigência legal a partir de 11/12/1997, nos termos da referida lei, que alterou a redação do § 1º do artigo 58 da Lei nº 8.213/91. Neste sentido, precedentes do Superior Tribunal de Justiça: REsp nº 422616/RS, Relator Ministro Jorge Scartezzini, j. 02/03/2004, DJ 24/05/2004, p. 323; REsp nº 421045/SC, Relator Ministro Jorge Scartezzini, j. 06/05/2004, DJ 28/06/2004, p. 382.
O artigo 201, § 1º, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, passou a exigir a definição das atividades exercidas sob condições especiais mediante lei complementar, com a ressalva contida no art. 15 da referida EC nº 20/98, no sentido de que os artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91 mantêm a sua vigência até que seja publicada a lei complementar exigida. Assim, dúvidas não há quanto à plena vigência, do artigo 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91, no tocante à possibilidade da conversão do tempo trabalhado em condições especiais em tempo de serviço comum.
A propósito, quanto à plena validade das regras de conversão de tempo de serviço especial em comum, de acordo com o disposto no § 5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, traz-se à colação trecho de ementa de aresto: "Mantida a redação do § 5º do art. 57 da Lei 8.213/91, em face da superveniência da Lei 9.711 de novembro de 1998 que converteu a MP 1.663/15ª sem acolher abolição da possibilidade de soma de tempo de serviço especial com o comum que a medida provisória pretendia instituir, e ainda persistindo a redação do caput desse mesmo art. 57 tal como veiculada na Lei 9.032/95 (manutenção essa ordenada pelo expressamente no art. 15 da Emenda Constitucional nº 20 de 15.12.98) de modo que o regramento da aposentadoria especial continuou reservado a"lei", não existe respiradouro que dê sobrevida às Ordens de Serviço ns. 600, 612 e 623, bem como a aspectos dos D. 2.782/98 e 3.048/99 (que restringiam âmbito de apreciação de aposentadoria especial), já que se destinavam justamente a disciplinar administrativamente o que acabou rejeitado pelo Poder Legislativo. Art. 28 da Lei 9.711/98 - regra de transição - inválido, posto que rejeitada pelo Congresso Nacional a revogação do § 5º do art. 57 do PBPS." (TRF - 3ª Região; AMS nº 219781/SP, 01/04/2003, Relator Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO, j. 01/04/2003, DJU 24/06/2003, p. 178).
Além disso, conforme se extrai do texto do § 1º do art. 201 da Constituição Federal, o trabalhador que se sujeitou a trabalho em atividades consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física tem direito a obter a inatividade de forma diferenciada.
A presunção da norma é de que o trabalhador que exerceu atividades em condições especiais teve um maior desgaste físico ou teve sua saúde ou integridade submetidas a riscos mais elevados, sendo merecedor da aposentação em tempo inferior àquele que exerceu atividades comuns, com o que se estará dando tratamento equânime aos trabalhadores. Assim, se em algum período de sua vida laboral o trabalhador exerceu alguma atividade classificada como insalubre ou perigosa, porém não durante tempo suficiente para obter aposentadoria especial, esse tempo deverá ser somado ao tempo de serviço comum, com a devida conversão, ou seja, efetuando-se a correspondência com o que equivaleria ao tempo de serviço comum, sob pena de não se fazer prevalecer o ditame constitucional que garante ao trabalhador que exerceu atividades em condições especiais atingir a inatividade em menor tempo de trabalho.
É indubitável que o trabalhador que exerceu atividades perigosas, insalubres ou penosas teve ceifada com maior severidade a sua higidez física do que aquele trabalhador que nunca exerceu atividade em condições especiais, de sorte que suprimir o direito à conversão prevista no § 5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 significa restringir o alcance da vontade das normas constitucionais que pretenderam dar tratamento mais favorável àquele que labutou em condições especiais.
Assim, o disposto no § 5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 tem por escopo garantir àquele que exerceu atividade laborativa em condições especiais a conversão do respectivo período, o qual, depois de somado ao período de atividade comum, deverá garantir ao segurado direito à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço.
Todavia, não se exige que a profissão do segurado seja exatamente uma daquelas descritas nos anexos dos Decretos n.ºs 53.831/64 e 83.080/79, sendo suficiente para reconhecimento da atividade especial que o trabalhador esteja sujeito, em sua atividade, aos agentes agressivos descritos em referido anexo, na esteira de entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se verifica dos fragmentos de ementas a seguir transcritos:
"A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o rol de atividades consideradas insalubres, perigosas ou penosas é exemplificativo, pelo que, a ausência do enquadramento da atividade desempenhada não inviabiliza a sua consideração para fins de concessão de aposentadoria." (REsp nº 666479/PB, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, j. 18/11/2004, DJ 01/02/2005, p. 668);
"Apenas para registro, ressalto que o rol de atividades arroladas nos Decretos n.os 53.831/64 e 83.080/79 é exemplificativo, não existindo impedimento em considerar que outras atividades sejam tidas como insalubres, perigosas ou penosas, desde que devidamente comprovadas por laudo pericial." (REsp nº 651516/RJ, Relatora Ministra Laurita Vaz, j. 07/10/2004, DJ 08/11/2004, p. 291).
O artigo 58, § 1º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 9.732, de 11/12/1998, dispõe que a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será efetuada nos termos da legislação trabalhista.
O art. 194 da CLT aduz que o fornecimento de Equipamento de Proteção Individual pelo empregador, aprovado pelo órgão competente do Poder Executivo, seu uso adequado e a consequente eliminação do agente insalubre são circunstâncias que tornam inexigível o pagamento do adicional correspondente. Portanto, retira o direito ao reconhecimento da atividade como especial para fins previdenciários.
Por sua vez, o art. 195 da CLT estabelece: A caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão através de perícia a cargo do Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrado no Ministério do Trabalho.
A respeito da matéria, a Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sessão de julgamento realizada em 14/05/2014, em sede de recurso representativo da controvérsia (Recurso Especial Repetitivo 1.398.260/PR, Rel. Min. Herman Benjamin), firmou orientação no sentido de que o nível de ruído que caracteriza a insalubridade para contagem de tempo de serviço especial deve ser superior a 80 (oitenta) decibéis até a edição do Decreto nº 2.171/1997, de 05/03/1997, superior a 90 (noventa) decibéis entre a vigência do Decreto nº 2.171/1997 e a edição do Decreto nº 4.882/2003, de 18/11/2003, e após a entrada em vigor do Decreto nº 4.882/2003, ou seja, a partir de 19/11/2003, incide o limite de 85 (oitenta e cinco) decibéis, considerando o princípio tempus regit actum.
No presente caso, a parte autora demonstrou haver laborado em atividade especial no período de 01/06/1978 a 06/12/1986, na empresa "Duratex S/A". É o que comprova o formulário sobre atividades exercidas em condições especiais (fl. 156) e laudo técnico pericial (fls. 157/158), trazendo à conclusão de que a parte autora desenvolveu sua atividade profissional, nas funções de "1º ajudante" e "2º ajudante", no setor de beneficiamento, com exposição ao agente agressivo físico ruído variável de 90 a 97 dB(A). Referido agente agressivo encontra classificação nos códigos 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64 e código 1.1.5 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79.
Ainda com relação à matéria, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar o ARE 664.335/SC, em 04/12/2014, publicado no DJe de 12/02/2015, da relatoria do Ministro LUIZ FUX, reconheceu a repercussão geral da questão constitucional nele suscitada e, no mérito, fixou o entendimento de que a eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria, quando o segurado estiver exposto ao agente nocivo ruído.
Portanto, a parte autora tem direito ao reconhecimento do período de 01/06/1978 a 06/12/1986 como exercício em atividade especial.
O período em que a parte autora trabalhou conforme os documentos de fls. 27/38 é suficiente para garantir-lhe o cumprimento do período de carência de 102 (cento e dois) meses de contribuição, na data do requerimento administrativo, nos termos do art. 142 da Lei nº 8.213/91.
O art. 202 e §1º da Constituição Federal de 1988, na redação anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, dispunha:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários de contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições: (...) § 1º É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e após vinte e cinco, à mulher."
A legislação ordinária regedora dos benefícios acerca foi a Lei nº 8.213/91, estabelecendo, no seu art. 53, que o cálculo da aposentadoria por tempo de serviço seria da seguinte forma:
"Art. 53. A aposentadoria por tempo de serviço, observado o disposto na Seção III deste Capítulo, especialmente no art. 33, consistirá numa renda mensal de: (...) II - para o homem: 70% (setenta por cento) do salário-de-benefício aos 30 (trinta) anos de serviço, mais 6% (seis por cento) deste, para cada novo ano completo de atividade, até o máximo de 100% (cem por cento) do salário-de-benefício aos 35 (trinta e cinco) anos de serviço."
Ressalta-se que a lei previdenciária vigente elegeu o coeficiente de cálculo de 70%, que incide sobre o salário-de-benefício para o tempo mínimo exigido, e sobre esse percentual acresce-se 6% a cada ano completo de atividade, até o máximo de 100% (cem por cento) do salário-de-benefício aos 35 (trinta e cinco) anos de serviço.
Com efeito, computando-se a atividade rural no período de 01/01/1972 a 31/10/1973, exercício de atividade especial no período de 01/06/1978 a 06/12/1986 e o tempo computado administrativamente (fls. 184/186), o somatório do tempo de serviço da parte autora alcança um total de 32 (trinta e dois) anos, 1 (um) meses e 6 (seis) dias, na data do requerimento administrativo (29/10/1998), o que autoriza a concessão de aposentadoria proporcional por tempo de serviço, com renda mensal inicial de 82% do salário-de-benefício, calculado pela média aritmética simples dos últimos trinta e seis salários de contribuição apurados em período não superior a 48 meses, nos termos do art. 53, inc. II e do art. 29, "caput", em sua redação original, ambos da Lei nº 8.213/91, opção sistematizada no art. 188-A e B do Decreto 3.048/99.
Não é aplicável ao caso dos autos a regra de transição prevista no artigo 9º da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, mas, sim, a legislação anteriormente vigente, porquanto a parte autora já possuía direito adquirido ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço na data da publicação de referida emenda constitucional (DOU 16/12/1998).
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo, nos termos do artigo 57, §2º c.c artigo 49, inciso II, da Lei n.º 8.213/91 (29/10/98 - fl. 152).
Por outro lado, verifica-se, em consulta ao CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais, em terminal instalado no gabinete desta Relatora, que a parte autora recebe o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 119.146.105-7/42), com início de vigência em 31/10/2000. Ressalte-se que é vedada a cumulação de mais de uma aposentadoria, a teor do disposto no artigo 124, II, da Lei nº 8.231/91, devendo ser, contudo, ressalvado o direito à opção da parte autora pelo mais vantajoso, realizando-se a devida compensação, se for o caso.
Ressalto que não há que se falar em desaposentação, no caso de opção pelo benefício concedido judicialmente, pois a DER do benefício judicial (29/10/1998) é anterior à DIB do benefício concedido administrativamente (31/10/2000).
Os juros de mora e a correção monetária deverão observar o decidido pelo Plenário do C. STF, no julgamento do RE 870.947/SE, em Repercussão Geral, em 20/09/2017, Rel. Min. Luiz Fux, adotando-se no tocante à fixação dos juros moratórios o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, e quanto à atualização monetária, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).
Em observância ao art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC de 2015 e à Súmula nº 111 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, tendo em vista a sucumbência mínima do pedido (art. 86, parágrafo único, do CPC/15).
Por fim, a autarquia previdenciária está isenta do pagamento de custas e emolumentos, nos termos do art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96, do art. 24-A da Lei nº 9.028/95 (dispositivo acrescentado pela Medida Provisória nº 2.180-35/01) e do art. 8º, § 1º, da Lei nº 8.620/93, o que não inclui as despesas processuais. Todavia, a isenção de que goza a autarquia não obsta a obrigação de reembolsar custas suportadas pela parte autora, quando esta é vencedora na lide. Entretanto, no presente caso, não há falar em custas ou despesas processuais, por ser a parte autora beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE A AÇÃO RESCISÓRIA para, em juízo rescindente, com fundamento no artigo 485, inciso IX, do Código de Processo Civil de 1973, desconstituir o v. acórdão da 1ª Turma desta E. Corte, proferido no processo nº 2001.03.99.035337-2, e, em juízo rescisório, julgar parcialmente procedente o pedido da parte autora, determinando a concessão do benefício de aposentadoria proporcional por tempo de serviço (regras anteriores à EC 20/98), a partir da data do requerimento administrativo, observado o direito o direito à opção pelo benefício mais vantajoso, com juros de mora e correção monetária sobre as prestações vencidas, além de honorários advocatícios, na forma da fundamentação adotada.
É o voto.
LUCIA URSAIA
Desembargadora Federal Relatora
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