
| D.E. Publicado em 24/07/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, com fundamento no artigo 487, inciso I, do CPC/15, rejeitar as preliminares, julgar improcedente a reconvenção e julgar procedente a ação rescisória para, em juízo rescindente, com fundamento no artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil de 1973, desconstituir parcialmente a decisão proferida no processo nº 2007.03.99.030001-1, e, em juízo rescisório, julgar procedente o pedido da parte autora, determinando o recálculo do benefício de auxílio-doença, bem como condenar no pagamento das diferenças devidas, acrescidas de juros de mora, correção monetária, além de honorários advocatícios, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal Relatora
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0028026-71.2009.4.03.0000/SP
RELATÓRIO
A SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL LUCIA URSAIA: Trata-se de ação rescisória ajuizada por Getúlio do Nascimento em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, proposta com fulcro no art. 485, incisos V (violação à literal disposição de lei) e IX (erro de fato), do Código de Processo Civil de 1973, onde se objetiva rescindir a r. decisão de relatoria do Des. Fed. Sérgio Nascimento, proferida no processo n.º 2007.03.99.030001-1, que deu parcial provimento à remessa oficial, tida por interposta, e à apelação do INSS para que o termo inicial do benefício seja fixado na data do laudo pericial (04/04/2006) e negou seguimento à apelação do autor.
Narra o autor que houve violação literal à disposição de lei e erro de fato. Sustenta, em síntese, que "houve equívoco na decisão quando da fixação do valor do benefício em um salário mínimo, pois o autor é trabalhador segurado que efetuou contribuições maiores que as de um salário mínimo" (fl. 3) e que ocorreu "erro material ao não determinar o cálculo da RMI do autor conforme determinação da lei específica. O valor do auxílio doença corresponde a 91% do salário de benefício. O cálculo do salário benefício é a média dos 80% maiores salários de contribuição, corrigidos monetariamente" (fls. 3/4). Requer, por fim, "que a presente ação seja julgada totalmente procedente, rescindindo-se a mencionada sentença no item que fixou o valor do benefício em um salário mínimo, e proferindo-se novo julgamento, condenando o requerido a proceder ao cálculo da RMI conforme legislação, levando em conta os salários de contribuição do autor na apuração de seu salário de benefício" (fl. 5).
Em despacho inicial foi concedida a assistência judiciária, dispensado o depósito prévio previsto no art. 488, II, do CPC/73 e determinada a citação do INSS (fl. 147).
Devidamente citado (fls. 152), o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS apresentou reconvenção (fls. 154/165), aduzindo que houve violação literal à disposição de lei e erro de fato. Alega, em síntese, que "mesmo após 04.04.2006, termo inicial fixado para o benefício, o Reconvindo exerceu atividade laborativa, não se encontrando, assim, total e temporariamente incapaz para o trabalho; não preenchendo, via de consequência, requisito indispensável ao deferimento da benesse deferida. Assim, é que, em face do preceituado no artigo 59, da Lei 8.213/91, o pedido haveria de ser rejeitado" (fl. 159), que "nos termos do preceituado no artigo 60, da Lei 8.213/91, o marco inicial do benefício deveria corresponder a 30.01.2008, décimo sexto dia após o Reconvindo ter deixado, em definitivo, de exercer atividade laborativa" (fl. 160) e que "patente a ocorrência de erro de fato, porquanto a decisão rescindenda tomou como existente fato inexistente, tal seja, a presença de incapacidade laborativa do reconvindo, inclusive em face do encerramento de suas atividades laborativas" (fl. 165).
Também apresentou contestação (fls. 171/177), alegando, preliminarmente, a carência de ação, uma vez que estaria o autor utilizando-se da ação rescisória como sucedâneo recursal, bem como a inépcia da inicial, pois alega que o autor deixou de apresentar a causa de pedir. No mérito, pugna pela improcedência do pedido.
Resposta à reconvenção (fls. 190/192), requerendo que seja julgada totalmente improcedente.
Intimadas as partes à vista do art. 199 do RITRF 3ª Região (fl. 184), o autor e o INSS não apresentaram razões finais (fls. 186 e 188).
À fl. 184, determinou-se o encaminhamento dos autos ao Ministério Público.
Em parecer, às fls. 189/200, o ilustre representante do Ministério Público Federal, manifestou-se, em juízo rescindendo, pela procedência da ação rescisória e improcedência da reconvenção e, em sede de juízo rescisório, pela procedência do pedido, fixando-se a renda mensal inicial do benefício de acordo com o disposto no artigo 61 da Lei n.º 8.231/91, sustentando que "os documentos apresentados com a reconvenção foram extraídos do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, banco de dados do próprio réu-reconvinte, e que poderiam e deveriam ter sido apresentados no momento oportuno, na ação originária. Não configurada a hipótese de documento cuja existência fosse ignorada ou cuja apresentação fosse impossível durante o trâmite do processo originário, não merece acolhida a reconvenção da autarquia previdenciária" (fl. 195) e que "o aresto violou dispositivo legal ao fixar o benefício de auxílio-doença em dissonância com a disciplina estabelecida na Lei n.º 8.213/91" (fl. 199).
É o relatório.
VOTO
A SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL LUCIA URSAIA: Registro que a presente ação rescisória foi ajuizada em 12/08/2009, ou seja, sob a égide do Código de Processo Civil de 1973.
Impõe-se observar que, publicada a r. decisão rescindenda e interposta a presente ação rescisória em data anterior a 18.03.2016, a partir de quando se torna eficaz o Novo Código de Processo Civil, consoante as conhecidas orientações a respeito do tema adotadas pelos C. Conselho Nacional de Justiça e Superior Tribunal de Justiça, as regras de interposição da presente ação a serem observadas em sua apreciação são aquelas próprias ao CPC/1973. Inteligência do art. 14 do NCPC.
Verifico que foi obedecido o prazo de dois anos estabelecido pelo artigo 495 do CPC/1973, considerando o trânsito em julgado da decisão rescindenda em 06/02/2008 (certidão de fl. 107), a propositura desta ação em 12/08/2009 (fl. 02) e protocolo da reconvenção em 23/10/2009 (fl. 154).
Rejeito a preliminar de inépcia da exordial arguida pelo INSS, uma vez que os documentos trazidos pelo autor com a petição inicial são suficientes para a compreensão e deslinde da demanda, bem como preenche todos os requisitos dos artigos 282 e 283 do Código de Processo Civil de 1973.
Quanto à alegação de carência de ação confunde-se com o mérito da demanda e com ele será examinado.
Analiso, de início, a reconvenção proposta pelo INSS (fls. 154/165). Alega a autarquia-reconvinte a ocorrência de erro de fato na decisão rescindenda ao considerar existente (incapacidade para o trabalho) um fato inexistente (considerando que o autor permaneceu trabalhando mesmo após o termo inicial do benefício por incapacidade), bem como alega violação de lei ao se conceder auxílio-doença à pessoa que não preenchia o requisito da incapacidade e fixação do termo inicial em desacordo com o art. 60 da Lei nº 8.213/91. De acordo com a autarquia-reconvinte, o autor exerceu atividade laborativa até 14/01/2008, mesmo após o termo inicial fixado para o benefício por incapacidade em 04/04/2006, ou seja, encontrava-se capaz para o trabalho.
Para que ocorra a rescisão respaldada no inciso IX do art. 485 do CPC/1973, atualizado para o art. 966, inciso VIII, do CPC/2015, deve ser demonstrada a conjugação dos seguintes fatores, a saber: a) o erro de fato deve ser determinante para a sentença; b) sobre o erro de fato suscitado não pode ter havido controvérsia entre as partes; c) sobre o erro de fato não pode ter havido pronunciamento judicial, d) o erro de fato deve ser apurável mediante simples exame das peças do processo originário.
Nas palavras do eminente processualista Cassio Scarpinella Bueno: "O erro de fato não autoriza a rescisão da sentença e o proferimento de nova decisão por má avaliação da prova ou da matéria controvertida em julgamento. Não se trata de uma "nova chance" para rejulgamento da causa. Muito diferentemente, o erro de fato que autoriza a ação rescisória é o que se verifica quando a decisão leva em consideração fato inexistente nos autos ou desconsidera fato inconteste nos autos. Erro de fato se dá, por outras palavras, quando existe nos autos elemento capaz, por si só, de modificar o resultado do julgamento, embora ele não tenha sido considerado quando do seu proferimento ou, inversamente, quando leva-se em consideração elemento bastante para julgamento que não consta dos autos do processo" (in Código de Processo Civil Interpretado. Coordenador Antonio Carlos Marcato. São Paulo: Atlas, 2004, p. 1480).
No caso em questão, a incapacidade do autor-reconvindo fundamentou-se no laudo pericial (fl. 57 e 59) produzido na ação subjacente. Deste modo a decisão rescindenda considerou a existência de incapacidade laborativa do autor com base em prova técnica produzida na instrução do feito subjacente e realizada sob o contraditório, ou seja, não é possível falar na ocorrência de erro de fato, uma vez que o julgado rescindendo não considerou como inexistente um fato efetivamente ocorrido ou admitiu um fato inexistente, pois houve a resolução da questão expressamente como posta nos autos.
A rescisória não se presta ao rejulgamento do feito, como ocorre na apreciação dos recursos, mesmo que para correção de eventuais injustiças. Para se desconstituir a coisa julgada com fundamento em erro de fato é necessária a verificação de sua efetiva ocorrência, no conceito estabelecido pelo próprio legislador, o que não ocorreu no presente feito, sendo certo que o acórdão que se pretende rescindir considerou todos os elementos probatórios carreados aos autos. A propósito, segue recente julgado dessa 3ª Seção:
"PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA . VIOLAÇÃO LITERAL DE LEI. ERRO DE FATO. ART. 485, V E IX, DO CPC/1973. ART. 966 DO CPC/2015. INOCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO DO V. ACÓRDÃO RESCINDENDO.
1. Os argumentos deduzidos pela autora evidenciam tratar-se de pretensão rescisória direcionada ao questionamento do critério de valoração adotado no julgado rescindendo quanto à prova documental produzida na ação originária, fundamentado no livre convencimento motivado, buscando uma nova valoração das provas segundo os critérios que entende corretos, o que se afigura inadmissível na via estreita da ação rescisória com fundamento no artigo 485, V do Código de Processo Civil (1973).
2. Considerando o previsto no inciso IX e nos §§ 1º e 2º do artigo 485, do Código de Processo Civil (1973), é indispensável para o exame da rescisória com fundamento em erro de fato, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato, e que o erro se evidencie nos autos do feito em que foi proferida a decisão rescindenda, sendo inaceitável a produção de provas para demonstrá-lo na ação rescisória.
3. Improcedência do pedido formulado em ação rescisória . Honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja execução observará o disposto no art. 98, § 3º, do citado diploma legal."
(AR 2015.03.00.01688-0, Relator Des. Fed. Nelson Porfírio, j. em 08/02/2018, v.u; D.E. 23/02/2018)
Ausente o erro de fato, não há falar em violação de lei, uma vez que o julgado rescindendo analisou que o autor, à época, preenchia os requisitos para a concessão do auxílio-doença, de modo que não houve afronta aos dispositivos legais que disciplinam o benefício por incapacidade.
Além disso, verifica-se que o termo inicial do benefício foi fixado na data do laudo pericial (04/04/2006) em atendimento ao recurso de apelação do INSS no feito subjacente, uma vez que a sentença da ação originária (fls. 68/70) havia fixado referido termo na data da citação daqueles autos (28/01/2005 - fl. 37vº). Portanto, tendo o termo inicial sido fixado em atendimento ao apelo da autarquia, é descabido agora em reconvenção o INSS levantar a hipótese de rescisão por violação de lei em situação em que deu causa.
Cumpre observar, por fim, que o INSS pretende se valer do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS (fls. 166/170) para comprovar o exercício de atividade laborativa em período posterior à concessão do benefício por incapacidade, ou seja, de 04/04/2006 a 30/01/2008.
Assim, embora o INSS tenha indicado os incisos V (violar literal disposição de lei) e IX (erro de fato) do artigo 485 do CPC/73, os argumentos e fatos descritos na inicial da reconvenção permitem concluir que a demanda se baseia também em documento novo (art. 485, inciso VII, do CPC/73), sem que isso implique em julgamento "extra petita", tendo em vista a aplicação dos princípios "iura novit curia" e "da mihi factum dabo tibi jus".
Sob a perspectiva de rescisão em razão de documento novo, verifica-se que o teor do documento era de conhecimento da autarquia previdenciária quando do trâmite da ação subjacente, a qual, todavia, deixou de instruí-la com o referido documento.
Cumpre observar que o documento novo, previsto no Codex Processual, limita-se àquele que, apesar de existente no curso da ação originária, era ignorado pela parte, ou que, sem culpa do interessado, não pode ser utilizado no momento processual adequado, por motivo de força maior. Outrossim, deve o documento referir-se a fatos que tenham sido alegados no processo original, e ser capaz de, por si só, garantir um pronunciamento favorável.
Preconiza o artigo 485, inciso VII, do Código de Processo Civil de 1973, "in verbis":
"A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) VII - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável."
Deste modo, reputa-se documento novo, de molde a ensejar a propositura da ação rescisória, aquele que preexistia ao tempo do julgado rescindendo, cuja existência a parte autora ignorava ou, por razão justificável, não pôde fazer uso durante o curso da ação subjacente.
Não há como alegar o desconhecimento pelo INSS, por ocasião da demanda originária, dos elementos de prova constantes do CNIS, sistema de dados pertencente à própria autarquia, de acesso precípuo de seus agentes, restando manifesta a desídia do instituto, que deixou de lançar mão de elementos imprescindíveis à sua defesa, sem demonstração de qualquer impossibilidade de apresentá-los oportunamente.
Observo que a Ação Rescisória não é recurso com prazo dilatado. Não pode suprir falhas probatórias de ações anteriormente intentadas e deve ser utilizada com parcimônia, atendendo-se ao princípio de que cabe às partes provar os fatos constitutivos do seu direito, sob pena de ofensa ao princípio do devido processo legal.
Assim, a reconvenção do INSS é improcedente.
Passo à análise da rescisória.
Pretende o autor a rescisão do julgado em razão da ocorrência de erro de fato consistente na fixação do seu benefício no valor de 01 (um) salário mínimo, quando efetuou contribuições superiores a esse valor. Alega também a ocorrência de violação de lei ao desconsiderar o critério legal de cálculo da Renda Mensal Inicial - RMI.
Como dito anteriormente, para que ocorra a rescisão respaldada no inciso IX do art. 485 do CPC/1973, atualizado para o art. 966, inciso VIII, do CPC/2015, deve ser demonstrada a conjugação dos seguintes fatores, a saber: a) o erro de fato deve ser determinante para a sentença; b) sobre o erro de fato suscitado não pode ter havido controvérsia entre as partes; c) sobre o erro de fato não pode ter havido pronunciamento judicial, d) o erro de fato deve ser apurável mediante simples exame das peças do processo originário.
Verifica-se que o autor, na ação subjacente, objetivava a concessão de aposentadoria por invalidez, benefício que exige, para sua concessão, o preenchimento de três requisitos: a) qualidade de segurado, b) carência, e, c) incapacidade total e permanente. Realizada a instrução do feito, foi prolatada sentença de parcial procedência do pedido (fls. 68/70), condenando o INSS ao pagamento do benefício de auxílio-doença. O autor apelou insistindo na concessão da aposentadoria por invalidez e o INSS apelou pela improcedência do pedido. Os recursos foram julgados pela decisão monocrática (fls. 97/101), ora rescindenda, que confirmou a sentença na parte em que concedeu auxílio-doença e, assim decidindo, acabou negando seguimento ao apelo do autor, todavia, deu parcial provimento à remessa oficial, tida por interposta, e à apelação do INSS apenas para alterar o termo inicial do auxílio-doença da data da citação para a data do laudo pericial (04/04/2006).
A decisão rescindenda tão somente analisou o preenchimento dos requisitos para a concessão de auxílio-doença (qualidade de segurado, carência e incapacidade). Porém, no momento em que concluía seu raciocínio por meio do dispositivo, fez constar a seguinte redação:
"Diante do exposto, dou parcial provimento à remessa oficial tida por interposta e à apelação do INSS para que o termo inicial do benefício seja fixado na data do laudo pericial (04/04/2006) e nego seguimento à apelação do autor.
Determino que, independentemente do trânsito em julgado, expeça-se e-mail ao INSS, instruído com os devidos documentos da parte autora Getúlio do Nascimento, a fim de serem adotadas as providências cabíveis para que seja o benefício de Auxílio Doença implantado de imediato, com data de início - DIB em 04.04.2006, no valor de um salário mínimo, tendo em vista o 'caput' do art. 461 do CPC" (fl. 101, grifei).
Verifica-se que, apenas no momento da determinação de imediata implantação do benefício, a decisão rescindenda estipulou que seu valor fosse em 01 (um) salário mínimo. Tal situação não configura o erro de fato passível de rescindir o julgado. Primeiro porque a questão do valor do benefício não é determinante para a sentença e, segundo, porque o fato de o autor recolher salários-de-contribuição em valores superiores ao mínimo não era apurável mediante simples exame das peças do processo originário até o momento da decisão rescindenda.
Consultando todo o feito originário, da petição inicial até a certidão de trânsito em julgado em 06/02/2008 (fls. 20/107), não se verifica nenhum elemento indicativo dos valores recolhidos pelo autor a título de salários-de-contribuição, até porque desnecessários ao deslinde do feito. Apenas quando do retorno dos autos originários à primeira instância, após o trânsito em julgado da decisão rescindenda, o autor informou que o benefício de auxílio-doença no valor de 01 (um) salário mínimo não condiz com os valores percebidos por ele em sua carteira de trabalho (fl. 111/114).
Portanto, a meu ver, não restou caracterizado o erro de fato que autoriza a rescisão do julgado.
Por outro lado, dado o caráter excepcional de que se reveste a ação rescisória, para a configuração da hipótese de rescisão em questão, é certo que o julgado impugnado deve violar, de maneira flagrante, preceito legal de sentido unívoco e incontroverso.
Sobre o tema, anota Theotonio Negrão:
"Art. 485: 20. 'Para que a ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC prospere, é necessário que a interpretação dada pelo 'decisum' rescindendo seja de tal modo aberrante que viole o dispositivo legal em sua literalidade. Se, ao contrário, o acórdão rescindendo elege uma dentre as interpretações cabíveis, ainda que não seja a melhor, a ação rescisória não merece vingar, sob pena de tornar-se recurso ordinário com prazo de interposição de dois anos' (RSTJ 93/416. no mesmo sentido: RT 634/93." (Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. São Paulo: Saraiva, 44ª edição, 2012, p. 600).
Consoante jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o fato gerador para a concessão do benefício previdenciário deve ser regido pela lei vigente à época de sua concessão. Confira-se:
"1. O benefício previdenciário deve ser concedido pelas normas vigentes ao tempo do fato gerador, por força da aplicação do princípio tempus regit actum." (RESP nº 833.987/RN, Relatora Ministra LAURITA VAZ, j. 03/04/2007, DJU, 14/05/2007, p. 385).
Desta maneira, em obediência ao princípio do tempus regit actum, o auxílio-doença concedido ao autor em 04/04/2006 (NB 31/526.985.840-8) deve ser regido pela legislação em vigor à época, no caso, o artigo 29, inciso II, da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 9.876, de 26/11/1999, que assim dispunha:
"II - para os benefícios de que tratam as alíneas a, d, e e h do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo."
Além disso, o caput do artigo 61 da Lei nº 8.213/91, com redação dada pela Lei n.º 9.032/95, estabelece que a renda mensal do benefício de auxílio-doença corresponderá a uma renda mensal de 91% do salário-de-benefício, "in verbis":
"Art. 61. O auxílio-doença, inclusive o decorrente de acidente do trabalho, consistirá numa renda mensal correspondente a 91% (noventa e um por cento) do salário-de-benefício, observado o disposto na Seção III, especialmente no art. 33 desta Lei."
Com efeito, da análise da Carta de Concessão/Memória de Cálculo do benefício que se objetiva o recálculo (NB 526.985.840-8/31 - fl. 112), verifica-se que a autarquia previdenciária fixou a renda mensal inicial do benefício em R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais), correspondente ao salário mínimo da época.
Entretanto, no cálculo do citado benefício, consoante se extrai dos salários-de-contribuição já considerados em benefício anteriormente deferido (fl. 9), o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS desconsiderou as contribuições previdenciárias existentes, violando, assim, as regras legais de cálculo do valor do benefício.
Desta forma, restando caracterizada a violação de lei no ponto em que se fixou o valor do benefício em 01 (um) salário mínimo, rescinde-se o julgado questionado apenas nesta parte.
Passo ao juízo rescisório.
A parte autora postula o recálculo da renda mensal inicial do benefício de auxílio-doença (NB 31/526.985.840-8) com base na legislação de regência que determina a utilização dos salários-de-contribuição efetivamente recolhidos.
Na Carta de Concessão/Memória de Cálculo do benefício de auxílio-doença nº 31/502.144.236-4, com início de vigência em 19/11/2003, deferido anteriormente ao benefício em discussão, é possível aferir que houve salários-de-contribuição nas competências de 09/1994 a 08/2003, em valores superiores ao salário mínimo, o que acarretaria o cálculo do benefício em valor superior, fato também confirmado em consulta informatizada ao Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, em terminal instalado no gabinete desta Relatora.
Não se pode perder de perspectiva que a informação prestada pela DATAPREV, órgão que controla o processo informatizado de dados dos benefícios previdenciários, goza de fé pública, nos termos do artigo 405 do Código de Processo Civil de 2015. Consoante decidiu o extinto Tribunal Federal de Recursos, "O documento público merece fé, até prova em contrário, ainda que emanado da própria parte que o exibe" (6.ª Turma, AC 104.446-MG, Ministro EDUARDO RIBEIRO, j. 06/06/86).
Nesse sentido, respeitados os limites estabelecidos, devem integrar os salários-de-contribuição utilizados no período básico de cálculo as contribuições efetivamente recolhidas, com a observância na apuração o disposto no § 2º do artigo 29 da Lei nº 8.213/91.
Nesse sentido, jurisprudência desta Terceira Seção:
"AÇÃO RESCISÓRIA. AUXÍLIO-DOENÇA. REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL. SALÁRIO-DE-BENEFÍCIO. ARTIGO 29 INCISO II DA LEI 8.213/91. DECRETO 3.048/99. VIOLAÇÃO DE LEI CONFIGURADA. RESCISÃO DO JULGADO. PEDIDO ORIGINÁRIO PROCEDENTE. I - Pretende a parte autora a desconstituição do julgado por ter incidido em violação ao disposto no inciso II do artigo 29 da Lei nº 8.213/91, com redação dada pela Lei nº 9.876/99, que determina para o cálculo do salário-de-benefício, sejam utilizados os maiores salários-de-contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo. II - A expressão "violar literal disposição de lei" está ligada a preceito legal de sentido unívoco e incontroverso, merecendo exame cuidadoso em prol da segurança e estabilidade das decisões judiciais. III - Ao julgar improcedente o pedido originário de revisão da renda mensal inicial do benefício do autor, aplicando o disposto no art. 32, inciso II e § 2º do Decreto 3.048/99, o decisum rescindendo incidiu em ofensa à literal disposição do artigo 29, inciso II, da Lei nº 8.213/91, sendo de rigor a rescisão do julgado, com fulcro no artigo 485, inciso V, do C.P.C. IV - Como a DIB do benefício de auxílio-doença é 31/05/2002, o autor tem direito ao recálculo do salário-de-benefício, nos termos da atual redação do art. 29, inciso II, da Lei n° 8.213/91 c/c art. 188-A, § 4º, do Decreto nº 6.939/2009, fazendo jus ao pagamento das diferenças daí decorrentes, observada a prescrição das parcelas vencidas anteriormente aos 05 (cinco) anos do ajuizamento da demanda originária. V - A correção monetária e os juros moratórios incidirão nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor por ocasião da execução do julgado. VI - Os juros moratórios serão devidos a contar da citação da ação originária até a data da conta de liquidação que deu origem ao precatório ou à Requisição de Pequeno Valor - RPV. VII - As Autarquias Federais são isentas de custas, cabendo somente quando em reembolso. VIII - A verba honorária deve ser fixada em 10% sobre o valor da condenação, desde a citação na ação originária até a data desta decisão. IX - Rescisória julgada procedente. Pedido originário procedente."
(AR 00035381320134030000, DESEMBARGADORA FEDERAL TANIA MARANGONI, TRF3 - TERCEIRA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/06/2015 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
Assim sendo, a parte autora tem direito à revisão do seu benefício, nos termos acima explicitados, cabendo à autarquia previdenciária, portanto, proceder ao recálculo da renda mensal inicial do benefício em questão.
Considerando que no feito originário houve a expedição de ofício requisitório (fls. 143/144), o pagamento dos valores atrasados obtidos nesta ação rescisória deve observar a compensação de eventuais valores já adimplidos.
Os juros de mora e a correção monetária deverão observar o decidido pelo Plenário do C. STF, no julgamento do RE 870.947/SE, em Repercussão Geral, em 20/09/2017, Rel. Min. Luiz Fux, adotando-se no tocante à fixação dos juros moratórios o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, e quanto à atualização monetária, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).
Em observância ao art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC de 2015 e à Súmula nº 111 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, tendo em vista a sucumbência mínima do pedido (art. 86, parágrafo único, do CPC/15).
Por fim, a autarquia previdenciária está isenta do pagamento de custas e emolumentos, nos termos do art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96, do art. 24-A da Lei nº 9.028/95 (dispositivo acrescentado pela Medida Provisória nº 2.180-35/01) e do art. 8º, § 1º, da Lei nº 8.620/93, o que não inclui as despesas processuais. Todavia, a isenção de que goza a autarquia não obsta a obrigação de reembolsar custas suportadas pela parte autora, quando esta é vencedora na lide. Entretanto, no presente caso, não há falar em custas ou despesas processuais, por ser a parte autora beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Diante do exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do CPC/15, REJEITO AS PRELIMINARES, JULGO IMPROCEDENTE A RECONVENÇÃO E JULGO PROCEDENTE A AÇÃO RESCISÓRIA para, em juízo rescindente, com fundamento no artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil de 1973, desconstituir parcialmente a decisão proferida no processo nº 2007.03.99.030001-1, e, em juízo rescisório, julgar procedente o pedido da parte autora, determinando o recálculo do benefício de auxílio-doença, bem como condenar no pagamento das diferenças devidas, acrescidas de juros de mora, correção monetária, além de honorários advocatícios, na forma da fundamentação adotada.
Oficie-se ao Juízo de Direito da Comarca de Andradina/SP, comunicando-lhe o inteiro teor deste julgado.
É o voto.
LUCIA URSAIA
Desembargadora Federal Relatora
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